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Edição 35 - Revista Algomais

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As enxergâncias do Dom<br />

Por Fernando Antônio Gonçalves<br />

Lembro-me como se fosse hoje: meu pai,<br />

em 1968, mostrando-me, entusiasmado,<br />

um livro de Dom Helder Camara, “Revolução<br />

Dentro da Paz”, editado naquele ano pela<br />

Sabiá. O “velho”, de personalidade conservadora,<br />

ainda que nunca reacionária, admirava<br />

profundamente a ação pastoral do Dom<br />

e os seus pronunciamentos a favor de um<br />

mundo mais humanizante. E se extasiava<br />

com as reflexões analíticas do arcebispo,<br />

principalmente com sua afiadíssima capacidade<br />

sementeira de pugnar por novos amanhãs<br />

civilizatórios.<br />

O livro, coletânea de reflexões feita por<br />

um grupo de admiradores, quarenta anos<br />

depois e às vésperas do centenário de nascimento<br />

de Dom Hélder Câmara, merece ser<br />

cuidadosamente guardado. Ele proporciona<br />

um panorama das principais preocupações<br />

do Dom. Sua visão evolucionista, por exemplo,<br />

é explicitada de modo cristalino, através<br />

de uma conclusão pra lá de sutil: “custaram<br />

alguns a entender que o essencial a salvar<br />

– ontem, hoje e sempre – é a presença do<br />

Criador e Pai. O mais é maneira de contar ao<br />

alcance de todos”.<br />

Diante do maniqueísmo dos tridentinos<br />

e fundamentalistas contemporâneos,<br />

o Dom, há mais de quarenta anos, já dizia<br />

que “a oposição excessiva, feita por alguns,<br />

entre matéria e espírito, corpo e alma, quase<br />

firmava a convicção de que o espírito, sim, é<br />

criação de Deus, mas o corpo é quase criação<br />

do diabo”. E concordava com o teólogo<br />

Chenu, quando este afirmava que “a carne<br />

não pode ser sempre tida como sinônimo de<br />

pecado, de vez que o Verbo se fez carne e<br />

habitou entre nós”.<br />

Aplaudindo um humanismo bíblico e<br />

cristão, o Dom acreditava que o cristianismo<br />

somente se fortaleceria através de um<br />

desenvolvimento científico evolucionário,<br />

por “acolher o que há de verdade em todos<br />

os humanismos, inclusive os ateus, por mais<br />

unilaterais e agressivos que se tornem”. E<br />

reconhecia no ser humano “o direito e o dever<br />

de dominar a terra e completar a criação”,<br />

cabendo ao próprio capacitar-se em<br />

todos os campos do saber”.<br />

No livro, o Dom enviou um recado aos<br />

economistas da época: “Querem os economistas<br />

um bom começo para a revolução<br />

a empreender contra o econômico pelo<br />

econômico ...? Passem a bater-se pelo reconhecimento<br />

de que os mais rentáveis investimentos<br />

são os vinculados diretamente<br />

à formação do homem. Valorizem o homem<br />

como o centro e o fim da atividade econômica”.<br />

Recomendação ainda válida para os<br />

tempos de agora, dada a advertência de<br />

Bárbara Ward, uma extraordinária figura<br />

humana daquele tempo, que o próprio Dom<br />

reproduzia para seus colaboradores: “A riqueza,<br />

aliada à indiferença, atrai o castigo<br />

clássico que é, por indiferença e dureza de<br />

coração, perder contato com os anseios das<br />

grandes massas da Humanidade”.<br />

Sei da imensa admiração<br />

sentida por Dom<br />

Maurício Andrade, Bispo<br />

Primaz da Igreja Episcopal<br />

Anglicana do Brasil,<br />

pelo sempre amado<br />

Dom Hélder Câmara. E<br />

foi dele que, outro dia,<br />

ouvi uma reflexão feita<br />

pelo Dom, ressaltando<br />

os dois ângulos de uma<br />

visão entorpecida: “...<br />

quando dou pão aos<br />

pobres, chamam-me de<br />

santo, quando pergunto<br />

pelas causas da pobreza,<br />

me chamam de comunista.”<br />

Ratificando o pensar<br />

de Dom Hélder Câmara<br />

– “quase sempre<br />

o ateísmo nasce de<br />

deficiências na vida e<br />

no pensamento dos<br />

crentes” – sonho com<br />

a efetivação de um Movimento<br />

Solidariedade<br />

& Libertação, que congregasse<br />

os que amam<br />

o Homão da Galiléia,<br />

independentemente<br />

das denominações religiosas,<br />

estas hoje em franco declínio por<br />

descontemporaneidade. Um Movimento<br />

que ensejasse iniciativas que favorecessem<br />

a desalienação de milhares. Com uma justificativa<br />

que vem do próprio Dom: “É urgente<br />

evitar que os jovens se convençam de que a<br />

Igreja é mestra em preparar grandes textos<br />

e sonoras conclusões, sem a coragem de<br />

levá-las à prática”.<br />

Os balizamentos do Movimento seriam<br />

voltados para uma reflexão-ação eminentemente<br />

binoculizadora, por derradeiro antecipadora<br />

de amanhãs, percebendo-se todos<br />

metamorfoses ambulantes.<br />

Fernando Antônio Gonçalves é professor<br />

universitário e pesquisador social<br />

fevereiro ><br />

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