o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público
o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público
o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
que os interlocutores compartilham; como transmitir aos outros o infinito Aleph, que minha<br />
temerosa memória apenas abrange? 2 ”.<br />
Portanto, questiona-se como é possível começar sem uma cisão, sem uma ruptura<br />
brusca, sem um argumento que se autorreferencia, uma de-cisão, um número, uma<br />
demarcação fronteiriça dentro do texto? Talvez essa tarefa – difícil de cumprir, ante a<br />
preocupação por transmitir aos outros não apenas o Aleph, mas uma mensagem para, além<br />
dele, produzir uma narrativa –, possa ser realizada em nome de algo relevante, uma aporia, a<br />
aporia do <strong>tempo</strong>. Pois, a proposta que a subjaz, a de adensar as narrativas, singrar por outras<br />
águas que aquelas que produzam uma <strong>tempo</strong>ralidade homogênea e vazia, em certo sentido, é a<br />
mesma que se encontra no final – com outras roupagens – e, não por acaso, as marcas da<br />
escritura inicial reaparecem em outros momentos do texto, assim como o final já possui seus<br />
fios trançados no início, prenunciando seu subsequente desenlace.<br />
PARTE I - TEMPO<br />
1 – A aporia do <strong>tempo</strong><br />
Como falar do <strong>tempo</strong> sem falar de sua aporia articulada de maneira original e<br />
penetrante por Agostinho? Como começar a falar do <strong>tempo</strong> sem esta virada promovida no<br />
pensamento filosófico? A partir da dupla eternidade-<strong>tempo</strong> o passo de Agostinho foi traçado.<br />
Um mundo ideal, em que a eternidade se caracteriza como um sempre – aión – sem <strong>tempo</strong>,<br />
em contraste com um mundo sensível, imagem reflexa do mundo ideal da eternidade, e, por<br />
isso, dotado de um certo tipo de <strong>tempo</strong>ralidade – cronológica – como imagem móvel do aión.<br />
A eternidade, no livro XI <strong>das</strong> Confissões 3 de Agostinho, se configura como permanência,<br />
nem corroída nem corrosível, uma plenitude inatacável, um sempre que se opõe ao suceder<br />
ininterrupto do movimento, que é o <strong>tempo</strong>.<br />
A resposta formulada por Santo Agostinho ao problema do <strong>tempo</strong> – ao seu enigma –<br />
traz consigo dois níveis diferentes que também respondem a deman<strong>das</strong> diversas: em um<br />
primeiro momento, Agostinho realiza uma discussão acerca do <strong>tempo</strong> e da eternidade,<br />
distinguindo-os, em sua resposta aos maniqueus e, por uma via indireta, à filosofia grega; no<br />
2 BORGES, J. L. El Aleph. Barcelona: Biblioteca de la Literatura Universal, 2000. pp. 132-133. Tradução livre.<br />
3 AGOSTINHO, S. “Confissões”. In: Os pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 2004.<br />
6