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o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público

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anterioridade do <strong>tempo</strong>, pois este foi criado com o mundo, simultaneamente, não havendo um<br />

<strong>tempo</strong> antes do <strong>tempo</strong> 8 . A criação do homem, por sua vez, ocorre no <strong>tempo</strong>, é posterior ao<br />

<strong>tempo</strong> e ao mundo. Assim, o devir do homem e do mundo nada mais representam que a<br />

passagem do ser ao não ser, com a abertura para a alteração, a corrupção, o definhar, em que<br />

as coisas: “... deixam de ser o que tinham sido para começarem a ser o que não eram. 9 ”.<br />

O <strong>tempo</strong> como distensão 10 surge em sequência, eis que, como seria possível medir<br />

aquilo que não é? Desvela-se o paradoxo da medida engendrado pela questão do ser/não ser<br />

do <strong>tempo</strong>. Agostinho questiona-se, então, como poderia ser breve ou longa uma coisa que não<br />

existe, pois o passado já não existe enquanto o futuro ainda não existe. Não obstante, a<br />

extensão é observada e medições não deixam de ser feitas com o <strong>tempo</strong>. A solução do filósofo<br />

para a questão ocorre com a inserção do passado e do futuro no presente por meio da memória<br />

e da espera. Nesse sentido: “Se pudermos conceber um espaço de <strong>tempo</strong> que não seja<br />

suscetível de ser subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse<br />

podemos chamar <strong>tempo</strong> presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não<br />

tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o <strong>tempo</strong> presente<br />

não tem nenhum espaço. 11 ”.<br />

No mesmo sentido, Agostinho desmonta o passado e o futuro com o questionamento<br />

retórico: “Se existem coisas futuras e passa<strong>das</strong>, quero saber onde elas estão. 12 ”. A partir do<br />

não ser do pretérito e daquilo que está por vir, o filósofo afirma que elas, na verdade, são<br />

presentes. Existem, assim, três <strong>tempo</strong>ralidades amalgama<strong>das</strong> no presente: lembrança presente<br />

<strong>das</strong> coisas passa<strong>das</strong>, visão presente <strong>das</strong> coisas presentes e esperança presente <strong>das</strong> coisas<br />

futuras 13 . O presente se expõe, nesta reflexão, como passagem, transição, pois: “Quando está<br />

8<br />

Percebe-se, então, que o mundo não é coeterno com Deus, pois o mundo foi criado por Deus e com ele<br />

começaram a existir os <strong>tempo</strong>s. Assim, o mundo e os <strong>tempo</strong>s não são eternos como Deus, pois Deus, criador dos<br />

<strong>tempo</strong>s, existe antes dos <strong>tempo</strong>s. Nos termos de Agostinho: “Sendo, pois, Vós o obreiro de todos os <strong>tempo</strong>s – se<br />

é que existiu algum <strong>tempo</strong> antes da criação do céu e da terra –, por que razão se diz que Vos abstínheis de toda a<br />

obra? Efetivamente fostes Vós que criastes esse mesmo <strong>tempo</strong>, nem ele podia decorrer antes de o criardes!<br />

Porém, se antes da criação do céu e da terra não havia <strong>tempo</strong>, para que perguntar o que fazíeis então? Não podia<br />

haver „então‟ onde não havia <strong>tempo</strong>. Não é no <strong>tempo</strong> que Vós precedeis o <strong>tempo</strong>, pois, de outro modo, não<br />

seríeis anterior a todos os <strong>tempo</strong>s.” (AGOSTINHO, S. “Confissões”. p. 321). Sobre esta questão, Ricoeur explica<br />

que: “Mas a tese de que o <strong>tempo</strong> foi criado com o mundo – tese que já se lê em Platão, Timeu 38d – deixa aberta<br />

a possibilidade de que haja outros <strong>tempo</strong>s anteriores ao <strong>tempo</strong> [...] Agostinho dá à sua tese o aspecto da reductio<br />

ad absurdum: mesmo se existisse um <strong>tempo</strong> antes do <strong>tempo</strong>, esse <strong>tempo</strong> seria ainda uma criatura, posto que<br />

Deus é o artífice de todos os <strong>tempo</strong>s. Um <strong>tempo</strong> anterior a toda criação é, pois, impensável.” (RICOEUR, P.<br />

Tempo e narrativa (tomo 1). p. 47).<br />

9<br />

AGOSTINHO, S. “Confissões”. p. 346.<br />

10<br />

Após negar a relação do <strong>tempo</strong> com o movimento dos corpos celestes, prática adotada tanto pelos romanos<br />

como pelos judeus, Agostinho afirma que o <strong>tempo</strong> é uma distensão. Cf. AGOSTINHO, S. “Confissões”. p. 331.<br />

11<br />

AGOSTINHO, S. “Confissões”. p. 324.<br />

12<br />

AGOSTINHO, S. “Confissões”. p. 326.<br />

13<br />

“Ora, para abrir caminho à idéia de que o que medimos é de fato o futuro compreendido mais tarde como<br />

espera e o passado compreendido como memória, é preciso pleitear pelo ser do passado e do futuro, negado<br />

8

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