o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público
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<strong>tempo</strong>s longos e os <strong>tempo</strong>s curtos: com a imagem-impressão, o verbo importante não é mais<br />
passar (transire), mas permanecer (manet). 21 ”.<br />
Os dois enigmas do <strong>tempo</strong>, do ser/não ser e o da medida sem extensão são<br />
solucionados. Há uma explícita remissão à subjetividade em Agostinho, pois, é no espírito<br />
que o ponto cardeal do(s) <strong>tempo</strong>(s) pode ser articulado, e é na própria alma que a impressão, o<br />
registro, a marca produzida pela passagem <strong>das</strong> coisas, faz com que seja possível medir o(s)<br />
<strong>tempo</strong>(s). Explica Agostinho:<br />
Meço a impressão que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que<br />
permanece, ainda depois de elas terem passado. Meço-a a ela enquanto é presente, e<br />
não àquelas coisas que se sucederam para a impressão ser produzida. É a essa<br />
impressão ou percepção que eu meço, quando meço os <strong>tempo</strong>s. Portanto, ou esta<br />
impressão é os <strong>tempo</strong>s ou eu não meço os <strong>tempo</strong>s. 22<br />
Há uma aproximação, portanto, da dispersão ontológica da alma – distentio animi – da<br />
concepção de diástase (separação) – diástasis. O aspecto que Agostinho confere à distensão<br />
indica que a vida do ser humano, imersa na <strong>tempo</strong>ralidade, se torna radicalmente exterior ao<br />
eterno. Segundo Silvia Magnavacca: “De fato, na distentio, o espírito, já não se prende em um<br />
<strong>tempo</strong>, o seu, o vital, o positivo da distentio animi no primeiro sentido mencionado, mas se<br />
dissipa nos <strong>tempo</strong>s: „in <strong>tempo</strong>ra dissilui‟. 23 ”. A alma individual se encontra no ser, em sua<br />
contingência que, por esta característica – por ser finito, <strong>tempo</strong>ral e múltiplo – não pode<br />
satisfazer as condições de infinitude e eternidade.<br />
Deve-se salientar que o <strong>tempo</strong> histórico, na mesma direção, é compreendido por<br />
Agostinho como o sentido e medida <strong>das</strong> transformações protagoniza<strong>das</strong> pela humanidade<br />
considerada como um todo. Magnavacca aponta que: “Certamente, se poderiam assinalar<br />
antecedentes, porém, como se sabe, Agostinho é o primeiro a pensar a direção da História<br />
como epopéia única, linear, irrepetível de toda humanidade e não apenas de um povo ou de<br />
uma cultura. O central nisto é que a epopéia se joga nesta vida, ainda que não culmine<br />
nela. 24 ”.<br />
Desse modo, a humanidade, tomada em conjunto, é como um homem único, cuja vida<br />
começa com Adão e terminará com o fim do mundo. Porém, regida pelas leis da divina<br />
21 RICOEUR, P. Tempo e narrativa (tomo 1). p. 37.<br />
22 AGOSTINHO, S. “Confissões”. p. 336.<br />
23 MAGNAVACCA. S. “El tiempo histórico como ámbito de construcción metafísica en Agustín.” In:<br />
REEGEN, J. G. J. et al. (orgs.) Tempo e eternidade na Idade Média. Porto Alegre: EST Edições, 2007. p. 16.<br />
Tradução livre.<br />
24 MAGNAVACCA. S. “El tiempo histórico como ámbito de construcción metafísica en Agustín.”. p. 18.<br />
Tradução livre.<br />
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