o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público
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horas, cada vez mais comuns, constituam uma negação do período noturno como <strong>tempo</strong> de<br />
descanso 87 .<br />
Com o advento da industrialização, o <strong>tempo</strong> transformou-se em “moeda” e não havia<br />
mais a sensação do passar do <strong>tempo</strong>, mas uma mudança significativa, para gastar o <strong>tempo</strong>. As<br />
instituições sociais corroboraram com essa mudança, prenhe em simbologias de poder social<br />
e, desde o século XIV, passou-se a construir relógios de Igreja e relógios públicos nas<br />
cidades. Mas os sinos e os relógios solares ainda cumpriam tarefa importante na orientação<br />
espaço-<strong>tempo</strong>ral <strong>das</strong> cidades. Os sinos em especial, prestavam orientação <strong>das</strong> horas de labor e<br />
descanso e guiavam forasteiros 88 .<br />
Com a difusão de tecnologias liga<strong>das</strong> à regulação do <strong>tempo</strong>, como o uso de pêndulos<br />
no século XVII e o uso de relógios portáteis no século XVIII, percebe-se que a Revolução<br />
Industrial demandava uma “maior sincronização do trabalho”. Por isso: “O pequeno<br />
instrumento que regulava os novos ritmos da vida industrial...” o relógio portátil “... era ao<br />
mesmo <strong>tempo</strong> uma <strong>das</strong> mais urgentes dentre as novas necessidades que o capitalismo<br />
industrial exigia para impulsionar o seu avanço. 89 ”.<br />
Pode-se perceber que, até o advento da civilização industrial, a vida <strong>das</strong> pessoas não<br />
era amarrada pela <strong>tempo</strong>ralidade da produção e, também, o modo como esta acabou por se<br />
infiltrar nos outros domínios da vida humana. Sobre os relógios expõe Whitrow: “O<br />
desenvolvimento e o aperfeiçoamento contínuo do relógio mecânico e, mais recentemente, de<br />
relógios que trazemos conosco, teve profunda influência em nosso modo de viver. 90 ”.<br />
Antes da introdução da produção industrial havia uma significativa irregularidade dos<br />
padrões de trabalho. Mas uma visão de completa irregularidade do ciclo de trabalho, adverte<br />
Thompson, decorria dos moralistas e mercantilistas do século XVII 91 , pois, um criado de<br />
fazenda, ou um trabalhador rural regular, vivia sob uma intensa disciplina laboral e, além de<br />
cumprir suas horas regulamentares (ou mais), não tinha <strong>direito</strong>s ou terras comuns. Nesse<br />
87 Sobre a questão observa Le Goff: “Uma função essencial do calendário é a de ritmar a dialética do trabalho e<br />
do <strong>tempo</strong> livre, o entrecruzamento dos dois <strong>tempo</strong>s: o <strong>tempo</strong> regular, mas linear, do trabalho, mais sensível às<br />
mutações históricas, e o <strong>tempo</strong> cíclico da festa, mais tradicional, mas permeável às mudanças da história.” (LE<br />
GOFF, J. História e memória. p. 510).<br />
88 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. p. 275.<br />
89 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. p. 279.<br />
90 WHITROW, G. J. O <strong>tempo</strong> na história. p. 31.<br />
91 De acordo com o relato de John Houghton de 1681, exposto por Thompson: “Quando os fabricantes de malhas<br />
ou de meias de seda conseguiam um bom preço pelo seu trabalho, observava-se que raramente trabalhavam nas<br />
segun<strong>das</strong>-feiras e nas terças-feiras, mas passavam a maior parte de seu <strong>tempo</strong> na cervejaria ou no boliche [...].<br />
Quanto aos tecelões, é comum vê-los bêbados nas segun<strong>das</strong>-feiras, com dor de cabeça nas terças, e com as<br />
ferramentas estraga<strong>das</strong> nas quartas. Quanto aos sapateiros, eles preferem ser enforcados a esquecerem são<br />
Crispim na segunda-feira [...] e isso geralmente se prolonga enquanto têm no bolso uma moeda de um penny ou<br />
crédito no valor de um penny.” (HOUGHTON, J. Collection of letters. Apud: THOMPSON, E. P. Costumes em<br />
comum. p. 282).<br />
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