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o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público

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Outra importante representação kairológica pode ser associada com a roda da Fortuna.<br />

Para Sypher, um padrão cronométrico da experiência humana que a arte medieval herdou dos<br />

clássicos, de modo que a ideia medieval de tragédia dependia da rotação da roda da Fortuna.<br />

A imagem <strong>das</strong> mudanças que a roda da Fortuna poderia promover se tingiram com uma<br />

implicação moral, na qual o orgulho antecede a queda, em que se faz possível associar a ideia<br />

de hybris, a insolência daquele que provoca a inveja nos deuses. Explica Sypher: “A hybris<br />

não é mencionada na discussão de Aristóteles de tragédia, mas talvez esteja escondida em sua<br />

perspectiva da figura trágica como aquela que falha em razão de alguma cegueira ou<br />

disparate, comprometendo-a com uma escolha desastradamente enganada. 73 ”.<br />

Para García: “O <strong>tempo</strong> cronológico parece se impor a nós desde o exterior; o<br />

kairológico vive em nossa intimidade. Permanecemos, assim, divididos entre dois tipos de<br />

experiências <strong>tempo</strong>rais. 74 ”. De um lado, o <strong>tempo</strong> objetivo, monótono e repetitivo, que nos<br />

devora, porém, do outro, um <strong>tempo</strong> subjetivo, em que o ser humano pode encontrar sua<br />

experiência <strong>tempo</strong>ral, por meio da memória, da nostalgia, da esperança, <strong>tempo</strong> que pode ser<br />

articulado, armazenado ou alargado. Como afirma François Ost:<br />

Contra a duração continuista, tocada pela entropia, fazem-se ouvir a descontinuidade<br />

do imprevisto, a ruptura do instante, a fissura do acidente, a álea da contingência, a<br />

sobrevinda do acontecimento. Contra Cronos, sempre em vias de destruir suas obras,<br />

está Kairós, a ocasião propícia que impõe seus <strong>direito</strong>s, liberando, às vezes, uma<br />

energia histórica verdadeiramente inaugural: o <strong>tempo</strong> morto da repetição, cede lugar<br />

ao <strong>tempo</strong> forte da instauração. 75<br />

Giorgio Agamben explora outro prisma da relação entre Cronos e Kairós, e após<br />

admitir que esses são qualitativamente heterogêneos, procura aproximar os dois a partir da<br />

definição de Kairós feita por Hipócrates: “A mais bela definição de kairós que conheço se<br />

encontra no Corpus Hippocraticum, que o caracteriza justamente em relação com cronos.<br />

Reza assim: [...] „o <strong>tempo</strong> é aquele no qual há kairós e kairós é aquele em que há pouco<br />

<strong>tempo</strong>‟. 76 ”. Agamben formula, a partir do texto do “pai da medicina”, a implicação dos<br />

conceitos de <strong>tempo</strong> que estão imbricados, em que Kairós não dispõe de outro <strong>tempo</strong> que<br />

Cronos, pois aquilo que é apreendido quando se trata de Kairós, não é nada mais que um<br />

Cronos contraído e abreviado. Segue suas reflexões sob a influência de Hipócrates: “O texto<br />

hipocrático continua com as seguintes palavras: „A cura tem lugar às vezes por meio de<br />

73 SYPHER, W. The ethic of time. p. 10. Tradução livre.<br />

74 GARCÍA, G. V. Entre cronos y Kairós. p. 63. Tradução livre.<br />

75 OST, F. O <strong>tempo</strong> do <strong>direito</strong>. p. 213.<br />

76 AGAMBEN, G. El tiempo que resta. Comentario a la carta a los Romanos. Madrid: Editorial Trotta, 2006. p.<br />

73. Tradução livre.<br />

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