o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público
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do <strong>tempo</strong> (supervisor), os delatores e as multas (como no caso de punição de empregados<br />
atrasados). Havia, com isso, uma tentativa de conferir um “uso-econômico-do-<strong>tempo</strong>”.<br />
A disciplina <strong>tempo</strong>ral da sociedade, e por consequência do trabalho, se expressava<br />
tanto na refutação aos preguiçosos, como na tentativa de controlar o horário de despertar dos<br />
trabalhadores (proletarizados), que os faria – idealmente – acordar cedo e dormir cedo,<br />
evitando festas ex<strong>tempo</strong>râneas. A escola também se adequava às mudanças culturais para<br />
introjetar nas crianças a noção do uso-econômico-do-<strong>tempo</strong>. As escolas ensinavam o trabalho,<br />
a obediência às ordens, a sobriedade e observância <strong>das</strong> horas; por isso, dentro dos portões da<br />
escola as crianças entravam no universo do <strong>tempo</strong> disciplinado (pela produção).<br />
Segundo Thompson: “Para a maioria dos trabalhadores, a experiência crucial da<br />
Revolução Industrial foi percebida com uma alteração na natureza e na intensidade da<br />
exploração. 96 ”. O processo de exploração demandado pode ser também observado no relato<br />
de um “Oficial Fiandeiro de Algodão”, em que são relaciona<strong>das</strong> as injustiças sofri<strong>das</strong> pelos<br />
trabalhadores com as alterações da exploração capitalista, como: a disciplina, a monotonia, o<br />
<strong>tempo</strong> de trabalho e suas condições, a perda do <strong>tempo</strong> livre e de recreação, a redução <strong>das</strong><br />
pessoas à condição de instrumentos, etc. 97 .<br />
Essa mudança também foi objeto de reflexão de Morais, que observa, no processo de<br />
estabelecimento da sociedade industrial, a imposição de uma nova estrutura disciplinar que<br />
formatasse o <strong>tempo</strong> <strong>das</strong> pessoas em <strong>tempo</strong> de trabalho, “... seja como produção propriamente<br />
dita, seja como recuperação <strong>das</strong> forças para uma nova jornada. 98 ”. O importante era fazer<br />
com que o <strong>tempo</strong> do trabalhador ficasse todo à disposição do aparelho produtivo; por isso, o<br />
controle e a disciplina se estendiam para além da fábrica até a vida cotidiana <strong>das</strong> pessoas 99 .<br />
A oposição a essa “nova percepção do <strong>tempo</strong>” – a qual foi acompanhada de<br />
instrumentos de poder – não tardou a ser formulada. Se em um primeiro momento os<br />
trabalhadores aprenderam o significado da disciplina <strong>tempo</strong>ral para o trabalho, constrangidos,<br />
oprimidos – pois o controle <strong>das</strong> horas era uma atribuição exclusiva do empregador, o que<br />
96 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. p. 23.<br />
97 Vejam-se alguns trechos do relato: “Os trabalhadores, em geral, formam um grupo de homens inofensivos,<br />
modestos e bem-informados, embora eu desconheça a maneira como se informam. São dóceis e afáveis, se não<br />
os molestarem muito, mais isso não surpreende, quando consideramos que eles são treinados para trabalhar<br />
desde os seis anos de idade, <strong>das</strong> cinco da manhã até às oito ou nove da noite. [...] A decisão do magistrado<br />
geralmente beneficiava o mestre, embora se baseasse apenas nas declarações do contramestre. O trabalhador não<br />
se atrevia a apelar, por causa dos custos...” (THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. pp. 23-<br />
27).<br />
98 MORAIS, J. L. B. A subjetividade do <strong>tempo</strong>. p. 28<br />
99 Anota Morais que: “A questão do horário, ou melhor, a questão dos espaços <strong>tempo</strong>rais, referentemente ao<br />
trabalhador sujeito à disciplina fabril, e não só ele, como todo o homem engajado no processo produtivo, se eleva<br />
como ponto crucial na batalha da regularização sistemática da força de trabalho.” (MORAIS, J. L. B. A<br />
subjetividade do <strong>tempo</strong>. p. 43).<br />
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