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o silêncio das sereias: tempo, direito e violência ... - Domínio Público

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Cronos indica o <strong>tempo</strong> medido, que é habitualmente entendido como <strong>tempo</strong><br />

cronológico, o <strong>tempo</strong> marcado pelo relógio. O seu significado grego é, todavia, mais<br />

complexo e, ainda, corresponde à noção de <strong>tempo</strong> numerado 65 . Marramao explana: “... cronos<br />

não pode ser reduzido ao plano homogêneo da medida, à vazia „exterioridade‟, mas se refere<br />

ao número... 66 ”, enquanto o aión não se resolve em uma estática, mas refere-se à imagem da<br />

vitalidade, intensa como energia ou virtual duração e, em Homero, o termo conservaria uma<br />

conotação completamente humana, significando a vida individual.<br />

Marramao afirma, ainda, que, de acordo com a simbologia grega do <strong>tempo</strong>, aión<br />

aparece, na maioria <strong>das</strong> vezes, retratado como um menino, uma criança, enquanto chronos<br />

aparece quase sempre no semblante de um velho. Além dessa simbologia, há a remissão a<br />

uma importante tradição de uma mítica Idade de Ouro, ocorrida em um passado remoto<br />

indeterminado. Whitrow relata que: “A mais antiga descrição dela de que dispomos encontra-<br />

se em Os trabalho e os dias, de Hesíodo (c. 700 a.C.), que lançou mão dessa idéia para<br />

explicar a condição presente do homem e, em particular, sua necessidade de trabalhar. 67 ”.<br />

Para Hesíodo, nos <strong>tempo</strong>s remotos houvera uma Idade de Ouro em que Cronos era o rei, e<br />

esta teria terminado com sua queda, com a ascensão de Zeus, seu filho. O declínio original da<br />

Idade de Ouro primeva era explicado pelo mito de Prometeu.<br />

Por outro lado, Kairós, simbolizado como um deus menor, uma espécie de anjo<br />

deformado, com a cabeça raspada mas com uma mecha de cabelo na frente (como no afresco<br />

de Francesco Salivati), representa o momento da felicidade, da mudança, da oportunidade – o<br />

momento oportuno fugidio –, o <strong>tempo</strong> qualitativo. Além disso, pode também ser relacionado<br />

com a distensão da alma refletida por Santo Agostinho. Kairós é, portanto, a deidade do<br />

momento decisivo que, em sua versão cristã reflete o <strong>tempo</strong> da plenitude, o momento do<br />

<strong>tempo</strong> invadido pela eternidade.<br />

Segundo Marramao, o termo que corresponde à noção grega de tempus seria Kairós, e<br />

não chronos, como habitualmente se interpreta. Kairós designa, como tempus, uma figura<br />

muito complexa da <strong>tempo</strong>ralidade, a qual se refere à qualidade do acordo e da mescla<br />

oportuna de elementos diversos 68 . Os gregos antigos compreenderam Kairós em diversos<br />

níveis, como no caso <strong>das</strong> arenas política e jurídica. No plano do <strong>direito</strong>, Kairós aparece<br />

65 Sobre esta questão expõe Marramao: “Característica do número é que este determina alguma coisa, de modo a<br />

manter-se independente do que delimita. Portanto, quando se afirma que chronos é „o número do movimento<br />

segundo o antes e o depois‟, se sublinha que nós numeramos e determinamos a partir <strong>das</strong> horas (nyn) o<br />

movimento como „passar‟, mas é por isso que este número não está vinculado nem ao conteúdo essencial do<br />

„movido‟, nem ao movimento enquanto tal.” (MARRAMAO, G. Kairós. p. 77. Tradução livre).<br />

66 MARRAMAO, G. Kairós. p. 12. Tradução livre.<br />

67 WHITROW, G. J. O <strong>tempo</strong> na história. p. 64.<br />

68 MARRAMAO, G. Kairós. p. 99.<br />

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