13.06.2013 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Gilberto <strong>de</strong> Mello Kujawski<br />

A circunstância, no texto orteguiano, respon<strong>de</strong> à etimologia da palavra. É<br />

tudo o que está à minha volta (circum me), tudo o que não sou eu, mas com que estou<br />

inexoravelmente vinculado: o século e o país em que vivo, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />

faço parte e a língua que eu falo, os usos sociais, as instituições, as crenças básicas<br />

em que me apóio, a cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vivo, minha família, meu legado histórico,<br />

e você, meu amigo, com quem falo agora. Circunstância é tudo o que eu encontro<br />

junto a mim, inclusive meu corpo e minha alma. Eu não sou nem meu corpo,<br />

nem minha alma, encontro-me com ambos, como me encontro com uma<br />

herança ou neste compartimento em que trabalho.<br />

Minha circunstância não sou eu, mas ela é inseparável <strong>de</strong> mim, estou inapelavelmente<br />

ligado a ela, e sem ela eu não vivo. Eu e minha circunstância estamos<br />

integrados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, não como dois elementos separados que se juntam,<br />

mas como dois pólos da mesma realida<strong>de</strong>. Esta realida<strong>de</strong> é minha vida, na<br />

sua inteireza e na sua unida<strong>de</strong>. “Eu” e “circunstância” são dois momentos abstratos<br />

<strong>de</strong>ssa unida<strong>de</strong> inteiriça na qual ambos se absorvem, minha vida. Minha<br />

circunstância faz parte constitutiva <strong>de</strong> mim, sem ela eu não sou eu. Por isso<br />

Ortega, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> assegurar que “eu sou eu e minha circunstância”, prossegue<br />

no mesmo enunciado “e se não a salvo, não me salvo eu” (“Meditaciones <strong>de</strong>l<br />

Quijote”, OC, I, 322). Por exemplo, se não me esforço para salvar minha pátria,<br />

minha socieda<strong>de</strong>, não me salvo eu.<br />

Se minha circunstância é tudo o que não sou eu, então quem sou eu? Eu sou<br />

aquele que tem que fazer algo com minha circunstância para viver, para me<br />

manter à tona na existência. A circunstância não é unilateral, não me impõe<br />

uma atuação única e forçosa. Pelo contrário, a circunstância abre para mim um<br />

teclado <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s e urgências entre as quais tenho que escolher aquela<br />

que melhor se ajusta com quem eu projeto ser. Portanto, quem eu sou é um<br />

projeto. Pois minha vida me é dada, mas não me é dada feita. Para fazer minha<br />

vida, escolho, entre as várias possibilida<strong>de</strong>s postas pela circunstância, a possibilida<strong>de</strong><br />

mais a<strong>de</strong>quada comigo mesmo. Para que esta escolha se efetive, tenho<br />

que <strong>de</strong>terminar previamente quem vou ser, quem projeto ser. “Por isso – indica<br />

Marías – o homem não po<strong>de</strong> viver sem um projeto vital, original ou anônimo,<br />

74

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!