Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Gilberto <strong>de</strong> Mello Kujawski<br />
Minha vida é livre para assumir os mais diversos papéis, mas ela só possui<br />
sua mesmida<strong>de</strong>, sua verda<strong>de</strong>, na vocação, esse projeto que se impõe a mim como<br />
aquele que eu tenho que ser. Vocação não se escolhe, é fatalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>stino, mas<br />
o exercício da vocação, que alimenta e robustece a vocação, é sempre livre.<br />
A vocação não se confun<strong>de</strong> com os dotes, nem com as carreiras, “trajetórias<br />
genéricas e esquemáticas”. A vocação não diz respeito ao que <strong>de</strong>vo fazer, mas<br />
ao que <strong>de</strong>vo ser na realização total da minha vida, que ultrapassa <strong>de</strong> muito a<br />
carreira. “A vocação estrita do homem é vocação para uma vida concretíssima, individualissima<br />
e integral...”.<br />
Em suma, perguntar pelo “sentido da vida” significa indagar pelo sentido<br />
da vida humana. Esta é a minha vida, a <strong>de</strong> cada qual. E a espinha dorsal da minha<br />
vida, que garante seu prumo e sua sustentação, é a minha vocação, aquele<br />
projeto que assume minha vida na totalida<strong>de</strong> e a inspira nos menores <strong>de</strong>talhes,<br />
numa atitu<strong>de</strong>, num pequeno gesto, numa palavra.<br />
É na vocação, assim concebida, que se traduz, em última análise, o sentido<br />
da vida humana. A vocação, unida aos dotes correspon<strong>de</strong>ntes, resulta na inspiração.<br />
A inspiração move a pessoa como um sopro criador, e nasce da vocação<br />
madura. Tal e qual o artista inspirado, que atina sempre com a palavra certa, a<br />
pincelada precisa, a nota a<strong>de</strong>quada, a pessoa vocacionada, inspirada, não se<br />
permite hesitar em nenhuma atitu<strong>de</strong>, ou gesto, ou palavra, ou nuance <strong>de</strong> comportamento,<br />
colocando-as todas no plano <strong>de</strong> sua vida com rigor aproximado<br />
ao do poema no qual cada palavra ocupa seu lugar certo. E falo em rigor<br />
“aproximado” porque a vocação é utópica, nunca se realiza totalmente, ao<br />
contrário da obra <strong>de</strong> arte, sempre perfeita e irretocável. Aquele que foi assumido<br />
por sua vocação legítima sabe, não <strong>de</strong> modo teórico e abstrato, mas vivido e<br />
concreto, em estado <strong>de</strong> inspiração, qual é o sentido da vida.<br />
82