Prosa - Academia Brasileira de Letras
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A<strong>de</strong>us aos telhados<br />
como parecem os valores e os costumes <strong>de</strong> duzentos anos atrás, ou <strong>de</strong> cem, ou<br />
<strong>de</strong> trinta. Vive-se, então, em um universo sem história; vive-se um atualismo<br />
gratuito, convive-se com o virtual e com o momentâneo.<br />
As frases clássicas sobre o homem, que se encontram nos clássicos (os gregos<br />
e romanos), tinham por trás <strong>de</strong> si uma série <strong>de</strong> notícias, precárias mas expressivas,<br />
<strong>de</strong> povos outros e <strong>de</strong> épocas pretéritas, épocas e povos que se apresentavam<br />
com reis e palácios, espadas e cavalos, e que pareciam ser diferentes,<br />
até certo ponto, mas em alguma medida análogas aos dos próprios clássicos.<br />
Com isto relacionava-se a figura mesma do homem, idêntico e diverso, o mesmo<br />
contudo.<br />
No século vinte tivemos ao mesmo tempo gran<strong>de</strong>s acréscimos no conhecimento<br />
do homem, e entretanto um posicionamento ambíguo, por parte do<br />
Oci<strong>de</strong>nte, em relação ao passado e à pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> povos: coisa que sempre<br />
existiu <strong>de</strong> alguma forma mas agora agravado pelo incremento das técnicas <strong>de</strong><br />
comunicação. Até o século quatorze, ou quinze, as armas dos europeus eram as<br />
mesmas dos antigos persas, ou dos gregos, o que, aliás, permitiu que o “mundo<br />
clássico” não parecesse tão estranho para um estudioso do século quinze, Petrarca,<br />
por exemplo. Do mesmo modo que as armas, as casas, as colunas, os navios.<br />
As diferenças começam aí pelos séculos <strong>de</strong>zesseis ou <strong>de</strong>zessete: surgiram,<br />
por exemplo, as armas <strong>de</strong> fogo, os canhões que as gerações anteriores não conheceram.<br />
Nos séculos <strong>de</strong>zenove e vinte vieram os motores e com eles novos<br />
meios <strong>de</strong> transporte; mudanças maiores nas comunicações e na educação. Mudanças<br />
<strong>de</strong>sconcertantes vieram no século vinte.<br />
O homem se reconhece então, cada vez menos, nas imagens do passado. Com<br />
isto o conhecimento da História, no sentido didático, se fez mais constante,<br />
porém mais difícil. Nos séculos <strong>de</strong>zesseis ou <strong>de</strong>zessete, gran<strong>de</strong>s pintores figuravam<br />
personagens bíblicos em trajes <strong>de</strong> seu próprio tempo; no <strong>de</strong>zenove, isto<br />
já não ocorre, mas a pintura se afasta dos temas mais antigos. À medida que os<br />
homens ignoram a vida <strong>de</strong> seus antepassados, e não reconhecem as figuras e as<br />
realida<strong>de</strong>s da existência <strong>de</strong>les, ten<strong>de</strong>m a cair no vazio os questionamentos da<br />
antropologia filosófica, as alusões ao “homem” e o apelo das frases dos clássi-<br />
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