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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Urbano Zilles<br />

Esta separação repercute, <strong>de</strong> maneira análoga, na vida das pessoas. Por um<br />

lado, é indiscutível o progresso da tecnociência. Por outro, estabeleceu-se uma<br />

divisão no sujeito. Tudo que não cabe <strong>de</strong>ntro da universalida<strong>de</strong> racional e objetiva<br />

da tecnociência é empurrado para a subjetivida<strong>de</strong>. Reduzindo a razão<br />

humana à razão instrumental, o próprio sujeito da tecnociência passa a ser instrumentalizado.<br />

Fechando-se no mundo da tecnociência, <strong>de</strong>clara esse como a<br />

única realida<strong>de</strong>, esquecendo que o mundo da vida é muito mais amplo, mais<br />

rico e mais complexo que o mundo da ciência. No mundo da vida, existem<br />

questões fundamentais do ser humano que não encontram resposta na ciência,<br />

tais como a fé, o amor e a dimensão espiritual, que dá sentido à própria existência<br />

e ao próprio trabalho. Nessa perspectiva, ciência e fé são complementares.<br />

Ser cientista po<strong>de</strong> ser um caminho em direção a Deus, pois ele é autor, não<br />

só do Universo, mas também <strong>de</strong> nossa inteligência. Eliminar a dimensão espiritual<br />

é mutilar a vida humana, da mesma maneira como se mutilaria o ser humano<br />

ao eliminar sua capacida<strong>de</strong> racional.<br />

Parece-me que os obstáculos para falar da espiritualida<strong>de</strong> hoje são menores<br />

no campo das ciências exatas que nas ciências humanas e, nessas, não tanto por<br />

causa da cientificida<strong>de</strong> quanto por opções i<strong>de</strong>ológicas.<br />

No passado, a visão do mundo era a <strong>de</strong> um mundo repleto do divino. Mas<br />

essa era uma visão dualista, separando espírito e matéria. No pensamento analítico<br />

da Antiga Grécia, instaurou-se a dicotomia corpo-alma. Platão consi<strong>de</strong>rava<br />

o corpo como a prisão da alma. A vida espiritual tinha como meta a libertação<br />

da alma. A visão pejorativa do corpo aplicou-se, sobretudo, à sexualida<strong>de</strong>.<br />

Por isso cultivou-se uma visão prepon<strong>de</strong>rantemente negativa com relação<br />

ao humano, ao mundo, ao corpo, à matéria, etc.<br />

No cristianismo, a espiritualida<strong>de</strong> beneditina, com seu “ora et labora”, ainda<br />

apresenta equilíbrio. O mesmo nem sempre ocorre <strong>de</strong>pois, sobretudo a partir<br />

do século VIII, quando se per<strong>de</strong>u, no Oci<strong>de</strong>nte cristão, a visão global do<br />

mistério pascal para concentrar-se na morte <strong>de</strong> Cristo na cruz.<br />

Na passagem do medievo para a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> opera-se outra mudança. A<br />

afirmação do indivíduo traz como conseqüência a afirmação <strong>de</strong> sua autono-<br />

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