A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale
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Este <strong>de</strong>senvolvimento por ser aquele <strong>de</strong> uma vida<br />
elevada e característica é também <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> por uma<br />
elevada e característica finalida<strong>de</strong>. Embora aparentemente<br />
evi<strong>de</strong>nte, a correlação Vida e Finalida<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>ixa<br />
apreen<strong>de</strong>r facilmente por um simples ato <strong>de</strong> conhecimento e<br />
só é percebida e captada não naquela sua esfera própria on<strong>de</strong><br />
se fazem sentir as finalida<strong>de</strong>s particulares e isoladas da vida,<br />
mas sim numa esfera mais elevada on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser procura<strong>do</strong><br />
o objetivo final <strong>de</strong>stas finalida<strong>de</strong>s. 18<br />
Em última analise to<strong>do</strong>s os fenômenos vitais assim como<br />
as suas finalida<strong>de</strong>s particulares e isoladas não surgem para<br />
serem úteis à vida mas sim para dar expressão à sua<br />
natureza e para apresentar aquilo que ela significa. Do<br />
mesmo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>verá ser finalida<strong>de</strong> da tradução expressar a<br />
relação mais íntima das línguas. A tradução nunca consegue<br />
na verda<strong>de</strong> revelar, nunca consegue estabelecer essa relação<br />
oculta; po<strong>de</strong> todavia apresentá-la na medida em que <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />
incoativo intensifica ou fecunda a sua essência embrionária. 19<br />
Este mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> representar um significa<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> uma<br />
tentativa e através da essência embrionária da sua fatura<br />
cria<strong>do</strong>ra é sem dúvida absolutamente original e<br />
característico 20 não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser encontra<strong>do</strong> para além <strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>mínio da vida que se associa à linguagem, pois, sob forma<br />
<strong>de</strong> analogias e sinais e símbolos, a vida tem também outros<br />
tipos <strong>de</strong> alusão e representação que aquele <strong>de</strong> uma<br />
atualização intensa e <strong>de</strong> caráter visionário e insinuante. Essa<br />
relação íntima e oculta que po<strong>de</strong>mos percepcionar entre as<br />
línguas constitui uma convergência e união muito particular<br />
que nos <strong>de</strong>ixa ver que as línguas não são estranhas umas as<br />
outras, e isto não apenas quanto às possíveis relações e<br />
parentescos históricos, mas a priori sen<strong>do</strong> aparentadas e<br />
análogas naquilo que preten<strong>de</strong>m exprimir.<br />
Com estas tentativas <strong>de</strong> explicação parece, aliás, que<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um <strong>de</strong>svio talvez inútil, sempre acabamos por<br />
regressar à tradicional teoria <strong>de</strong> tradução, pois se as<br />
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traduções <strong>de</strong>vem preservar o parentesco 21 das línguas que<br />
mais po<strong>de</strong>rão elas fazer senão transmitir o mais exatamente<br />
possível a forma e o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> original? A teoria tradicional<br />
não se ocupa, porém, <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong>sta exatidão que ela<br />
própria exige, e não está por isso em condições <strong>de</strong> afirmar<br />
aquilo que seja em ultima análise essencial numa tradução.<br />
Em boa verda<strong>de</strong> este parentesco e esta afinida<strong>de</strong> das línguas<br />
atestam-se <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais profun<strong>do</strong> e preciso que qualquer<br />
semelhança superficial e in<strong>de</strong>finida que exista em <strong>do</strong>is<br />
poemas. Para se apreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vidamente a verda<strong>de</strong>ira relação<br />
entre o original e a tradução, cumpre empregar um critério<br />
cuja finalida<strong>de</strong> é completamente análoga àqueles processos e<br />
<strong>de</strong>cursos <strong>do</strong> pensamento em que a crítica <strong>do</strong> conhecimento<br />
mostra a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong> cópia ou reprodução <strong>do</strong><br />
real.<br />
Será então <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que nenhum da<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
conhecimento po<strong>de</strong> ser ou ter pretensões a ser objetivo<br />
quan<strong>do</strong> se contenta em reproduzir o real, e <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong><br />
também nenhuma tradução será viável se aspirar<br />
essencialmente a ser uma reprodução parecida ou semelhante<br />
ao original. 22 Isto porque o original se modifica<br />
necessariamente na sua “sobrevivência”, nome que seria<br />
impróprio se não indicasse a metamorfose e renovação <strong>de</strong><br />
algo com vida. Mesmo para as palavras já <strong>de</strong>finitivamente<br />
sepultadas num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> texto existe um amadurecimento<br />
póstumo. Aquilo que em vida <strong>de</strong> um autor po<strong>de</strong>ria ser uma<br />
tendência ou particularida<strong>de</strong> da sua linguagem poética po<strong>de</strong><br />
mais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong> to<strong>do</strong> enquanto novas tendências<br />
<strong>de</strong> natureza imanente surgirão muito possivelmente das<br />
formas literárias. O que dantes era novo po<strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong><br />
parecer obsoleto e o que era uso corrente po<strong>de</strong> soar arcaico.<br />
Procurar na subjetivida<strong>de</strong> recém-nascida e não na<br />
própria vida da língua e das suas obras a essência tanto<br />
<strong>de</strong>ssas metamorfoses como da constância <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s<br />
seria, como confessaria até o psicologismo mais crasso,<br />
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