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A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale

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Sem a nomear explicitamente, Ru<strong>do</strong>lf Pannwitz<br />

caracterizou o verda<strong>de</strong>iro senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta liberda<strong>de</strong> num trecho<br />

da sua “Crise da Cultura Européia”, que ao la<strong>do</strong> das notas que<br />

Goethe fez para o seu “Divan”, <strong>de</strong>ve facilmente contar entre o<br />

melhor que na Alemanha jamais se publicou sobre a “Teoria<br />

da Tradução”. Eis o que lá encontramos escrito:<br />

41<br />

as nossas versões, mesmo as melhores, partem dum princípio falso:<br />

elas preten<strong>de</strong>m germanizar o índico, o grego, e o inglês, em vez <strong>de</strong><br />

indianizar, helenizar e inglesar o alemão. Elas têm um respeito e uma<br />

veneração muito maior pelos usos e costumes da sua própria língua <strong>do</strong><br />

que pelo espírito <strong>de</strong> uma obra estrangeira… o erro fundamental <strong>do</strong><br />

<strong>tradutor</strong> consiste em este se agarrar ao esta<strong>do</strong> em que por acaso se<br />

encontra a sua língua em vez <strong>de</strong> a submeter ao po<strong>de</strong>roso impulso das<br />

outras línguas. Sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> traduz <strong>de</strong> uma língua muito<br />

afastada da sua, ele <strong>de</strong>ve fazer por remontar nessa língua aos<br />

elementos básicos em que a palavra, a imagem e o som se unificam,<br />

alargan<strong>do</strong> e aprofundan<strong>do</strong> a sua própria língua em função da língua<br />

estrangeira; poucas vezes se tem noção da medida em que isso é<br />

possível e até que grau uma língua é suscetível <strong>de</strong> evoluir, porque<br />

apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> as línguas diferem tão pouco entre si como os dialetos,<br />

isto se não as consi<strong>de</strong>rarmos ligeiramente e se a nossa análise as<br />

encarar com suficiente serieda<strong>de</strong>.<br />

Até que ponto uma tradução consegue estar à altura,<br />

até que ponto consegue correspon<strong>de</strong>r à essência <strong>de</strong>sta forma<br />

será objetivamente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> através da traduzibilida<strong>de</strong> 40<br />

<strong>do</strong> original. Quanto menos a sua linguagem tiver em valor e<br />

dignida<strong>de</strong>, mais ela será em comunicação, 41 e menos terá a<br />

tradução <strong>de</strong> ganhar com isso, até que a completa<br />

prepon<strong>de</strong>rância <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, longe <strong>de</strong> atuar como uma<br />

alavanca para a tradução plena, acabará mesmo por a<br />

malograr. Quanto mais elevada for a forma tanto mais ela<br />

permanecerá traduzível no contato fugidio que tem com o seu<br />

significa<strong>do</strong>. Naturalmente isto só é váli<strong>do</strong> para os originais.<br />

As traduções, por outro la<strong>do</strong>, provam serem<br />

intraduzíveis não por causa <strong>do</strong> seu peso mas sim por razão da<br />

ligeireza com que nelas é fixa<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong>. 42 Confirmam<br />

isto as versões <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>rlin, em especial as duas tragédias <strong>de</strong><br />

Sófocles, que também são importantes para outros pontos <strong>de</strong><br />

vista não menos essenciais. Nelas a harmonia das duas<br />

línguas é tão profunda que a língua toca no significa<strong>do</strong> tão<br />

ligeiramente como o vento passan<strong>do</strong> por uma harpa eólia.<br />

Neste senti<strong>do</strong> as traduções <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>rlin são verda<strong>de</strong>iros<br />

arquétipos da sua forma. Elas estão para as mais perfeitas<br />

traduções <strong>do</strong>s seus textos como o arquétipo para o protótipo,<br />

como se po<strong>de</strong> ver comparan<strong>do</strong> as traduções que Höl<strong>de</strong>rlin e<br />

Borchardt fizeram da terceira o<strong>de</strong> pítica <strong>de</strong> Píndaro.<br />

É por essa razão que po<strong>de</strong>mos encontrar nelas o<br />

tremen<strong>do</strong> e fundamental erro <strong>de</strong> todas as traduções: que os<br />

portões duma língua tão alargada e tão bem <strong>do</strong>minada<br />

acabem por se fechar, encerran<strong>do</strong> consigo no silêncio o<br />

<strong>tradutor</strong>. As últimas obras <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>rlin foram <strong>de</strong> fato as suas<br />

traduções <strong>de</strong> Sófocles. Nelas o significa<strong>do</strong> precipita-se <strong>de</strong><br />

abismo em abismo até ameaçar per<strong>de</strong>r-se nas insondáveis<br />

profun<strong>de</strong>zas da língua. Há todavia um ponto em que é<br />

possível parar. Mas mesmo assim ele não nos é concedi<strong>do</strong> em<br />

nenhum texto senão nas sagradas escrituras, em que o<br />

significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser a linha divisória para as águas<br />

torrentosas da Língua e para as líquidas torrentes da<br />

revelação. On<strong>de</strong> o texto na sua literalida<strong>de</strong> pertence <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

imediato e sem um significa<strong>do</strong> intermediário à Língua<br />

verda<strong>de</strong>ira, à Verda<strong>de</strong>, ou à Doutrina, ele é pura e<br />

simplesmente traduzível, não por sua própria causa, mas<br />

simplesmente por exigência das línguas.<br />

Perante ele é exigida uma confiança tão ilimitada nas<br />

capacida<strong>de</strong>s da tradução, que aqui na forma da versão<br />

interlinear 43 a literalida<strong>de</strong> e a liberda<strong>de</strong> se têm que unir como<br />

no caso da Língua e da revelação, pois to<strong>do</strong>s os gran<strong>de</strong>s<br />

escritos, e mais <strong>do</strong> que qualquer outro os textos sagra<strong>do</strong>s,<br />

contêm em si nas suas entrelinhas em grau varia<strong>do</strong> a sua<br />

tradução virtual. E assim a versão interlinear <strong>do</strong> texto<br />

sagra<strong>do</strong> 44 é o arquétipo ou i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> toda tradução.<br />

42

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