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A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale

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traduções <strong>do</strong>s mesmos textos, como o arquétipo em relação<br />

ao mo<strong>de</strong>lo, como <strong>de</strong>monstra a comparação entre as traduções<br />

<strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>rlin e <strong>de</strong> Borchardt da terceira O<strong>de</strong> Pítica <strong>de</strong> Píndaro.<br />

Precisamente por isso resi<strong>de</strong> nelas, mais <strong>do</strong> que em outras, o<br />

monstruoso perigo originário <strong>de</strong> toda tradução: que se fechem<br />

as portas <strong>de</strong> uma língua tão <strong>do</strong>minada e expandida,<br />

encerran<strong>do</strong> o <strong>tradutor</strong> no silêncio. As traduções <strong>de</strong> Sófocles<br />

foram a última obra <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>rlin. Nelas, o senti<strong>do</strong> precipita-se<br />

<strong>de</strong> abismo em abismo, até arriscar per<strong>de</strong>r-se no sem-fun<strong>do</strong><br />

das profun<strong>de</strong>zas da língua. Mas há uma pausa. Entretanto, ela<br />

não é asseverada por nenhum outro texto, senão pelo texto<br />

sagra<strong>do</strong>, no qual o senti<strong>do</strong> cessou <strong>de</strong> constituir o divisor <strong>de</strong><br />

águas entre o fluxo da língua e o fluxo da revelação. Lá on<strong>de</strong><br />

o texto, diretamente, sem mediações, sem a intermediação<br />

<strong>de</strong> um senti<strong>do</strong>, pertencer, em sua literalida<strong>de</strong>, à língua<br />

verda<strong>de</strong>ira, à verda<strong>de</strong>, à teoria ou à <strong>do</strong>utrina, ele é por<br />

<strong>de</strong>finição traduzível. Certamente, não mais em seu próprio<br />

nome, mas unicamente em nome das línguas. Diante disso,<br />

requer-se da tradução uma confiança tão ilimitada que, assim<br />

como no texto língua e revelação se unificaram, na tradução<br />

literalida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem obrigatoriamente unir-se, sem<br />

tensões, na forma da versão justalinear. Pois to<strong>do</strong>s os<br />

gran<strong>de</strong>s escritos contêm, em certa medida– em mais alto<br />

grau, porém, os escritos sagra<strong>do</strong>s – a sua tradução virtual<br />

entre as linhas. A versão justalinear <strong>do</strong> texto sagra<strong>do</strong> é o<br />

arquétipo ou i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> toda tradução.<br />

81<br />

A <strong>tarefa</strong> <strong>do</strong> <strong>tradutor</strong><br />

Tradução <strong>de</strong> João Barrento<br />

Em caso algum a preocupação com o <strong>de</strong>stinatário se revela<br />

fecunda para o conhecimento <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> arte ou <strong>de</strong> uma<br />

forma artística. E é assim não apenas porque toda a relação<br />

com um público <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> ou com os seus representantes<br />

correspon<strong>de</strong> a um <strong>de</strong>svio, mas também porque até o conceito<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatário “i<strong>de</strong>al” é nefasto em toda a reflexão no âmbito<br />

da teoria da arte, porque a função <strong>de</strong>sta última é tão somente<br />

a <strong>de</strong> pressupor a existência e a essência <strong>do</strong> homem em geral.<br />

A própria arte pressupõe a existência corpórea e espiritual <strong>do</strong><br />

homem – mas em nenhuma das suas obras a sua atenção. De<br />

facto, nenhum poema se <strong>de</strong>stina ao leitor, nenhum quadro ao<br />

observa<strong>do</strong>r, nenhuma sinfonia aos ouvintes.<br />

Destinar-se-á uma tradução aos leitores que não<br />

enten<strong>de</strong>m o original? Isto parece suficiente para explicar a<br />

diferença <strong>de</strong> nível entre ambas as coisas no plano artístico.<br />

Para além disso, parece também ser a única razão possível<br />

para o facto <strong>de</strong> alguém dizer “a mesma coisa”, repetin<strong>do</strong>-a.<br />

Que coisa “diz”, afinal, uma obra literária? Sobre que<br />

realida<strong>de</strong> informa? Diz e informa muito pouco àquele que a<br />

compreen<strong>de</strong>. O que nela há <strong>de</strong> essencial não é da or<strong>de</strong>m da<br />

informação [comunicação: Mitteilung] nem <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>. E<br />

no entanto, uma tradução que preten<strong>de</strong>sse servir <strong>de</strong> meio <strong>de</strong><br />

comunicação não po<strong>de</strong>ria fazer passar mais <strong>do</strong> que a<br />

informação – ou seja, algo <strong>de</strong> inessencial. E esta é, <strong>de</strong> facto, a<br />

marca inconfundível das más traduções. Mas aquilo que uma<br />

obra literária contém, para lá da informação – e até o mau<br />

<strong>tradutor</strong> reconhece que é isso o essencial –, não será<br />

precisamente o que nela há <strong>de</strong> inapreensível, <strong>de</strong> misterioso,<br />

<strong>de</strong> “poético”? Algo que o <strong>tradutor</strong> apenas po<strong>de</strong> reconstituir se<br />

também ele… criar uma obra poética? Daqui advém uma<br />

segunda característica das más traduções, que se po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>finir como a transmissão imprecisa <strong>de</strong> um conteú<strong>do</strong><br />

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