07.11.2013 Views

A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale

A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale

A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

nenhuma solução lhe parece estar pre<strong>de</strong>stinada. E não terá<br />

afinal <strong>de</strong> ser assim, não será que se nega e retira as bases a<br />

uma tal <strong>tarefa</strong> logo que <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cisiva a reprodução <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong> no original? 31 De fato ven<strong>do</strong> as coisa dum ponto <strong>de</strong><br />

vista negativo, é isso o que acima temos dito. Fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e<br />

liberda<strong>de</strong>: liberda<strong>de</strong> na restituição <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>; e, ao<br />

serviço <strong>de</strong>ste significa<strong>do</strong>, fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> para com as próprias<br />

palavras: são estes os velhos conceitos que surgem sempre<br />

que se fala da arte <strong>de</strong> traduzir. Eles porém já não parecem<br />

ser <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para uma teoria que tenha outras aspirações<br />

que esta <strong>de</strong> reproduzir o significa<strong>do</strong>, e é com razão que<br />

tradicionalmente se consi<strong>de</strong>ra estes <strong>do</strong>is conceitos em<br />

permanente e constante contradição. E afinal como po<strong>de</strong>ria a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato contribuir para a reprodução <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> original?<br />

A fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> da tradução das palavras isoladas quase<br />

nunca consegue restituir completamente o significa<strong>do</strong> que<br />

estas têm no original. Pois o significa<strong>do</strong> poético não é<br />

restringi<strong>do</strong> nem fica esgota<strong>do</strong> pela intenção <strong>do</strong> original, e esta<br />

dinamiza-o na medida em que a intenção está ligada aos<br />

mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “querer dizer” existente numa <strong>de</strong>terminada palavra.<br />

É isto o que se costuma dizer quan<strong>do</strong> se afirma que as<br />

palavras comportam uma tonalida<strong>de</strong> afetiva. Aliás a<br />

literalida<strong>de</strong> no que respeita à sintaxe violenta qualquer<br />

tentativa <strong>de</strong> reprodução <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> e por vezes ameaça<br />

mesmo conduzir-nos para o mais intolerável <strong>do</strong>s absur<strong>do</strong>s. As<br />

traduções <strong>de</strong> Sófocles feitas por Höl<strong>de</strong>rlin no século XIX, são<br />

exemplos <strong>de</strong>sta “literalida<strong>de</strong>” em matéria <strong>de</strong> traduções, e<br />

compreen<strong>de</strong>-se facilmente que a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> quanto à<br />

reprodução da forma dificulte a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>vemos ao<br />

significa<strong>do</strong>. Em conseqüência disso a exigência <strong>de</strong> literalida<strong>de</strong><br />

nas traduções não se <strong>de</strong>duz <strong>do</strong> interesse em preservar o<br />

significa<strong>do</strong>, e este favorece menos a poesia e a própria língua<br />

que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sregrada <strong>do</strong>s maus <strong>tradutor</strong>es.<br />

37<br />

Assim, embora a sua razão <strong>de</strong> ser seja evi<strong>de</strong>nte, e por<br />

os seus fundamentos estarem profundamente ocultos, esta<br />

exigência <strong>de</strong> literalida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong> ser compreendida em função<br />

<strong>de</strong> relações a<strong>de</strong>quadas: <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que, se quisermos<br />

juntar <strong>de</strong> novo os cacos <strong>de</strong> um vaso, estes tem <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r<br />

uns aos outros, sem serem todavia necessariamente iguais<br />

quanto às suas ínfimas particularida<strong>de</strong>s, também a tradução,<br />

em vez <strong>de</strong> imitar o original para se aparentar a ele, <strong>de</strong>ve<br />

insinuar-se com amor nas mais ínfimas particularida<strong>de</strong>s tanto<br />

<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>do</strong> “querer dizer” original como na sua própria<br />

língua, isto <strong>de</strong> maneira a junta-las como se fossem cacos <strong>de</strong><br />

um vaso, para que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> as juntar elas nos <strong>de</strong>ixem<br />

reconhecer uma língua mais ampla que as abranja a ambas.<br />

Por isso ela tem <strong>de</strong> renunciar em gran<strong>de</strong> parte ao<br />

simples propósito <strong>de</strong> comunicar algo, e o original passa a serlhe<br />

essencial apenas na medida em que pelo fato <strong>de</strong> já existir,<br />

dispensa o <strong>tradutor</strong> da fadiga e <strong>do</strong> sistema ou or<strong>de</strong>m daquilo<br />

que é comunica<strong>do</strong>. Também quanto ao <strong>do</strong>mínio abrangi<strong>do</strong><br />

pela arte <strong>de</strong> traduzir é váli<strong>do</strong> dizer que εν αρχη ην ο λογος, no<br />

começo era a palavra. Por outro la<strong>do</strong> a sua linguagem po<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>ve mesmo <strong>de</strong>scorar o significa<strong>do</strong>, isso para que o seu<br />

próprio intentio 32 não ressoe como reprodução, mas sim como<br />

harmonia e como complemento feito à língua em que se<br />

comunica a simples reprodução, fazen<strong>do</strong>-se assim ouvir o<br />

mo<strong>do</strong> particular <strong>do</strong> seu intentio. Por isso não é o maior mérito<br />

que uma tradução po<strong>de</strong> ter, sobretu<strong>do</strong> na própria época em<br />

que surge, fazer-se compreendida como se fosse um texto<br />

original.<br />

Maior e mais importante é ainda o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

que ficaria <strong>do</strong>utro mo<strong>do</strong> oculta<strong>do</strong> pela literalida<strong>de</strong>, isto para<br />

que a partir da obra se faça ouvir a ânsia nostálgica pelo<br />

complemento que aperfeiçoe e torna una a Língua. A<br />

verda<strong>de</strong>ira tradução é transparente. Ela não oculta o original,<br />

nem lhe rouba luz. Pelo contrário ela faz com que a Língua<br />

pura, como que reforçada pelo seu próprio medium, incida<br />

38

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!