A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale
A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale
A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
palavras dizem algo <strong>de</strong> diferente para o alemão e para o<br />
francês, não sen<strong>do</strong> intercambiáveis e mesmo, por fim, ten<strong>de</strong>m<br />
a excluir-se uma à outra, ao passo que, no que concerne ao<br />
significa<strong>do</strong>, toma<strong>do</strong> absolutamente, as palavras dizem o<br />
mesmo. Enquanto o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> significar nas duas palavras se<br />
opõe, completa-se ele nas duas línguas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provém.<br />
Nelas, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> significar se acrescenta ao significa<strong>do</strong>. Nas<br />
línguas particulares, incompletas portanto, o que significam<br />
nunca se encontra em relativa in<strong>de</strong>pendência, como nas<br />
palavras ou frases consi<strong>de</strong>radas isoladamente, senão que em<br />
constante mudança, na expectativa <strong>de</strong> emergir como a língua<br />
pura da harmonia <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s estes mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> significar. Até<br />
esse momento isso permanece oculto nas línguas. Mas, se<br />
estas se <strong>de</strong>senvolvem até o fim messiânico <strong>de</strong> sua história, é<br />
a tradução, por extrair sua chama da eterna pervivência das<br />
obras e <strong>do</strong> renascimento infinito das línguas, que sempre e <strong>de</strong><br />
novo põe à prova este sagra<strong>do</strong> crescimento das línguas: para<br />
saber até que ponto o mistério que encobrem está distante da<br />
revelação e como po<strong>de</strong>r-se-ia fazer presente no saber <strong>de</strong>sta<br />
distância.<br />
Com isso, verifica-se que toda tradução é um mo<strong>do</strong>, por<br />
assim dizer, provisório <strong>de</strong> se medir a estranheza das línguas<br />
entre si. Uma solução para essa estranheza, que seja mais <strong>do</strong><br />
que temporária e provisória, que seja instantânea e <strong>de</strong>finitiva,<br />
eis aí o que é interdito aos homens, ou ao menos, algo que<br />
não é buscável diretamente. Porém, <strong>de</strong> maneira mediata, é o<br />
crescimento das religiões que faz amadurecer nas línguas a<br />
semente latente <strong>de</strong> uma linguagem superior. Assim, a<br />
tradução, ainda que não possa preten<strong>de</strong>r a durabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
suas obras, e nisto se diferencia da arte, não aban<strong>do</strong>na por<br />
isso sua orientação rumo a um estágio último, <strong>de</strong>finitivo,<br />
<strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong> toda composição verbal. Nela, o original<br />
transpassa, por assim dizer, para uma zona mais alta e mais<br />
pura da linguagem, na qual não po<strong>de</strong> viver por longo tempo<br />
como, <strong>de</strong> resto, está distante <strong>de</strong> alcançá-la em todas as<br />
57<br />
partes <strong>de</strong> sua forma, mas a que assinala <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />
extraordinariamente penetrante como ao âmbito prometi<strong>do</strong> e<br />
interdito <strong>de</strong> reconciliação e cumprimento das linguas. Este<br />
âmbito não é alcança<strong>do</strong> em bloco, mas nele se encontra<br />
aquilo que faz da tradução algo mais <strong>do</strong> que mera<br />
comunicação. Mais precisamente po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir esse núcleo<br />
essencial como que na tradução não é retraduzível. Pois, <strong>do</strong><br />
que se po<strong>de</strong> extrair <strong>do</strong> comunicável para o mediável,<br />
permanece sempre o intocável, para o qual se orienta o<br />
trabalho <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro <strong>tradutor</strong>. Ele não é transmissivel, ao<br />
contrário da palavra cria<strong>do</strong>ra (Dichterwort) <strong>do</strong> original, pois a<br />
relação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> com a linguagem difere completamente<br />
no original e na tradução. No original, conteú<strong>do</strong> e linguagem<br />
formam uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, como a <strong>do</strong> fruto e da<br />
casca, a linguagem da tradução envolve seu conteú<strong>do</strong>, como<br />
um manto real, com <strong>do</strong>bras sucessivas. Pois ela significa uma<br />
linguagem superior a si mesma e permanece, por isso, em<br />
relação ao próprio conteú<strong>do</strong>, ina<strong>de</strong>quada, violenta e estranha.<br />
Essa fratura impe<strong>de</strong> cada transposição (Übertragung) e a<br />
torna vã. Pois toda tradução <strong>de</strong> uma obra, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />
ponto temporal da história da língua, representa, com<br />
respeito a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> aspecto <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, esse<br />
aspecto e aquele momento em todas as outras línguas. A<br />
tradução transplanta, assim, o original a um terreno<br />
ironicamente mais <strong>de</strong>finitivo da língua, ao menos enquanto o<br />
original não po<strong>de</strong> mais ser <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> por nenhuma<br />
transposição, mas só eleva<strong>do</strong>, sobre esse terreno, sempre <strong>de</strong><br />
novo e noutras partes. Não é ocasional que a palavra irônico<br />
aqui lembre cursos <strong>de</strong> idéiàs românticas; antes <strong>de</strong> outros os<br />
românticos penetraram na vida das obras, da qual a tradução<br />
é um testemunho superior. Por certo não reconheceram esse<br />
papel da tradução e <strong>de</strong>dicaram toda sua atenção à crítica, que<br />
representa também um momento, embora menor, na<br />
sobrevivência das obras. Entretanto, ainda que sua teoria não<br />
se tenha concentra<strong>do</strong> na tradução, suas gran<strong>de</strong>s traduções se<br />
58