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A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: - Fale

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palavras dizem algo <strong>de</strong> diferente para o alemão e para o<br />

francês, não sen<strong>do</strong> intercambiáveis e mesmo, por fim, ten<strong>de</strong>m<br />

a excluir-se uma à outra, ao passo que, no que concerne ao<br />

significa<strong>do</strong>, toma<strong>do</strong> absolutamente, as palavras dizem o<br />

mesmo. Enquanto o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> significar nas duas palavras se<br />

opõe, completa-se ele nas duas línguas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provém.<br />

Nelas, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> significar se acrescenta ao significa<strong>do</strong>. Nas<br />

línguas particulares, incompletas portanto, o que significam<br />

nunca se encontra em relativa in<strong>de</strong>pendência, como nas<br />

palavras ou frases consi<strong>de</strong>radas isoladamente, senão que em<br />

constante mudança, na expectativa <strong>de</strong> emergir como a língua<br />

pura da harmonia <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s estes mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> significar. Até<br />

esse momento isso permanece oculto nas línguas. Mas, se<br />

estas se <strong>de</strong>senvolvem até o fim messiânico <strong>de</strong> sua história, é<br />

a tradução, por extrair sua chama da eterna pervivência das<br />

obras e <strong>do</strong> renascimento infinito das línguas, que sempre e <strong>de</strong><br />

novo põe à prova este sagra<strong>do</strong> crescimento das línguas: para<br />

saber até que ponto o mistério que encobrem está distante da<br />

revelação e como po<strong>de</strong>r-se-ia fazer presente no saber <strong>de</strong>sta<br />

distância.<br />

Com isso, verifica-se que toda tradução é um mo<strong>do</strong>, por<br />

assim dizer, provisório <strong>de</strong> se medir a estranheza das línguas<br />

entre si. Uma solução para essa estranheza, que seja mais <strong>do</strong><br />

que temporária e provisória, que seja instantânea e <strong>de</strong>finitiva,<br />

eis aí o que é interdito aos homens, ou ao menos, algo que<br />

não é buscável diretamente. Porém, <strong>de</strong> maneira mediata, é o<br />

crescimento das religiões que faz amadurecer nas línguas a<br />

semente latente <strong>de</strong> uma linguagem superior. Assim, a<br />

tradução, ainda que não possa preten<strong>de</strong>r a durabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

suas obras, e nisto se diferencia da arte, não aban<strong>do</strong>na por<br />

isso sua orientação rumo a um estágio último, <strong>de</strong>finitivo,<br />

<strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong> toda composição verbal. Nela, o original<br />

transpassa, por assim dizer, para uma zona mais alta e mais<br />

pura da linguagem, na qual não po<strong>de</strong> viver por longo tempo<br />

como, <strong>de</strong> resto, está distante <strong>de</strong> alcançá-la em todas as<br />

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partes <strong>de</strong> sua forma, mas a que assinala <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

extraordinariamente penetrante como ao âmbito prometi<strong>do</strong> e<br />

interdito <strong>de</strong> reconciliação e cumprimento das linguas. Este<br />

âmbito não é alcança<strong>do</strong> em bloco, mas nele se encontra<br />

aquilo que faz da tradução algo mais <strong>do</strong> que mera<br />

comunicação. Mais precisamente po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir esse núcleo<br />

essencial como que na tradução não é retraduzível. Pois, <strong>do</strong><br />

que se po<strong>de</strong> extrair <strong>do</strong> comunicável para o mediável,<br />

permanece sempre o intocável, para o qual se orienta o<br />

trabalho <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro <strong>tradutor</strong>. Ele não é transmissivel, ao<br />

contrário da palavra cria<strong>do</strong>ra (Dichterwort) <strong>do</strong> original, pois a<br />

relação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> com a linguagem difere completamente<br />

no original e na tradução. No original, conteú<strong>do</strong> e linguagem<br />

formam uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, como a <strong>do</strong> fruto e da<br />

casca, a linguagem da tradução envolve seu conteú<strong>do</strong>, como<br />

um manto real, com <strong>do</strong>bras sucessivas. Pois ela significa uma<br />

linguagem superior a si mesma e permanece, por isso, em<br />

relação ao próprio conteú<strong>do</strong>, ina<strong>de</strong>quada, violenta e estranha.<br />

Essa fratura impe<strong>de</strong> cada transposição (Übertragung) e a<br />

torna vã. Pois toda tradução <strong>de</strong> uma obra, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

ponto temporal da história da língua, representa, com<br />

respeito a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> aspecto <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, esse<br />

aspecto e aquele momento em todas as outras línguas. A<br />

tradução transplanta, assim, o original a um terreno<br />

ironicamente mais <strong>de</strong>finitivo da língua, ao menos enquanto o<br />

original não po<strong>de</strong> mais ser <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> por nenhuma<br />

transposição, mas só eleva<strong>do</strong>, sobre esse terreno, sempre <strong>de</strong><br />

novo e noutras partes. Não é ocasional que a palavra irônico<br />

aqui lembre cursos <strong>de</strong> idéiàs românticas; antes <strong>de</strong> outros os<br />

românticos penetraram na vida das obras, da qual a tradução<br />

é um testemunho superior. Por certo não reconheceram esse<br />

papel da tradução e <strong>de</strong>dicaram toda sua atenção à crítica, que<br />

representa também um momento, embora menor, na<br />

sobrevivência das obras. Entretanto, ainda que sua teoria não<br />

se tenha concentra<strong>do</strong> na tradução, suas gran<strong>de</strong>s traduções se<br />

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