Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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exemplo, ao trabalho intelectual em coletivida<strong>de</strong>, os instrumentos telemáticos têm possibilitado espaços <strong>de</strong><br />
interação, <strong>de</strong> interferência e <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> significantes que, mesmo ressalvadas as diferenças, lembram<br />
algo das trocas culturais mediadas apenas pela fala. Pierre Lévy, a esse respeito, afirma que:<br />
“Les collecticiels d’ai<strong>de</strong> à la conception et à la discussion collective (...) ai<strong>de</strong>nt chaque interlocuteur à se repérer<br />
dans la structure logique <strong>de</strong> la discussion en cours en lui fournissant une représentation graphique du réseau<br />
d’arguments. Ils permettent également la liaison effective <strong>de</strong> chaque argument avec les divers documents<br />
auxquels il se réfère, qui le fon<strong>de</strong>nt peut-être et forment en tout cas le contexte <strong>de</strong> la discussion. Ce contexte,<br />
contrairement à ce qui se passe lors d’une discussion orale, est ici totalement explicite et organisé.” 2<br />
E logo em seguida,<br />
“Avec les collecticiels, le débat se ramène à la construction progressive d’un réseau argumentaire et documentaire<br />
toujours présent aux yeux <strong>de</strong> la communauté, maniable à tout instant. Ce n’est plus “chacun son tour” ou “l’un<br />
après l’autre” mais une sorte <strong>de</strong> lente écriture collective, désynchronisée, dédramatisée, éclatée, comme<br />
croissant d’elle-même suivant une multitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lignes parallèles, et pourtant toujours disponible, ordonnée,<br />
objectivée sur l’écran. Le collecticiel inaugure peut-être une nouvelle géométrie <strong>de</strong> la communication”. 3<br />
Ambas as <strong>de</strong>scrições enfatizam corretamente a principal característica <strong>de</strong> tais ambientes <strong>de</strong> trabalho<br />
intelectual coletivo: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispor dos dados <strong>de</strong> modo espacializado (“représentation<br />
graphique du réseau”). Com efeito, para superar os simplismos que vêem em todo trabalho colaborativo<br />
uma ativida<strong>de</strong> “interdisciplinar” ou “transdisciplinar”, parece-me importante pôr o acento nessa eventual<br />
articulação topológica da produção intelectual que as re<strong>de</strong>s telemáticas tornam possível. Todavia, isso não<br />
significa que a mera distribuição espacial dos participantes já produza esse efeito <strong>de</strong> topologização. Mais<br />
do que isso, a construção <strong>de</strong> obras escritas (sejam elas, por exemplo, reflexões teóricas ou criações<br />
artísticas) só se faz <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma organização topologizada, justamente quando cada ponto <strong>de</strong><br />
enunciação, cada nó na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> significantes, cada elemento <strong>de</strong> significação e <strong>de</strong> sentido se <strong>de</strong>ixa imantar<br />
pela presença individual e distância <strong>de</strong> todos os outros. 4 E como essa organização topológica apontaria<br />
para a oralida<strong>de</strong>? Nesta, por não se ter os significantes amarrados pela materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um suporte<br />
manuscrito ou impresso, cada elemento da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> significantes orais é forçado a buscar apoio no<br />
horizonte <strong>de</strong> sentidos que o envolve (tanto aquele específico, <strong>de</strong> seu contexto, quanto aquele mais geral,<br />
da linguagem em que ele é produzido). Como resultado, o texto oral só se articula e se dá à compreensão<br />
dos outros em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua fisionomia específica (isto é, sua especificida<strong>de</strong> significante) resultar<br />
necessária e materialmente <strong>de</strong> uma interpenetração <strong>de</strong> outras falas.<br />
É certo que também as obras impressas e manuscritas aparecem sempre como resultado <strong>de</strong> uma confluência<br />
<strong>de</strong> outras, como as <strong>de</strong>screvem muito bem conceitos como o <strong>de</strong> palimpsesto <strong>de</strong> Gérard Genette, ou o <strong>de</strong><br />
intertextualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Julia Kristeva. E, se tais obras apregoam a quatro cantos e céus uma aparência <strong>de</strong><br />
autonomia, isso não passa <strong>de</strong> aparência ilusória. Temos aí, aliás, um paradoxo que parece ser essencial ao<br />
processo <strong>de</strong> escrita e impressão: a escrita impressa (para diferenciar da escrita eletrônica) é o que é, por ser<br />
a encenação <strong>de</strong> uma auto-suficiência, ela só existe como fingimento <strong>de</strong> uma autonomia impossível, aquela<br />
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