12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

No que se refere às artes contemporâneas, sobretudo as que se <strong>de</strong>senvolvem com base nas vanguardas do<br />

século passado, e no que diz respeito à multiplicação <strong>de</strong> estratégias e <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>mos vislumbrar<br />

no ciberespaço uma possibilida<strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> escapar à insularização <strong>de</strong>senfreada e isolacionista que as<br />

acomete. Freqüentemente, essas manifestações artísticas contemporâneas não constituem mais correntes<br />

nem movimentos, mas espontaneísmos empíricos, ou até mesmo voluntarismos imediatistas. Ora, o meio<br />

eletrônico po<strong>de</strong> permitir que rearranjemos e recosturemos, <strong>de</strong> modo sempre diverso, diferentes ciberobjetos.<br />

As estratégias específicas <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> ciberobjetos po<strong>de</strong>m ser atravessadas por outras estratégias,<br />

estas agora <strong>de</strong> recortes e remontagens, <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos e <strong>de</strong> pluralizações. Não é preciso, então, que<br />

fiquemos limitados à especificida<strong>de</strong> do gesto, nem à singularida<strong>de</strong> do objeto, muito menos ao individualismo<br />

do criador; po<strong>de</strong>mos, ao contrário, apostar nisso que Akenaton caracteriza como um “mélangeur, um mixeur<br />

fantastique”, 24 o próprio ciberespaço. É importante salientar que não se trata <strong>de</strong> misturar, <strong>de</strong> forma<br />

apressada, improvisada e aleatória, diferentes gestos e objetos. Trata-se, isso sim, <strong>de</strong> pluralizar critérios <strong>de</strong><br />

justaposição e/ou <strong>de</strong> aglutinação <strong>de</strong> significantes e <strong>de</strong> percursos <strong>de</strong> leitura, o que po<strong>de</strong>rá até mesmo nos<br />

levar, finalmente, ao estabelecimento <strong>de</strong> juízos <strong>de</strong> valor (e parece ser mais do que tempo <strong>de</strong> encararmos essa<br />

dificulda<strong>de</strong> e essa premência <strong>de</strong> estabelecer tais juízos <strong>de</strong> valor para as artes contemporâneas).<br />

Uma discussão <strong>de</strong> certo interesse, acerca das condições <strong>de</strong> produção da ciberarte, está disponibilizada no<br />

sítio Aleph, no manifesto anteriormente citado. 25 Nele, são abordadas algumas questões relevantes para a<br />

discussão que aqui tentamos fazer avançar. O ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> tal manifesto é a opção por uma<br />

perspectiva “produtista” (para não confundir com “produtivista”) da arte: “No somos artistas, tampoco por<br />

supuesto ‘críticos’. Somos productores (...) somos productores, sí, pero también productos”. 26 Assim, <strong>de</strong><br />

autores ou artistas, os responsáveis pelo manifesto passam a se <strong>de</strong>nominar produtores, revivendo talvez<br />

uma comunhão do mesmo tipo daquela que nos séculos XV e XVI, na Itália renascentista, fez nascer uma<br />

arte diretamente associada às técnicas <strong>de</strong> produção artesanal que estavam então surgindo. 27 Sintonizado<br />

com a efemerida<strong>de</strong> dos objetos telemáticos, o manifesto afirma não existirem obras <strong>de</strong> arte, mas práticas<br />

artísticas. 28 De fato, a nova <strong>de</strong>nominação sugere que se mantenha a ruptura (inaugurada pelas vanguardas<br />

do início do século XX) com a tradição das belas-artes, recusando toda aura ou originalida<strong>de</strong> para suas<br />

criações, assim como para si próprios. Dessa forma, o termo “produtores” em lugar <strong>de</strong> “artistas” parece<br />

pressupor um investimento muito maior na técnica e muito menor – diria praticamente nulo – no<br />

artesanato. Contudo, tal empenho novida<strong>de</strong>iro nem é tão novo assim: como já mencionado, ele se<br />

manifestava nos saberes (ao mesmo tempo técnicos e artísticos) dos pintores e escultores do quatroccento.<br />

Em relação às práticas artísticas, se elas tomam o lugar das “obras <strong>de</strong> arte”, isso significa que se coloca a<br />

ênfase em três instâncias: 1) no gesto, na intervenção dos produtores; 2) nos meios e nos percursos <strong>de</strong><br />

circulação das práticas artísticas; 3) em “ciertos efectos circulatorios: efectos <strong>de</strong> significado, efectos<br />

simbólicos, efectos intensivos, afectivos”. 29 Não se privilegia o objeto concretamente consi<strong>de</strong>rado, ou seja,<br />

alguma eventual materialida<strong>de</strong> que esteja diretamente ligada a uma dada prática artística. Isso, aliás, está<br />

<strong>de</strong> acordo com a seqüência do manifesto: “Esa producción nunca <strong>de</strong>be confundirse con objeto o forma<br />

alguna: es un operador que se introduce con eficacia en algún sistema dado, <strong>de</strong>sestabilizando la ecuación<br />

<strong>de</strong> equilibrio que lo gobierna”. 30 Em suma, por trás <strong>de</strong>sse discurso teórico, aparece o esforço <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smaterialização do artístico ou, em outras palavras, o <strong>de</strong> privilegiar a efemerida<strong>de</strong> na produção das artes.<br />

47

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!