12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

por um Deus ex machina). No caso, a criação literária <strong>de</strong>veria, então, insurgir-se contra esse <strong>de</strong>terminismo<br />

técnico, como única forma <strong>de</strong> resguardar-se como arte. Não se trata <strong>de</strong> advogar para o artista o papel do<br />

Prometeu sacrificado em prol da humanida<strong>de</strong>; talvez a melhor figura seja a <strong>de</strong> um Sísifo muito contente <strong>de</strong><br />

sua brinca<strong>de</strong>ira, essa <strong>de</strong> empurrar rochas morro acima e vê-las <strong>de</strong>spencar morro abaixo, sem se <strong>de</strong>ixar<br />

esmagar por elas, para recomeçar tudo mais uma vez, incessantemente. A criação Abyssmo (Asz, módulo H-<br />

An), que o autor, Fabio Doctorovich, insere no gênero “hiperpoesia”, 46 parece tentar semelhante empreita.<br />

Ela nos permite uma escolha inicial entre uma advertencia, uma teoría e la obra ela mesma, tudo isso para<br />

que entremos, leitores ladinos e crianças sabidas, diretamente nesse hipertexto que espreita expectativas e<br />

páginas. Todavia, parece que tanto a advertência quanto a abordagem teórica não se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>m em<br />

momento algum da navegação pelas páginas <strong>de</strong>ssa criação <strong>de</strong> Doctorovich: mesmo que não se entre em<br />

nenhuma das duas, a passagem <strong>de</strong> uma página a outra, <strong>de</strong> um evento a outro, <strong>de</strong> uma interação a outra<br />

não abre mão jamais <strong>de</strong>ssa precavida ligação com os significantes, todos eles submetidos a um exaustivo<br />

inventário <strong>de</strong> operações que encontramos nos editores <strong>de</strong> texto ou <strong>de</strong> HTML, nos manuais <strong>de</strong> autoaprendizagem<br />

<strong>de</strong> Java ® etc. E não ficamos seguros, em momento algum, <strong>de</strong> aceitar que uma pretensa<br />

“repetitión ‘cuasimecánica’ como método compositivo visual”, 47 invocada pelo autor, possa mesmo ser<br />

consi<strong>de</strong>rada uma saída convincente para essa poesia eletrônica.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> algumas belas associações <strong>de</strong> imagens, os elementos verbais empregados por Doctorovich são<br />

pobres e, dada sua estreiteza, não conseguem senão chamar a atenção para a utilização competente da<br />

programação visual e dos programas <strong>de</strong> edição eletrônica. De toda maneira, temos alguns sintomas <strong>de</strong>sse<br />

processo que já foi chamado <strong>de</strong> “iconização do verbal”. 48 E nem se po<strong>de</strong> afirmar que tal processo<br />

testemunhe uma alteração nos referenciais epistemológicos, ou uma mudança nos padrões culturais, ou<br />

mesmo um salto na complexida<strong>de</strong> dos dispositivos tecnológicos <strong>de</strong> armazenamento e circulação <strong>de</strong><br />

informações. Essa iconização do verbal tem representado, muito freqüentemente, apenas a subserviência<br />

do verbal ao imagético, implicando um empobrecimento gritante no que supostamente é criação literária<br />

ou poética, empobrecimento também advindo <strong>de</strong> um apagamento do verbal em <strong>de</strong>trimento do interativo,<br />

do iterativo, do automático.<br />

Se, como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Sadin, estamos assistindo à emergência <strong>de</strong> uma “economia digital que <strong>de</strong>senvolve<br />

tensões tipológicas por efeito <strong>de</strong> contigüida<strong>de</strong>”, 49 é preciso dar a <strong>de</strong>vida voz, espaço e ocasião a essas<br />

contigüida<strong>de</strong>s, sob pena <strong>de</strong> elas se transformarem rápida e inapelavelmente em formas já bem conhecidas<br />

<strong>de</strong> submissão ou <strong>de</strong> reducionismo <strong>de</strong> uma linguagem a outra. Muito facilmente, essas tensões tipológicas<br />

po<strong>de</strong>m buscar o lenitivo reconfortante e redutor do imagético apenas, com o que essa pretensa “iconização<br />

do verbal” se torna tão-somente iconização pura e dura. No caso, a linguagem verbal não encontra lugar<br />

ou vez, sobretudo quando se instala não uma “circulação fluida” (como afirma Sadin) entre os códigos e os<br />

objetos <strong>de</strong> diferente natureza, mas uma celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senfreada ou uma vagareza regida totalmente pelos<br />

instrumentos e processos informáticos. No contrapelo, isso que Sadin chama <strong>de</strong> gesto poético 50 é o único<br />

capaz <strong>de</strong> quebrar a rigi<strong>de</strong>z autoritária com que a tecnologia nos mostra sua face e seus po<strong>de</strong>res. Talvez apenas<br />

o poético seja a instância a que po<strong>de</strong>mos fazer apelo para colocar em rotação os diferentes materiais<br />

significantes, sem que eles carreguem hierarquias preestabelecidas ou imponham efeitos redutores como o<br />

apontado acima. A bem da verda<strong>de</strong>, as únicas hierarquias admissíveis <strong>de</strong>vem mesmo ser as do poético,<br />

81

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!