Leituras de nós â ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural
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incomodando velhos hábitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>codificação e perspectivas preguiçosas <strong>de</strong> leitura. No caso das hiperficções,<br />
por exemplo, é preciso encontrar uma estratégia <strong>de</strong> criação que saiba acomodar os jogos da interativida<strong>de</strong> e<br />
as enganosas facilida<strong>de</strong>s do imagético, aos prazeres da narração, ao contrário do que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Jean Clément. 51<br />
Voltando ao principal, isto é, às dissonâncias e interferências entre visual e verbal na poesia eletrônica,<br />
po<strong>de</strong>-se afirmar que as imagens <strong>de</strong>vem aparecer na tela <strong>de</strong> forma a convocar ou permitir <strong>de</strong>terminadas<br />
perspectivas, <strong>de</strong>senhando certos traços <strong>de</strong> olhares, inclusive <strong>de</strong> outros. Habitando esse espaço <strong>de</strong><br />
visualida<strong>de</strong>s várias, o leitor po<strong>de</strong>rá, então, presenciar e perceber a instalação do verbal nas/como imagens.<br />
Teremos, nesse caso, a conformação <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> percepções (não apenas visuais) a que o corpo e até<br />
mesmo os gestos do leitor são chamados e expostos à gestualida<strong>de</strong> das palavras. Dessa forma, é a própria<br />
visibilida<strong>de</strong> que (se) abre (em) espaços e tempos para o verbal, permitindo inscrever uma semantização em<br />
cada movimento <strong>de</strong> imagens, em cada <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> ícones, em toda interação do leitor com a tela<br />
através <strong>de</strong> teclado e mouse. É como se “partes mascaradas” 52 da imagem revelassem finalmente uma<br />
espessura verbal, um enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> significantes e <strong>de</strong> sememas. De fato, impõe-se construir novas<br />
retóricas <strong>de</strong> produção para essa ciberpoesia, como resposta à mudança do meio impresso para o meio<br />
eletrônico. Explico melhor: a <strong>literatura</strong> da tradição impressa já apresentava sutilezas e complexida<strong>de</strong>s<br />
próprias a suas estratégias <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong> disseminação e sedimentação dos textos. Parece simplismo<br />
apenas dizer que “as formas clássicas da linguagem tornaram-se ineficazes”, ou afirmar que a complexida<strong>de</strong><br />
é apanágio apenas dos instrumentos e processos ligados às tecnologias telemáticas. 53 Quando se passa do<br />
meio impresso ao digital (coisa que, ouso crer, ocorre em toda transição <strong>de</strong> meios e modos <strong>de</strong> produção),<br />
há uma espécie <strong>de</strong> inversão <strong>de</strong> papéis com respeito a alguns elementos. Vá lá o exemplo do trabalho com<br />
o estrato sonoro nos poemas. Por menos sutil que seja um poema construído para o meio impresso, ele<br />
sempre po<strong>de</strong>rá guardar surpresas e efeitos inesperados, alguns <strong>de</strong> que o leitor nem mesmo se dá conta<br />
explicitamente. A título <strong>de</strong> exemplo, tomemos uma criação minha e <strong>de</strong> Gilbertto Prado, Ponto, realizada no<br />
longínquo ano <strong>de</strong> 1997. Naquele momento, o poema – isto é, a matéria verbal – era escrito por mim como<br />
que para o espaço impresso, sem nenhuma estratégia aparente <strong>de</strong> criação eletrônica, coisa que era então<br />
estabelecida a posteriori. No caso <strong>de</strong>sse Ponto, no que diz respeito à criação verbal, produzi certo jogo<br />
sonoro repetido em todos os dísticos: as palavras do primeiro verso, da primeira à última, faziam rimas<br />
toantes com as do segundo verso, mas da última à primeira, como se po<strong>de</strong> perceber:<br />
Quase tudo acaba bem<br />
Sem adaga, mudo alar<strong>de</strong><br />
De fato, as rimas estão nas duplas quase-alar<strong>de</strong>, tudo-mudo, acaba-adaga, bem-sem. Com maior ou menor<br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, esse efeito foi obtido nos sete dísticos do poema. Ora, na tradição impressa, a não ser nos casos<br />
raríssimos em que o poeta inaugurasse um novo espaço <strong>de</strong> escrita, não caberia nenhum tipo <strong>de</strong> informação<br />
ao leitor sobre as sonorida<strong>de</strong>s e os efeitos, inclusive sobre os modos <strong>de</strong> leitura. Esse tipo <strong>de</strong> didascália<br />
sempre ficou restrito ao espaço das artes cênicas, ou, ao menos, muito pouco foi utilizado na criação<br />
poética. É assim que, para o leitor do poema, acabava restando a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mapear no gesto da<br />
<strong>de</strong>clamação os jogos sonoros propostos pelo poeta, sem a muleta das explicitações ou das explicações. Havia<br />
aí uma sutileza a permitir o prazer da <strong>de</strong>scoberta, como que conce<strong>de</strong>ndo, quando da leitura, uma ligeira<br />
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