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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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Assim, é a partir <strong>de</strong>ssas diferenças entre pluralização e multiplicação – conseqüências diretas dos embates ou<br />

conjunções entre real e virtual –, que os textos eletrônicos po<strong>de</strong>m ganhar mais relevo. A esse respeito, analisemos<br />

a obra O Livro Depois do Livro, <strong>de</strong> Giselle Beiguelman. Já no que a autora chama <strong>de</strong> epígrafe, o plano <strong>de</strong> fundo e<br />

o plano <strong>de</strong> escrita proporcionam uma algaravia <strong>de</strong> letras muitas e palavras algumas, apontando, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse início,<br />

como diz Joan Brandt, para a “disrupção da função normalmente referencial ou mimética da linguagem”. 14 E,<br />

como diz ainda a mesma Joan Brandt, um eventual princípio unificador <strong>de</strong> um poema, mesmo na tradição oral ou<br />

na escrita, não estaria, então, em qualquer relação entre o texto produzido na leitura e alguma referência concreta<br />

e externa, mas nas relações entre esse texto que se lê e outros textos já lidos ou a serem lidos. No que se refere ao<br />

meio eletrônico, e no caso específico <strong>de</strong>ssa obra <strong>de</strong> Giselle Beiguelman, o título enfatiza justamente não um<br />

mundo <strong>de</strong> coisas e gentes, que estaria <strong>de</strong>pois ou no exterior do livro, mas para livros outros que estariam sempre<br />

além (e, conseqüentemente, aquém) <strong>de</strong>sse primeiro. No que toca à ligeira arbitrarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse princípio<br />

unificador, ele não <strong>de</strong>saparece, claro, mas ganha contornos concretos e procedimentos imediatos: o prefácio da<br />

obra mascara e confun<strong>de</strong> os significantes verbais, mas <strong>de</strong>ixa materializado na tela o percurso que, levando <strong>de</strong> uma<br />

página eletrônica a outra, po<strong>de</strong> resultar naquela terceira página <strong>de</strong> que falamos acima no capítulo O Texto<br />

Eletrônico como Produtivida<strong>de</strong>. De fato, em O Livro Depois do Livro, há alguns percursos e construções que<br />

apostam nessa possibilida<strong>de</strong>. Após o prefácio, aparece uma seqüência <strong>de</strong> frases, uma espécie <strong>de</strong> discurso <strong>de</strong><br />

aparência teórica 15 hesitando entre subordinação e coor<strong>de</strong>nação, assim como vacila entre uma significação possível<br />

ou <strong>de</strong>sejável reunindo todas as frases e uma justaposição pouco discursiva entre cada uma <strong>de</strong>las. E talvez seja<br />

justamente essa in<strong>de</strong>finição entre artístico e teórico, 16 esse vai-e-vem entre discursivo e enumerativo que permite<br />

tecer um espaço <strong>de</strong> leitura apontando para pluralida<strong>de</strong> e/ou multiplicida<strong>de</strong>. Mas ressalte-se que a partida não está<br />

ganha por antecipação. Não é possível escolher um ou outro, ao menos no ponto <strong>de</strong> leitura em que me encontro,<br />

ou nos espaços expressivos todos que se po<strong>de</strong> vislumbrar a partir <strong>de</strong>ssa obra <strong>de</strong> Giselle Beiguelman.<br />

Mas, continuando, po<strong>de</strong>-se perceber nesse seu movimento expressivo que O Livro Depois do Livro aponta<br />

continuamente para espaços expressivos outros, mesmo que quase todos tenham como fio condutor esse<br />

discurso fundado em frases <strong>de</strong> teor e feitio teórico, entremeadas, aqui e ali, por comandos e ícones da<br />

informática. É assim que algumas das proprieda<strong>de</strong>s mais evi<strong>de</strong>ntes do meio eletrônico são sobrepostas aos<br />

significantes (verbais e visuais): movimentos, cintilações, dissoluções etc., tudo resultando na sensação <strong>de</strong><br />

uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetos que ainda não nos dá a certeza (ainda não!) <strong>de</strong> estarmos nos encaminhando,<br />

por meio <strong>de</strong>sse Livro, para uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos e significações em que os gestos expressivos do<br />

leitor, mesmo sendo legião, não pululam necessariamente numa entropia maior ou menor. Aliás, os graus e<br />

os modos com que diversos níveis textuais nele se po<strong>de</strong>m esboçar, ao contrário do que indicaria a ambição<br />

da autora – <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> seu livro a construção física e a constatação imediata do Libro <strong>de</strong> Arena, <strong>de</strong> Borges<br />

–, ainda guardam as (inevitáveis!) limitações impostas pela situação imediata do leitor-em-leitura, limitações<br />

que não teriam jamais como ser ultrapassadas. Ao virtual das codificações e das programações telemáticas<br />

da hiperleitura vêm se conjugar as condições imediatas do leitor real. De fato, os mundos-lidos no e pelo<br />

meio eletrônico não têm outros sentidos que não aqueles que lhes outorga o mundo-vivido. E, <strong>de</strong> forma<br />

correspon<strong>de</strong>nte, sem a multiplicida<strong>de</strong> (iterativa ou <strong>de</strong> outro tipo) dos hipertextos eletrônicos, estaríamos<br />

sempre submetidos ao assombro sagrado diante <strong>de</strong> uma pluralida<strong>de</strong> incompreensível.<br />

* * *<br />

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