12.11.2014 Views

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

visent l’être, non plus sous la modalité <strong>de</strong> l’être-donné, mais sous la modalité du pouvoir-être.” 5 No que se<br />

refere às obras digitais, eu diria que ocorre uma conjunção entre ambas as esferas: o “être-donné” é<br />

submetido a uma instância prévia do “pouvoir-être”, isto é, o espaço das variações possíveis vai além da<br />

produção <strong>de</strong> significados e passa a ser uma instância <strong>de</strong>terminante da materialida<strong>de</strong> da obra. O que ela é,<br />

por si mesma, não <strong>de</strong>riva mais unicamente <strong>de</strong> uma seqüência pre<strong>de</strong>terminada <strong>de</strong> significantes, mas se<br />

manifesta no modo como ela já é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, um po<strong>de</strong>r-ser-assim. De fato, o ciberespaço já foi <strong>de</strong>scrito<br />

inúmeras vezes como um espaço em simulação permanente, em que as diferenças entre simulação e<br />

realida<strong>de</strong> imediata nem teriam mais lugar, <strong>de</strong>vido a um pretenso predomínio avassalador daquela sobre esta.<br />

O ser da obra está não apenas nas simulações, mas nos mecanismos com que se constroem espaços e<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> simulação. Em outras palavras, a realida<strong>de</strong> da obra não se funda em nenhuma configuração<br />

material <strong>de</strong>finitiva (isso não é mais essencial para <strong>de</strong>limitar o que seria seu ser), mas nos processos telemáticos<br />

em que, por repetidas vezes, se retoma um mesmo ciclo <strong>de</strong> interações entre o leitor, as ferramentas <strong>de</strong><br />

programação e os resultados provisoriamente disponíveis na tela. De toda maneira, esses procedimentos não<br />

são novida<strong>de</strong> alguma na <strong>literatura</strong> e já foram utilizadas na tradição impressa. Como afirma Jean Clément,<br />

“La tentation <strong>de</strong> l’infini a toujours travaillé les écrivains, notamment sous les espèces <strong>de</strong> la combinatoire. Celle-ci<br />

s’exprime d’abord dans la littérature orale par la prolifération <strong>de</strong>s variantes et <strong>de</strong>s versions. Elle se poursuit dans la<br />

littérature médiévale avec la multiplication <strong>de</strong>s cycles narratifs. Au XIXe siècle, elle est au coeur du projet balzacien”. 6<br />

A salientar, talvez, apenas o fato <strong>de</strong> que, se se trata <strong>de</strong> uma “tentação do infinito”, ela acaba configurando<br />

um processo <strong>de</strong> multiplicação <strong>de</strong> significantes que, mesmo se inspirando no infinito, nunca tem como<br />

chegar a ele. E, nesse caso, talvez o exemplo mais à mão sejam os 99 Exercices <strong>de</strong> Style, <strong>de</strong> Raymond<br />

Queneau. Po<strong>de</strong>m-se também citar as 15 variações produzidas por Georges Perec, a partir <strong>de</strong> Gaspar Hauser,<br />

<strong>de</strong> Verlaine, utilizando o que Gérard Genette chama <strong>de</strong> “príncipe machinal”. 7 De fato, se há, como afirma<br />

o mesmo Genette, um caráter imprevisível nos resultados <strong>de</strong>sse procedimento, saliente-se que a<br />

imprevisibilida<strong>de</strong> diz respeito aos significantes produzidos, ou ainda, à maneira como estes se combinam, à<br />

seqüência em que aparecem. Os processos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong>sses imprevisíveis não são, eles próprios, nem um<br />

pouco imprevisíveis. No caso dos hipertextos eletrônicos, eles constituem um espaço em que se produzem<br />

variações dos significantes, a partir dos mesmos procedimentos telemáticos, fundamentados nos mesmos<br />

maquinismos e nos mesmos bancos e bases <strong>de</strong> dados.<br />

Nesse ponto, é importante retomar a distinção, já abordada, entre materialida<strong>de</strong> e objetivida<strong>de</strong>. Por ser o<br />

que é, essa <strong>literatura</strong> em meio eletrônico se investe e se reveste <strong>de</strong> uma materialida<strong>de</strong> a ser (re)construída<br />

incessantemente. Ora, isso não implica, <strong>de</strong> modo algum, que tenhamos diante <strong>de</strong> nós uma objetivida<strong>de</strong> que,<br />

por estar em constante mudança, não tem como ser <strong>de</strong>limitada e investigada. Em outras palavras, em lugar<br />

da ilusão <strong>de</strong> uma obra pronta, acabada e estabilizada, é necessário mapear os processos <strong>de</strong> materialização<br />

<strong>de</strong>ssa obra, discutir o que seria sua objetualida<strong>de</strong>. Sobre esse ponto, Roger Chartier afirma que:<br />

“La révolution du texte électronique (...) à la matérialité du livre, elle substitue l’immatérialité <strong>de</strong> textes sans<br />

lieu propre ; aux relations <strong>de</strong> contiguïté établies dans l’objet imprimé, elle oppose la libre composition <strong>de</strong><br />

fragments indéfiniment manipulables...” 8<br />

118

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!