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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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Uma Possível ou Pretensa Literarieda<strong>de</strong><br />

Estabelecer critérios <strong>de</strong> literarieda<strong>de</strong> nunca foi tarefa simples, em época alguma. E essa empreita torna-se<br />

ainda mais espinhenta nestes nossos tempos <strong>de</strong> mudança dos paradigmas <strong>de</strong> escrita e, sobretudo, dos meios<br />

<strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> disseminação <strong>de</strong> textos. Supondo que saibamos minimamente o que vem a ser a escrita<br />

em meio eletrônico, cumpre ainda <strong>de</strong>terminar os processos e as condições <strong>de</strong> produção do literário.<br />

Po<strong>de</strong>mos examinar, a título <strong>de</strong> exemplo, um projeto que vem sendo <strong>de</strong>senvolvido há algum tempo, o<br />

Litteraterra, <strong>de</strong> Artur Matuck. Como em muitos outros casos, um problema se impõe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros<br />

instantes: como lidar com os percalços técnicos que surgem freqüentemente – comandos <strong>de</strong> javascript que<br />

não funcionam, ou mesmo comandos que simplesmente não são obe<strong>de</strong>cidos, falhas no planejamento<br />

ergonômico das telas, ligações que não levam a parte alguma etc.? No caso, há uma escolha a ser feita: ou<br />

não levamos em consi<strong>de</strong>ração tais percalços, fazendo <strong>de</strong> conta que são simplesmente ruídos (como quando<br />

encontramos livros com páginas faltando, ou com falhas na impressão), fadados a <strong>de</strong>saparecer num<br />

exemplar ou numa versão a ser corretamente construída; ou enten<strong>de</strong>mos essas interferências da técnica<br />

como elementos inalienáveis que participam diretamente da produção do texto. Na tradição impressa, esses<br />

problemas – gralhas, no jargão dos tipógrafos – foram vistos com interesse apenas pelos bibliófilos e pelos<br />

estudiosos da crítica genética e da ecdótica. No mais das vezes e para a imensa maioria dos leitores, tratavase<br />

<strong>de</strong> uns poucos erros limitados a uma tipologia sobejamente conhecida – falta <strong>de</strong> trechos ou <strong>de</strong> palavras,<br />

alterações ocasionais na seqüência <strong>de</strong> alguns significantes, <strong>de</strong>sacordos com alguma norma ortográfica e/ou<br />

gramatical –, erros a serem esquecidos (quando possível, caso contrário, provi<strong>de</strong>nciava-se a substituição do<br />

livro). Na tradição eletrônica eles são mais freqüentes, muito mais numerosos e nada faz supor que se possa<br />

estabelecer <strong>de</strong>les uma tipologia <strong>de</strong>finitiva muito menos duradoura. De fato, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da evolução dos<br />

suportes, dos programas e dos recursos ergonômicos empregados, novos tipos <strong>de</strong> ruído po<strong>de</strong>m surgir,<br />

alguns até mesmo propositais – como as inserções publicitárias tipo geocities ou hpg.<br />

Tirante os problemas mencionados, a obra <strong>de</strong> Matuck <strong>de</strong>sperta algum interesse por sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

propor uma conjunção entre os códigos <strong>de</strong> programação e os códigos lingüísticos. De fato, ela está no rol<br />

das não muito numerosas criações que mencionam a palavra <strong>literatura</strong> já no título e conseguem ir além da<br />

criação gráfica ou visual, trabalhando com alguns aspectos lexicais e morfológicos das línguas (latinas<br />

principalmente). Todavia, o texto verbal apresentado por Matuck, inspirado na proposta da interlíngua,<br />

aponta também para a tentativa <strong>de</strong> criação literária <strong>de</strong> uma língua universal feita por Umberto Eco nas falas<br />

do personagem Salvatore, do romance O Nome da Rosa. Em resumo, temos, <strong>de</strong> um lado, essa escrita<br />

salvatoriana ou interlingüística que joga com o código verbal, mas <strong>de</strong> forma permanente (trata-se <strong>de</strong> frases<br />

escritas pelo autor a que os leitores, ao que tudo indica, não têm acesso nem interferência); <strong>de</strong> outro, um<br />

dispositivo que permite aos leitores escrever uma expressão em um quadro específico, e que é, em seguida,<br />

assimilada pelo sistema e exposta em outros locais da tela, sendo passível <strong>de</strong> alterações ao comando do<br />

leitor por meio <strong>de</strong> botões intitulados dis-scriber. É possível participar da construção <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong><br />

novilíngua ao entrar num sistema <strong>de</strong> acréscimo e <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> vocábulos. De qualquer maneira, não há<br />

pistas <strong>de</strong> que essas inserções possam ser manipuladas <strong>de</strong> forma mais direta pelos leitores que as propuseram.<br />

É assim que o interesse incipiente que a criação verbal em Litteraterra <strong>de</strong>sperta, à medida que vamos<br />

avançando na exploração da obra, parece se resumir àquela fala salvatoriana, mas não salvacionista.<br />

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