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Leituras de nós – ciberespaço e literatura. Alckmar - Itaú Cultural

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eal, <strong>de</strong> um lado, e <strong>de</strong> espacialização do tempo e <strong>de</strong> temporalização do espaço, <strong>de</strong> outro. Em linhas gerais, o<br />

que se <strong>de</strong>ve discutir a esse respeito é a maneira como a materialida<strong>de</strong> dos hipertextos eletrônicos se altera, se<br />

<strong>de</strong>svanece e se permite percursos e <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> navegação que colocam em xeque as fronteiras<br />

habituais entre real e virtual, entre espacial e temporal. E, mais, para a criação literária (e para toda arte que<br />

ainda vislumbra alguma chance <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com a <strong>literatura</strong>), essas possibilida<strong>de</strong>s todas parecem apontar<br />

para outro duplo movimento, o <strong>de</strong> versificação da prosa e <strong>de</strong> prosificação do verso, como indicaremos mais<br />

adiante. São dicotomias ou reversibilida<strong>de</strong>s que moldam a leitura no(do) espaço eletrônico, permitindo<br />

entendê-lo sob a perspectiva <strong>de</strong> lógicas plurais e dinâmicas, sempre assentadas numa certa fisionomia sua, essa<br />

do transbordo dos significantes e dos significados, mas sem reduzir-se a fórmulas prontas, a essências i<strong>de</strong>ais,<br />

ou mesmo a gestos <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong> ou prenhes <strong>de</strong> relativismo. Tais duplicida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser o<br />

mais próximo a que se po<strong>de</strong> chegar <strong>de</strong> uma racionalida<strong>de</strong> plural a ser associada aos textos eletrônicos.<br />

Cumpre, então, enten<strong>de</strong>r como essas diferentes reversibilida<strong>de</strong>s – transbordamentos e reformatações, real e<br />

virtual, espacial e temporal, eletrônico e impresso, chegando a poesia e prosa – po<strong>de</strong>m se correspon<strong>de</strong>r, se<br />

imbricar, e dar margem a leituras que, não sendo aleatórias nem <strong>de</strong>scontextualizadas, permitem ler, além dos<br />

corpora textuais e dos corpos leitores, a própria leitura em espaço eletrônico.<br />

Para falar brevemente <strong>de</strong> tempo e espaço, convém assinalar o fato <strong>de</strong> ter-se tornado comum, nas duas<br />

últimas décadas, a referência a um tempo permanentemente presentificado, tornado disponível como um<br />

mapa em escala 1:1, aquele dos cartógrafos <strong>de</strong> que falava Jorge Luis Borges, em Del Rigor en la Ciencia:<br />

“Les nouvelles technologies nous transposent ainsi dans une zone intermédiaire, une zone <strong>de</strong> transit<br />

<strong>de</strong>venue permanente, nous permettant d’être là et potentiellement partout dans un temps que l’on peut<br />

enregistrer et stocker, un présent figé. Nous sommes donc dans un état ‘nomadique’ jouant avec le temps<br />

et l’espace en glissant d’une ambiance-virtualité à l’autre.” 10<br />

Tais <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> um eterno presente não são moeda corrente apenas quando se fala do ciberespaço. De<br />

fato, parece mesmo lugar-comum disso que chamam <strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Todavia, falta alguma coisa a uns<br />

e a outros, tanto aos arautos da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> quanto aos estudiosos do ciberespaço: a percepção <strong>de</strong> que<br />

também a experiência do espaço acaba sendo temporalizada, o que implica sua abertura ao fluxo, ao <strong>de</strong>vir.<br />

Espaço então não seria mais a condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os objetos serem percebidos, mas uma seqüência<br />

<strong>de</strong> loci em que se viaja, sempre adiante, sem condições <strong>de</strong> retornar a sua pretensa origem, uma vez que se<br />

seguiu em frente, tendo chegado a outro nó na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> significantes potencialmente infinita do ciberespaço.<br />

Nesse caso, estaria confirmado esse estado nôma<strong>de</strong> do sujeito que ainda se atreveria a ciberespaços, a<br />

ciberpercursos, a ciberleituras. Sendo assim, o espaço perceptivo ce<strong>de</strong>ria vez e lugar ao espaço dos<br />

significantes, dos automatismos, das interativida<strong>de</strong>s mediadas pelas interfaces digitais. Em lugar dos corpos,<br />

os corpora; em vez dos gestos que inauguram perspectivas do mundo, bancos e bases <strong>de</strong> dados. Mas a<br />

pergunta que se faz é: até que ponto se po<strong>de</strong> abstrair a experiência do corpo próprio, quando nos colocamos<br />

diante da tela? Em outras palavras, será que a hipertrofia do texto eletrônico e do ciberespaço implica<br />

necessariamente a atrofia do sistema corpo-percepções-mundo? É o que se po<strong>de</strong>rá enten<strong>de</strong>r, ao avançar um<br />

pouco mais na discussão das relações entre virtual e real, por intermédio <strong>de</strong> nossa e muita ciber<strong>literatura</strong>.<br />

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