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chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul

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Sexta-feira<br />

1 Abril 2011<br />

www.ipsilon.pt<br />

ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7657 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

O <strong>cinema</strong> <strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong><br />

<strong>chama</strong>-<strong>nos</strong> <strong>da</strong> <strong>selva</strong><br />

Somos capazes <strong>de</strong> o seguir?<br />

Howard Jacobson Iron & Wine Cuca Roseta Ahmet Ögüt Norberto Fuentes Os Golpes


Flash<br />

Sumário<br />

<strong>Apichatpong</strong><br />

<strong>Weerasethakul</strong> 6<br />

O maestro <strong>da</strong>s coisas simples<br />

Panorama 12<br />

Quando eles filmavam a<br />

revolução portuguesa<br />

Pornografia 16<br />

Uma nova colecção resgata<br />

a pornografia nacional <strong>da</strong><br />

viragem do século XIX para o<br />

XX: e assim (re)<strong>de</strong>scobrimos<br />

que não éramos <strong>de</strong> brandos<br />

costumes<br />

Fi<strong>de</strong>l Castro 18<br />

Visto por quem o seguiu<br />

e por quem o enfrentou:<br />

Norberto Fuentes<br />

Iron & Wine 22<br />

Uma improvável estrela<br />

americana<br />

Cuca Rosetta 26<br />

Uma fadista nas mãos <strong>de</strong><br />

um vencedor <strong>de</strong> Óscares,<br />

Gustavo Santaolalla<br />

Ahmet Ogut 28<br />

Envia pedras <strong>de</strong> Lisboa para<br />

Diyarbarkir<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara, Inês Na<strong>da</strong>is<br />

(adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho, Carla<br />

Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />

Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

França rendi<strong>da</strong><br />

ao último filme <strong>de</strong><br />

Manoel <strong>de</strong> Oliveira<br />

Não se trata duma novi<strong>da</strong><strong>de</strong> na<br />

longa carreira do realizador, mas<br />

não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser impressionante o<br />

acolhimento crítico que o último<br />

filme <strong>de</strong> Manoel <strong>de</strong> Oliveira, “O<br />

Estranho Caso <strong>de</strong> Angélica” (2010),<br />

está a ter em França, on<strong>de</strong> chegou<br />

às salas no dia 16 <strong>de</strong> Março, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>da</strong> antestreia mundial no Festival <strong>de</strong><br />

Cannes.<br />

Na contabili<strong>da</strong><strong>de</strong> feita às<br />

apreciações críticas e às estrelas<br />

dispensa<strong>da</strong>s ao filme, a revista<br />

“Premiere” mostra que meta<strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

14 publicações referi<strong>da</strong>s (entre<br />

jornais e revistas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e<br />

pequena circulação) premeiam o<br />

filme com a nota máxima (quatro<br />

estrelas), e só uma <strong>de</strong>las, a “Nouvel<br />

Observateur”, lhe atribui duas<br />

estrelas. Mesmo assim, a crítica<br />

<strong>de</strong>sta revista, Lucie Calet, classifica<br />

“O Estranho Caso...” como um filme<br />

“metafísico, pictural e terrivelmente<br />

comovente”, além <strong>de</strong> o comparar<br />

com os contos românticos <strong>de</strong><br />

Théophile Gautier e <strong>de</strong> o radicar na<br />

eficácia <strong>de</strong> simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> artesanal <strong>de</strong><br />

Georges Méliès.<br />

“O Estranho Caso <strong>de</strong> Angélica”,<br />

filme com que Oliveira concretiza<br />

um argumento que escrevera <strong>nos</strong><br />

a<strong>nos</strong> 50, baseado numa vivência<br />

pessoal, recebeu também quatro<br />

estrelas do “Le Mon<strong>de</strong>”, “Le Figaro”<br />

e “Libération”. “Um filme <strong>de</strong> uma<br />

beleza surpreen<strong>de</strong>nte, habitado por<br />

fantasmas”, escreve o crítico do<br />

primeiro, enquanto “Le Figaro” diz<br />

tratar-se <strong>de</strong> “um conto<br />

pacificamente fantástico, realizado<br />

com um refinamento poético<br />

extremo”, e o “Libé” <strong>de</strong>staca “o<br />

sortilégio <strong>de</strong> um filme hipnótico”,<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> ressalta “uma certa i<strong>de</strong>ia<br />

fabulosa <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>”. Também a<br />

revista “Les Inrockuptibles”<br />

dispensou a Oliveira a classificação<br />

máxima, vendo em “O Estranho<br />

Caso <strong>de</strong> Angélica” “um belo e rico<br />

livro <strong>de</strong> horas”, que faz pensar em<br />

Freud, e “uma fábula bizarra”, feita<br />

“com paciência” e com “um sentido<br />

<strong>da</strong> narrativa realista muito preciso e<br />

límpido”.<br />

De fora <strong>da</strong> contabili<strong>da</strong><strong>de</strong> feita pela<br />

“Premiere” fica a revista<br />

(concorrente) “Cahiers du Cinéma”,<br />

cuja cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong> com a carreira do<br />

realizador é<br />

conheci<strong>da</strong>. “O Estranho Caso <strong>de</strong><br />

Angélica” é eleito como “o filme do<br />

mês” <strong>de</strong> Março <strong>da</strong> revista, que diz<br />

estarmos em presença duma obra<br />

com uma “riqueza espantosa, um<br />

filme secreto, à maneira dos<br />

quadros <strong>da</strong> Renascença, recheado<br />

<strong>de</strong> pormenores que o espectador é<br />

convi<strong>da</strong>do a <strong>de</strong>cifrar”.<br />

Já a própria “Premiere” (que dá três<br />

estrelas a Oliveira), através do crítico<br />

Philippe Rouyer assegura que<br />

“aqueles que receiam a estética<br />

À vossa escolha:<br />

“Carlos”<br />

ou<br />

“Les Amours<br />

Imaginaires”<br />

Dia 5 <strong>de</strong> Maio, <strong>de</strong>cisão<br />

difícil: “Carlos”, <strong>de</strong> Olivier<br />

Assayas, ou “Les Amours<br />

Imaginaires”, <strong>de</strong> Xavier<br />

Dolan? São os filmes que<br />

abrem - 21h15, Culturgest,<br />

21h30, S. Jorge,<br />

respectivamente – o<br />

IndieLisboa. O primeiro é<br />

um “tour <strong>de</strong> force” <strong>de</strong> um<br />

cineasta habitualmente<br />

frágil e íntimo, que aqui se<br />

aventura pela História,<br />

olhando para Carlos, o<br />

Chacal, revolucionário e/<br />

ou mercenário, “estrela” do<br />

terrorismo <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 70. É<br />

um pe<strong>da</strong>ço <strong>da</strong> história do<br />

século XX mas é, também,<br />

uma história sobre a<br />

sedução: Carlos (outro<br />

“tour <strong>de</strong> force”, o do actor<br />

venezuelano Edgar<br />

Ramirez) e a sua estratégia<br />

<strong>de</strong> sensuali<strong>da</strong><strong>de</strong> – as<br />

mulheres, como as armas<br />

– para chegar ao topo.<br />

Ficamos, <strong>de</strong>pois, à espera<br />

<strong>da</strong> estreia<br />

comercial, a 19<br />

<strong>de</strong> Maio, <strong>de</strong>sta<br />

versão, mais<br />

curta, para<br />

<strong>cinema</strong><br />

François Sagat<br />

em “L’Homme au Bain”<br />

feita a partir <strong>da</strong>s cinco<br />

horas <strong>da</strong> versão televisiva.<br />

É o que preten<strong>de</strong> também<br />

– a sedução – Xavier Dolan,<br />

canadiano, 22 a<strong>nos</strong>, que<br />

alguns colocam já no topo<br />

<strong>de</strong> alguma coisa. Que se<br />

esforça por seduzir<br />

confirma-o “Les Amours<br />

Imaginaires”, me<strong>nos</strong> um<br />

pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> fantasmagoria<br />

amorosa, mais um pe<strong>da</strong>ço<br />

<strong>de</strong> estilo <strong>de</strong>corativo, “cool”,<br />

câmaras lentas, cigarro,<br />

fumos e, obviamente,<br />

muito inspirado por<br />

Wong Kar-wai. À vossa<br />

escolha, enquanto se<br />

aguar<strong>da</strong> também pela<br />

estreia.<br />

O que vamos ver mais<br />

neste Indie? A programação<br />

será anuncia<strong>da</strong> no dia 5 <strong>de</strong><br />

Abril, mas po<strong>de</strong>mos<br />

Edgar Ramirez<br />

em “Carlos”<br />

e Xavier Dolan<br />

(em baixo,<br />

à esquer<strong>da</strong>)<br />

em “Les Amours<br />

Imaginaires”<br />

antecipar títulos em<br />

antestreia, como “Post<br />

Mortem”, <strong>de</strong> Pablo Larraín<br />

(o cineasta <strong>de</strong> “Tony<br />

Manero”), “Neds”, <strong>de</strong> Peter<br />

Mullan, “Homme au Bain”,<br />

<strong>de</strong> Christophe Honoré (a<br />

experiência-ensaio em que<br />

o cineasta francês traz para<br />

o domínio <strong>da</strong> ficção um<br />

corpo impositivo, o do actor<br />

porno François Sagat, e<br />

espera para ver como eles,<br />

o corpo e a ficção, se<br />

comportam), “Kaboom”, <strong>de</strong><br />

Gregg Araki, “Essential<br />

Killing”, <strong>de</strong> Jerzy<br />

Skolimowski, “Meek’s<br />

Cutoff”, <strong>de</strong> Kelly Reichardt,<br />

“Mulberry St.”, <strong>de</strong> Abel<br />

Ferrara, “Tabloid”, <strong>de</strong> Errol<br />

Morris ou “A Letter to Elia”,<br />

<strong>de</strong> Martin Scorsese e Kent<br />

Jones. Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 3


Flash<br />

“O Estranho Caso <strong>de</strong> Angélica”<br />

austera do <strong>de</strong>cano dos cineastas<br />

po<strong>de</strong>m ficar tranquilos”. “Do cimo<br />

<strong>da</strong>s suas 102 Primaveras, o sempre<br />

vivo Manoel <strong>de</strong> Oliveira consegue<br />

uma fábula sumptuosa”, num<br />

“gran<strong>de</strong> filme testamentário” <strong>de</strong><br />

“gran<strong>de</strong> beleza”.<br />

Cereja em cima <strong>de</strong>ste “bolo<br />

francês”, Oliveira vai ser<br />

homenageado no Festival <strong>de</strong> Cinema<br />

<strong>de</strong> Brive, que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> 6 a 11 <strong>de</strong><br />

Abril nesta pequena ci<strong>da</strong><strong>de</strong> no oeste<br />

do país. Serão exibi<strong>da</strong>s nove médias<br />

e longas-metragens, <strong>de</strong> “Douro,<br />

Faina Fluvial” (1931) a<br />

“Singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s duma Rapariga<br />

Loira” (2009). O festival quer<br />

mostrar “a actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>de</strong>ste<br />

“autor duma <strong>da</strong>s filmografias mais<br />

ricas <strong>da</strong> história do <strong>cinema</strong>”, escreve<br />

o crítico Bamcha<strong>de</strong> Pourvali, a<br />

justificar a atenção que Brive<br />

<strong>de</strong>cidiu <strong>da</strong>r ao realizador português<br />

(outro autor homenageado será o<br />

francês Jean Eustache). Sérgio C.<br />

Andra<strong>de</strong><br />

Lars von Trier:<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

“Melancholia”, “The<br />

Nymphomaniac”<br />

Já não é <strong>de</strong>feito, é feitio – e algo <strong>nos</strong><br />

diz que Lars von Trier gosta mesmo<br />

é <strong>de</strong> provocar. No caso, através do<br />

anúncio, à revista <strong>da</strong> indústria<br />

“Screen Daily”, que o seu próximo<br />

projecto abor<strong>da</strong>rá uma mulher que<br />

“<strong>de</strong>scobre o erotismo que há em si”<br />

e <strong>chama</strong>r-se-á “The<br />

Nymphomaniac” (a tradução,<br />

presumimos, é <strong>de</strong>snecessária). A<br />

provocação vai mais longe: na<br />

mesma entrevista, o autor <strong>de</strong><br />

“On<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Paixão, “Os Idiotas”,<br />

“Dancer in the Dark” e do infame<br />

“Anticristo” diz que o seu produtor<br />

<strong>de</strong> sempre, Peter Aalbaek Jensen,<br />

lhe disse que “com um título <strong>de</strong>sses,<br />

o filme já tem o financiamento<br />

garantido”. Para já, os pormenores<br />

não abun<strong>da</strong>m, visto que o “enfant<br />

terrible” dinamarquês ultima o seu<br />

filme-catástrofe-psicológico<br />

“Melancholia”, sobre os últimos<br />

meses do planeta Terra, ameaçado<br />

por um planeta em rota <strong>de</strong> colisão, e<br />

sobre as reacções ao fim do mundo<br />

iminente <strong>de</strong> duas irmãs<br />

interpreta<strong>da</strong>s por Kirsten Dunst e<br />

Charlotte Gainsbourg. O elenco <strong>de</strong><br />

luxo inclui ain<strong>da</strong> Kiefer Sutherland,<br />

Charlotte Rampling, John Hurt e<br />

Udo Kier, e os observadores<br />

apontam que “Melancholia” é um<br />

forte candi<strong>da</strong>to à selecção oficial <strong>de</strong><br />

Cannes. Caso a selecção se<br />

confirme, no entanto, não sabemos<br />

bem como é que Von Trier se<br />

<strong>de</strong>slocará à Croisette: é que o<br />

homem recusa-se a an<strong>da</strong>r <strong>de</strong> avião e<br />

pôs à ven<strong>da</strong> no site <strong>de</strong> leilões eBay a<br />

fiel auto-caravana que guiou por<br />

todo o mundo (com um preço <strong>de</strong><br />

reserva <strong>de</strong> 28 mil euros que, até<br />

agora, não foi atingido).<br />

Prémio Jabuti mudou as regras<br />

O prémio literário mais importante<br />

e mais tradicional no Brasil, o Jabuti,<br />

abriu as inscrições para a sua 53ª<br />

edição esta quarta-feira e alterou as<br />

suas regras na sequência <strong>da</strong><br />

polémica que surgiu em Novembro<br />

<strong>de</strong>pois <strong>da</strong> atribuição <strong>de</strong> Livro do<br />

Ano <strong>de</strong> Ficção a “Leite Derramado”,<br />

<strong>de</strong> Chico Buarque (ed. Companhia<br />

<strong>da</strong>s Letras), que tinha ficado em<br />

segundo lugar na categoria <strong>de</strong><br />

melhor romance, on<strong>de</strong> o vencedor<br />

foi “Se Eu Fechar os Olhos Agora”,<br />

<strong>de</strong> Edney Silvestre (ed. Record). Em<br />

Dezembro, José Luiz Goldfarb, o<br />

curador do prémio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991, disse<br />

ao ca<strong>de</strong>rno P2 que a comissão do<br />

Prémio Jabuti iria reunir-se para<br />

“analisar tudo o que ocorreu”. Essa<br />

alteração <strong>da</strong>s regras aconteceu e foi<br />

agora divulga<strong>da</strong> pela Câmara<br />

Brasileira do Livro (CBL).<br />

Até à polémica do ano passado, o<br />

Lars von Trier<br />

VINCENT KESSLER/REUTERS<br />

Sílvia Real e Francisco Camacho, “Solo<br />

para Sílvia Real (título provisório)”<br />

A peça mais espera<strong>da</strong> em Edimburgo é uma<br />

a<strong>da</strong>ptação americana <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Haruki<br />

Murakami,<br />

Mais uma tempora<strong>da</strong><br />

preenchi<strong>da</strong><br />

na Culturgest<br />

Na programação divulga<strong>da</strong> para a próxima tempora<strong>da</strong>, <strong>de</strong> Abril<br />

a Agosto, a Culturgest continua a sua aposta na música, <strong>cinema</strong>,<br />

teatro, <strong>da</strong>nça, exposições, apresentando para os próximos<br />

meses um programa rico em diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Há a <strong>de</strong>stacar a 8ª<br />

edição do Festival Internacional <strong>de</strong> Cinema In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Lisboa. De 5 a 15 <strong>de</strong> Maio, o IndieLisboa volta a marcar presença,<br />

tendo a organização já anunciado uma retrospectiva do<br />

realizador brasileiro Júlio Bressane, que é o “Herói<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”. A 8ª edição vai contar ain<strong>da</strong> com um concerto<br />

dos Tin<strong>de</strong>rsticks. A convite do Indie, o grupo britânico vai<br />

interpretar ao vivo, na Aula Magna, as ban<strong>da</strong>s sonoras que<br />

compôs para os filmes <strong>da</strong> realizadora francesa Claire Denis.<br />

Na <strong>da</strong>nça, o <strong>de</strong>staque vai para “Icosahedron”, co-produção com<br />

a França, <strong>da</strong> coreógrafa Tânia Carvalho, <strong>nos</strong> dias 29 e 30 <strong>de</strong><br />

Abril, e para “Solo para Sílvia Real (título provisório)”, <strong>nos</strong> dias 1<br />

e 2 <strong>de</strong> Junho, espectáculo dirigido por Francisco Camacho e que<br />

apresenta duas figuras proeminentes <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça portuguesa:<br />

Sílvia e Camacho.<br />

Na programação teatral, continua a aposta no projecto PANOS. A<br />

iniciativa, <strong>de</strong> 20 a 22 <strong>de</strong> Maio, junta a nova dramaturgia ao teatro<br />

escolar ou juvenil. Na sua sexta edição, reúne quarenta grupos<br />

<strong>de</strong> todo o país que encenam uma <strong>da</strong>s três peças propostas,<br />

escritas <strong>de</strong> propósito para serem representa<strong>da</strong>s por<br />

adolescentes.<br />

A peça <strong>de</strong> André Murraças “Três Homens Sós”, com Suzana<br />

Borges, Anabela Brígi<strong>da</strong>, Vítor d’Andra<strong>de</strong> e André Patrício, vai<br />

estar em cena <strong>de</strong> 4 a 8 <strong>de</strong> Junho. E <strong>de</strong>staque para o regresso <strong>da</strong><br />

companhia americana The TEAM, que estevem em 2009 na<br />

Culturgest com “Architecting”. Este ano volta para apresentar<br />

“Mission Drift” <strong>nos</strong> dias 14, 15 e 16 e Julho.<br />

Na música, diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos: dois concertos <strong>de</strong> música<br />

brasileira (Vitor Ramil, no dia 4 <strong>de</strong> Abril, e Ná Ozzetti, no dia 17<br />

<strong>de</strong> Julho), dois concertos do ciclo “Isto é jazz?”, com Sidsel<br />

Endresen (27 <strong>de</strong> Abril) e com o quinteto Platform 1, do qual<br />

sobressai o nome do saxofonista Ken<br />

Van<strong>de</strong>rmark (24 e 25 <strong>de</strong> Maio) e um recital <strong>de</strong> canto e piano,<br />

integrado no ciclo Concertos no Palco, que junta dois intérpretes<br />

nacionais, Jorge Vaz <strong>de</strong> Carvalho e João Paulo Santos (9 <strong>de</strong> Abril).<br />

Quanto à programação <strong>de</strong> exposições, entre as que estão em<br />

exibição e as que vão inaugurar, <strong>de</strong>staque para a exposição na<br />

Culturgest do Porto, patente <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Maio a 14 <strong>de</strong> Agosto, sobre<br />

a obra gráfica Luísa Correia Pereira (1945-2009), “artista que<br />

gran<strong>de</strong> parte do mundo <strong>da</strong> arte <strong>de</strong>sconhece ou à qual<br />

permanece indiferente, apesar <strong>da</strong> extraordinária importância do<br />

seu trabalho”, conforme se po<strong>de</strong> ler no programa.<br />

primeiro, segundo e terceiro lugares<br />

premiados em ca<strong>da</strong> categoria<br />

podiam concorrer a prémio Livro do<br />

Ano. A partir <strong>de</strong> agora só haverá um<br />

finalista por categoria e é entre estes<br />

29 finalistas que será escolhido o<br />

Livro do Ano <strong>de</strong> ficção e <strong>de</strong> nãoficção.<br />

No dia 13 <strong>de</strong> Setembro, serão<br />

anunciados pela Câmara Brasileira<br />

do Livro (CBL) os <strong>de</strong>z finalistas em<br />

ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s 29 categorias. E a<br />

divulgação dos vencedores, por<br />

categoria, será divulga<strong>da</strong> no dia 18<br />

<strong>de</strong> Outubro. A cerimónia <strong>de</strong> entrega<br />

dos prémios está marca<strong>da</strong> para o dia<br />

30 <strong>de</strong> Novembro, na Sala São Paulo,<br />

naquela ci<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira e aí serão<br />

divulgados os vencedores nas<br />

categorias <strong>de</strong> Livro do Ano ficção e<br />

não-ficção. Isabel Coutinho<br />

Festival<br />

Internacional <strong>de</strong><br />

Edimburgo <strong>de</strong>scobre<br />

o Oriente<br />

Na Capital <strong>da</strong> Escócia, em 1947,<br />

realizou-se o primeiro Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Edimburgo, um<br />

festival <strong>de</strong> artes performativas com o<br />

objectivo <strong>de</strong> recuperar do<br />

pessimismo e <strong>da</strong> <strong>de</strong>cadência do pósguerra.<br />

Este ano o festival vai<br />

<strong>de</strong>correr entre 12 <strong>de</strong> Agosto e 4 <strong>de</strong><br />

Setembro. O director, Jonathan Mills,<br />

expressou o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar “uma<br />

exploração e celebração <strong>da</strong> cultura<br />

vibrante e diversa <strong>da</strong> Ásia e <strong>da</strong> sua<br />

longa influência no Oci<strong>de</strong>nte”.<br />

Durante três semanas, Edimburgo<br />

vai ser invadi<strong>da</strong> pela China, Índia,<br />

Japão, Coreia, Taiwan e Vietname.<br />

Entre os <strong>de</strong>staques está o Ballet <strong>da</strong><br />

China a interpretar uma a<strong>da</strong>ptação<br />

<strong>de</strong> “Peony Pavillion”, peça <strong>de</strong> Tang<br />

Xianzu <strong>da</strong> dinastia Ming, fusão <strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>nça contemporânea oci<strong>de</strong>ntal<br />

com música tradicional chinesa.<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> China, a Ópera <strong>de</strong> Xangai<br />

interpreta Shakespeare,<br />

nomea<strong>da</strong>mente uma a<strong>da</strong>ptação <strong>de</strong><br />

“Hamlet” para Man<strong>da</strong>rim.<br />

De inspiração japonesa, a peça mais<br />

espera<strong>da</strong> é uma a<strong>da</strong>ptação<br />

americana <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Haruki<br />

Murakami, consi<strong>de</strong>rado pelo “The<br />

Guardian” “um dos melhores<br />

escritores vivos do mundo.” O<br />

romance a<strong>da</strong>ptado é “The Wind-up<br />

Bird Chronicle”, traduzido para<br />

inglês em 1995. Descreve a história<br />

do infeliz e aborrecido<br />

<strong>de</strong>sempregado Toru Oka<strong>da</strong>, que após<br />

per<strong>de</strong>r o seu gato, <strong>de</strong>monstra como<br />

uma rotina quotidiana se po<strong>de</strong><br />

transformar em algo dinâmico e<br />

efusivo. A a<strong>da</strong>ptação <strong>de</strong>senvolve a<br />

peça não só em teatro, mas também<br />

em marionetas e instalações <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>o.<br />

Da Índia, Edimburgo apresenta<br />

música tradicional, interpreta<strong>da</strong><br />

pelos “Legen<strong>da</strong>ry Music of<br />

Rajasthan”. Além <strong>de</strong> música, “O<br />

Livro <strong>da</strong>s Mil e Uma Noites” será<br />

transposto para peça teatral.<br />

4 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entra<strong>da</strong> livre<br />

APRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />

APRESENTAÇÃO<br />

O TESOURO ESCONDIDO<br />

Livro <strong>de</strong> José Tolentino Mendonça<br />

Apresentado por Leonor Xavier e Luís Mah<br />

Padre, ilustre intelectual e poeta, reflecte, nesta obra, acerca <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> procura interior, mantendo o<br />

habitual diálogo entre os valores do Cristianismo e a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

01.04. 21H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />

MÚSICA AO VIVO<br />

LOUSY GURU<br />

As Big as Divi<strong>de</strong>d<br />

Do ecletismo não premeditado dos seus seis elementos, surge uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> qual se <strong>de</strong>stacam<br />

harmonias vocais e ambiências várias.<br />

02.04. 17H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />

10.04. 17H00 FNAC COIMBRA<br />

12.04. 21H30 FNAC COLOMBO<br />

LANÇAMENTO<br />

REVISTA LETRAS COM(N) VIDA<br />

Por Centro <strong>de</strong> Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias <strong>da</strong><br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa<br />

A apresentação do segundo número <strong>de</strong>sta revista está a cargo <strong>de</strong> Rui Zink e conta com a presença dos<br />

directores <strong>da</strong> publicação, Miguel Real e Beata Cieszynska, <strong>da</strong> directora do Centro, Annabela Rita, e <strong>de</strong> Helena<br />

Rafael (Gradiva).<br />

06.04. 19H30 FNAC CHIADO<br />

LANÇAMENTO<br />

PORTUGAL AGRILHOADO<br />

A ECONOMIA CRUEL NA ERA DO FMI<br />

Livro <strong>de</strong> Francisco Louçã<br />

O economista e político apresenta a sua última obra em que reflecte sobre o <strong>de</strong>semprego, a per<strong>da</strong> <strong>de</strong> salários,<br />

o aumento dos impostos, a dívi<strong>da</strong> externa e os escân<strong>da</strong>los financeiros <strong>de</strong>masiado próximos do po<strong>de</strong>r político.<br />

07.04. 18H30 FNAC CHIADO<br />

LANÇAMENTO<br />

VIVA A CRISE! MANUAL DA ALEGRIA<br />

Livro dos Homens <strong>da</strong> Luta<br />

Após a vitória no Festival <strong>da</strong> Canção, os Homens <strong>da</strong> Luta lançam o seu primeiro livro que preten<strong>de</strong> ser um<br />

olhar optimista sobre a <strong>nos</strong>sa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

07.04. 22H00 FNAC COLOMBO<br />

09.04. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

17.04. 17H00 FNAC ALMADA<br />

19.04. 18H30 FNAC CHIADO<br />

apoio:<br />

Consulte a AGENDA FNAC em:<br />

http://cultura.fnac.pt


Festim<br />

para os sentidos na <strong>selva</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong><br />

A primeira,<br />

magistral<br />

e misteriosa,<br />

sequência<br />

<strong>de</strong> “O Tio<br />

Boonmee<br />

que se Lembra<br />

<strong>da</strong>s Suas<br />

Vi<strong>da</strong>s<br />

Anteriores”<br />

assinatura<br />

“O Tio Boonmee que se Lembra <strong>da</strong>s Suas Vi<strong>da</strong>s Anteriores”<br />

é a orquestra dos sentidos e dos fantasmas <strong>de</strong> um cineasta<br />

tailân<strong>de</strong>s, <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong>. A (discuti<strong>da</strong>)<br />

Palma <strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> Cannes veio <strong>da</strong> <strong>selva</strong>. Estamos à altura<br />

<strong>de</strong> mergulhar nela? Hél<strong>de</strong>r Beja, em Hong Kong<br />

Passou quase um ano <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Cannes<br />

viu – e premiou com a Palma <strong>de</strong><br />

Ouro – um filme que abre com uma<br />

sequência <strong>de</strong> cinco minutos em que<br />

o ver<strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>selva</strong> e um búfalo enchem<br />

o ecrã. Depois, há uns olhos vermelhos<br />

<strong>de</strong> macaco fantasma que fixam<br />

a câmara. Na<strong>da</strong> está explicado. Na<strong>da</strong><br />

tem <strong>de</strong> estar.<br />

“O Tio Boonmee que se Lembra<br />

<strong>da</strong>s Suas Vi<strong>da</strong>s Anteriores”, primeiro<br />

filme do tailandês <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong><br />

a ter distribuição comercial<br />

em Portugal, é isso mesmo: a<br />

história <strong>de</strong> um homem doente dos<br />

fígados que, no inverno <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, consegue<br />

pôr-se a recor<strong>da</strong>r existências<br />

anteriores, em que foi búfalo, princesa<br />

e outras coisas que não sabemos<br />

dizer. Há pe<strong>da</strong>ços que são assim, simples,<br />

no universo <strong>de</strong>ste arquitecto <strong>de</strong><br />

“Quando vamos<br />

à <strong>selva</strong> temos medo<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas que<br />

não <strong>nos</strong> são familiares.<br />

Os sons, a camuflagem<br />

que faz as coisas não<br />

parecerem claras.<br />

Os meus filmes<br />

são uma tentativa<br />

<strong>de</strong> me relacionar<br />

com essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>”<br />

formação que cresceu no nor<strong>de</strong>ste<br />

<strong>da</strong> Tailândia (Khon Kaen) antes <strong>de</strong><br />

rumar aos EUA para estu<strong>da</strong>r <strong>cinema</strong><br />

no Chicago Art Institute, mesma escola<br />

por on<strong>de</strong> passaram Walt Disney<br />

ou Orson Welles. Aliás, tudo é simples<br />

em <strong>Apichatpong</strong>, mesmo aquilo que<br />

não se percebe. Só que a simplici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

tem cama<strong>da</strong>s, como a vegetação<br />

<strong>da</strong> <strong>selva</strong> que a câmara do realizador<br />

filma.<br />

Meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter dividido a crítica<br />

com uma obra que espantou mesmo<br />

os que conheciam o seu trabalho<br />

- <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o exercício surrealista <strong>de</strong> “cadáver<br />

esquisito” que é “Mysterious<br />

Object at Noon” (2000), ou <strong>da</strong> primeira<br />

ficção (se lhe po<strong>de</strong>mos <strong>chama</strong>r assim...)<br />

“Blissfully Yours” (2002) – encontramos<br />

<strong>Apichatpong</strong> em Hong<br />

Kong, on<strong>de</strong> veio para apresentar mais<br />

uma curta feita a convite do festival<br />

internacional <strong>de</strong> <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> antiga colónia<br />

britânica.<br />

Queremos começar pela porta<br />

maior e falar do que está por baixo<br />

<strong>de</strong>ssa cama<strong>da</strong> poética e transcen<strong>de</strong>ntal<br />

<strong>de</strong> “Tio Boonmee...”, <strong>de</strong> um projecto<br />

maior <strong>chama</strong>do “Primitive” do<br />

qual a longa-metragem faz parte. O<br />

projecto “Primitive” mergulha na<br />

história <strong>de</strong> Nabua, pequena al<strong>de</strong>ia <strong>da</strong><br />

província <strong>de</strong> Isan, no nor<strong>de</strong>ste tailandês<br />

junto à fronteira com o Laos, através<br />

<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> adolescentes.<br />

Compõe-se, além do filme, <strong>de</strong> uma<br />

instalação já mostra<strong>da</strong> em várias ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

europeias, <strong>da</strong> curta “A Letter<br />

to Uncle Boonmee” (que passou no<br />

IndieLisboa), <strong>de</strong> um livro baseado<br />

<strong>nos</strong> <strong>de</strong>poimentos <strong>da</strong>s gentes <strong>da</strong> al<strong>de</strong>ia<br />

que <strong>Apichatpong</strong> entrevistou e nu-<br />

Arquitecto<br />

<strong>de</strong> formação<br />

que cresceu<br />

no nor<strong>de</strong>ste<br />

<strong>da</strong> Tailândia<br />

(Khon Kaen)<br />

antes<br />

<strong>de</strong> rumar<br />

aos EUA<br />

para estu<strong>da</strong>r<br />

<strong>cinema</strong><br />

no Chicago<br />

Art Institute,<br />

<strong>Apichatpong</strong><br />

<strong>Weerasethakul</strong><br />

vive hoje<br />

perto <strong>da</strong> <strong>selva</strong><br />

6 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 7


ma instalação ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> 11 minutos,<br />

disponível em www.animateprojects.<br />

org.<br />

“Sinto necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar para a<br />

região on<strong>de</strong> cresci. Normalmente<br />

foco-me em pessoas, <strong>nos</strong> meus sentimentos<br />

em relação a elas. Mas a situação<br />

política na Tailândia <strong>nos</strong> últimos<br />

cinco a<strong>nos</strong> tem sido muito tensa e sinto<br />

que as regiões do nor<strong>de</strong>ste têm<br />

uma forte relação com isso”, começa<br />

<strong>Apichatpong</strong>.<br />

Quis tocar o presente olhando o<br />

passado. Reflectir sobre as revoltas<br />

dos “camisas vermelhas”, que marcaram<br />

a Tailândia <strong>nos</strong> últimos a<strong>nos</strong> e<br />

particularmente em 2010, com um<br />

<strong>de</strong>senlace sangrento poucos dias antes<br />

<strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong> receber a Palma<br />

<strong>de</strong> Ouro. Descobriu Nabua enquanto<br />

viajava pelo nor<strong>de</strong>ste me<strong>nos</strong> turístico<br />

<strong>de</strong> um país que fervilha enquanto copia<br />

as práticas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s capitalistas<br />

mantendo forte base tradicionalista<br />

e religiosa.<br />

A al<strong>de</strong>ia foi, entre os a<strong>nos</strong> 1960 e<br />

1980, i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> pelo regime como<br />

um bastião comunista. A violência<br />

apertou, os homens foram perseguidos<br />

e os que não morreram fugiram<br />

para a <strong>selva</strong>. Sobraram as viúvas e os<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes que <strong>Apichatpong</strong> retrata<br />

em “Primitive”. Descreve o lugar<br />

como uma al<strong>de</strong>ia tipicamente tailan<strong>de</strong>sa,<br />

povoa<strong>da</strong> por velhos e crianças.<br />

Os jovens trabalham na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e regressam<br />

apenas para o período <strong>da</strong><br />

colheita do arroz.<br />

“Fui atingido por esta al<strong>de</strong>ia e pela<br />

sua história <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento”,<br />

conta. Hoje com 40 a<strong>nos</strong>, não sentiu<br />

na pele as convulsões políticas do país.<br />

Mas viveu-as indirectamente. “Não<br />

tive a experiência directa que no passado<br />

as pessoas <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s tiveram.<br />

Com estes adolescentes passa-se o<br />

mesmo, eles experimentam este processo<br />

em segun<strong>da</strong> mão. Por isso sintome<br />

mais próximo <strong>de</strong>les do que se<br />

trabalhasse com as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras vítimas.<br />

Tive uma experiência distante e<br />

i<strong>de</strong>ntifico-me com a forma como eles<br />

vivem os acontecimentos <strong>de</strong> hoje.”<br />

A maior crise política <strong>da</strong>s últimas<br />

duas déca<strong>da</strong>s na Tailândia fez <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> mortos durante os protestos<br />

dos “camisas vermelhas” em Banguecoque,<br />

em Abril e Maio do ano passado.<br />

A população do norte e nor<strong>de</strong>ste<br />

rural <strong>de</strong>sceu à capital para enfrentar<br />

aquelas que vêem como as elites<br />

do país, que acusam <strong>de</strong> terem tomado<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>pois do golpe <strong>de</strong> Estado<br />

que <strong>de</strong>stituiu o primeiro-ministro<br />

Thaksin Shinawatra, em 2006. Dias<br />

<strong>de</strong>pois, os jornais tailan<strong>de</strong>ses largavam<br />

a tragédia para <strong>da</strong>r lugar ao feito<br />

histórico logrado por <strong>Apichatpong</strong><br />

para o <strong>cinema</strong> <strong>da</strong>quele país. Foi uma<br />

espécie <strong>de</strong> orgulho nacional <strong>de</strong> uma<br />

ban<strong>de</strong>ira com feri<strong>da</strong>s renova<strong>da</strong>s.<br />

“Se olhar para as pessoas, elas vêm<br />

do mesmo tipo <strong>de</strong> regime opressor,<br />

do Exército e <strong>de</strong> outras instituições.<br />

E até hoje não houve nenhum pedido<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas a este povo”, refere <strong>Apichatpong</strong><br />

sobre os conflitos. Para o<br />

artista, a Tailândia “continua agora<br />

mesmo a ver a violência a acontecer,<br />

o apontar <strong>de</strong> <strong>de</strong>do. Ninguém é suficientemente<br />

corajoso para pedir <strong>de</strong>sculpa,<br />

preferem ficar com as mãos<br />

sujas <strong>de</strong> sangue”.<br />

No filme, a personagem Boonmee<br />

(interpreta<strong>da</strong> por Thanapat Saisaymar)<br />

também refere directamente a<br />

perseguição feita aos comunistas. Ou<br />

se estava com os vermelhos ou contra<br />

eles e, com a morte a aproximar-se,<br />

Boonmee, servo do regime, recor<strong>da</strong><br />

os homens que silenciou. A referência<br />

“não foi planea<strong>da</strong> no início” e surgiu<br />

“<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ligar a história<br />

<strong>da</strong>quela região à história <strong>de</strong> Boonmee”,<br />

que <strong>Apichatpong</strong> encontrou<br />

num pequeno livro inspirador.<br />

“Tudo está a mu<strong>da</strong>r.<br />

Isso acontece<br />

também no modo<br />

como fazemos filmes,<br />

em que tudo está<br />

a tornar-se digital.<br />

Este filme é uma<br />

<strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>, foi filmado<br />

em 16 milímetros<br />

e tem quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

muito artesanais”<br />

Tributos<br />

<strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong> vê “Tio<br />

Boonmee...” – <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro elemento<br />

do projecto “Primitive” que começou<br />

a mostrar em 2009 – como “um tributo<br />

a to<strong>da</strong> as coisas que estão a morrer”,<br />

a começar pelo protagonista.<br />

Tributo esse que se esten<strong>de</strong> a uma<br />

maneira <strong>de</strong> fazer <strong>cinema</strong>. “Tudo está<br />

a mu<strong>da</strong>r, a transformar-se. Isso acontece<br />

também no modo como fazemos<br />

filmes, em que tudo está a tornar-se<br />

digital. Depois, a forma como trabalhamos,<br />

o mercado, os meios <strong>de</strong> distribuição...<br />

Este filme, nesse sentido,<br />

é uma <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>, foi filmado em 16<br />

milímetros e tem quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s muito<br />

artesanais.”<br />

A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>r em 16 milímetros<br />

ajudou a reduzir o orçamento e serviu<br />

para <strong>da</strong>r ao filme uma textura que recor<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> TV tailan<strong>de</strong>sa que via em<br />

adolescente. “Ain<strong>da</strong> sou <strong>de</strong>sse tempo<br />

em que os programas eram filmados<br />

assim, em estúdio, e em que os monstros<br />

estavam sempre no escuro, para<br />

que não se visse como a caracterização<br />

e o guar<strong>da</strong>-roupa eram maus. Por<br />

isso quis mostrar o modo como me<br />

sentia em relação a essa coisas com<br />

que cresci”, diz. Comenta uma <strong>da</strong>s<br />

cenas mais fala<strong>da</strong>s, em que o fantasma<br />

<strong>da</strong> mulher <strong>de</strong> Boonmee e o filho <strong>de</strong>saparecido<br />

surgem no ecrã. O segundo<br />

está vestido <strong>de</strong> macaco, com um<br />

fato que tem semelhanças a Chewbacca,<br />

<strong>de</strong> “Star Wars”, e uns olhos vermelhos<br />

flamejantes. Uma <strong>da</strong>s personagens,<br />

com a maior serie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste<br />

mundo e do outro, pergunta-lhe por<br />

que <strong>de</strong>ixou crescer tanto o cabelo.<br />

<strong>Apichatpong</strong> ri-se do nonsense.<br />

“Quando olho para o <strong>cinema</strong> antigo,<br />

tenho sempre um sentimento duplo,<br />

que por um lado é <strong>de</strong> tristeza por<br />

todos aqueles actores que já <strong>de</strong>sapareceram.<br />

Por outro é <strong>de</strong> divertimento,<br />

porque eles são muito sérios em relação<br />

ao seu papel <strong>de</strong> intérpretes. Queria<br />

que o público tivesse esta sensação<br />

esquisita entre ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar<br />

ou <strong>de</strong> rir”, continua.<br />

A personagem do macaco nasceu<br />

<strong>de</strong> um compêndio <strong>de</strong> influências que<br />

vão dos “comics” tailan<strong>de</strong>ses à televisão,<br />

passando pela ficção científica.<br />

Estas e outras homenagens ao passado<br />

fazem com que <strong>Apichatpong</strong> <strong>de</strong>sconfie<br />

quando lhe dizem que está a fazer algo<br />

<strong>de</strong> novo com o <strong>cinema</strong>. “Não sei o que<br />

é novo. Há tantos tipos <strong>de</strong> <strong>cinema</strong> experimental...<br />

É como um universo em<br />

que é impossível i<strong>de</strong>ntificar tudo o que<br />

as pessoas têm vindo a fazer. Não penso<br />

em como inventar qualquer coisa<br />

mas em como posso fazer filmes que<br />

estejam relacionados com os meus<br />

sentimentos. Esse é o meu ângulo. Como<br />

se po<strong>de</strong> ver, o ‘Tio Boonmee’ tem<br />

imensas referências a <strong>cinema</strong> clássico.<br />

Na<strong>da</strong> há <strong>de</strong> inventivo ali.”<br />

Quero recor<strong>da</strong>r<br />

Para <strong>Apichatpong</strong>, “o conceito é o<br />

mais importante” e, no caso <strong>de</strong>ste<br />

filme, começou a construir-se <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ter encontrado um livro escrito por<br />

O realizador e os actores na ro<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> uma<br />

<strong>da</strong>s mais belas sequências do filme: os fantasmas à mesa<br />

O Tio<br />

Boonmee<br />

está a morrer<br />

e a sua vi<strong>da</strong> -<br />

as suas outras<br />

vi<strong>da</strong>s e os<br />

seus<br />

fantasmas -<br />

sentam-se<br />

à sua mesa<br />

8 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


ERIC GAILLARD/ REUTERS<br />

“Blissfully<br />

Yours”,<br />

“Tropical<br />

Malady”<br />

e “Sindromes<br />

and a<br />

Century”,<br />

obras<br />

anteriores<br />

LUCAS JACKSON/ REUTERS<br />

um monge budista, sobre um homem<br />

(Boonmee) que certo dia apareceu no<br />

templo garantindo que, enquanto<br />

meditava, podia recor<strong>da</strong>r ao <strong>de</strong>talhe<br />

as suas vi<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s. “Tio Boonmee”<br />

não é uma a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> obra<br />

<strong>de</strong> 1983, porque <strong>Apichatpong</strong> percebeu<br />

que não seria capaz <strong>de</strong> fazê-lo. É,<br />

antes, um “diário pessoal” em que o<br />

realizador armazena algumas <strong>da</strong>s suas<br />

próprias memórias.<br />

“O livro é incrível, porque tem uma<br />

linha temporal cheia <strong>de</strong> saltos, entre<br />

várias vi<strong>da</strong>s e memórias. Sou fascinado<br />

pelo acto <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>r, <strong>de</strong> como <strong>nos</strong><br />

conseguimos lembrar <strong>da</strong>s coisas. E<br />

sou uma pessoa muito esqueci<strong>da</strong>. Foi<br />

por isso que quis fazer um filme sobre<br />

as minhas memórias – eu quero recor<strong>da</strong>r”,<br />

vinca. Depois <strong>de</strong> ler o livro,<br />

percebeu que estava perante um homem<br />

que “era uma máquina <strong>de</strong> memórias”,<br />

que voltava a vi<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s<br />

como se fossem sonhos. “Num certo<br />

sentido é como o <strong>cinema</strong>, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos<br />

saltar no tempo.”<br />

O realizador, que ao mesmo tempo<br />

que faz projectos como este já trabalhou<br />

em peque<strong>nos</strong> filmes para a Dior<br />

e a Louis Vuitton, começou então a<br />

pensar que seria <strong>de</strong>safiante fazer um<br />

filme a partir <strong>da</strong>li. Hoje não tem dúvi<strong>da</strong>s:<br />

“Acho que falhei”. Porquê?<br />

“Quando li o livro foi tão fantástico…<br />

De ca<strong>da</strong> vez que o leio tenho imagens<br />

diferentes. Boonmee chegou mesmo<br />

a ser um fantasma. E como é que se<br />

põe isso em imagens?” Explica que<br />

com o livro “a imaginação solta-se<br />

mais, não tem amarras”. Já o <strong>cinema</strong><br />

“é limitação”. “E é por isso que ponho<br />

tanto <strong>de</strong> mim e me<strong>nos</strong> do livro.” Entre<br />

as criações narrativas <strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong>,<br />

está o tomo em que uma princesa<br />

(também retira<strong>da</strong> do imaginário<br />

<strong>da</strong> TV e <strong>da</strong>s telenovelas tailan<strong>de</strong>sas)<br />

faz sexo com um peixe-gato num lago.<br />

É uma alegoria do belo e <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia<br />

do belo, “<strong>de</strong> como as pessoas querem<br />

manter a mesma aparência” e seguir<br />

os padrões.<br />

Til<strong>da</strong><br />

Swinton tem<br />

já encontro<br />

marcado com<br />

o cineasta<br />

tailandês num<br />

projecto sobre<br />

o rio Mekong<br />

Comentário<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Tim Burton, e o regresso ao planeta dos<br />

macacos: “Uma <strong>da</strong>s coisas que gosto <strong>de</strong>ste<br />

festival [Cannes] é ver coisas que não vemos<br />

habitualmente. Vemos muitos filmes, sabem, o<br />

mundo está a ficar ca<strong>da</strong> vez mais pequeno e os<br />

filmes tornam-se mais oci<strong>de</strong>ntalizados ou<br />

hollywoodizados e com este filme senti que estava a ver<br />

[alguma coisa] <strong>de</strong> outro país, <strong>de</strong> outra perspectiva. Pelos<br />

temas, usando elementos <strong>de</strong> fantasia <strong>de</strong> uma forma que<br />

nunca tinha visto antes. Por isso senti que era um bonito<br />

e estranho sonho que não se vê com frequência.”<br />

Isto era Tim Burton, citado pelo “Toronto Star”, na<br />

conferência <strong>de</strong> imprensa do Palmarés <strong>de</strong> Cannes 2010,<br />

cujo júri, que ele presidiu, atribuiu a Palma <strong>de</strong> Ouro a “O<br />

Tio Boonmee que se lembra <strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s anteriores”,<br />

<strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong>. Foi <strong>da</strong>queles palmarés<br />

em que um festival se mostra à frente, <strong>da</strong>queles palmarés<br />

que, para além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer bem a um filme, faz bem<br />

a um festival – até porque, no caso concreto, elevou<br />

para uma fasquia <strong>de</strong> excelência uma competição que na<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> foi só sofrível – e ao <strong>cinema</strong>.<br />

E foi um abanão – como<br />

aquele outro, em 1999, em<br />

que o júri presidido por David<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

isto é <strong>cinema</strong> em 3D.<br />

Mas neste caso,<br />

para o ver, é preciso<br />

tirar os óculos<br />

<strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong> cumprimenta o presi<strong>de</strong>nte do júri Tim Burton na noite do Palmarés<br />

<strong>de</strong> Cannes 2010 – ro<strong>de</strong>ados pelos outros premiados, como Juliette Binoche ou Javier Bar<strong>de</strong>m<br />

Para sermos melhores espectadores<br />

Cronenberg se <strong>de</strong>ixou invadir<br />

pela correria <strong>de</strong> “Rosetta”,<br />

dos irmãos Dar<strong>de</strong>nne, e, para<br />

cúmulo dos seus pecados,<br />

premiou os não-actores <strong>de</strong><br />

“L’Humanité”, <strong>de</strong> Bruno<br />

Dumont, que tinha irritado<br />

muita gente e que ain<strong>da</strong> ficou<br />

com o Gran<strong>de</strong> Prémio do Júri.<br />

Para alguns a <strong>selva</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Apichatpong</strong> foi uma epifania,<br />

para outros uma agressão. Aplausos entusiasmados<br />

perante o anúncio do júri (aquilo que se ouviu na sala<br />

em que a imprensa seguia a cerimónia dos prémios),<br />

entusiasmos no “Mon<strong>de</strong>” ou no “Libération” (e no<br />

PÚBLICO), um “vi-o duas vezes e aborreci-me duas<br />

vezes” (“L’Express”, mas ca<strong>da</strong> um aborrece-se com<br />

aquilo que po<strong>de</strong>) e um “grotesca Palma <strong>de</strong> Ouro” no “El<br />

País”, título e artigo que sintetizaram, como lhe <strong>chama</strong>r?,<br />

o medo, a intimi<strong>da</strong>ção, perante o <strong>de</strong>sconhecido. Uma<br />

guerrilha cultural, o “mainstream” feita virgem ofendi<strong>da</strong><br />

pelo “alternativo”? O que quer que ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas<br />

categorias seja...<br />

O último filme <strong>de</strong> <strong>Weerasethakul</strong>, “ou o que quer<br />

que essa coisa seja”, escrevia-se nesse artigo do diário<br />

espanhol, seria uma invenção dos festivais, “do ridículo<br />

gueto dos festivais”. Mas que outra coisa po<strong>de</strong> ser um<br />

festival, <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>, <strong>de</strong> música, <strong>de</strong> teatro, <strong>de</strong> literatura,<br />

<strong>de</strong> qualquer coisa, a não ser um gueto (mais ou me<strong>nos</strong><br />

ridículo) on<strong>de</strong> – é isso que se espera – se tacteia o futuro<br />

e às vezes se encontra e outras vezes se vê miragens a<br />

ca<strong>da</strong> esquina?<br />

Acusações, ao júri, na pessoa do seu presi<strong>de</strong>nte,<br />

<strong>de</strong> fascínio pelo “vanguardismo”, pelo “rebuscado<br />

hermetismo” por uma “poética difícil <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar”,<br />

pela “patética linguagem expressiva” <strong>de</strong> <strong>Weerasethakul</strong>?<br />

Sim, isso tudo. Mas a palavra que aqui interessa é<br />

“fascínio”. Ou esse é um pecado, na perspectiva <strong>de</strong><br />

quem se <strong>de</strong>scobre incapaz <strong>de</strong> aí chegar?<br />

Não passou <strong>de</strong>spercebido o facto <strong>de</strong> no ano do seu<br />

“blockbuster” “Alice no País <strong>da</strong>s Maravilhas” – filme<br />

tão normalizado pelos efeitos digitais e pelo 3D... – Tim<br />

Burton ter sido seduzido pela estranheza artesanal,<br />

ele que em tempos já foi cineasta <strong>selva</strong>gem e estranho<br />

(também <strong>de</strong> “poética difícil <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar”?). Foram-lhe<br />

feitos juízos <strong>de</strong> intenções: o americano quis fazer-se<br />

“cool” ao <strong>da</strong>r o prémio ao tailandês, o gesto terá sido<br />

calculista (até se escreveu: se ele gosta <strong>de</strong>sses filmes,<br />

porque é que não os faz em Hollywood?). Preferimos<br />

esta versão, me<strong>nos</strong> cínica embora subjectiva como as<br />

outras: os fantasmas (e não só a criatura felpu<strong>da</strong> saí<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> uma versão barata <strong>de</strong> “Star Wars”) recor<strong>da</strong>ram a Tim<br />

Burton o cineasta que ele já foi, sem CGI e sem 3D. Como<br />

quem recor<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s. O Tio Burton lembrou-se<br />

<strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s anteriores.<br />

Não é outro o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong><br />

com este filme que faz o levantamento <strong>da</strong> memória <strong>de</strong><br />

uma cultura específica, a do Noroeste <strong>da</strong> Tailândia,<br />

que (<strong>nos</strong>) mergulha numa floresta animista – a curta<br />

“Letter do Uncle Boonmee”, exibi<strong>da</strong> o ano passado no<br />

IndieLisboa, foi um preliminar, um agitar <strong>da</strong> memória<br />

para a natureza começar a falar – mas, sobretudo, que<br />

<strong>nos</strong> confronta no lugar universal <strong>de</strong> espectadores:<br />

lembra-<strong>nos</strong> aquilo que já fomos, nesta e noutras vi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

espectadores.<br />

É uma experiência <strong>de</strong> estados alterados “O Tio<br />

Boonmee que se lembra <strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s anteriores”,<br />

uma reserva <strong>de</strong> sensações, <strong>de</strong> energia e <strong>de</strong> imaginação<br />

que o espectador <strong>de</strong>scobre existir (e feliz o que assim<br />

se <strong>de</strong>scobre) e que o filme nele vai apurando. Numa<br />

entrevista à revista “Cinemascope”, <strong>Weerasethakul</strong><br />

falava <strong>da</strong> diferença entre as suas instalações e os seus<br />

filmes. No primeiro caso, no espaço <strong>de</strong> uma galeria,<br />

espectador e instalação seriam como dois animais que se<br />

farejam mutuamente, o espectador estando activo; numa<br />

sala <strong>de</strong> <strong>cinema</strong> o espectador seria como um “zombie”,<br />

subjugado e hipnotizado perante o po<strong>de</strong>r “extremo” do<br />

filme. Ficámos subjugados perante o que disse o senhor<br />

<strong>Weerasethakul</strong>. E ficámos subjugados perante o filme. O<br />

ecrã po<strong>de</strong> tornar-se “branco”, aberto a que projectemos<br />

nele as <strong>nos</strong>sas memórias. É experiência física: um filme,<br />

uma câmara, os animais e a natureza permitindo esta<br />

sensação <strong>de</strong> estar sujeito à transformação.<br />

Coisa <strong>de</strong> “pureza”? Na<strong>da</strong> disso, como po<strong>de</strong> ser “puro”<br />

o <strong>cinema</strong> <strong>de</strong> um arquitecto <strong>de</strong> formação, tailandês,<br />

que estudou <strong>cinema</strong> em Chicago e que cita Antonioni,<br />

Jacques Tourneur, o <strong>cinema</strong> <strong>de</strong> ficção científica ou os<br />

subprodutos <strong>da</strong> TV tailan<strong>de</strong>sa?<br />

Coisa “primitiva”? Sim, no sentido — na<strong>da</strong> elitista,<br />

já agora – do <strong>cinema</strong> como espectáculo que <strong>nos</strong> <strong>de</strong>ixa<br />

boquiabertos <strong>de</strong> espanto. Como já estivemos. Como já<br />

fomos, espectadores me<strong>nos</strong> formatados.<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, isto é <strong>cinema</strong> em 3D. Mas neste caso, para<br />

o ver, é preciso tirar os óculos.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 9


A estrutura é elíptica e não <strong>nos</strong><br />

é dito muito do que po<strong>de</strong> ser percebido<br />

ou interpretado. Daí nasce a sequência<br />

em que Boonmee, já embrenhado<br />

na <strong>selva</strong> e no mundo animista<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas vivas e transformáveis,<br />

fala <strong>de</strong> um sonho que teve – outra<br />

vez com os olhos rubros a observarem-no<br />

a partir <strong>da</strong>s trevas. A voz do<br />

velho que se apresta a morrer para<br />

nascer <strong>de</strong> novo é pinta<strong>da</strong> por fotografias<br />

<strong>da</strong> al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Nabua, em que aparecem<br />

adolescentes com uniformes<br />

militares acompanhados do macaco<br />

que percorre o filme. “São as minhas<br />

memórias <strong>de</strong> ter trabalhado com os<br />

adolescentes <strong>da</strong>quela al<strong>de</strong>ia. O sonho<br />

<strong>de</strong> Boonmee é sobre o futuro e ao<br />

mesmo tempo sobre <strong>cinema</strong>. Estão<br />

lá to<strong>da</strong>s as referências, que vão dos<br />

filmes <strong>de</strong> ficção científica <strong>de</strong> Chris<br />

Marker a Antonioni e ‘Blow Up’”, refere.<br />

DAMIR SAGOLJ/ REUTERS<br />

“Os problemas que<br />

tive [na Tailândia]<br />

fizeram-me perceber<br />

o contexto geral e não<br />

apenas a questão do<br />

<strong>cinema</strong>. São limites<br />

<strong>de</strong> expressão que<br />

existem, porque se<br />

vive numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

conservadora que age<br />

através <strong>da</strong> violência.<br />

Sufoca-se a liber<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> expressão em<br />

nome <strong>da</strong> tradição”<br />

são em nome <strong>da</strong> tradição. É com isso<br />

que tenho lutado”, <strong>de</strong>nuncia.<br />

A religião budista, comum à larga<br />

maioria <strong>da</strong> população, é um assunto<br />

sensível para aquela monarquia constitucional.<br />

E, ao mesmo tempo, um<br />

dos temas recorrentes em <strong>Apichatpong</strong>.<br />

“Fui criado num ambiente budista<br />

mas a minha família não era<br />

louca por todos os rituais. Claro que<br />

íamos a templos mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o<br />

meu pai morrer em 2003, senti-me<br />

mais próximo do budismo como um<br />

caminho para estar com os meus sentimentos<br />

e a minha mente.”<br />

Ao contrário do que se escreveu<br />

muitas vezes <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o cineasta<br />

agra<strong>de</strong>cer a “todos os espíritos e todos<br />

os fantasmas <strong>da</strong> Tailândia” quando<br />

venceu a Palma <strong>de</strong> Ouro, <strong>Apichatpong</strong><br />

não é assim tão místico. “Hoje olho<br />

para a religião <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista<br />

mais científico. Mesmo a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> reencarnação,<br />

não posso dizer que acredito<br />

nisso, mas é possível, só precisamos<br />

<strong>de</strong> alguma prova”, conce<strong>de</strong>.<br />

Fala com o compasso repousado<br />

dos seus filmes. Vive fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

a 30 quilómetros <strong>de</strong> Chiang Mai, uma<br />

<strong>da</strong>s principais urbes do norte do país,<br />

“numa al<strong>de</strong>ia muito tranquila”. A <strong>selva</strong><br />

continua a ser a sua preferência.<br />

“Mesmo assim não estou acostumado.<br />

Quando vamos à <strong>selva</strong> temos medo<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas que não <strong>nos</strong> são<br />

familiares. Os sons, a repetição do<br />

ver<strong>de</strong>, a camuflagem que faz as coisas<br />

não parecerem claras – é por isso que<br />

temos medo. Os meus filmes são uma<br />

tentativa <strong>de</strong> me relacionar com essa<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ain<strong>da</strong> que continue a ser<br />

um homem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>”, admite.<br />

Foi <strong>da</strong> <strong>selva</strong> que bebeu um dos principais<br />

elementos do seu trabalho: o<br />

som, que em “Tio Boonmee” é uma<br />

massa espessa que enche a sala. “Para<br />

mim o som é tão importante como<br />

as imagens, e às vezes mais. É como<br />

uma orquestração, é conduzir música.<br />

Eu sou obcecado com o som, é por<br />

isso que adoro o sistema ‘dolby surround’,<br />

porque estimula a <strong>nos</strong>sa percepção.”<br />

E é também por isso que já<br />

disse mais <strong>de</strong> uma vez que os seus<br />

filmes não funcionam em DVD.<br />

A orquestra <strong>de</strong> <strong>Apichatpong</strong> po<strong>de</strong><br />

ser a mesma <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Cannes, mas<br />

tem outro peso. O sucesso não o faz<br />

trabalhar com sofreguidão. Quer<br />

manter-se tranquilo e lançar-se na<br />

produção, ao mesmo tempo que explora<br />

outras vertentes artísticas. “Se<br />

não conseguir ter o financiamento<br />

necessário para voltar a fazer filmes,<br />

estou <strong>de</strong> bem com isso. Contenta-me<br />

o que tenho. Por isso é que às vezes<br />

me dizem ‘por que és tão preguiçoso?’<br />

E eu posso sempre respon<strong>de</strong>r que<br />

estou a viajar”.<br />

“O Tio Boonmee que se Lembra <strong>da</strong>s<br />

Suas Vi<strong>da</strong>s Anteriores” acabou por<br />

ser bem aceite na Tailândia, on<strong>de</strong> foi<br />

o filme escolhido na hora <strong>de</strong> indicar<br />

um título para os Óscares. O reconhecimento<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>Apichatpong</strong> contente,<br />

principalmente por lhe permitir chegar<br />

às pessoas. “É um encorajamento<br />

DAMIR SAGOLJ/ REUTERS<br />

Quando Cannes <strong>da</strong>va a Palma<br />

a “Tio Boonmee”, os “camisas<br />

vermelhas” rurais protestavam<br />

contra o governo tailandês<br />

e as elites que governam o país,<br />

espelho real dos fantasmas<br />

políticos do filme<br />

Cinema honesto<br />

Não foi <strong>de</strong> fácil digestão para alguma<br />

crítica a consagração em Cannes <strong>de</strong><br />

um tipo que põe os créditos a meio<br />

do filme (por acaso até não faz isso<br />

neste filme), que trabalha com actores<br />

não profissionais, que faz longas sequências<br />

<strong>de</strong> pla<strong>nos</strong> sem diálogos nem<br />

aquilo a que <strong>nos</strong> acostumámos a <strong>chama</strong>r<br />

acção, entrecruzando-as com<br />

uma componente quase esotérica ou<br />

transcen<strong>de</strong>ntal.<br />

<strong>Apichatpong</strong> começou a mostrar-se<br />

em Cannes em 2002, na secção Un<br />

Certain Regard, com “Blissfully<br />

Yours”, e prosseguiu com “Tropical<br />

Malady”, que mereceu o Prémio do<br />

Júri dois a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois. É duro resumir<br />

os filmes numas quantas frases, mas<br />

<strong>de</strong>stes po<strong>de</strong> dizer-se que são ambos<br />

sobre relações amorosas, os trabalhadores<br />

migrantes (no caso do primeiro)<br />

e a homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> (no segundo).<br />

E isto é extremamente redutor.<br />

“Penso que os filmes são sempre<br />

pessoais, são sobre como sermos honestos<br />

con<strong>nos</strong>co próprios. E claro que<br />

quando se é honesto não se po<strong>de</strong><br />

agra<strong>da</strong>r to<strong>da</strong> a gente. Claro que estou<br />

a falar <strong>de</strong> um tipo particular <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>.<br />

Depois há outro tipo que todos<br />

conhecemos, que é o ‘mainstream’.<br />

Mas para mim, com o meu interesse<br />

pelas artes visuais e a minha boa sorte<br />

– porque tenho um bom produtor,<br />

que me compreen<strong>de</strong> e me dá liber<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

– consigo ser honesto comigo <strong>nos</strong><br />

meus filmes.”<br />

Não há gran<strong>de</strong>s segredos no modo<br />

como trabalha. Em 1999 criou a sua<br />

produtora, Kick The Machine, e a partir<br />

<strong>da</strong>í tratou <strong>de</strong> olhar em volta e encontrar<br />

as pessoas com quem lhe interessava<br />

fazer caminho.<br />

“Acho sempre que há muitas pessoas<br />

mais interessantes que eu”, ri-se.<br />

“Escolho sempre alguém com quem<br />

possa apren<strong>de</strong>r. Muitas <strong>da</strong>s vezes mudo<br />

o guião para que possa encaixar<br />

os ensinamentos que vou recebendo.<br />

Isso permite que <strong>nos</strong> encontremos a<br />

meio caminho.”<br />

No essencial, continua a olhar para<br />

um país e uma região que têm não<br />

uma mas várias histórias <strong>de</strong> violência.<br />

“A Tailândia é um país violento, tem<br />

passado por intermináveis regimes<br />

opressivos. Mesmo que quando se é<br />

turista se vá lá e tudo pareça livre e<br />

natural, quando se lá vive há imensas<br />

limitações”, lamenta.<br />

Já teve seu quinhão <strong>de</strong> problemas<br />

com as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s. E qualifica <strong>de</strong><br />

“inocentemente brutais” os regimes<br />

do Su<strong>de</strong>ste Asiático e a própria China.<br />

“Os problemas que tive fizeram-me<br />

perceber o contexto geral e não apenas<br />

a questão do <strong>cinema</strong>. São limites<br />

<strong>de</strong> expressão que existem, porque se<br />

vive numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> conservadora<br />

que age através <strong>da</strong> violência. Há censura<br />

e sufoca-se a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exprespara<br />

os realizadores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

A Tailândia percebeu que há um público<br />

para este tipo <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>. Não<br />

temos <strong>cinema</strong>tecas mas temos locais<br />

que agora abrem as suas portas para<br />

os cineastas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes falarem<br />

com o público.”<br />

Paralelamente, tem um percurso<br />

na instalação e na ví<strong>de</strong>o-arte. Ca<strong>da</strong><br />

vez trabalha mais com projectos como<br />

“Primitive”, que <strong>de</strong>pois se ramificam<br />

e on<strong>de</strong> o <strong>cinema</strong> é apenas uma<br />

<strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> expressão. Para Julho,<br />

apresentará já a primeira parte <strong>de</strong> um<br />

estudo que parte do gran<strong>de</strong> rio<br />

Mekong, que nasce nas montanhas<br />

do Tibete para atravessar a província<br />

<strong>de</strong> Yunnan, na China, o Myanmar,<br />

Laos, Tailândia, Camboja e Vietname.<br />

O resultado será exposto no Irish Museum<br />

of Mo<strong>de</strong>rn Art, em Dublin.<br />

“Quero focar-me na escuridão. A escuridão<br />

no <strong>cinema</strong>, na História e também<br />

a escuridão à volta <strong>da</strong>quele rio”,<br />

diz.<br />

Está concentrado <strong>nos</strong> fenóme<strong>nos</strong><br />

naturais, e avisa que isto em na<strong>da</strong> tem<br />

que ver com a tragédia que se abateu<br />

sobre o Japão. “Estou interessado há<br />

muito tempo na i<strong>de</strong>ia <strong>da</strong> mãe natureza<br />

e <strong>de</strong> quando falamos nela ser aparentemente<br />

uma coisa boa. Mas na<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> esta mãe é muito cruel, é má<br />

às vezes. Quero olhar para a natureza<br />

sob essa perspectiva, <strong>de</strong> qualquer coisa<br />

que po<strong>de</strong> catastrófica.” E, no<br />

Mekong, a principal catástrofe são as<br />

recorrentes cheias.<br />

Também este novo projecto terá o<br />

seu braço <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>, no qual participará<br />

a actriz Til<strong>da</strong> Swinton, que <strong>de</strong>ve<br />

visitar a Tailândia ain<strong>da</strong> este ano.<br />

“Sou fascinado por ela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vejo<br />

<strong>cinema</strong> <strong>de</strong> um modo mais sério,<br />

logo a partir dos filmes que ela fez<br />

com Derek Jarman. Soube que ela<br />

gosta do meu trabalho e começámos<br />

a comunicar. Fico sensibilizado por<br />

estar disposta a quebrar esta fronteira.<br />

Gosto <strong>de</strong> quebrar fronteiras no<br />

<strong>cinema</strong> e na arte, e acho que ela é<br />

uma <strong>da</strong>s poucas que percebe essa<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> partilhar.”<br />

Para já, continua a seguir com gran<strong>de</strong><br />

interesse o trabalho <strong>de</strong> Tsai Mingliang<br />

e Hou Hsiao-Hsien, por quem<br />

tem “muita admiração”, e <strong>de</strong> Jacques<br />

Rivette, Terrance Davis ou Manoel <strong>de</strong><br />

Oliveira. “Não o digo por ele ser português,<br />

e nem quero falar <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que tem. Mas o facto <strong>de</strong> conseguir<br />

fazer filmes tão maravilhosos uma e<br />

outra vez é <strong>de</strong> loucos e ao mesmo<br />

tempo é muito bom.”<br />

<strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong> quer<br />

encontrar meios <strong>de</strong> contornar o impacto<br />

díspar que um filme visto numa<br />

sala e as obras que estão num museu<br />

têm nas pessoas. “Para mim é muito<br />

interessante po<strong>de</strong>r usar diferentes<br />

meios, <strong>de</strong>safiar as tais fronteiras <strong>de</strong><br />

que falava. Claro que o <strong>cinema</strong> é arte<br />

mas o modo como o percepcionamos<br />

ain<strong>da</strong> é muito diferente. Quero encontrar<br />

caminhos para criar qualquer<br />

coisa... Qualquer coisa que mostre<br />

tudo.”<br />

Mesmo que sejam fantasmas.<br />

10 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA<br />

Quando eles filmav<br />

Saíram para as ruas <strong>de</strong> câmaras nas mãos logo no dia 25 <strong>de</strong> Abril. Ocuparam o instituto do <strong>cinema</strong> e<br />

as notícias não chegavam. Havia todo um país a mostrar. Muitos <strong>de</strong>sses filmes nunca mais foram v<br />

12 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


vam a revolução<br />

e a censura, filmaram ocupações, fábricas em auto-gestão, al<strong>de</strong>ias em Trás-os-Montes on<strong>de</strong><br />

vistos. Vamos vê-los no Panorama, a partir <strong>de</strong> hoje, S. Jorge, Lisboa. Alexandra Prado Coelho<br />

Tinham pedido a José Nascimento<br />

que, aproveitando o facto <strong>de</strong> ir frequentemente<br />

montar filmes nas instalações<br />

<strong>da</strong> televisão, tentasse perceber<br />

como ia ser o golpe que se sabia<br />

que estava a ser preparado. O cineasta<br />

não soube tudo mas conseguiu algumas<br />

informações. “Sabíamos que<br />

as rádios iam passar o Grândola Vila<br />

Morena e que isso seria o sinal <strong>de</strong> arranque”.<br />

Na noite <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> Abril saiu<br />

para a rua à procura <strong>de</strong> sinais. Lisboa<br />

estava calma. “Andámos até às duas<br />

<strong>da</strong> manhã, mas só tar<strong>de</strong> começámos<br />

a ver algumas movimentações, sobretudo<br />

junto ao Rádio Clube Português.”<br />

Decidiram que o melhor seria dormirem<br />

algumas horas, e no dia 25<br />

levantaram-se cedo, passaram pela<br />

produtora Telecine, conseguiram<br />

uma câmara <strong>de</strong> 16 milímetros e foram<br />

para o Largo do Carmo filmar a revolução.<br />

No Carmo a confusão era já<br />

muita. Outro cineasta e produtor, António<br />

Cunha Telles, tinha ouvido as<br />

notícias na rádio e fora imediatamente<br />

para o local. “Por acaso tinha uma<br />

câmara <strong>de</strong> filmar e fui com ela <strong>de</strong>baixo<br />

do braço. Fiquei à espera que acontecessem<br />

coisas importantes.”<br />

O ambiente era <strong>de</strong> tensão. Marcelo<br />

Caetano <strong>de</strong>ntro do quartel, Salgueiro<br />

Maia, à frente <strong>da</strong>s tropas revolucionárias,<br />

no exterior. “O Salgueiro Maia<br />

“De início<br />

só me interessava<br />

o registo, essa era<br />

a preocupação,<br />

e a <strong>nos</strong>sa<br />

disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> total.<br />

Estávamos a viver<br />

um período único<br />

e teríamos que <strong>da</strong>r<br />

tudo por tudo para<br />

estar nesse processo”<br />

Rui Simões<br />

disse que às três horas abria caminho<br />

a fogo”, conta Cunha Telles. “Eu estava<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um cafezinho, saí e <strong>de</strong><br />

um lado estava a GNR e do outro as<br />

tropas do Salgueiro Maia. Quando<br />

quis voltar para <strong>de</strong>ntro a porta já estava<br />

fecha<strong>da</strong>.” Ficou à espera, guar<strong>da</strong>ndo<br />

a única bobine <strong>de</strong> filme que<br />

tinha para um momento crucial. E o<br />

momento aconteceu. “Às três horas<br />

o Salgueiro Maia resolve atacar e, ao<br />

contrário do que se diz, houve mesmo<br />

fogo. Filmei as bazucas que foram dispara<strong>da</strong>s<br />

contra a porta do quartel do<br />

Carmo, imagens que foram <strong>de</strong>pois<br />

usa<strong>da</strong>s em pré-genérico do ‘As Armas<br />

e o Povo’”.<br />

O filme, <strong>de</strong> 1975, assinado pelo colectivo<br />

dos Trabalhadores <strong>da</strong> Activi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Cinematográfica, é um dos vários<br />

que po<strong>de</strong>m ser vistos a partir <strong>de</strong><br />

hoje e até dia 10 no São Jorge, em Lisboa,<br />

no Panorama – 5ª Mostra do Documentário<br />

Português (“As Armas e<br />

o Povo”, dia 2 às 21h30). Numa edição<br />

que lança a pergunta “Como se relaciona<br />

o documentário português com<br />

o mundo hoje?”, e on<strong>de</strong> serão exibidos<br />

os mais recentes documentários<br />

<strong>de</strong> realizadores portugueses, regressa-se<br />

aos dias <strong>da</strong> revolução para <strong>de</strong>scobrir,<br />

através <strong>de</strong> filmes que em muitos<br />

casos passaram uma vez na televisão<br />

e nunca mais foram vistos, como<br />

era filmar num momento <strong>de</strong> “urgência”,<br />

em que havia todo um país novo<br />

a mostrar.<br />

“Estava sempre tudo a acontecer,<br />

a to<strong>da</strong> a hora e em todo o lado, e era<br />

muito complicado conseguirmos<br />

acompanhar”, recor<strong>da</strong> José Nascimento.<br />

“Havia sempre notícias cruza<strong>da</strong>s.<br />

E isso para quem quer filmar<br />

acontecimentos é o pior que po<strong>de</strong><br />

acontecer. Não há maneira <strong>de</strong> saber<br />

o que é mais importante, ou se chegamos<br />

lá e já acabou. Havia essa fragili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> não se saber se quando<br />

chegássemos ao acontecimento ain<strong>da</strong><br />

haveria acontecimento.”<br />

E o Couraçado Potemkin?<br />

Tudo se passava a uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

alucinante. Os cineastas começaram<br />

a organizar-se e a 29 <strong>de</strong> Abril ocuparam<br />

as instalações do Instituto Português<br />

<strong>de</strong> Cinema, criando as <strong>chama</strong><strong>da</strong>s<br />

Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Produção. “Não estive<br />

na ocupação do IPC mas estive na <strong>da</strong><br />

censura”, conta Cunha Telles. “É que,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril, a censura<br />

continua a existir. Eu ia estrear<br />

o filme ‘Jaime’, do António Reis, e a<br />

censura, muito zelosa, telefonou-me<br />

a dizer que não podia. Agarrei no [músico]<br />

Zeca Afonso e no dia seguinte,<br />

<strong>de</strong> madruga<strong>da</strong>, juntamente com outros<br />

camara<strong>da</strong>s, fomos ocupar a censura.”<br />

A cena teve momentos caricatos,<br />

como acontecia por aqueles dias.<br />

“Quando entrámos <strong>de</strong>scobrimos que<br />

havia uma sala fecha<strong>da</strong> on<strong>de</strong> se ouviam<br />

uns choros. Eram as secretárias<br />

<strong>da</strong> censura que se tinham fechado ali<br />

com medo <strong>de</strong> serem fuzila<strong>da</strong>s. Lá as<br />

convencemos a abrir a porta e explicámos<br />

que iam ficar <strong>de</strong>semprega<strong>da</strong>s<br />

porque a censura ia acabar, mas que<br />

<strong>de</strong> resto não tinham na<strong>da</strong> a temer porque<br />

ninguém as ia fuzilar.”<br />

Com as chaves <strong>da</strong> censura na mão,<br />

Cunha Telles dirigiu-se para a Cova<br />

<strong>da</strong> Moura, o quartel-general <strong>da</strong> Junta<br />

<strong>de</strong> Salvação Nacional. Falou com um<br />

tenente “ain<strong>da</strong> muito jovem”, que<br />

escreveu o documento <strong>de</strong>cretando o<br />

fim <strong>da</strong> censura em filmes para adultos.<br />

À saí<strong>da</strong>, o militar perguntou ao<br />

realizador: “Então, e ‘O Couraçado<br />

Potemkin’, quando é que sai?”<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, Telles tinha já o filme<br />

<strong>de</strong> Eisenstein. “Tinha feito um acordo<br />

com os russos em que teria os direitos<br />

a partir do dia em que fosse possível<br />

exibir oficialmente em Portugal, por<br />

isso o filme estava na prateleira à espera.”<br />

Não esperou muito mais: no<br />

primeiro 1º <strong>de</strong> Maio em liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, “O<br />

Couraçado Potemkin” estreava, em<br />

glória, no <strong>cinema</strong> Império, na Alame<strong>da</strong>,<br />

em Lisboa. “As pessoas estavam<br />

a reunir-se na Alame<strong>da</strong> para comemorar<br />

o 1º <strong>de</strong> Maio quando o pano<br />

com ‘O Couraçado Potemkin’ começa<br />

a ser içado na frontaria imensa do<br />

Império. Teve a maior salva <strong>de</strong> palmas<br />

<strong>de</strong> que me lembro.”<br />

Nesse 1º <strong>de</strong> Maio um grupo <strong>de</strong> cineastas<br />

tinha-se juntado com a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> fazer “As Armas e o Povo”. Foram<br />

buscar película aos laboratórios <strong>da</strong><br />

Tóbis, dividiram-se em várias equipas<br />

e espalharam-se por Lisboa. No filme<br />

as imagens são frenéticas – pessoas a<br />

serem entrevista<strong>da</strong>s na rua, “o que<br />

pensa <strong>da</strong> revolução?”, “qual a sua posição<br />

sobre a guerra em África?”, perguntas<br />

muitas <strong>de</strong>las dispara<strong>da</strong>s com<br />

enorme entusiasmo pelo cineasta brasileiro<br />

Glauber Rocha, que entretanto<br />

tinha chegado a Portugal.<br />

Era o <strong>cinema</strong> possível<br />

Quem não estava em Portugal nesses<br />

primeiros dias era outro cineasta, Alberto<br />

Seixas Santos. “O meu nome<br />

aparece sempre que se fala no ‘As Armas<br />

e o Povo’ mas não participei nele<br />

porque estava na Suécia a ser operado.<br />

Lembro-<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver aquele célebre<br />

travelling com as caras dos<br />

membros do Conselho <strong>da</strong> Revolução,<br />

que me assustaram imenso. A única<br />

coisa que me acalmou foi ver o Spínola.<br />

Pensei ‘bem, pelo me<strong>nos</strong> não é<br />

o Kaúlza <strong>de</strong> Arriaga’. Na altura achava<br />

que íamos ter uma ditadura militar<br />

<strong>de</strong> direita.”<br />

No início <strong>de</strong> Maio chega também a<br />

Portugal, vindo <strong>de</strong> Bruxelas, Rui Simões,<br />

autor <strong>da</strong>queles que viriam a ser<br />

dois dos filmes mais marcantes <strong>de</strong>ste<br />

período: “Deus, Pátria e Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>”<br />

(dia 2 às 17h no Panorama) e “Bom<br />

Povo Português” (dia 7 às 21h30).<br />

“Bom Povo<br />

Português”,<br />

<strong>de</strong> Rui Simões<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 13


Seixas<br />

Santos<br />

“Sentíamos que era<br />

preciso mostrar o país<br />

e que isso não tinha<br />

sido feito. Estávamos<br />

fartos <strong>de</strong> ver o jornal<br />

<strong>de</strong> actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que o Partido<br />

Comunista produzia e que mostrava<br />

invariavelmente os discursos do Vasco<br />

Gonçalves”<br />

José<br />

Nascimento<br />

“Estava sempre tudo<br />

a acontecer, a to<strong>da</strong> a<br />

hora e em todo o lado, e<br />

era muito complicado<br />

conseguirmos<br />

acompanhar. Havia<br />

sempre notícias<br />

cruza<strong>da</strong>s. E isso para<br />

quem quer filmar acontecimentos<br />

é o pior que po<strong>de</strong> acontecer. Não<br />

há maneira <strong>de</strong> saber o que é mais<br />

importante, ou se chegamos lá e já<br />

acabou. Havia essa fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> não<br />

se saber se quando chegássemos<br />

ao acontecimento ain<strong>da</strong> haveria<br />

acontecimento.”<br />

António<br />

<strong>da</strong> Cunha<br />

Telles<br />

“Não estive na ocupação<br />

do IPC mas estive na <strong>da</strong><br />

censura. É que, mesmo<br />

<strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril,<br />

a censura continua a<br />

existir. Eu ia estrear<br />

‘Jaime’, do António Reis, e<br />

a censura, zelosa, telefonou-me a dizer<br />

que não podia. Agarrei no Zeca Afonso<br />

e no dia seguinte, <strong>de</strong> madruga<strong>da</strong>,<br />

fomos ocupar a censura”<br />

RUI GAUDÊNCIO LUÍS RAMOS/ ARQUIVO<br />

“Conheci<br />

o Portugal rural<br />

e fiquei impressinado<br />

com a diferença<br />

entre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

nas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e aquele<br />

tempo parado que<br />

existia nas al<strong>de</strong>ias<br />

do Norte”<br />

Philippe Costantini<br />

“Comecei a filmar assim que cheguei,<br />

ain<strong>da</strong> sem saber o que fazer <strong>de</strong>ssas<br />

imagens”, conta ao Ípsilon por<br />

email. “De início só me interessava o<br />

registo, essa era a principal preocupação,<br />

e a <strong>nos</strong>sa disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> era<br />

total. Sabíamos que estávamos a viver<br />

um período único e que teríamos que<br />

<strong>da</strong>r tudo por tudo para estar <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>sse processo.”<br />

Não tinham dinheiro, ao princípio<br />

nem sequer tinham película. “As primeiras<br />

filmagens são feitas com restos<br />

<strong>de</strong> película que os meus amigos operadores<br />

traziam <strong>de</strong> filmes on<strong>de</strong> tinham<br />

participado.” O director <strong>de</strong><br />

fotografia Acácio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> juntouse<br />

ao projecto, o que foi “muito importante”.<br />

A casa dos pais <strong>de</strong> Rui Simões<br />

transformara-se numa “central<br />

que recebia <strong>da</strong>s comissões <strong>de</strong> trabalhadores,<br />

dos militares, <strong>de</strong> militantes<br />

anónimos, informações do que se<br />

passava, as lutas dos trabalhadores,<br />

as ocupações <strong>de</strong> terras, as movimentações<br />

políticas.”<br />

Quando começou a pensar na estrutura<br />

do filme percebeu que queria<br />

fazer “o filme <strong>da</strong> revolução”, mas também<br />

do povo português. Por isso estão<br />

lá “a Santa <strong>da</strong> La<strong>de</strong>ira, a Nossa<br />

Senhora <strong>de</strong> Fátima, o abate <strong>de</strong> animais,<br />

a carneira<strong>da</strong>, as ban<strong>da</strong>s, a agricultura,<br />

as fábricas, o mar, o sol, os<br />

pinheiros mansos, e até há uma família<br />

portuguesa numa consoa<strong>da</strong>, tentando<br />

mostrar que está uni<strong>da</strong>, mas<br />

ain<strong>da</strong> não está, ain<strong>da</strong> há muitos conflitos.”<br />

José Nascimento e os irmãos Fernando<br />

e João Matos Silva tinham entretanto<br />

formado uma cooperativa, a<br />

Cinequipa, e an<strong>da</strong>vam a filmar para<br />

dois programas <strong>de</strong> televisão. “Éramos<br />

um veículo <strong>da</strong> voz popular, <strong>da</strong>s lutas<br />

operárias e outras, sobretudo em multinacionais<br />

que <strong>de</strong>sapareceram, administrações<br />

que se foram embora,<br />

fábricas que ficaram em auto-gestão.<br />

Era o <strong>cinema</strong> possível, enquandrado<br />

naquele processo político.”<br />

Seixas Santos também criara uma<br />

cooperativa, o Grupo Zero, com Acácio<br />

<strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>, o encenador Jorge<br />

Silva Melo e a cineasta Solveig Nordlund,<br />

mas o que <strong>de</strong>sejaram era criar<br />

alguma distância e filmar coisas com<br />

outro tempo. “Sentíamos que era preciso<br />

mostrar o país e que isso não tinha<br />

sido feito. Estávamos fartos <strong>de</strong><br />

ver o jornal <strong>de</strong> actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que o Partido<br />

Comunista produzia e que mostrava<br />

invariavelmente os discursos do<br />

Vasco Gonçalves.”<br />

Foram para o Alentejo e filmaram<br />

“A Lei <strong>da</strong> Terra”. “Descobrimos que<br />

o campo também tem luta <strong>de</strong> classes.<br />

Eu não fazia i<strong>de</strong>ia: os pastores que<br />

encontrei eram muito mais anarquistas<br />

do que comunistas. Não tinham<br />

na<strong>da</strong> a ver com as cooperativas <strong>de</strong><br />

produção agrícola. E era divertido<br />

começar a perceber as diferenças sociais<br />

<strong>de</strong>ntro do campesinato.” À noite,<br />

<strong>nos</strong> barracões <strong>da</strong>s cooperativas,<br />

projectavam filmes. “Mostrávamos<br />

filmes do Eisenstein e <strong>de</strong> vez em quando<br />

havia uns velhotes que vinham ter<br />

con<strong>nos</strong>co e perguntavam, ain<strong>da</strong> a medo:<br />

aquele ali era o Lenine, não<br />

era?”.<br />

Entretanto<br />

em Trás-os-Montes...<br />

Nesses últimos meses <strong>de</strong> 74, a brasileira<br />

Ana Glogowski e o francês Philippe<br />

Costantini instalavam-se em Portugal<br />

on<strong>de</strong> tinham vivido, encantados,<br />

o Verão a seguir ao 25 <strong>de</strong> Abril. Chegaram<br />

primeiro ao Algarve, a casa do<br />

pintor Júlio Pomar, e com o filho <strong>de</strong>ste,<br />

Alexandre, subiram “por Portugal<br />

acima para ver os cantores que estavam<br />

a entrar em Portugal, o Fausto,<br />

o José Mário Branco, que passavam<br />

pelas al<strong>de</strong>ias do Norte e iam cantando”,<br />

recor<strong>da</strong> Anna.<br />

Philippe já conhecia vários cineastas<br />

portugueses e teve uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

para trabalhar em “Máscaras”<br />

<strong>de</strong> Noémia Delgado, que o fez <strong>de</strong>scobrir<br />

Trás-os-Montes, on<strong>de</strong> viria a filmar,<br />

com Anna, “Terra <strong>de</strong> Abril – Vilar<br />

<strong>de</strong> Perdizes” (dia 5 às 21h30). “Conheci<br />

o Portugal rural e fiquei impressinado<br />

com a diferença entre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

nas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e aquele tempo parado<br />

que existia nas al<strong>de</strong>ias do Norte”, conta.<br />

Numa primeira al<strong>de</strong>ia, o francês,<br />

então <strong>de</strong> barbas e cabelos compridos,<br />

foi olhado com <strong>de</strong>sconfiança. Pensavam<br />

que era cubano. Mas <strong>de</strong>pois,<br />

através do padre António Fontes, foram<br />

parar a Vilar <strong>de</strong> Perdizes on<strong>de</strong><br />

pu<strong>de</strong>ram filmaram o regresso <strong>de</strong> uma<br />

tradição que <strong>de</strong>saparecera há onze<br />

a<strong>nos</strong>, o Auto <strong>da</strong> Paixão <strong>da</strong> Páscoa. Registaram<br />

também a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> al<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong><br />

os entusiasmos políticos <strong>de</strong> Lisboa<br />

não chegavam – até porque os poucos<br />

aparelhos <strong>de</strong> televisão que existiam<br />

transmitivam a televisão <strong>de</strong> Espanha,<br />

on<strong>de</strong> Franco ain<strong>da</strong> se mantinha no<br />

po<strong>de</strong>r.<br />

E filmaram a campanha eleitoral<br />

<strong>de</strong> 76, os silêncios <strong>de</strong>sconfiados <strong>da</strong><br />

população a ouvir os políticos vindos<br />

<strong>de</strong> longe e com uma linguagem que<br />

“Deus, Pátria, Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>”,<br />

<strong>de</strong> Rui Simões<br />

não lhes dizia na<strong>da</strong>. “A palava colectivo<br />

era muito conota<strong>da</strong> com o PC e<br />

o PC não tinha implantação na zona”,<br />

conta Philippe. “As pessoas tinham<br />

pequenas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s e tinham medo<br />

<strong>de</strong> as per<strong>de</strong>r.”<br />

Mais colectiva, e utópica, era a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que, entretanto, Cunha Telles<br />

filmava no Algarve, em “Continuar a<br />

Viver ou os Índios <strong>da</strong> Meia-Praia” (dia<br />

2 às 02h00), esse filme em que um<br />

velho pescador diz qualquer coisa<br />

como “<strong>da</strong>ntes estávamos mal, agora<br />

estamos pior mas estamos mais contentes.”<br />

Era no entanto ca<strong>da</strong> vez mais evi<strong>de</strong>nte,<br />

nas imagens que as câmaras<br />

captavam, que a revolução não estava<br />

a correr como muitos sonhavam. A<br />

utopia <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Meia-Praia<br />

havia <strong>de</strong> chegar ao fim. Em Vilar <strong>de</strong><br />

Perdizes (on<strong>de</strong> haveria <strong>de</strong> voltar para<br />

filmar “Pedras <strong>da</strong> Sau<strong>da</strong><strong>de</strong>” em 1988),<br />

Philippe olhava e pensava que “ia <strong>de</strong>morar<br />

muito tempo para acontecer<br />

uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>s” (esta<br />

acabaria por acontecer <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong><br />

80 mas mais por influência dos emigrantes<br />

que voltavam nas férias), e<br />

Anna compreendia que “havia um<br />

mundo inteiro entre o sonho dos políticos<br />

nas ruas <strong>de</strong> Lisboa e o que se<br />

passava no campo, on<strong>de</strong>, quem não<br />

tem os meios básicos <strong>de</strong> subsistência<br />

não po<strong>de</strong> pensar em mu<strong>da</strong>r o mundo.”<br />

No Alentejo, Seixas Santos ia também<br />

percebendo que “os principais<br />

ocupantes <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s eram tipos<br />

ricos, que alugavam máquinas<br />

agrícolas e que estimulavam os camponeses<br />

a ocupar as terras porque<br />

assim já tinham hipóteses <strong>de</strong> alugar<br />

as máquinas”. E pensava que gostaria<br />

<strong>de</strong> fazer um filme sobre os militares<br />

e o po<strong>de</strong>r – e fez, no início dos a<strong>nos</strong><br />

80, “Gestos e Fragmentos” (dia 9 às<br />

21h30), obra com a qual, disse um dia<br />

João Bénard <strong>da</strong> Costa, “se fechou<br />

Abril”.<br />

Rui Simões <strong>de</strong>scobria que a RTP<br />

não lhe vendia imagens <strong>de</strong> arquivo e<br />

que tinha que recorrer a cineastas estrangeiros<br />

para as comprar, e “olhava<br />

para aquela reali<strong>da</strong><strong>de</strong> [que filmava] e<br />

já sabia que as coisas iam correr mal,<br />

via-se, sentia-se a ca<strong>da</strong> momento, o<br />

povo era ingénuo e <strong>de</strong>ixava-se levar<br />

pelos malandros <strong>da</strong> história que a ca<strong>da</strong><br />

dia que passava lhe quebravam o<br />

ânimo.”<br />

E José Nascimento, no dia 25 <strong>de</strong> Novembro<br />

<strong>de</strong> 1975, olhava para os amigos<br />

reunidos numa tasca e pensava<br />

“temos que regressar à clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

Mas, recor<strong>da</strong> agora, passados<br />

mais <strong>de</strong> 35 a<strong>nos</strong>, que a partir <strong>de</strong> 76<br />

“as pessoas dos meios <strong>da</strong>s artes começaram-se<br />

a conhecer e esse foi outro<br />

lado, o lado que culminou na vi<strong>da</strong><br />

nocturna lisboeta dos a<strong>nos</strong> 80, em<br />

que a política foi substituí<strong>da</strong> por uma<br />

aproximação mais humana e artística.”<br />

No Bairro Alto, o Frágil abria as portas.<br />

Já não se filmava a revolução.<br />

COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA<br />

14 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


O que po<strong>de</strong>m um senhor e uma senhor<br />

ita fazer <strong>nos</strong> seus dias <strong>de</strong> lazer<br />

para se entreter? Entre outras hipóteses,<br />

é aceitável assumir que se <strong>de</strong>diquem<br />

a pregar parti<strong>da</strong>s um ao outro.<br />

Como exemplo, mencione-se<br />

Ricardo e Ricardina. Ricardo foi “orfanado<br />

em tenra i<strong>da</strong><strong>de</strong>” e posterior<br />

mente recolhido “na casa <strong>de</strong> uma<br />

generosa parenta”, D. Eulália (Titi<br />

para os mais próximos), viúva “a<br />

quem ficara uma filha”, Ricardina.<br />

Como Ricardo e Ricardina se entretiveram<br />

na infância pouco importa,<br />

mas, contando ele 16 a<strong>nos</strong> e ela 14,<br />

<strong>de</strong>u-lhes, pelo Carnaval, para a brinca<strong>de</strong>ira.<br />

Ricardina resolveu <strong>de</strong>stapar<br />

Ricardo durante o sono <strong>de</strong>ste e em<br />

resposta Ricardo <strong>de</strong>u-lhe aquilo a que<br />

se po<strong>de</strong> <strong>chama</strong>r “uma pirraça” ou<br />

“um clister”.<br />

Por acasos do acaso Titi surgiu no<br />

quarto no momento em que “os ma<strong>nos</strong>”,<br />

como se tratavam mutuamente<br />

os meni<strong>nos</strong>, experimentavam o clister.<br />

Titi não quis cá <strong>de</strong>ssas coisas e<br />

exigiu a Ricardo que lhe entregasse<br />

“a seringa” do clister.<br />

Sendo impossível a Ricardo entregar<br />

a seringa, quando muito este,<br />

embaraçado, podia <strong>de</strong>ixar a Titi apalpar<br />

a dita, mas “sem a ver”. A Titi<br />

achou a seringa elástica e pediu-lha<br />

empresta<strong>da</strong> caso precisasse <strong>de</strong> um<br />

clister. Ricardo assentiu e Titi sentiu<br />

logo ali necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um, embora<br />

– e curiosamente – não tivesse usado<br />

a seringa na abertura habitual dos<br />

clisteres.<br />

Este pe<strong>da</strong>gógico exemplo <strong>de</strong> ludismo<br />

correspon<strong>de</strong> ao início <strong>de</strong> “Entre<br />

Lençóis”, novela que abre “Entre Lençóis,<br />

Episódios Inocentes para Educação<br />

e Recreio <strong>de</strong> Pessoas Casadoiras”,<br />

o primeiro livro <strong>de</strong> uma nova<br />

colecção <strong>da</strong> Tinta-<strong>da</strong>-China <strong>de</strong>dica<strong>da</strong><br />

à pornografia portuguesa <strong>de</strong> finais do<br />

século XIX, início do século XX.<br />

A colecção – cujo formato é, apropria<strong>da</strong>mente,<br />

<strong>de</strong> bolso – inicia-se com<br />

outros dois volumes, “O Pauzinho do<br />

Matrimónio – Almanaque Perpétuo<br />

– Nova Edição Aumenta<strong>da</strong> com uma<br />

substanciosa Arte <strong>de</strong> Gozar e Fazer<br />

Gozar, Várias poesias e <strong>de</strong>scobertas<br />

imp or tantes” e “O Vício em Lisboa<br />

– Antigo e Mo<strong>de</strong>rno”, mas não se ficará<br />

por estes três compêndios.<br />

O acesso a esta literatura permite<strong>nos</strong>,<br />

segundo António Ventura, professor<br />

<strong>de</strong> História na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Clássica <strong>de</strong> Lisboa e compilador, um<br />

olhar único sobre a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> portuguesa<br />

<strong>da</strong> época, ou pelo me<strong>nos</strong> sobre<br />

as classes que tinham acesso aos livros.<br />

Não será exagero consi<strong>de</strong>rar<br />

que, ao contrário <strong>da</strong> imagem que se<br />

criou no século XX dos portugueses<br />

como sendo <strong>de</strong> brandos costumes, a<br />

<strong>nos</strong>sa morali<strong>da</strong><strong>de</strong> íntima “era exactamente<br />

igual à dos espanhóis, franceses,<br />

etc”.<br />

O achado é tão mais gratificante se<br />

tivermos em conta um par <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos<br />

extra: por um lado é sabido que os<br />

autores <strong>da</strong>s obras são gente respeitável<br />

(escritores conhecidos, governantes)<br />

que assinava sob pseudónimo;<br />

por outro a pornografia <strong>da</strong> época é<br />

uma <strong>da</strong>s zonas mais recônditas <strong>da</strong><br />

edição nacional – segundo António<br />

Ventura, e “para se ter uma i<strong>de</strong>ia do<br />

pouco que sabemos sobre este território”,<br />

a Biblioteca Nacional é “paupérrima<br />

neste tipo <strong>de</strong> livros”, não<br />

constando do seu acervo mais do que<br />

escassas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

“Não há qualquer estudo sobre este<br />

tipo <strong>de</strong> literatura em Portugal”, não<br />

há “sequer levantamentos <strong>da</strong> literatura<br />

pornográfica que existiu” em<br />

Portugal.<br />

E não é certamente por falta <strong>de</strong><br />

objectos: só António Ventura, que,<br />

admite, é um coleccionador compulsivo<br />

<strong>de</strong> todo o tipo <strong>de</strong> literatura, possui<br />

“umas <strong>de</strong>zenas ou centenas largas<br />

<strong>de</strong>stes livros”.<br />

Há outros <strong>da</strong>dos que fazem Ventura<br />

ter certeza <strong>de</strong> que a pornografia<br />

tinha um universo <strong>de</strong> leitores alargado:<br />

“Tenho um catálogo que encontrei”,<br />

conta, “e só esse catálogo tem<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> livros e fotos”.<br />

ANTÓNIO CARRAPATO<br />

O acesso a esta<br />

literatura<br />

permite-<strong>nos</strong>, segundo<br />

António Ventura,<br />

professor <strong>de</strong> História<br />

na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Clássica <strong>de</strong> Lisboa<br />

e compilador,<br />

um olhar único<br />

sobre a socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

portuguesa <strong>da</strong> época,<br />

ou pelo me<strong>nos</strong> sobre<br />

as classes que tinham<br />

acesso aos livros<br />

Facto esclarecedor sobre o circuito<br />

pornográfico: do mencionado catálogo<br />

estão omissos os nomes <strong>da</strong>s<br />

editoras, bem como <strong>da</strong>s gráficas – e<br />

o mesmo acontece <strong>nos</strong> livros originais.<br />

“Estes objectos eram vendidos à<br />

socapa em livrarias <strong>de</strong> Lisboa, Porto<br />

e Coimbra”, assinala, lembrando que<br />

foi em Coimbra que se encontrou o<br />

primeiro livro pornográfico, “A Martinha<strong>da</strong>”,<br />

do século XVIII, que também<br />

vai ser editado nesta colecção.<br />

O gozo <strong>da</strong> classe média alta<br />

Os mais incautos po<strong>de</strong>rão ser levados<br />

a pensar que a literatura pornográfica<br />

<strong>de</strong> fins do século XIX, inícios do século<br />

XX, estará atrasa<strong>da</strong> ou será ingénua.<br />

Adverte-se então que aqui há <strong>de</strong><br />

tudo e que é certo que os vivos não<br />

saberão mais que os mortos.<br />

Trata-se portanto <strong>de</strong> pornografia<br />

“tout court”, com lesbianismo, protoincesto,<br />

prostitutas e “lava” pelo pescoço<br />

<strong>de</strong> empregaditas.<br />

Nestas obras fica à mostra que a<br />

sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> em Portugal não era<br />

campo em poisio – muito me<strong>nos</strong> que<br />

houvesse uma só forma <strong>de</strong> a experimentar.<br />

“Entre Lençóis – Episódios Inocentes<br />

para Educação e Recreio <strong>de</strong> Pessoas<br />

Casadoiras”, que “parece ser <strong>de</strong><br />

1900”, é o mais novelesco dos três.<br />

“O Pauzinho do Matrimónio” será <strong>de</strong><br />

1879 ou 1880 e assume a forma <strong>de</strong><br />

almanaque, reunindo brejeirices,<br />

conselhos <strong>de</strong> alpaca, opúsculos sobre<br />

o beijo, a apalpa<strong>de</strong>la ou mesmo a<br />

bimba<strong>de</strong>la – forma <strong>de</strong> coito que consiste<br />

em tentar evitar o rompimento<br />

do hímen. Tanto um como outro<br />

usam bastante do humor – refinado<br />

aqui, liminarmente porco acolá.<br />

Quanto a “O Vício Em Lisboa”, esse<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>da</strong>tado com precisão: é<br />

<strong>de</strong> 1912, constituindo “uma espécie<br />

<strong>de</strong> radiografia <strong>da</strong> prostituição <strong>da</strong> época”.<br />

Hoje temos na net críticas <strong>de</strong> prostituição<br />

que incluem não só um olhar<br />

sobre as capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s/dos profissionais<br />

mas também quão atenciosa<br />

foi a reccepção, quão higiénico era o<br />

lugar. Este tipo <strong>de</strong> informação já existia<br />

antigamente – e está recolhi<strong>da</strong><br />

n’”O Vício”.<br />

De acordo com António Ventura,<br />

“<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1840 que há livros sobre a<br />

prostituição em Lisboa e Porto”.<br />

A prostituição, na época, não sendo<br />

inteiramente legal, era “tolera<strong>da</strong>”.<br />

Daí vem o termo “casa <strong>de</strong> tolerância”<br />

ou “casa tolera<strong>da</strong>” que equivale a “lupanar”<br />

ou “bor<strong>de</strong>l”. O que se faz em<br />

Uma nova colecção resgata a<br />

pornografia nacional <strong>da</strong> viragem<br />

do século XIX para o XX: e assim<br />

(re)<strong>de</strong>scobrimos que não éramos<br />

<strong>de</strong> brandos costumes, mas tão<br />

malandros, liberais,<br />

sofisticados e <strong>da</strong>dos<br />

ao prazer como<br />

“os<br />

espanhóis ou os<br />

franceses”, diz António<br />

Ventura, organizador.<br />

João Bonifácio<br />

Eles sabiam-na<br />

16 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


“O Vício em Lisboa” é “estabelecer<br />

que tipo <strong>de</strong> prostituição exist[ia]”.<br />

Po<strong>de</strong>mos ficar a saber que “as prostitutas<br />

eram matricula<strong>da</strong>s, iam à inspecção<br />

sanitária”, etc.<br />

Na altura, recor<strong>da</strong> o professor, havia<br />

“muita literatura proto-científica<br />

sobre isto”, o que tem <strong>de</strong> ser enquadrado<br />

à luz <strong>da</strong> época: “É preciso não<br />

esquecer que D. Luís morreu <strong>de</strong> sífilis,<br />

D. Manuel também sofreu <strong>da</strong> doença,<br />

etc”.<br />

É também por esta época (meio do<br />

século XIX), lembra, que “começam<br />

a aparecer livros sobre a homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

(masculina ou feminina), a<br />

masturbação”, entre outros assuntos<br />

prementes. Como é visível nas duas<br />

obras mais narrativas que iniciam a<br />

colecção, estes temas no final do século<br />

XIX já an<strong>da</strong>vam na boca <strong>de</strong> to<strong>da</strong><br />

a gente.<br />

O “Vício” é o único dos três livros<br />

que, à época, era legal. Grosso modo<br />

as edições pornográficas eram clan<strong>de</strong>stinas<br />

– citando Ventura, “a pornografia<br />

não era proibi<strong>da</strong>, mas não era<br />

aceite”. (Esta é uma <strong>da</strong>s razões para<br />

as edições serem anónimas.)<br />

Ao historiador não restam dúvi<strong>da</strong>s<br />

que a pornografia “era muito vendi<strong>da</strong>:<br />

“Havia literalmente <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

edições. Em França havia edições<br />

impressas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI. Em<br />

Portugal só começaram no século<br />

XVIII [as impressas]”. Ventura, escusando<br />

a fazer afirmações <strong>de</strong> carácter<br />

científico, arrisca dizer “que se publicava<br />

tanto <strong>de</strong>stes livros como <strong>de</strong><br />

qualquer outra edição comum”, sendo<br />

a maior parte <strong>de</strong>les era traduzi<strong>da</strong>,<br />

em particular do francês.<br />

Envolvi<strong>da</strong> no circuito comercial <strong>da</strong><br />

literatura pornográfica estava “uma<br />

classe média alta, que lia e fazia as<br />

traduções”. Nem po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong> outra<br />

forma, tendo em conta que na época<br />

havia 90 por cento <strong>de</strong> analfabetos e<br />

que estes livros não estavam nas bibliotecas.<br />

Pelo que os leitores <strong>de</strong>stes<br />

livros seriam os mesmos dos outros.<br />

Este <strong>da</strong>do é verificável quando<br />

atentamos <strong>nos</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros autores<br />

dos livros: “Entre Lençóis” sai <strong>da</strong> pena<br />

<strong>de</strong> Cândido <strong>de</strong> Figueiredo, filólogo<br />

<strong>de</strong> renome, autor do “Novo Dicionário<br />

<strong>da</strong> Língua Portuguesa”, fun<strong>da</strong>dor<br />

<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Geografia <strong>de</strong> Lisboa<br />

e sócio <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras.<br />

No caso do “Pauzinho” os <strong>de</strong>senhos<br />

pertencem a Rafael Bor<strong>da</strong>lo Pinheiro<br />

embora não se saiba a quem<br />

pertencem os textos.<br />

Há outros exemplos <strong>de</strong> ilustres que<br />

se <strong>de</strong>dicaram à escrita procriativa,<br />

como Alfredo Gallis, o autor mais prolífero<br />

<strong>da</strong> época: em termos literários<br />

“não faz parte do cânone” e a sua<br />

obra – <strong>da</strong> qual não consta “um único<br />

palavrão” – foi “proposita<strong>da</strong>mente”<br />

esqueci<strong>da</strong>.<br />

Gallis, autor <strong>de</strong> títulos como “O<br />

Marido Virgem” ou “As Doze Mulheres<br />

<strong>de</strong> Adão”, era funcionário público,<br />

administrador do Concelho do<br />

Barreiro, “um indivíduo conhecido<br />

na época”: “É uma figura extraordinária,<br />

que escreveu um ciclo <strong>de</strong> romances<br />

– doze ou treze, pelo me<strong>nos</strong><br />

– com o título ‘Tuberculose Social’,<br />

em que abor<strong>da</strong>va temas como a prostituição,<br />

o jogo, etc”. É o autor <strong>de</strong> “O<br />

Sr Ganime<strong>de</strong>s”, “o primeiro livro sobre<br />

a homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> feminina”.<br />

“Só ele merecia uma tese”, diz Ventura,<br />

em tom taxativo.<br />

Não se <strong>de</strong>ve partir do princípio que<br />

o dinheiro era o motor <strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

pornógrafa – Ventura está “convencido<br />

que havia quem fizesse as traduções,<br />

a escrita e a edição por puro<br />

divertimento”, e dá o exemplo <strong>de</strong><br />

Cândido <strong>de</strong> Figueiredo: “Ele não precisava<br />

<strong>de</strong> dinheiro. O que escreveu<br />

servia-lhe como um alter-ego; era um<br />

<strong>de</strong>sdobramento e um divertimento”.<br />

Pós-liminares: o facto <strong>de</strong> serem edições<br />

<strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, com procura, por<br />

vezes bem escritas e explícitas <strong>de</strong>monstra<br />

que o povo que lia isto era<br />

<strong>de</strong>safogado financeiramente e “liberto”;<br />

a pornografia era varia<strong>da</strong>, tanto<br />

havendo “folhetos com 20 páginas<br />

que se vê que foram feitos para obter<br />

um impacto imediato” como “literatura<br />

com 300 páginas”; o filão existiu<br />

“em paralelo ao <strong>da</strong> literatura oficial”<br />

mas foi sempre “<strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente”<br />

ignorado.<br />

O término <strong>de</strong>sta micro-história <strong>da</strong><br />

pornografia é quase caricatural: não<br />

sabemos mais por que “quando um<br />

coleccionador morria a sua família<br />

queimava este tipo <strong>de</strong> coisas”. Pelo<br />

que, diz Ventura, “só conhecemos a<br />

ponta do iceberg”. Fruamos a ponta,<br />

por tanto.<br />

Diz António Ventura,<br />

organizador <strong>da</strong> colecção, que<br />

envolvi<strong>da</strong> no circuito comercial<br />

<strong>da</strong> literatura pornográfica<br />

estava “uma classe média alta,<br />

que lia e fazia as traduções”<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />

SÃO<br />

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ABR~11<br />

BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSAOLUIZ.PT,<br />

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TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

14 A 17 ABR<br />

QUINTA A SÁBADO ÀS 21H00<br />

DOMINGO ÀS 17H30<br />

SALA PRINCIPAL M/6<br />

TEXTO<br />

JOÃO MONGE<br />

MÚSICA<br />

ALFREDO MARCENEIRO<br />

MÚSICA INCIDENTAL, ARRANJOS<br />

E DIRECÇÃO MUSICAL<br />

JOSÉ PEIXOTO<br />

ENCENAÇÃO<br />

MARIA JOÃO LUÍS<br />

INTERPRETAÇÃO<br />

MANUELA AZEVEDO<br />

MARIA JOÃO LUÍS<br />

www.teatrosaoluiz.pt<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

estrutura apoia<strong>da</strong> por<br />

APOIO À DIVULGAÇÃO<br />

to<strong>da</strong><br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 17


A<br />

animosi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l para<br />

com Che era<br />

a mesma <strong>de</strong><br />

Che para<br />

com Fi<strong>de</strong>l,<br />

diz-<strong>nos</strong><br />

Fuentes<br />

No alvor <strong>da</strong> revolução, milhares <strong>de</strong><br />

cuba<strong>nos</strong> seguiram Fi<strong>de</strong>l Castro. O guajiro<br />

<strong>de</strong> Birán mostrara combativi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

agili<strong>da</strong><strong>de</strong> oratória e audácia como ninguém<br />

antes. Além disso fizera fugir Batista<br />

e prometia um país igualitário – o<br />

que não era difícil numa ilha marca<strong>da</strong><br />

pela miséria. Norberto Fuentes, miúdo<br />

quando os barbudos entraram em Havana,<br />

foi um dos que o seguiu. Cresceu<br />

com o regime, tornou-se num nome e<strong>de</strong><br />

referência literária, com <strong>de</strong>z livros blicados e o Prémio Casa <strong>de</strong> las Américas,<br />

foi íntimo do po<strong>de</strong>r. Mas <strong>de</strong>sencan-encantou-se,<br />

teve a vi<strong>da</strong> por um fio, no quadro<br />

do mesmo processo que levou<br />

pu-<br />

Arnaldo Ochoa e Antonio <strong>de</strong> la Guardia<br />

ao paredón, sobrevivendo graças as à intervenção<br />

<strong>de</strong> Gabriel García Márquez.<br />

Exilou-se em Miami e um editor propôslhe<br />

que partilhasse os a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> convívio<br />

com o fi<strong>de</strong>lismo, <strong>de</strong> que resultou u tobiografia <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro”, publica<strong>da</strong><br />

em 2007 e agora entre nós pela Casa<br />

<strong>da</strong>s Letras. É o retrato <strong>de</strong> um homem<br />

cheio <strong>de</strong> si, sôfrego <strong>de</strong> protagonismo e<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, tanto que tudo e todos à sua<br />

volta, como Che, aparecem como peças<br />

<strong>de</strong> um jogo – o <strong>da</strong> revolução, ou o seu,<br />

apresentados como o mesmo. O Ípsilon<br />

falou com Norberto Fuentes para tentar<br />

distinguir o biografado do autor. E <strong>de</strong>scobriu<br />

por <strong>de</strong>trás <strong>da</strong> informação o uma<br />

“Au-<br />

novela.<br />

Como é que começou a<br />

trabalhar para Fi<strong>de</strong>l?<br />

Eu nunca trabalhei para Fi<strong>de</strong>l. Eu trabalhei<br />

com Fi<strong>de</strong>l. Nem ele era patrão<br />

nem eu empregado. O importante era<br />

a <strong>de</strong>dicação à causa com que <strong>nos</strong> tínhamos<br />

comprometido.<br />

Então quando é que se juntou<br />

a ela?<br />

Na mesma madruga<strong>da</strong> do dia <strong>da</strong> ria <strong>da</strong> Revolução, aí pelas 3h20 <strong>de</strong> 1<br />

vitó-<br />

Janeiro <strong>de</strong> 1959.<br />

Descreve o lí<strong>de</strong>r cubano como<br />

uma pessoa calculista, sem<br />

rasgos <strong>de</strong> afecto...<br />

Fi<strong>de</strong>l é um homem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> matismo, que além disso dirigiu iu um<br />

prag-<br />

país numa confrontacão permanente<br />

e <strong>de</strong>sigual com uma superpotênsecia.<br />

Nessas situações mais vale pragmático, calculista, hábil, flexível<br />

e tudo mais. Quanto aos<br />

seus afectos, creio que se subordinam<br />

obrigatoriamente a isso.<br />

Mas pergunto eu: não é uma<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> afecto,<br />

<strong>de</strong> paixão, <strong>de</strong> amor <strong>de</strong>smedido,<br />

o <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l pelos seus objectivos<br />

políticos?<br />

Ele não levou esse pragmatismo<br />

longe <strong>de</strong>mais em relação à<br />

família? Está no seu livro o<br />

distanciamento em relação ao<br />

pai, ao irmãos mais velho, e até<br />

a Raúl...<br />

Vivemos em escalas diferentes do nhecimento e <strong>da</strong>s relações humanas.<br />

William Faulkner dizia que um artista,<br />

na prossecução <strong>da</strong> sua obra, podia<br />

chegar a ser <strong>de</strong>sapie<strong>da</strong>do. A um artis-<br />

cota<br />

aparentemente po<strong>de</strong> perdoar-se-lhe<br />

a sua conduta. O político tem <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r<br />

“Parece um vício cubano:<br />

todos querem<br />

ser como Fi<strong>de</strong>l!”<br />

Norberto Fuentes serviu Fi<strong>de</strong>l antes <strong>de</strong> o enfrentar.<br />

E agora meteu-se na sua pele. “O maior gozo que tive foi o <strong>de</strong> me<br />

instalar no posto <strong>de</strong> comando privilegiado que é o seu cérebro.”<br />

“Autobiografia <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro” é o retrato <strong>de</strong> um homem<br />

cheio <strong>de</strong> si, sôfrego <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Fernando Sousa<br />

Norberto<br />

Fuentes<br />

foi um dos<br />

que seguiu<br />

Fi<strong>de</strong>l. Cresceu<br />

com o regime,<br />

foi íntimo do<br />

po<strong>de</strong>r. Mas<br />

<strong>de</strong>sencantouse<br />

e teve<br />

a vi<strong>da</strong> por<br />

um fio<br />

18 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


com outras regras, ou pelo me<strong>nos</strong>, se<br />

tenciona ser <strong>de</strong>sapie<strong>da</strong>do, ter o cui<strong>da</strong>do<br />

<strong>de</strong> não o fazer em público. Mas<br />

on<strong>de</strong> é que falo <strong>de</strong> distanciamento<br />

com o pai ou com algum dos irmãos?<br />

É interesante essa perspectiva. O que<br />

seria bom saber é quem se afastou<br />

primeiro. Se Fi<strong>de</strong>l se os familiares.<br />

Fi<strong>de</strong>l foi sempre como o<br />

apresenta ou houve algo que o<br />

mudou?<br />

Acho que não apresentei Fi<strong>de</strong>l como<br />

um ente estático. Pelo me<strong>nos</strong> empenhei-me<br />

na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma existência<br />

em movimento e conforme as vicissitu<strong>de</strong>s<br />

do seu tempo. Ninguém<br />

nasce para ser o “lí<strong>de</strong>r máximo <strong>da</strong><br />

Revolução Cubana”, como lhe <strong>chama</strong>va<br />

a propagan<strong>da</strong> oficial, ou um<br />

sátrapa caribenho, como diziam os<br />

comentadores <strong>de</strong> Miami.<br />

Não, não o apresentou<br />

como um ente estático, mas<br />

apresentou-o como um ente<br />

sempre em movimento em torno<br />

<strong>de</strong> si mesmo, numa ambição<br />

<strong>de</strong>smedi<strong>da</strong> para estar sempre<br />

acima dos outros e em direcção<br />

a esse<br />

mesmo lí<strong>de</strong>r máximo…<br />

Ninguém se converte num lí<strong>de</strong>r revolucionário<br />

se estiver abaixo do nível<br />

<strong>de</strong> inteligência ou <strong>de</strong> valentia, ou <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão, ou <strong>de</strong> futuro dos que o ro-<br />

<strong>de</strong>iam. Isso está mais do que estu<strong>da</strong>-<br />

do pela<br />

psicología <strong>de</strong> grupo. O lí<strong>de</strong>r<br />

surge do grupo, não contra o grupo.<br />

Qualquer que seja a escala em que o<br />

ponhas, o lí<strong>de</strong>r é o resumo <strong>da</strong>s quali-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong>s do grupo. Esse é o caso, mais<br />

do que evi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro.<br />

Ele admitiu incendiar Santiago<br />

<strong>de</strong> Cuba? Como Nero fez com<br />

Roma? Custa a crer...<br />

Pelo me<strong>nos</strong>, disse-o. Tenho testemu-<br />

nhas que mo contaram. Claro, não há<br />

que levar isso dramaticamente. Ele é<br />

muito amigo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clara-<br />

ções, que na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> são simples<br />

“bouta<strong>de</strong>s”.<br />

No seu<br />

livro, Fi<strong>de</strong>l aparece<br />

<strong>de</strong>sconfiado <strong>de</strong> Che <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

primeiro momento. Porque é<br />

que lhe <strong>de</strong>u então tanto po<strong>de</strong>r?<br />

Não me lembro que lhe tenha <strong>da</strong>do<br />

algum po<strong>de</strong>r. Po<strong>de</strong>r? Ao Che, o que<br />

lhe <strong>da</strong>va eram tarefas, ca<strong>da</strong> vez<br />

mais complexas e mais próximas<br />

do suicídio. Isso não tem na<strong>da</strong> a<br />

ver com o po<strong>de</strong>r.<br />

Pois, mas quando se dão<br />

tarefas importantes a uma<br />

pessoa, está-se-lhe a <strong>da</strong>r<br />

po<strong>de</strong>r. Lembre-se do Che<br />

nas Nações Uni<strong>da</strong>s…<br />

On<strong>de</strong> tu vês po<strong>de</strong>r, eu vejo<br />

uma marioneta.<br />

O que é que se passou<br />

“Ninguém<br />

se converte num lí<strong>de</strong>r<br />

revolucionário<br />

se estiver abaixo do<br />

nível <strong>de</strong> inteligência<br />

ou<br />

<strong>de</strong> valentia, ou <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão, ou <strong>de</strong> futuro<br />

dos<br />

que o ro<strong>de</strong>iam.<br />

Qualquer que seja<br />

a escala em que<br />

o ponhas, o lí<strong>de</strong>r<br />

é o resumo <strong>da</strong>s<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do grupo.<br />

Esse é o caso <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l<br />

Castro”<br />

<strong>de</strong> concreto para tanta<br />

animosi<strong>da</strong><strong>de</strong> para com o<br />

homem que <strong>de</strong>u tanto à<br />

Revolução?<br />

A animosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l era a mesma<br />

<strong>de</strong> Che para com ele. Tenho informações<br />

sobre isso, mas tens que<br />

esperar pelo meu próximo livro sobre<br />

o argentino.<br />

Bom... um combate <strong>de</strong> galos?<br />

Na Argentina há galos?<br />

Para quando esse livro?<br />

Destape um pouco <strong>de</strong>sse Che…<br />

Não, coño; <strong>de</strong>ixa-me escrevê-lo primeiro!<br />

Agora estamos é com o livro<br />

do vencedor.<br />

Mostra Fi<strong>de</strong>l como o homem<br />

que segura a espingar<strong>da</strong><br />

enquanto outros, como Raúl,<br />

ou Che, fuzilam. Foi assim?<br />

É uma forma <strong>de</strong> ver as coisas.<br />

Descreve no seu livro Raúl<br />

como um matador...<br />

Gostava mais <strong>de</strong> o ver como um homem<br />

<strong>de</strong> tarefas. Chamar a Raúl Castro<br />

um matador não seria digno dos<br />

meus “stan<strong>da</strong>rds” como escritor. Demasiado<br />

simples. Não conseguiria<br />

dormir hoje. “Norbertico – diria para<br />

mim – escreveste algo falso”. É ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que no livro ponho na boca <strong>de</strong><br />

Fi<strong>de</strong>l um par <strong>de</strong> anedotas para <strong>de</strong>finir<br />

a dureza <strong>de</strong> Raúl, mas se escrever<br />

uma novela sobre ele será um filão a<br />

escavar em profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> – <strong>de</strong> como<br />

Raúl se transformou no homem mais<br />

duro <strong>da</strong> Revolução Cubana.<br />

Uma autobiografia <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l<br />

Castro. Como é que lhe ocorreu<br />

a i<strong>de</strong>ia?<br />

A i<strong>de</strong>ia não foi minha, foi uma proposta<br />

<strong>de</strong> Basilio Baltasar, o meu antigo<br />

editor <strong>da</strong> Seix Barral. Claro, não<br />

o livro em si. Este livro é uma versão<br />

inteiramente recria<strong>da</strong> do projecto<br />

<strong>de</strong> Basilio. On<strong>de</strong> ele viu um livro <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>talhes inéditos e informacões pouco<br />

conheci<strong>da</strong>s sobre o círculo íntimo<br />

<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l, eu inventei uma novela.<br />

Como é que conseguiu meterse<br />

na sua pele e mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>?<br />

Pon<strong>de</strong>rou os riscos?<br />

Metendo-me.<br />

Claro, mas pon<strong>de</strong>rou os riscos<br />

<strong>de</strong> falar por uma pessoa ain<strong>da</strong><br />

viva?<br />

Sim, on<strong>de</strong> haja risco, perigo, <strong>de</strong>safio,<br />

po<strong>de</strong>s contar comigo. Na primeira<br />

fila.<br />

Serviu Fi<strong>de</strong>l antes <strong>de</strong> o<br />

enfrentar. Neste sentido, este<br />

livro não é algo também como<br />

um exorcismo?<br />

Exorcizar-me <strong>de</strong> uma coisa que me<br />

está no sangue? Na outra resposta tinha<br />

algo mais para dizer, mas isso<br />

teria tirado força à palavra solitária,<br />

tão <strong>de</strong>finitiva [metendo-me]. Mas ia<br />

acrecentar: sobretudo, não me <strong>de</strong>ixando<br />

levar por nenhum preconceito.<br />

E mais: gostei muito <strong>de</strong> me meter <strong>nos</strong><br />

seus sapatos. Parece um vício cubano:<br />

todos querem ser como ele, tanto em<br />

Havana como em Miami. Mas mais do<br />

que me meter na sua pele, o maior<br />

gozo que tive foi o <strong>de</strong> me instalar no<br />

posto <strong>de</strong> comando privilegiado que é<br />

o seu cérebro. Definitivamente, sou<br />

um intelectual, e obrigar-me a pensar<br />

como ele era um <strong>de</strong>safio à minha própria<br />

inteligência.<br />

Acabei o seu livro com a<br />

sensação que ain<strong>da</strong> admira<br />

Fi<strong>de</strong>l. É ver<strong>da</strong><strong>de</strong>?<br />

Não será antes a sensação com que<br />

tu ficaste <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o ler? Que admiras<br />

Fi<strong>de</strong>l? Não te preocupes, não é<br />

caso para te envergonhares. De Tennessee<br />

Williams a Gabriel García<br />

Márquez, <strong>de</strong> Sartre a Hemingway,<br />

todos o admiraram, quiseram aparecer<br />

numa fotografia <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>sse<br />

braço e perto <strong>da</strong> sua barba.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 30 e segs.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 19


Howard Jacobson já tinha escrito uma<br />

<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> livros, pouco conhecidos<br />

fora do mundo <strong>de</strong> língua inglesa,<br />

quando “A Questão <strong>de</strong> Finkler” ganhou<br />

o Booker Prize e lhe assegurou<br />

uma internacionalização meteórica.<br />

O júri, pouco <strong>da</strong>do a premiar romances<br />

cómicos, <strong>de</strong>ixou-se seduzir pela<br />

divertidíssima história <strong>de</strong> Julian Treslove,<br />

um pacato inglês que inveja a tal<br />

ponto o seu melhor amigo, o ju<strong>de</strong>u<br />

Sam Finkler, que tenta transformarse,<br />

ele próprio, num ju<strong>de</strong>u. Mas esta<br />

é também a história <strong>de</strong> Finkler, um<br />

ju<strong>de</strong>u que <strong>de</strong>testa o ju<strong>da</strong>ísmo e dirige<br />

uma associação <strong>de</strong> “ju<strong>de</strong>us envergonhados”.<br />

E <strong>de</strong> Libor Sevcik, um viúvo<br />

<strong>de</strong> 90 a<strong>nos</strong> que privou com Garbo,<br />

Dietrich e Monroe, mas cuja única<br />

paixão foi a sua mulher, Malkie, cuja<br />

morte não consegue ultrapassar. Um<br />

livro hilariante, mas que <strong>de</strong>ixa um<br />

amargo <strong>de</strong> boca. Jacobson quer que<br />

os leitores se riam, mas que se engasguem<br />

com o riso.<br />

Ju<strong>de</strong>us e ingleses partilham a<br />

reputação <strong>de</strong> ter pia<strong>da</strong> a gozar<br />

com eles próprios. Enquanto<br />

autor ju<strong>de</strong>u britânico, estava<br />

con<strong>de</strong>nado a escrever romances<br />

cómicos?<br />

Sinto-me realmente con<strong>de</strong>nado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo, a escrever romances. Mas a<br />

auto-ironia também é uma coisa que<br />

está <strong>de</strong> tal modo entranha<strong>da</strong> em mim<br />

que, quando comecei a publicar, a<br />

minha mãe perguntou-me: “Por que<br />

é que estás a ser tão cruel contigo próprio,<br />

a fazer troça <strong>de</strong> ti mesmo?”. Eu<br />

respondi-lhe, claro, que era porque<br />

ela não me tinha amado o suficiente.<br />

Nenhum dos seus livros tinha<br />

sido editado em Portugal, mas<br />

este último foi rapi<strong>da</strong>mente<br />

traduzido e publicado.<br />

Acelerar a internacionalização<br />

é o aspecto mais revelante do<br />

Booker Prize?<br />

O livro está a ser publicado em 24 línguas<br />

e em países como a China ou a<br />

Coreia. É um óptimo prémio para se<br />

ganhar. Mas também penso que escrevi<br />

muitos outros livros antes <strong>de</strong>ste,<br />

e <strong>de</strong>saponta-me saber que não foram<br />

traduzidos. De repente, aos 68 a<strong>nos</strong>,<br />

fui <strong>de</strong>scoberto.<br />

Não faltam bons ficcionistas<br />

ju<strong>de</strong>us america<strong>nos</strong>, e muitos<br />

<strong>de</strong>les são bastante divertidos.<br />

Mas não me ocorre, além <strong>de</strong> si,<br />

outro romancista cómico inglês<br />

que seja ju<strong>de</strong>u.<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, não há muitos romancistas<br />

ingleses ju<strong>de</strong>us. Os que escrevem<br />

são geralmente dramaturgos, como<br />

Harold Pinter, que nunca, mas mesmo<br />

nunca, gozou com ele próprio. É claro<br />

que em Inglaterra também só há<br />

uns 300 mil ju<strong>de</strong>us. Não somos tão<br />

importantes como os ju<strong>de</strong>us america<strong>nos</strong>.<br />

E somos mais discretos, não<br />

achamos que possamos pôr-<strong>nos</strong> a troçar<br />

<strong>de</strong> nós mesmos. Nisso sou original.<br />

O seu livro trata <strong>de</strong> infortúnios,<br />

pelo que o facto <strong>de</strong> ter treze<br />

capítulos po<strong>de</strong> ser lido como<br />

<strong>de</strong>liberado. Mas pergunto-me<br />

se não há também uma alusão<br />

aos 13 princípios <strong>da</strong> fé ju<strong>da</strong>ica<br />

compilados por Maimóni<strong>de</strong>s,<br />

cujo “Guia dos Perplexos” o<br />

protagonista, Julian Treslove,<br />

an<strong>da</strong> a ler. Como se este<br />

romance fosse também uma<br />

espécie <strong>de</strong> guia irónico às<br />

perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que o ju<strong>da</strong>ísmo<br />

hoje coloca.<br />

Só reparei no treze como número do<br />

azar, mas gostava sinceramente <strong>de</strong> lhe<br />

dizer que tinha pensado nisso, porque<br />

me agra<strong>da</strong> essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> o livro po<strong>de</strong>r<br />

ser lido como um comentário irónico<br />

a Maimóni<strong>de</strong>s.<br />

Chamam-lhe o Philip Roth<br />

inglês, mas, apesar <strong>da</strong>s<br />

afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s óbvias, não acha<br />

que o seu humor tem um lado<br />

muito inglês, mais leve, mais<br />

caricatural, do que o <strong>de</strong> Roth?<br />

Não sou tão zangado como ele. Sintome<br />

tão zangado como ele, mas não o<br />

sou tanto no que escrevo. Há alguma<br />

coisa <strong>nos</strong> meus romances que é inglesa,<br />

um tom mais afectuoso. Com Roth<br />

parece, às vezes, que estamos num<br />

tribunal. Ele castiga sobretudo as mulheres,<br />

com aquele seu sentido <strong>de</strong><br />

rectidão. Eu não conseguiria fazer<br />

isso. Sentir-me-ia <strong>de</strong>masiado ridículo.<br />

Mas não sei se me <strong>de</strong>va sentir orgulhoso<br />

disso. Roth é um escritor maravilhoso,<br />

e ser-se diferente <strong>de</strong>le em<br />

alguma coisa não <strong>de</strong>ve ser bom.<br />

Como é que lhe ocorreu essa<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mostrar o ju<strong>da</strong>ísmo a<br />

partir do olhar <strong>de</strong> alguém que<br />

não é ju<strong>de</strong>u e quer sê-lo?<br />

Por um lado, quis lembrar que há<br />

muita gente fascina<strong>da</strong> pelos ju<strong>de</strong>us,<br />

pelo seu modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e cultura. Mas,<br />

como romancista cómico, o principal<br />

foi ter percebido que seria muito divertido:<br />

Treslove a ler Maimóni<strong>de</strong>s,<br />

Treslove preocupado com a circuncisão...<br />

Não há asssim tantos ingleses<br />

que saibam muito sobre ju<strong>de</strong>us. Há<br />

al<strong>de</strong>ias on<strong>de</strong> as pessoas nunca viram<br />

Um riso que<br />

Consi<strong>de</strong>rado por muitos o Philip Roth inglês, Howard Jacobson ganhou a última edição do B<br />

obcecado pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se tornar ju<strong>de</strong>u. Um livro hilariante, mas também s<br />

diz, “é manter a disputa entre comédia e t<br />

20 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


Sinto-me realmente<br />

con<strong>de</strong>nado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo, a escrever<br />

romances.<br />

Mas a auto-ironia<br />

também é uma coisa<br />

que está <strong>de</strong> tal modo<br />

entranha<strong>da</strong> em mim<br />

que, quando comecei<br />

a publicar, a minha<br />

mãe perguntou-me:<br />

“Por que é que estás<br />

a ser tão cruel contigo<br />

próprio, a fazer troça<br />

<strong>de</strong> ti mesmo?”.<br />

Eu respondi-lhe,<br />

claro, que era porque<br />

ela não me tinha<br />

amado o suficiente<br />

Nenhum dos<br />

livros <strong>de</strong><br />

Jacobson<br />

tinha sido<br />

editado em<br />

Portugal, mas<br />

este último foi<br />

rapi<strong>da</strong>mente<br />

traduzido e<br />

publicado<br />

seguir manter essa disputa entre comédia<br />

e tragédia. Também quis que<br />

o livro fosse assim porque Treslove<br />

está a brincar com coisas sérias, tem<br />

inveja do sofrimento dos outros.<br />

Quando convi<strong>da</strong>mos a tristeza para a<br />

um ju<strong>de</strong>u. Creio que também fiquei como uma comédia <strong>de</strong> Woody <strong>nos</strong>sa vi<strong>da</strong>, ela aceita.<br />

a <strong>de</strong>ver um pouco o Booker a essa Allen que acabasse num filme <strong>de</strong> O livro, que tem <strong>nos</strong> sentimentos<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um não ju<strong>de</strong>u a levar os gentios<br />

Bergman. Foi <strong>de</strong>liberado? <strong>de</strong> per<strong>da</strong> um tópico central,<br />

ao mundo ju<strong>da</strong>ico.<br />

Os meus romances têm tendência a é <strong>de</strong>dicado a três amigos que<br />

Começamos a ler o seu livro ir ficando mais escuros, a comédia morreram em 2009. Essa<br />

e não temos dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> que é torna-se mais negra. Rimo-<strong>nos</strong> e sentimos<br />

sucessão <strong>de</strong> mortes pesou na<br />

mesmo um romance cómico,<br />

que não <strong>nos</strong> <strong>de</strong>víamos estar a escrita <strong>de</strong>ste romance?<br />

<strong>da</strong>queles que po<strong>de</strong>m levar um rir, engasgamo-<strong>nos</strong> com o riso. É isto Contou muito. É também por isso que<br />

leitor a rir-se alto. Mas <strong>nos</strong> que quero fazer. Mas não controlo o romance é sombrio. Ganhei o prémio<br />

últimos capítulos, ain<strong>da</strong> que muito, <strong>de</strong>ixo o livro ir para on<strong>de</strong> ele<br />

Booker e sinto-me outra vez jo-<br />

subsistam passagens hilariantes, quiser. Tento apenas assegurar que a vem. Mas senti-me velho e a morrer<br />

o clima vai-se tornando<br />

comédia não <strong>de</strong>sapareça, sinto que a quando estava a escrever o livro. Como<br />

progressivamente mais sombrio, minha obrigação <strong>de</strong> romancista é conengasga<br />

Treslove, tenho essa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> antecipar o sofrimento e a morte.<br />

Admito que fosse impossível,<br />

mas suponha que o livro tinha<br />

sido escrito por alguém que<br />

não é ju<strong>de</strong>u e que lhe calhava<br />

lê-lo. Haveria momentos em<br />

que se irritaria por achar que o<br />

autor tinha ido longe <strong>de</strong> mais na<br />

caricaturização dos ju<strong>de</strong>us.<br />

Não creio que o romance seja agressivo.<br />

O modo como Treslove vê os<br />

ju<strong>de</strong>us é, <strong>de</strong> facto, uma caricatura –<br />

acha que são todos inteligentes e ambiciosos<br />

–, mas é afectuosa. Ele é um<br />

bocado simplório, e o retrato que faz<br />

dos ju<strong>de</strong>us, embora impreciso, não é<br />

ofensivo. Mas admito que há uma ou<br />

duas pia<strong>da</strong>s no livro que eu posso dizer,<br />

mas que não permitiria a um gentio.<br />

Como Finkler com Treslove?<br />

Sim, como Finkler. É-me fácil simpatizar<br />

com Finkler, porque <strong>de</strong> algum<br />

modo, tal como ele, também estou<br />

fora: não sei o que sou enquanto ju<strong>de</strong>u.<br />

É isso que é fascinante, o facto<br />

<strong>de</strong> ser uma questão sem fim. O que<br />

somos? Como <strong>de</strong>vemos viver? Estamos<br />

sempre a argumentar. Argumentamos<br />

com a <strong>nos</strong>sa fé e <strong>de</strong>ixámo-la<br />

em pe<strong>da</strong>ços, é essa a <strong>nos</strong>sa tradição.<br />

Diz simpatizar com Finkler,<br />

mas fica-se com a impressão<br />

<strong>de</strong> que a personagem que lhe<br />

agra<strong>da</strong> mais é Libor, o velho<br />

viúvo que privou com as estrelas<br />

<strong>de</strong> Hollywood e que acha que<br />

os amigos <strong>de</strong> Finkler são antisemitas.<br />

Há nele uma digni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que não conce<strong>de</strong> aos outros, e as<br />

ironias que lhe dirige nunca são<br />

mor<strong>da</strong>zes.<br />

Porque tenho mesmo uma simpatia<br />

especial por ele. É baseado num velho<br />

<strong>de</strong> 90 a<strong>nos</strong> que conheci e que tinha<br />

sido, como Libor, jornalista <strong>de</strong> escân<strong>da</strong>los.<br />

A mulher <strong>de</strong>le tinha morrido e<br />

diziam-me que ele gostava dos meus<br />

livros e que eu <strong>de</strong>via ir almoçar com<br />

ele. Fui e gostei muito <strong>de</strong>le. Fez-me<br />

rir e comoveu-me. Mas foi a partir dos<br />

meus próprios terrores que <strong>de</strong>screvi<br />

os seus sentimentos.<br />

Há referências no seu romance<br />

a alguns ataques anti-semitas.<br />

Acontecem com frequência no<br />

Reino Unido?<br />

O anti-semitismo estava a voltar a Inglaterra,<br />

porque as críticas a Isarel<br />

estavam a atingir os ju<strong>de</strong>us em geral.<br />

Ca<strong>da</strong> vez que acontecia algo no Médio<br />

Oriente que irritava as pessoas, havia<br />

ju<strong>de</strong>us atacados. Agora isso dissolveuse<br />

um bocado, mas cheguei a sentir<br />

receio. Os ataques graves são muito<br />

poucos, mas po<strong>de</strong>m acontecer.<br />

Se é a política <strong>de</strong> Israel que<br />

motiva a crítica generaliza<strong>da</strong> aos<br />

ju<strong>de</strong>us, ela vem sobretudo <strong>da</strong><br />

esquer<strong>da</strong>?<br />

Absolutamente. Se vem aí um novo<br />

anti-semitismo, é <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> que o<br />

receamos, e não <strong>da</strong> direita. É isso que<br />

é tão estranho. O anti-semitismo sempre<br />

foi uma coisa <strong>da</strong> direita, que a<br />

esquer<strong>da</strong> atacou.<br />

Finkler admira os ju<strong>de</strong>us<br />

a ponto <strong>de</strong> querer tornarse<br />

ju<strong>de</strong>u. A admiração ou a<br />

repulsa generaliza<strong>da</strong>s não são<br />

sinais contrários <strong>de</strong> um mesmo<br />

preconceito?<br />

É ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Há muitos ju<strong>de</strong>us que se<br />

irritam com os que acham que somos<br />

todos maravilhosos. Sentem-no como<br />

paternalismo, con<strong>de</strong>scendência. Treslove<br />

é benigno, faz isso sem má intenção,<br />

mas Finkler está sempre muito<br />

à <strong>de</strong>fesa com ele.<br />

Des<strong>de</strong> Isaiah Berlin a George<br />

Steiner, vários intelectuais<br />

ju<strong>de</strong>us têm abor<strong>da</strong>do o tópico<br />

do ódio dos ju<strong>de</strong>us por si<br />

próprios, sugerido no seu livro<br />

através <strong>da</strong> personagem <strong>de</strong><br />

Finkler. De on<strong>de</strong> é que isso vem?<br />

É preciso ter cui<strong>da</strong>do com os termos.<br />

Eu não falaria em ódio. Mas é algo que<br />

existe e que me fascina. Finkler é um<br />

<strong>de</strong>sses ju<strong>de</strong>us que sentem que têm <strong>de</strong><br />

anunciar aos gentios que estão envergonhados<br />

enquanto ju<strong>de</strong>us. São satirizados<br />

no livro, não pela sua política,<br />

mas pelo modo como pensam acerca<br />

<strong>de</strong>les mesmos. Tudo isso vem do início,<br />

<strong>da</strong> invenção do monoteísmo. Mosisés<br />

vai à montanha, <strong>de</strong>mora-se um<br />

bocadinho a trazer os <strong>de</strong>z man<strong>da</strong>mentos<br />

e, quando chega, os ju<strong>de</strong>us já voltaram<br />

todos à idolatria. A Bíblia é uma<br />

história <strong>de</strong> sucessivas rebeliões. O ju<strong>de</strong>u<br />

inventou o <strong>de</strong>us único e con<strong>de</strong>nou-se<br />

a argumentar com ele. No paganismo,<br />

se alguém se chateava com<br />

um <strong>de</strong>us, falava com outro. O monoteísmo<br />

não dá escolha. A escolha é<br />

abandonar o ju<strong>da</strong>ísmo, e os ju<strong>de</strong>us<br />

estão sempre a fazê-lo. Os ortodoxos<br />

dizem que ain<strong>da</strong> há ju<strong>de</strong>us porque as<br />

pessoas vão à sinagoga. Eu acho o<br />

contrário: precisamente porque argumentamos,<br />

porque, milhares <strong>de</strong><br />

a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois, ain<strong>da</strong> estamos a discutir,<br />

é que ain<strong>da</strong> somos ju<strong>de</strong>us.<br />

Treslove quer ser ju<strong>de</strong>u e<br />

Finkler quer <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> o<br />

ser. Falham ambos. Mas se<br />

Finkler permanece ju<strong>de</strong>u,<br />

acha que se po<strong>de</strong>ria dizer, no<br />

mesmo sentido, que Treslove<br />

permanece ateu, ou inglês, ou<br />

seja o que for? O livro abor<strong>da</strong> a<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> dos ju<strong>de</strong>us em li<strong>da</strong>r<br />

com a sua própria i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

mas o problema não será mais o<br />

<strong>de</strong> um excesso <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>?<br />

É uma boa maneira <strong>de</strong> pôr a questão.<br />

Ninguém po<strong>de</strong> ser vagamente ju<strong>de</strong>u.<br />

Ser ju<strong>de</strong>u é uma coisa em que penso<br />

todos os dias. E isto confun<strong>de</strong>-me,<br />

porque não tive educação ju<strong>da</strong>ica tradicional.<br />

É como se isso estivesse à<br />

minha espera. Tal como Treslove, assaltado<br />

na rua por uma mulher (e essa<br />

mulher é o ju<strong>da</strong>ísmo), eu também<br />

fui atacado. Uma vez disse a mim mesmo:<br />

<strong>de</strong>sta vez não vou escrever sobre<br />

ju<strong>de</strong>us. E fi-lo. O livro <strong>chama</strong>-se “Act<br />

of Love” e é a história <strong>de</strong> um homem<br />

que quer que a mulher lhe seja infiel.<br />

Não há lá ju<strong>de</strong>u nenhum. Um crítico<br />

disse que era o mais ju<strong>da</strong>ico <strong>de</strong> todos<br />

os meus livros.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 30 e segs<br />

Booker Prize com “A Questão <strong>de</strong> Finkler”, a história <strong>de</strong> um homem<br />

sombrio. “A minha obrigação como romancista”,<br />

tragédia”. Luís Miguel Queirós<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 21


PIPER FERGUSON<br />

Estrela impro<br />

Há um par <strong>de</strong> semanas os Iron & Wine<br />

ofereceram um presentinho aos seguidores<br />

do AV Club. O magazine tem<br />

por hábito propor aos seus artistas<br />

preferidos que uma <strong>de</strong> 25 canções<br />

previamente escolhi<strong>da</strong>s seja transforma<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> acordo com o seu gosto. Sendo<br />

cria<strong>da</strong> pelos seguidores do site, a<br />

lista é suficientemente lata em gosto<br />

para incluir Danzig e LCD Soundsystem,<br />

Chumbawamba e Kanye West,<br />

Huey Lewis e Loretta Lynn, Human<br />

League e Otis Redding – o lixo e o luxo,<br />

se quiserem. Mas para Sam Beam,<br />

o lí<strong>de</strong>r dos Iron & Wine, esta largura<br />

<strong>de</strong> espectro ain<strong>da</strong> não era suficiente,<br />

pelo que o dono <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s mais respeitáveis<br />

barbas <strong>da</strong> actuali<strong>da</strong><strong>de</strong> resolveu<br />

ir resgatar ao fundo do poço do<br />

mau gosto um pechisbeque do pior<br />

<strong>de</strong> George Michael dos a<strong>nos</strong> 80.<br />

No seu original, “One more try” era<br />

uma <strong>da</strong>quelas bala<strong>da</strong>s melosas que<br />

consagraram o vocalista como o mais<br />

“posterizado” galã <strong>da</strong> época. Havia<br />

teclados soporíferos, uma <strong>da</strong>quelas<br />

interpretações sofri<strong>da</strong>s, um ví<strong>de</strong>o com<br />

sombras. Perante isto o entrevistador<br />

do AV Club viu-se na obrigação <strong>de</strong> perguntar<br />

a Sam Beam se o interesse em<br />

fazer uma versão não teria algo <strong>de</strong><br />

“irónico” – no sentido em que agora<br />

é <strong>de</strong> bom gosto admirar “I’m not in<br />

love”, dos 10CC, porque é irónico. Mas<br />

Beam não se <strong>de</strong>scoseu: que sim, havia<br />

certa ironia, mas mais que tudo, dizia,<br />

“muitas <strong>de</strong>stas canções dos a<strong>nos</strong> 80<br />

têm boas melodias mas foram estraga<strong>da</strong>s<br />

por uma má produção”.<br />

Qualquer <strong>de</strong>sconfiança que tivéssemos<br />

em relação à palavra <strong>de</strong> Beam<br />

<strong>de</strong>saparece quando vemos o ví<strong>de</strong>o.<br />

Não é um milagre, somente uma belíssima<br />

transformação: sem guitarra,<br />

acompanhado <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong> igreja<br />

que dá à canção um tom cerimonioso,<br />

<strong>de</strong> um violino, um clarinete e duas<br />

coristas, Beam retira a “One more try”<br />

to<strong>da</strong> a mun<strong>da</strong>ni<strong>da</strong><strong>de</strong> gordurosa e recria-a<br />

enquanto salmo pelo amor.<br />

Pensando bem, não <strong>de</strong>via ser uma<br />

surpresa a admirável volta que Beam<br />

– que, na prática, é os Iron & Wine –<br />

<strong>de</strong>u à canção <strong>de</strong> George Michael, pelo<br />

me<strong>nos</strong> tendo em conta o que alcançou<br />

em finais <strong>de</strong> Janeiro: o seu mais<br />

recente disco, “Kiss Each Other Clean”,<br />

chegou ao número dois <strong>da</strong> tabela<br />

<strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s dos EUA, feito por norma<br />

apenas acessível a artistas <strong>de</strong> hip-hop<br />

ou crooners <strong>de</strong> bala<strong>da</strong>s xaroposas e<br />

inacessível a ban<strong>da</strong>s <strong>de</strong> barbudos pouco<br />

sensuais que fazem música folk.<br />

“Não é alucinante tudo isto?”, dizia<strong>nos</strong><br />

ele quando o apanhámos ao telefone.<br />

Homem com os pés assentes na<br />

“Kiss Each Other Clean”,<br />

chegou ao número dois <strong>da</strong><br />

tabela <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s dos EUA, feito<br />

por norma apenas acessível a<br />

artistas <strong>de</strong> hip-hop ou crooners<br />

<strong>de</strong> bala<strong>da</strong>s xaroposas<br />

Sam Beam, o homem que se escon<strong>de</strong> por trás do nome Iron & Wine, foi parar ao topo <strong>da</strong>s t<br />

Ou talvez se perceba: está tudo na fé que <strong>de</strong>posita nas m<br />

22 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


ovável<br />

terra, não pôs o carro à frente dos bois<br />

nem se <strong>de</strong>ixou levar pelos acontecimentos.<br />

Limitou-se a aventar que<br />

aquela era “uma época para<strong>da</strong> para<br />

a indústria”. “Não vejo mais nenhuma<br />

razão para isto estar a acontecer”.<br />

Há, contudo, uma possível razão:<br />

o contrato que os Iron & Wine assinaram<br />

com a Warner, <strong>de</strong>ixando para<br />

trás a SubPop, mítica editora <strong>de</strong> Seattle<br />

que havia editado os discos anteriores.<br />

Antigamente este tipo <strong>de</strong> saltos<br />

era mal visto pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> – preconceito<br />

que acabou com a transferência<br />

dos Nirvana e dos Sonic Youth<br />

para a Geffen. Aberto o prece<strong>de</strong>nte,<br />

muitas ban<strong>da</strong>s “menores” tentaram<br />

o mesmo salto, já sem complexos,<br />

mas sem atingirem resultados <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s<br />

admiráveis. Beam não foge ao<br />

assunto. “Estar ligado à Warner certamente<br />

que não prejudica as ven<strong>da</strong>s.<br />

Encontram-se excepções históricas à<br />

regra, mas é preciso estar na rádio<br />

para que a música chegue a mais gente.<br />

Tem-se mais recursos e eles têm<br />

maior experiência no que fazer e como<br />

fazer”.<br />

O artesanato <strong>da</strong> canção<br />

Tudo isto é dito num tom suave <strong>de</strong><br />

quem aparenta ser um tipo relaxado,<br />

<strong>de</strong> bem com a vi<strong>da</strong>. Não há, no tom<br />

<strong>de</strong> voz, enfado, pose, irritação. Coisa<br />

rara, ele simplesmente conversa <strong>de</strong><br />

forma aprazível. “Eu gosto <strong>da</strong>s entrevistas<br />

e <strong>de</strong> falar com as pessoas. É<br />

claro que isto é um trabalho <strong>de</strong> promoção,<br />

mas não me incomo<strong>da</strong> fazêlo.<br />

Não assinei por uma editora gran<strong>de</strong><br />

para tornar as coisas mais difíceis<br />

e ser conhecido por me<strong>nos</strong> gente”.<br />

É fora do comum a abertura com<br />

que Beam assume esse <strong>de</strong>sejo, em<br />

particular se tivermos em conta como<br />

a ban<strong>da</strong> começou: era “um passatempo”<br />

<strong>de</strong> “um tipo que nunca pensou<br />

ter uma carreira musical” e os discos<br />

iniciais eram “<strong>de</strong>finitivamente lo-fi”.<br />

Como com outros músicos a opção<br />

“Neste momento<br />

sinto que tenho uma<br />

carreira e que quando<br />

estou em digressão<br />

isto é trabalho.<br />

Mas quando estou<br />

em casa, ao acor<strong>da</strong>r<br />

<strong>de</strong> manhã e olhar-me<br />

ao espelho não penso<br />

‘Sou um músico<br />

conhecido’.<br />

Nessa altura sou<br />

apenas um pai”<br />

pelo lo-fi <strong>de</strong>u-se “mais pela contingência<br />

<strong>da</strong> falta <strong>de</strong> meios” do que por<br />

razões estéticas.<br />

Com quatro discos e uma <strong>da</strong>ta <strong>de</strong><br />

EPs editados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, Beam tinha<br />

uma sóli<strong>da</strong> obra <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>quilo a que<br />

se po<strong>de</strong>ria <strong>chama</strong>r a terceira (ou quarta?,<br />

já lhes per<strong>de</strong>mos a conta) vaga <strong>de</strong><br />

“americana”, tipo <strong>de</strong> som reconhecível<br />

por fun<strong>da</strong>r-se no folclore e na<br />

country norte-americanas. Mas “Kiss<br />

Each Other Clean” marca uma viragem:<br />

o tom é pop, há mais soluções,<br />

mais órgãos, baixos que balançam,<br />

xilofones em luta com guitarras eléctricas,<br />

wurlitzers a contrabalançar a<br />

doçura <strong>da</strong> voz <strong>de</strong> Beam. O tipo <strong>de</strong> disco<br />

que se fazia em LA <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 70, o<br />

tipo <strong>de</strong> disco que Bill Callahan não<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nharia, o tipo <strong>de</strong> disco que os<br />

Low fariam se rezassem me<strong>nos</strong> e rebolassem<br />

mais as ancas.<br />

Não há gran<strong>de</strong> explicação metafísica<br />

para as mu<strong>da</strong>nças no som dos<br />

Iron & Wine, diz Beam, mas punhamos<br />

as coisas assim: “Ao fim <strong>de</strong> algum<br />

tempo três acor<strong>de</strong>s e ‘A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre<br />

o universo’ começam a cansar”.<br />

A <strong>de</strong>claração contém um certo gozo<br />

àquela premissa <strong>de</strong> que tudo o que<br />

é folk transporta consigo a tocha <strong>da</strong><br />

“ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Tendo em conta que o<br />

próprio Beam fez carreira assim, há<br />

nisto uma auto-ironia – que só lhe fica<br />

bem.<br />

“Eu não tinha um plano <strong>de</strong>liberado<br />

<strong>de</strong> me afastar fosse do que fosse, mas<br />

tinha uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> outra<br />

forma para o que fazia”. Pôs-se uma<br />

questão: “O que posso mu<strong>da</strong>r na minha<br />

música?”<br />

A primeira opção foi “óbvia”: “Bem,<br />

a guitarra acústica era a parte mais<br />

fácil <strong>de</strong> tirar”. Com isso foi-se o suporte<br />

habitual <strong>da</strong>s canções, o que acabou<br />

por ter as suas vantagens: “Quando<br />

se escreve uma canção na guitarra<br />

ten<strong>de</strong>-se a repetir padrões”, explica<br />

Beam, que acredita que “as canções<br />

que partem <strong>da</strong> guitarra acabam por<br />

soar mais monotónicas e por ser mais<br />

percussivas” (isto apesar <strong>de</strong> o piano<br />

ser consi<strong>de</strong>rado um cordofone, isto<br />

é, um instrumento <strong>de</strong> percussão).<br />

Resumi<strong>da</strong>mente: Beam mudou-se<br />

para o piano. O próximo passo foi<br />

perceber o que era essencial em ca<strong>da</strong><br />

canção. “Pensei assim: se um tipo vai<br />

escrever uma canção tem <strong>de</strong> criar alguma<br />

coisa que consiga cantar”. E<br />

nisto <strong>de</strong>u-se uma epifania: percebeu<br />

que “tinha <strong>de</strong> ter fé nas melodias. Se<br />

se tem uma boa melodia tem-se tudo.<br />

Só com isso po<strong>de</strong>-se fazer uma canção<br />

a capella e é suficiente para aguentar<br />

tudo. Depois, se se quiser, po<strong>de</strong> pôrse<br />

harmonias e colorir <strong>de</strong> forma mais<br />

interessante, mais misteriosa”.<br />

O processo <strong>de</strong> compor <strong>de</strong>ixou então<br />

<strong>de</strong> partir <strong>de</strong> uns acor<strong>de</strong>s à guitarra<br />

e passou para a melodia. A ca<strong>da</strong><br />

sequência <strong>de</strong> notas Beam perguntavase:<br />

“‘O que é que posso fazer com<br />

isto? On<strong>de</strong> é que esta melodia vai parar?’.<br />

Quanto mais melodias um tipo<br />

faz mais tem <strong>de</strong> pensar no que se está<br />

a fazer”.<br />

Na prática estamos perante a velha<br />

crença na arte <strong>de</strong> compor canções<br />

clássicas, <strong>de</strong> fazer parte <strong>da</strong>quela linha<br />

condutora que vai dos primeiros<br />

bluesman a Ju<strong>de</strong>e Sill (óbvia inspiração<br />

para “Brother in love”) passando<br />

pela Tin Pan Alley e pela Motown:<br />

“Mais que tudo o que sinto é vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r o lado artesanal <strong>de</strong> escrever<br />

canções. Um tipo tem <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r como se faz, quais são as<br />

estruturas possíveis, o que po<strong>de</strong> ser<br />

posto e o que po<strong>de</strong> ser tirado, qual o<br />

fulcro <strong>da</strong> canção”.<br />

Implica<strong>da</strong> nesta firme apologia do<br />

conhecimento está uma valorização<br />

do trabalho. “A inspiração”, avança,<br />

“é uma ave rara que não aparece<br />

quando mais queremos”. Para o senhor<br />

<strong>da</strong>s barbas compor é matéria<br />

diária: “Sentamo-<strong>nos</strong> todos os dias a<br />

trabalhar, a tentar e a tentar – e, mesmo<br />

que haja um dia, uma semana,<br />

um mês em que não <strong>nos</strong> surgiu na<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> jeito, acabamos por ter muita coisa<br />

ao fim do ano”. No caso <strong>de</strong> “Kiss<br />

Each Other Clean” <strong>de</strong>u-se exactamente<br />

isso: “Passei nove meses a trabalhar<br />

no disco”, conta. “Acaba<strong>da</strong>s as bases<br />

iniciais <strong>da</strong>s canções, o meu trabalho<br />

é mais acerca <strong>de</strong> re-imaginar e reescrever<br />

do que <strong>de</strong> criar”.<br />

Beam diz então que gosta mais do<br />

processo do que <strong>da</strong> parte final, que<br />

“a direcção que as coisas acabam por<br />

seguir é o me<strong>nos</strong> importante”, mas<br />

escutando “Kiss Each Other Clean”<br />

<strong>de</strong>ve pôr-se a <strong>de</strong>claração em causa: é<br />

o disco mais variado dos Iron & Wine<br />

e o mais inventivo <strong>nos</strong> arranjos, com<br />

ângulos apertados on<strong>de</strong> se esperava<br />

esferas, com mel on<strong>de</strong> pensávamos<br />

haver sal.<br />

Do alto <strong>da</strong>s tabelas <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s Beam<br />

mostra uma satisfação mo<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>:<br />

“Neste momento sinto que tenho uma<br />

carreira e que quando estou em digressão<br />

isto é trabalho”. “Mas”, acrescenta,<br />

“quando estou em casa, ao<br />

acor<strong>da</strong>r <strong>de</strong> manhã e olhar-me ao espelho<br />

não penso ‘Sou um músico conhecido’.<br />

Nessa altura sou apenas um<br />

pai”.<br />

- Quantos filhos tem?<br />

- Cinco. Tudo raparigas.<br />

- Tudo raparigas?<br />

- Sim.<br />

- Bem, o seu esperma é óptimo<br />

- [gargalha<strong>da</strong>s] Juro-lhe que nunca me<br />

tinham dito isso antes. Muito obrigado,<br />

<strong>de</strong> qualquer modo. Vou contar à minha<br />

mulher.<br />

Que outra estrela pop que an<strong>da</strong> pelas<br />

tabelas <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s se riria assim?<br />

DANÇA<br />

CÉDRIC ANDRIEUX<br />

JÉRÔME BEL<br />

03 ABR 2011 (Dom), 22h00<br />

Auditório<br />

Bilhetes à ven<strong>da</strong> na recepção <strong>de</strong> Serralves e em www.serralves.pt<br />

PROGRAMAÇÃO ASSOCIADA AO ESPECTÁCULO “SUN MOON & STARS”<br />

10 e 11 ABR 2011 (Dom e Seg)<br />

APRESENTAÇÕES PÚBLICAS INFORMAIS<br />

DOS RESULTADOS DOS WORKSHOPS<br />

SUN MOON & STARS<br />

Por Elaine Summers, Pauline Oliveros e Jason Hwang<br />

Serralves / ESMAE / Bar Passos Manuel<br />

12 ABR 2011 (Ter), 21h30<br />

CINEMA<br />

Programação: Ricardo Matos Cabo<br />

Filmes <strong>de</strong> Elaine Summers,<br />

apresentados pela realizadora<br />

Auditório <strong>de</strong> Serralves<br />

Entra<strong>da</strong> gratuita para estas apresentações e sessão <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>. To<strong>da</strong> a informação em www.serralves.pt<br />

Fotografia: Herman Sorgeloos<br />

Apoio Institucional<br />

Improvisações/Colaborações co-financiado por<br />

s tabelas <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s norte-americanas não se percebe como.<br />

s melodias. João Bonifácio<br />

Com o Apoio<br />

Apoio Logístico<br />

Parceria<br />

Apoio à Divulgação<br />

Patrocinador <strong>da</strong><br />

Programação <strong>de</strong> Música<br />

Fun<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> Serralves Rua D. João <strong>de</strong> Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt<br />

Siga-<strong>nos</strong> em www.facebook.com/fun<strong>da</strong>caoserralves<br />

Mecenas Exclusivo<br />

Improvisações/Colaborações<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 23


A golpa<strong>da</strong><br />

(só que meio sem querer)<br />

Os Golpes fizeram um disco só para os fãs, “G”, mas o sucesso <strong>de</strong> “Vá lá senhora” não permitiu<br />

que o exclusivo se mantivesse. Em tempo <strong>de</strong> protestos populares, a reivindicação <strong>de</strong>u frutos:<br />

“G” chega segun<strong>da</strong>-feira às lojas. Gonçalo Frota<br />

24 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon<br />

“Vá lá senhora” ampliou<br />

<strong>de</strong>scomunalmente o auditório<br />

d’Os Golpes, que agora são<br />

reconhecidos pelo senhor<br />

<strong>da</strong> pastelaria e pela senhora<br />

do cabeleireiro<br />

“Durante a déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 90 e parte <strong>de</strong>sta<br />

última, houve<br />

o <strong>de</strong>slumbramento<br />

provinciano <strong>de</strong> querer<br />

fazer músicas para se<br />

ouvir em Piccadilly ou<br />

em Nova Iorque; o que<br />

tem expressão é fazer<br />

uma canção para<br />

o vizinho do lado”<br />

Manuel Fúria<br />

Quando se provoca a História, ela<br />

provoca <strong>de</strong> volta. Há uns a<strong>nos</strong>, Os<br />

Golpes surgiram evocando todo um<br />

imaginário que, noutros tempos, causou<br />

problemas aos Heróis do Mar:<br />

uma iconografia forte, patriótica, que<br />

<strong>de</strong>ixou a ban<strong>da</strong> <strong>de</strong> Pedro Ayres Magalhães<br />

e Rui Pregal <strong>da</strong> Cunha <strong>de</strong>baixo<br />

<strong>de</strong> um fogo cerrado <strong>de</strong> acusações<br />

<strong>de</strong> fascismo. Os Golpes escaparam a<br />

esta cobrança pós-25 <strong>de</strong> Abril. Mas a<br />

recuperação dos símbolos nacionais<br />

– o vocalista Manuel Fúria diz querer<br />

matar a vergonha que lhes está associa<strong>da</strong><br />

–, as far<strong>da</strong>s, as músicas com o<br />

apelo à festa e à <strong>da</strong>nça lembram inevitavelmente<br />

o que os Heróis do Mar<br />

an<strong>da</strong>ram a anunciar há 30 a<strong>nos</strong>.<br />

Tal como os Heróis, há outra vergonha<br />

que Os Golpes querem matar,<br />

a <strong>da</strong> pop nacional. Na ressaca <strong>da</strong> Revolução<br />

dos Cravos e com o canto <strong>de</strong><br />

intervenção esgotado na sua função,<br />

vieram punks, new waves, hard-rocks,<br />

pops electrónicas, importou-se<br />

<strong>de</strong> tudo sofregamente, na ânsia <strong>de</strong><br />

fazer igual ao que se via e ouvia lá<br />

fora, com medo do que o país “escondia”.<br />

Fúria diag<strong>nos</strong>tica: “Durante a<br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90 e parte <strong>de</strong>sta última,<br />

houve o <strong>de</strong>slumbramento provinciano<br />

<strong>de</strong> querer fazer músicas para se<br />

ouvir em Piccadilly ou em Nova Iorque;<br />

o que tem expressão é fazer uma<br />

canção para o vizinho do lado”.<br />

Os Golpes foram atrás e não olharam<br />

apenas para o lado. E foi nessa<br />

altura que a História lhes enviou um<br />

recado, lembrando que sempre se<br />

repete. Se os Heróis do Mar alcançaram<br />

os seus maiores êxitos com os<br />

maxi-singles <strong>de</strong> “Paixão” e “Amor”,<br />

com Os Golpes não po<strong>de</strong>ria ser diferente.<br />

“Nós trazemos a intenção <strong>de</strong> animar<br />

as pessoas: oferecemos a <strong>nos</strong>sa<br />

alma na música, na festa e no espectáculo<br />

que <strong>da</strong>mos, e achamos que<br />

vimos trazer muita vi<strong>da</strong>, mas também<br />

anunciamos uma espécie <strong>de</strong> morte:<br />

a <strong>da</strong> vergonha”, sentencia Manuel<br />

Fúria. A morte <strong>de</strong>ssa vergonha levou<br />

precisamente a que Os Golpes, comparados<br />

fatalmente com os Heróis<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que “Cruz Vermelha Sobre<br />

Fundo Branco” foi lançado em 2009,<br />

<strong>chama</strong>ssem <strong>de</strong>savergonha<strong>da</strong>mente<br />

Rui Pregal <strong>da</strong> Cunha para se lhes juntar<br />

em “Vá lá senhora”. Evitar essa<br />

colaboração e a versão <strong>de</strong> “Paixão”<br />

em “G”, diz o guitarrista Pedro <strong>da</strong><br />

Rosa, equivaleria a trair a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

mais elementar d’Os Golpes. “Em vez<br />

<strong>de</strong> renegarmos as coisas boas do passado,<br />

é mais fácil <strong>de</strong>ixar que tudo<br />

aconteça naturalmente. E é-<strong>nos</strong> natural<br />

tocar o ‘Paixão’. To<strong>da</strong> a gente<br />

sente que é uma influência que temos<br />

<strong>de</strong> abraçar”.<br />

E foi assim que “G”, gravado para<br />

oferecer aos fãs num par <strong>de</strong> concertos,<br />

se viu aumentado com a versão<br />

<strong>de</strong> “Paixão” (dos Heróis do Mar) e um<br />

original. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tocar “Paixão”<br />

surgiu apenas porque, na preparação<br />

dos concertos, conta Luís dos Golpes<br />

(dos bigo<strong>de</strong>s), a ban<strong>da</strong> não quis “<strong>de</strong>sperdiçar<br />

um monstro dos palcos [Rui<br />

Pregal] só com uma música”. E o original,<br />

“A Brasileira”, não é mais do<br />

que o instrumental com que abriam<br />

os espectáculos após obras <strong>de</strong> ampliação.<br />

Bailes <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia<br />

(só que na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>)<br />

“Vá lá senhora” <strong>nos</strong> ecrãs <strong>de</strong> televisão,<br />

<strong>nos</strong> rádios dos carros, nas cabeças<br />

<strong>da</strong>s gentes. E Os Golpes assaltados<br />

por pedidos insistentes em busca <strong>de</strong><br />

um disco que não havia, que fora totalmente<br />

distribuído aos fãs <strong>nos</strong> concertos<br />

<strong>de</strong> lançamento. O paradoxo aí<br />

estava, em letras garrafais: um lançamento<br />

exclusivo, <strong>de</strong> circulação limita<strong>da</strong>,<br />

tornava-os audição obrigatória,<br />

alargava-lhes o público. O interesse<br />

<strong>de</strong>spertado foi tanto que acabou por<br />

VANDA NORONHA<br />

esgotar o álbum <strong>de</strong> estreia nas lojas.<br />

A se<strong>de</strong> por músicas d’Os Golpes saciava-se<br />

com tudo o que houvesse à<br />

mão. O que, na ocasião, queria apenas<br />

dizer “Cruz Vermelha…”. Essa<br />

populari<strong>da</strong><strong>de</strong> inespera<strong>da</strong> fez-se sentir,<br />

por vezes, <strong>de</strong> forma bem real. Foi<br />

então que perceberam que já eram<br />

vistos como quem faz vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> música<br />

e não toca apenas para sacar umas<br />

cervejas à borla e piscar o olho às miú<strong>da</strong>s<br />

<strong>da</strong> primeira fila. Manuel Fúria<br />

começou a ser abor<strong>da</strong>do por pessoas<br />

do seu dia-a-dia, que afinal já não falavam<br />

só <strong>de</strong> galões ou <strong>de</strong> patilhas: “O<br />

senhor <strong>da</strong> pastelaria e a senhora do<br />

cabeleireiro, pessoas que me conheciam<br />

como alguém <strong>da</strong> vizinhança,<br />

associaram-me à música e começaram<br />

a perguntar on<strong>de</strong> podiam comprar<br />

o disco”.<br />

O sucesso foi tal que <strong>de</strong>u em medo.<br />

Até então, Os Golpes achavam que a<br />

conquista <strong>nos</strong> concertos se fazia “pessoa<br />

a pessoa, música a música”. Agora,<br />

contraria Luís, são eles os conquistados,<br />

<strong>de</strong>sarmados pela novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Manuel já não ter <strong>de</strong> pedir para as<br />

pessoas se levantarem. Quando perceberam<br />

que a maioria do público<br />

que tinham pela frente era atraí<strong>da</strong><br />

por uma canção em particular, recearam<br />

que o resto do alinhamento não<br />

fosse recebido com o mesmo entusiasmo.<br />

“Senti algum receio <strong>de</strong> que o<br />

‘Vá lá senhora’ fosse um cartão-<strong>de</strong>visita<br />

envenenado e que as pessoas,<br />

quando <strong>de</strong>scobrissem o resto do repertório,<br />

se sentissem um bocadinho<br />

traí<strong>da</strong>s, mas tem sido muito bem aceite”,<br />

conclui Luís.<br />

Constatação óbvia para Os Golpes:<br />

o alargamento do seu público aconteceu,<br />

em parte, junto <strong>de</strong> gente para<br />

quem o nome <strong>da</strong> editora AmorFúria<br />

não passará <strong>de</strong> duas palavras a atropelarem-se.<br />

Essa gente, <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> mais<br />

avança<strong>da</strong> – concretiza Manuel Fúria<br />

–, “não é tanto aquela que po<strong>de</strong> associar-<strong>nos</strong><br />

a um rock português mais<br />

antigo, mas que vibra com uma canção<br />

como o ‘Vá lá senhora’ <strong>da</strong> mesma<br />

maneira que vibra no baile <strong>da</strong> terra”.<br />

Regozijo evi<strong>de</strong>nte n’Os Golpes: “Aquilo<br />

[o tal single] lembra-lhes ou evoca<br />

uma aura que tem a ver com festas<br />

populares”. Uma linguagem comum,<br />

na opinião <strong>de</strong> Pedro, aos Diabo na<br />

Cruz e a B Facha<strong>da</strong>. “As três sonori<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

remetem para esse Portugal<br />

que precisava <strong>de</strong> uma ponte para o<br />

agora e para o futuro”.<br />

O futuro d’Os Golpes, pelo me<strong>nos</strong><br />

o imediato, é isto: concertos, muitos,<br />

para aproveitar o momento; e, <strong>de</strong>pois,<br />

a preparação do segundo álbum,<br />

uma possível pedra<strong>da</strong> nas águas<br />

algo para<strong>da</strong>s <strong>da</strong> pop nacional. “Umas<br />

<strong>da</strong>s <strong>nos</strong>sas próximas batalhas”, vai<br />

avisando Fúria, “é as ban<strong>da</strong>s em Portugal<br />

po<strong>de</strong>rem começar a ser arrogantes<br />

sem serem mal interpreta<strong>da</strong>s”.<br />

Façam favor.


OWEN RICHARDS<br />

“Quem critica<br />

o disco diz que<br />

não se aguenta<br />

como um todo, que<br />

corre em <strong>de</strong>masia<strong>da</strong>s<br />

direcções.<br />

Estou totalmente<br />

<strong>de</strong> acordo”<br />

Thomas Carrell<br />

Uma ban<strong>da</strong> que começou quando um <strong>de</strong>les, Richard Manber<br />

<strong>de</strong>scobriu o outro, Thomas Carrell, a tocar uma<br />

versão dos Eurythmics num bar <strong>de</strong> Bristol<br />

Como é que dois tipos que <strong>de</strong>cidiram<br />

começar a fazer música juntos quando<br />

um <strong>de</strong>les, Richard Manber, <strong>de</strong>scobriu<br />

o outro, Thomas Carrell, a tocar<br />

uma versão dos Eurythmics (dos Eurythmics,<br />

senhores!) num bar <strong>de</strong> Bristol,<br />

acabam nisto? Nisto, numa ban<strong>da</strong><br />

<strong>chama</strong><strong>da</strong> Munch Munch, que agora<br />

já é quarteto (juntaram-se Sarah Louise<br />

Renwick e Jack O’Connor), que faz<br />

<strong>da</strong> sua música uma feérica colisão <strong>de</strong><br />

órgãos e percussões e que man<strong>da</strong> às<br />

malvas estruturas convencionais <strong>de</strong><br />

canção.<br />

Forcemos uma comparação: os<br />

Munch Munch são como uns Animal<br />

Collective (sonhadores entre betão e<br />

néon citadino) que ouviram muito<br />

Soft Machine (“adoro o Robert Wyatt”,<br />

exclamará <strong>da</strong>qui a pouco Thomas Carrell),<br />

muito Deerhoof, umas pita<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> Four Tet e, portanto, bem acompanhados<br />

que estão, têm um gozo<br />

evi<strong>de</strong>nte em entregar-se à <strong>de</strong>scoberta.<br />

Ca<strong>da</strong> canção é uma <strong>de</strong>scarga hiperactiva<br />

<strong>de</strong> energia, num frenesim escapista<br />

que tem ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> mas<br />

que <strong>nos</strong> surpreen<strong>de</strong> por nunca chegar<br />

ao ponto <strong>de</strong> chega<strong>da</strong> que imaginávamos.<br />

Portanto, como é que chegámos<br />

a isto, Thomas?<br />

Thomas Carrell, até ao ano passado<br />

estu<strong>da</strong>nte <strong>de</strong> música e tecnologia em<br />

Bristol, on<strong>de</strong> a ban<strong>da</strong> se formou (neste<br />

momento, o quarteto vive em Londres),<br />

não tem naturalmente resposta.<br />

Ao telefone <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a capital britânica,<br />

conta-<strong>nos</strong> a história <strong>de</strong> um<br />

percurso. A resposta, essa, está em<br />

“Double Visions”, o álbum <strong>de</strong> estreia<br />

dos Munch Munch.<br />

Synth-pop, 1980<br />

Tudo começou <strong>nos</strong> Eurythmics (<strong>nos</strong><br />

Eurythmics, senhoras!). Thomas Carrell:<br />

“O synth-pop dos a<strong>nos</strong> 1980 é<br />

algo que inspira a minha música. Eurythmics,<br />

Human League, Yazoo, esse<br />

tipo <strong>de</strong> ban<strong>da</strong>s. Interessam-me os<br />

sintetizadores, interessa-me a forma<br />

como funcionava essa música, como<br />

tinha um lado artesanal na composição,<br />

com estruturas muito <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s.”<br />

Este é o início. O que os Munch Munch<br />

fizeram <strong>de</strong>pois é to<strong>da</strong> uma outra<br />

coisa.<br />

Inicialmente, Thomas e Richard<br />

eram artesãos <strong>de</strong> laptop. Esse era o<br />

seu universo, eram esses os concertos<br />

que viam: um tipo em palco com um<br />

computador à frente. Ora isso, perceberam,<br />

representava um problema.<br />

“Só resultava se [o músico] fosse muito<br />

enérgico e carismático e esses eram<br />

uma minoria.” Eles, que não se achavam<br />

particularmente carismáticos,<br />

não queriam correr o risco <strong>de</strong> se aborrecerem<br />

e <strong>de</strong> aborrecer quem os via.<br />

Venham <strong>da</strong>í então os órgãos e sintetizadores,<br />

as baterias, <strong>de</strong>mais percussões<br />

e as vozes atira<strong>da</strong>s ao ar em excitação<br />

caleidoscópica. Venha <strong>da</strong>í<br />

isto que ouvimos agora em “Double<br />

Visions”, que é duplamente um óptimo<br />

título: porque estas canções são<br />

forma<strong>da</strong>s por múltiplas secções cosi<strong>da</strong>s<br />

com especial talento (percebe-se,<br />

nesse sentido e só nesse sentido, que<br />

Thomas Carrell cite os Sparks como<br />

referência), e porque há nelas algo <strong>da</strong><br />

dimensão do sonho (uma bebe<strong>de</strong>ira<br />

sensorial saltitante, esfuziante, acentua<strong>da</strong><br />

pelas letras, compostas em<br />

“brainstorm” colectivo noites fora,<br />

quando a ban<strong>da</strong> se apercebeu, conta<br />

Carrell, que o prazo <strong>de</strong> entrega do<br />

álbum estava próximo e, pormenor<br />

nunca negligenciável, não tinham ain<strong>da</strong><br />

na<strong>da</strong> para cantar).<br />

“Double Visions” po<strong>de</strong> confundir<br />

pela incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> em se <strong>de</strong>ter por<br />

muito tempo no mesmo sítio – não<br />

utilizámos o adjectivo caleidoscópico<br />

gratuitamente -, mas essa é, e não há<br />

aqui paradoxo, a sua maior força.<br />

“Quem critica o disco diz que não se<br />

aguenta como um todo, que corre em<br />

<strong>de</strong>masia<strong>da</strong>s direcções”, aponta Thomas.<br />

Não o faz para, acto contínuo,<br />

se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>da</strong> ignomínia <strong>da</strong> acusação.<br />

Pelo contrário. “Estou totalmente<br />

<strong>de</strong> acordo”, confessa. “Não pensámos<br />

o álbum como um todo. Estávamos<br />

a <strong>de</strong>scobrir as canções, sem saber<br />

para on<strong>de</strong> as queríamos levar. Deixávamo-<strong>nos</strong><br />

ir. Procurávamos.”<br />

No fundo, a música dos Munch<br />

Munch nasce <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> sabotagem,<br />

Os Munch Munch e a arte <strong>da</strong><br />

fervorosamente pratica<strong>da</strong> pelo quarteto.<br />

Sabotaram os seus próprios fascínios:<br />

“os Animal Collective foram a<br />

maior inspiração a início e <strong>de</strong>pois<br />

transformaram-se na <strong>nos</strong>sa Némesis.<br />

Tínhamos que <strong>de</strong>struir aquilo que<br />

ouvíamos <strong>de</strong>les na <strong>nos</strong>sa música para<br />

po<strong>de</strong>rmos ser nós próprios”. Sabotaram<br />

a “estrutura linear” <strong>da</strong>s canções<br />

synth pop que lhes ocupam o iPod,<br />

tendo como referência, surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />

Burt Bacharach: “As minhas<br />

canções favoritas neste momento são<br />

<strong>de</strong>le. Têm uma aparência sóli<strong>da</strong>, com<br />

uma melodia principal muito simples,<br />

mas <strong>de</strong>pois ele monta-as como se se<br />

<strong>de</strong>senrolassem várias cenas ao longo<br />

<strong>da</strong> canção. Interessa-<strong>nos</strong> isso. Criar<br />

diversas variações <strong>de</strong> um tema e arranjar<br />

maneira <strong>de</strong> ‘coser’ tudo na<br />

mesma canção”.<br />

De uma música dos Eurythmics<br />

(dos Eurythmics, senhoras e senhores!)<br />

chegámos então a isto, aos Munch<br />

Munch <strong>de</strong> “Double Visions”. Uma<br />

inventivi<strong>da</strong><strong>de</strong> alucina<strong>da</strong>, música irrequieta<br />

e incapaz <strong>de</strong> concentrar o olhar<br />

num mesmo ponto por um minuto<br />

que seja. A imaginação a alimentar<br />

um intenso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escapismo.<br />

Os Munch Munch que se inspiram<br />

<strong>nos</strong> Animal Collective para se <strong>de</strong>scobrirem<br />

a si próprios, que traduzem a<br />

opulência e graciosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Burt Bacharach<br />

em micro-sinfonias rock (sem<br />

guitarras) <strong>de</strong>liciosamente esquizói<strong>de</strong>s,<br />

são uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira viagem. Uma<br />

<strong>da</strong>nça tão sobressalta<strong>da</strong> quanto eufórica.<br />

Uma óptima <strong>de</strong>scoberta.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 38 e segs.<br />

sabotagem<br />

Por culpa <strong>de</strong> uma música dos Eurythmics, chegámos aos Munch Munch<br />

<strong>de</strong> “Double Visions”. Uma inventivi<strong>da</strong><strong>de</strong> alucina<strong>da</strong>, música irrequieta e incapaz<br />

<strong>de</strong> concentrar o olhar num mesmo ponto por um minuto que seja. A imaginação<br />

a alimentar um intenso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escapismo. Mário Lopes<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 25


Cuca nas<br />

mãos<br />

<strong>de</strong> Gustavo<br />

Esperou<br />

quase quatro a<strong>nos</strong> pela oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gravar com<br />

Gustavo Santaolalla, mas “Cuca Roseta” – o<br />

disco que leva o seu nome – chegou por fim. Estreia-<br />

se no<br />

fado e por lá quer continuar, mas há quem<br />

tenha outros pla<strong>nos</strong>. Gonçalo Frota<br />

Correra a notícia <strong>de</strong> que<br />

Gustavo Santaolalla – autor<br />

<strong>da</strong>s ban<strong>da</strong>s sonoras <strong>de</strong> “Babel”<br />

e “Brokeback Mountain” –<br />

queria gravar o disco <strong>de</strong> estreia<br />

<strong>de</strong> Cuca; mas os adiamentos<br />

sucessivos e a fé inabalável <strong>da</strong><br />

fadista na palavra do argentino<br />

pareciam con<strong>de</strong>ná-la à vi<strong>da</strong><br />

suspensa <strong>da</strong>s mulheres que<br />

perdiam os homens na guerra<br />

“Posso gravar<br />

contigo”, foi avisando<br />

a cantora<br />

a Santaolalla,<br />

“mas quero gravar<br />

fado, o mais<br />

tradicional possível”<br />

Diziam-lhe<br />

muito uma<br />

coisa: que parecia uma<br />

criança a viver ve num mun-<br />

do <strong>de</strong> fantasia, a alimen-<br />

tar inutilmente n esperan-<br />

ças numa hipótese irreal.<br />

Ou que estava a em vão à es-<br />

pera<br />

<strong>de</strong> um príncipe encantado,<br />

<strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a a acabar sozinha,<br />

abandona<strong>da</strong> n e sem<br />

ninguém a querer. e Após a ex-<br />

citação inicial gera<strong>da</strong> pela pro-<br />

posta <strong>de</strong> Gustavo Santaolalla – o<br />

homem dos Bajofondo o Tango<br />

Club e autor <strong>da</strong>s oscariza<strong>da</strong>s ban-<br />

<strong>da</strong>s sonoras <strong>de</strong> “Babel” e “Broke-<br />

back Mountain” –, o entusiasmo à<br />

beira <strong>da</strong> histeria <strong>de</strong>ra<br />

lugar a uma<br />

<strong>de</strong>scrença <strong>de</strong>smaia<strong>da</strong>. Rapi<strong>da</strong>mente<br />

correra a notícia <strong>de</strong> que<br />

Santaolalla<br />

queria gravar o disco <strong>de</strong> estreia <strong>de</strong><br />

Cuca Roseta, mas os adiamentos sucessivos<br />

e a fé inabalável aláv<br />

<strong>da</strong> fadista na<br />

palavra do músico argentino pare-<br />

ciam con<strong>de</strong>ná-la à mesma m vi<strong>da</strong> sus-<br />

pensa <strong>da</strong>s mulheres que<br />

perdiam os<br />

homens na guerra e nunca n recebiam<br />

uma notificação oficial, acor<strong>da</strong>ndo<br />

todos os dias com a esperança e <strong>de</strong> ver<br />

umas botas escalavra<strong>da</strong>ss<br />

a entrar pe-<br />

la porta.<br />

Cuca não <strong>de</strong>sarmou, ficou presa à<br />

palavra <strong>de</strong> Santaolalla e rejeitou to<strong>da</strong>s<br />

as muitas propostas que lhe foram<br />

chegando às mãos, <strong>de</strong> editoras por-<br />

tuguesas, francesas, holan<strong>de</strong>sas. À<br />

sua volta, os entusiastas a iniciais fo-<br />

ram tombando aos poucos, até só<br />

ela permanecer <strong>de</strong> pé. “Não sei se<br />

não <strong>de</strong>vias aceitar esta” foi-se tor-<br />

nando um coro ca<strong>da</strong> vez mais<br />

numeroso e sonoro. o E a ca<strong>da</strong><br />

recusa <strong>de</strong> Cuca,<br />

lá se avolu-<br />

mavam mais mãos a escon-<br />

<strong>de</strong>r a boca comentando que<br />

“Coita<strong>da</strong>, ela<br />

lá ficou a<br />

achar que o Santaolalla ia<br />

gravar com ela e vai ficar<br />

eternamente t a sonhar”.<br />

Foi-se sempre agarrando<br />

à troca <strong>de</strong><br />

emails entre<br />

os dois, em<br />

que ele lhe<br />

explicava<br />

as razões <strong>de</strong><br />

mais um adiamento –<br />

agora uma digressão<br />

com os Bajofondo,<br />

agora o<br />

disco <strong>da</strong><br />

Nelly Furtado, <strong>de</strong>-<br />

pois a ban<strong>da</strong> sonora<br />

do filme “Biutiful”,<br />

em segui<strong>da</strong> o disco<br />

<strong>de</strong> Cristóbal Repetto,<br />

com os negócios <strong>de</strong> vinhos e a<br />

família à mistura. Até que à nona <strong>de</strong>smarcação,<br />

a certeza <strong>de</strong> Cuca, não<br />

caindo, rachou <strong>de</strong> alto a baixo. “On<strong>de</strong><br />

é que havia tempo para ele ter o capricho<br />

<strong>de</strong> vir gravar com uma miudinha<br />

e pagar tudo do bolso <strong>de</strong>le?”,<br />

perguntou-se.<br />

Email, <strong>de</strong> Cuca Roseta para Gustavo<br />

Santaolalla: “Chega, não vou ficar<br />

mais à espera. Ou an<strong>da</strong>mos com isto<br />

para a frente, já estou nisto quase há<br />

quatro a<strong>nos</strong>, ou <strong>de</strong>sisto e vou trabalhar<br />

com outra pessoa ou fazer outra<br />

coisa”. O susto funcionou como uma<br />

mola na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> produtor do argentino.<br />

Pouco <strong>de</strong>pois, entravam finalmente<br />

em estúdio. E Cuca – que<br />

abdicara <strong>de</strong> ser psicóloga a pedido<br />

expresso <strong>de</strong> Santaolalla – respirava<br />

finalmente <strong>de</strong> alívio. Afinal, este príncipe,<br />

encantado por ela, era a sério.<br />

Uma escala<br />

No meio <strong>de</strong> uma agen<strong>da</strong> impossível,<br />

Gustavo Santaolalla conseguiu enfiar<br />

três dias <strong>de</strong> escala, vindo <strong>de</strong> Barcelona<br />

e a caminho <strong>de</strong> Los Angeles, para<br />

gravar a fadista em Lisboa. Depois <strong>de</strong><br />

uma tão longa espera, os três dias ecoaram<br />

em Mário Pacheco – o guitarrista<br />

que apadrinhou Cuca e a acolheu<br />

no seu Clube <strong>de</strong> Fado – como mais<br />

uma loucura <strong>da</strong> sua protegi<strong>da</strong>. Mas<br />

na vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um homem que quase não<br />

dorme e para quem dois meses <strong>de</strong><br />

estúdio soam mais a férias do que a<br />

trabalho, três dias eram suficientes.<br />

“Deu para gravar e ain<strong>da</strong> sobrou tempo”,<br />

ri-se Cuca. “Psicológica e emocionalmente<br />

foi uma violência, porque<br />

eram quatro vezes segui<strong>da</strong>s a<br />

gravar o mesmo fado e sempre como<br />

se fosse a primeira, com a mesma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

Mas é <strong>de</strong>sse repente que vive<br />

“Cuca Roseta”.<br />

Finalmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que numa passagem<br />

por Lisboa Santaolalla fora<br />

atraído para Alfama pelo nome <strong>de</strong><br />

Argentina Santos (se foi a coincidência<br />

do nome <strong>da</strong> fadista com o do seu<br />

país ou apenas a sua fama cantadoira,<br />

não sabemos) e acabou no Clube <strong>de</strong><br />

Fado a <strong>de</strong>slumbrar-se com Cuca, o<br />

namoro artístico entre os dois era finalmente<br />

consumado. E <strong>de</strong> tal forma<br />

que o homem lhe fez já juras <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

eterna, confessando-lhe que<br />

gostava que gravassem juntos para o<br />

resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. “Eu quero o talento <strong>de</strong>le<br />

em todo o meu crescimento”, solta<br />

Cuca, não me<strong>nos</strong> rendi<strong>da</strong>.<br />

A reverência para com a reputação<br />

<strong>de</strong> Santaolalla levou a que muitos <strong>de</strong>ssem<br />

carta-branca ao músico para fazer<br />

do fado aquilo que quisesse, como<br />

se as suas mexi<strong>da</strong>s na canção lisboeta<br />

precisassem <strong>de</strong> uma autorização prévia<br />

<strong>de</strong> uma comissão <strong>de</strong> honra. Mas à<br />

mesa com Cuca, a tenra i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fadista<br />

não fez <strong>de</strong>la palco para experiências<br />

<strong>de</strong>sabri<strong>da</strong>s. “Posso gravar contigo”,<br />

foi avisando a cantora, “mas<br />

quero gravar fado, o mais tradicional<br />

possível”. Gustavo não podia estar<br />

mais <strong>de</strong> acordo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a intocabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> raiz e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a<br />

novi<strong>da</strong><strong>de</strong> estaria sempre presente<br />

pelo facto <strong>de</strong> Cuca ouvir rock e outras<br />

músicas, ter um passado ligado à pop,<br />

vestir-se e ter uma imagem distinta<br />

<strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s fadistas, escrever as<br />

suas letras e ter composto até um original<br />

para o disco. Daí que Santaolalla<br />

tenha mexido no fado com pinças,<br />

respeitoso, percebendo igualmente<br />

a irritação a tomar forma na cara <strong>de</strong><br />

Cuca sempre que alguém sugeria um<br />

bandoneón ou algo do género. “Ele é<br />

sempre assim”, diz ela. “É sempre<br />

pelo puro, pelo cru, pelo simples”.<br />

Se Cuca conseguiu manter o fado<br />

inviolado no seu primeiro disco, <strong>de</strong>pois<br />

veremos se, a manter-se a colaboração<br />

com Santaolalla, terá teimosia<br />

suficiente para resistir à i<strong>de</strong>ia do<br />

músico argentino. “Tu vais cantar todo<br />

o tipo <strong>de</strong> músicas”, diz-lhe ele a<br />

to<strong>da</strong> a hora. “Se calhar nem sequer<br />

vais ficar no fado”, disse-lhe uma vez.<br />

Ela irrita-se e respon<strong>de</strong> que já experimentou<br />

to<strong>da</strong>s as outras, e só o fado<br />

a convoca por inteiro para ca<strong>da</strong> interpretação.<br />

Mas a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que até aos<br />

18 a<strong>nos</strong> nunca tinha havido fado na<br />

sua vi<strong>da</strong>.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 38 e segs


J O R G E G O N Ç A LV E S<br />

Se isto é um<br />

homem<br />

Um homem faliu. Esta é a sua história conta<strong>da</strong> em palco pelos Artistas Unidos.<br />

Oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> para ficarmos a conhecer melhor o teatro <strong>de</strong> David Lescot e a interpretação<br />

notável <strong>de</strong> Rúben Gomes. Até dia 9 no Franco-Português e <strong>de</strong> 28 Abril a 15 <strong>de</strong> Maio<br />

no Teatro Meridional, em Lisboa. Tiago Bartolomeu Costa<br />

À parti<strong>da</strong> aquele homem não tem na<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> especial. E por isso o seu nome<br />

nunca será pronunciado, para que<br />

na<strong>da</strong> o distinga dos outros. Nem a sua<br />

separação <strong>da</strong> mulher é diferente, nem<br />

os discos que ouve, os livros que lê,<br />

nem o relógio em cima do frigorífico,<br />

a cama on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ita, as pare<strong>de</strong>s vazias,<br />

ou as dívi<strong>da</strong>s que tem são diferentes<br />

<strong>de</strong> qualquer outro homem.<br />

Mas este homem <strong>de</strong>sistiu. Ou assim<br />

parece. Desistiu <strong>de</strong> si, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong>s<br />

dívi<strong>da</strong>s, do relógio e <strong>da</strong> cama. E só<br />

não <strong>de</strong>siste dos livros, ou <strong>de</strong> um livro<br />

em particular, porque esse livro, que<br />

lê obsessivamente, lhe permite evadir-se<br />

para um mundo on<strong>de</strong> não é<br />

igual aos outros.<br />

Aquele homem é “um homem falido”,<br />

título <strong>de</strong> um texto escrito em<br />

2004 pelo francês David Lescot (n.<br />

1971) que os Artistas Unidos apresentam<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> dia 29 <strong>de</strong> Março no Instituto<br />

Franco-Português, em Lisboa.<br />

Não é a primeira vez que “Um Homem<br />

Falido” se apresenta em Portugal.<br />

Em 2007, o próprio Lescot trouxe<br />

a sua versão ao D. Maria II, em 2007,<br />

no âmbito <strong>da</strong> Mostra Internacional <strong>de</strong><br />

Teatro.<br />

Mas podia ser uma história igual a<br />

qualquer outra, sobretudo quando<br />

li<strong>da</strong> num contexto on<strong>de</strong> a economia<br />

tomou conta <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as conversas,<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>cisões. Basta pensar <strong>nos</strong><br />

<strong>da</strong>dos recentes que dão conta <strong>de</strong> que<br />

duplicaram os números <strong>de</strong> portugueses<br />

que pediram falência por incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pagamento <strong>da</strong>s suas dívi<strong>da</strong>s.<br />

Mas o que isso representa <strong>de</strong> falência<br />

<strong>da</strong> própria capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manter<br />

um certo individualismo e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

é o que mais interessa a Lescot, que<br />

não escreveu a peça agora, mas numa<br />

altura em que, em França, tinham<br />

sido aprova<strong>da</strong>s leis <strong>de</strong> controlo e resgate<br />

<strong>de</strong> dívi<strong>da</strong>s e on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

compra <strong>da</strong>s pessoas começava a ser<br />

um problema, “mesmo que, na explosão<br />

<strong>da</strong> bolha económica, a França<br />

não tenha sido um dos países mais<br />

afectados”, recor<strong>da</strong>.<br />

“Na altura interessou-me a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

que alguém pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>clarar falência,<br />

tal como uma empresa, num plano<br />

filosófico”, diz-<strong>nos</strong> ao telefone.<br />

Este homem <strong>de</strong>sistirá, aparentemente.<br />

De si, <strong>da</strong>s suas coisas, do seu futuro,<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. “Há aqui um lado <strong>de</strong><br />

parábola sem moral [porque] nunca<br />

sabemos se esse homem aceita, conscientemente,<br />

a auto-exclusão social,<br />

ou se está a jogar, ele mesmo, um jogo”,<br />

acrescenta. Este jogo <strong>de</strong>ve-se ao<br />

modo como este homem <strong>nos</strong> conta,<br />

ou <strong>nos</strong> lê, ou faz as vezes <strong>de</strong> Mr.<br />

Shrink, uma personagem <strong>de</strong> ficção<br />

que vai, aos poucos, ocupando todo<br />

o espaço e to<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Melville, Kafka<br />

É aqui que entram as possíveis balizas<br />

referenciais <strong>de</strong>ste texto, entre “Bartleby,<br />

o escrivão”, <strong>de</strong> Herman Melville,<br />

e “A Metamorfose”, <strong>de</strong> Kafka. Lescot<br />

reconhece os ecos <strong>de</strong>ste textos e<br />

diz, inclusivamente, que “romances<br />

como os <strong>de</strong> Kafka são textos que nunca<br />

<strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> reler. E <strong>de</strong> reescrever.<br />

O Homem<br />

aqui é Rúben<br />

Gomes,<br />

uma surpresa<br />

que carrega<br />

a peça<br />

sem esforço<br />

aparente<br />

Há uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> verificação que <strong>nos</strong><br />

persegue e <strong>nos</strong> leva a permanentemente<br />

reescrever, a reeinscrever esses<br />

textos”.<br />

António Simão, que encenou, também<br />

reconhece estas referências e diz<br />

que o texto “tem uma forte i<strong>de</strong>ntifi-<br />

“Há aqui um lado<br />

<strong>de</strong> parábola sem<br />

moral [porque]<br />

nunca sabemos se<br />

esse homem aceita,<br />

conscientemente,<br />

a auto-exclusão<br />

social, ou se está<br />

a jogar, ele mesmo,<br />

um jogo”<br />

David Lescot<br />

cação com o processo teatral”. Explica:<br />

“Ela não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se apresentar<br />

como uma peça, on<strong>de</strong> aparecem excertos<br />

que alteram a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. O<br />

autor, confia-<strong>nos</strong> o encenador, aproveita<br />

esse mecanismo para explorar<br />

o próprio texto, no modo como corta<br />

as cenas, lhes mu<strong>da</strong> o tempo, alterando<br />

a sua lineari<strong>da</strong><strong>de</strong>, e a sua caracterização<br />

precisa.<br />

David Lescot acrescenta: “Não me<br />

apetecia entrar em reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s financeiras<br />

concretas nem ser preciso<br />

quanto a contextos. Aqui, mergulhamos<br />

– somos mergulhados – num<br />

território mais onírico, me<strong>nos</strong> natural”.<br />

E é por isso que nenhumas<br />

<strong>da</strong>s personagens é i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> pelo<br />

nome. A ausência <strong>de</strong> nomes ou <strong>de</strong><br />

mais <strong>da</strong>dos biográficos encontra<br />

justificação na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> “não tornar<br />

caricaturais as personagens”,<br />

explica.<br />

Ao contrário do encenador, o autor<br />

não pensa no público, diz-<strong>nos</strong> Lescot.<br />

“Não é o seu trabalho, a meu ver, fechar<br />

as interpretações”. E conta que,<br />

<strong>da</strong>s diversas encenações que a peça<br />

já teve, foram várias as leituras para<br />

a interpretação <strong>de</strong>ste homem. “O sentido<br />

mu<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> encenação. Na<br />

Alemanha a encenação optou por fazer<br />

o protagonista, <strong>de</strong> quase 60 a<strong>nos</strong>,<br />

suici<strong>da</strong>r-se e isso não está, necessariamente,<br />

inscrito no texto”, conta.<br />

António Simão explica que “no texto<br />

não há indicações precisas quanto à<br />

vi<strong>da</strong> do protagonista, mas sabemos<br />

que já tem alguma experiência”. Na<br />

opção portuguesa, a par <strong>da</strong>s encenações<br />

inglesas e escocesas, o intérprete<br />

é novo.<br />

O Homem aqui é Rúben Gomes,<br />

uma surpresa que carrega a peça<br />

sem esforço aparente, mantendo-se<br />

na fronteira entre o ouro <strong>de</strong>lírio-re<strong>de</strong>ntor<br />

que é o universo <strong>de</strong> Mr.<br />

Shrink, e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que, todos os<br />

dias, lhe é trazi<strong>da</strong> pelas memorias <strong>da</strong><br />

mulher que o <strong>de</strong>ixou e do cobrador<br />

que, estranhamente, é o seu único<br />

amigo. Uma interpretação meticulosa<br />

que surpreen<strong>de</strong>u o encenador:<br />

“Foi um trabalho feito pouco a pouco<br />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta do próprio actor”.<br />

O encenador diz que é evi<strong>de</strong>nte<br />

no texto essa margem <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta,<br />

e fala <strong>de</strong> um entrar e sair<br />

permanente, à maneira Brechtiana,<br />

permitindo “um jogo <strong>de</strong> actor que<br />

enriquece o texto”. “A coerência é<br />

algo que o actor foi <strong>de</strong>scobrindo, não<br />

é algo que a encenação possa <strong>da</strong>r”,<br />

acrescenta, realçando-se assim a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Rúben Gomes em <strong>nos</strong><br />

guiar por entre as duas narrativas<br />

complementares e, por vezes, antagónicas.<br />

Esta i<strong>de</strong>ia respon<strong>de</strong>, assim,<br />

à própria filosofia do teatro <strong>de</strong> Lescot<br />

(editado em português na colecção<br />

Livrinhos <strong>de</strong> teatro, <strong>da</strong> Cotovia/Artistas<br />

Unidos): “não gosto do teatro<br />

que fecha as i<strong>de</strong>ias, que as limitas. A<br />

obra <strong>de</strong>ve ser aberta.”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 27


RUI GAUDÊNCIO<br />

São pedras vulgares, <strong>de</strong> rua, apresenta<strong>da</strong>s<br />

em pe<strong>de</strong>stais pretos, cobertos<br />

a veludo. O turco Ahmet Ögüt apanhou-as<br />

em Estocolmo, Copenhaga,<br />

Amsterdão, Lisboa, pintou-lhes <strong>de</strong>senhos<br />

como os que os pilotos militares<br />

pintam <strong>nos</strong> aviões e nas bombas que<br />

lançam – <strong>de</strong>senhos infantis, bonecos<br />

<strong>de</strong> BD, animais <strong>de</strong> ar inocente – e colocou-as<br />

em <strong>de</strong>z pe<strong>de</strong>stais expostos<br />

(a partir <strong>de</strong> hoje e até 14 <strong>de</strong> Maio) na<br />

Kunsthalle Lissabon, em Lisboa.<br />

Mas só quem visitar a exposição<br />

logo no início conseguirá ver as <strong>de</strong>z<br />

pedras inspira<strong>da</strong>s na “<strong>nos</strong>e art” dos<br />

pilotos militares. Gradualmente, elas<br />

vão começar a <strong>de</strong>saparecer, uma após<br />

a outra. Ögüt vai enviá-las para um<br />

amigo em Diyarbakir, Turquia, a sua<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> natal. Aí, o amigo <strong>de</strong>ixá-las-á<br />

nas ruas, ao acaso.<br />

Ögüt – que vive na Holan<strong>da</strong>, e em<br />

2009 co-representou a Turquia, na<br />

Bienal <strong>de</strong> Veneza – gosta <strong>de</strong> trabalhar<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a leitura que fazemos<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do contexto.<br />

“Gosto <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> arte<br />

transforma<strong>da</strong> numa coisa que não<br />

controlo totalmente”, diz. “Quando<br />

<strong>de</strong>ixo as pedras na rua não sei o que<br />

lhes vai acontecer. Mas isso também<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> minha <strong>de</strong>cisão.”<br />

As pedras (e a <strong>de</strong>cisão sobre o que<br />

fazer com elas) po<strong>de</strong>m ir parar às<br />

mãos dos rapazes que inspiraram este<br />

trabalho, intitulado Stones to<br />

throw, que estreia em Lisboa e é o<br />

primeiro em que Ögüt li<strong>da</strong> directamente<br />

com a sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> natal, algo<br />

que “há muito tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer”.<br />

No meio dos pe<strong>de</strong>stais <strong>da</strong> Kunstalle,<br />

explica: “Queria <strong>chama</strong>r a atenção<br />

para o que se passa em Diyarbakir,<br />

em que muitos miúdos com<br />

me<strong>nos</strong> <strong>de</strong> 18 a<strong>nos</strong> têm sido presos por<br />

atirarem pedras. Não há uma lei que<br />

diga como se <strong>de</strong>ve tratar os menores<br />

nestes casos. Atirar pedras é tratado<br />

como outra activi<strong>da</strong><strong>de</strong> ilegal e a i<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>les não é ti<strong>da</strong> em conta. É como se<br />

eles estivessem a usar as pedras como<br />

armas muito po<strong>de</strong>rosas.”<br />

O que quis fazer foi usar os <strong>de</strong>senhos<br />

absur<strong>da</strong>mente infantis que os<br />

sol<strong>da</strong>dos pintam <strong>nos</strong> aviões e nas<br />

bombas e colocá-los em “armas sem<br />

po<strong>de</strong>r”. As pedras não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>struir<br />

os tanques. “Eles atiram-nas não<br />

para <strong>de</strong>struir alguma coisa mas como<br />

prova <strong>de</strong> que existem, e resistem.”<br />

Se um <strong>de</strong>sses rapazes encontrar<br />

uma <strong>da</strong>s pedras envia<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Lisboa<br />

po<strong>de</strong> escolher atirá-la (e o que pensará<br />

<strong>de</strong>la o sol<strong>da</strong>do do outro lado?), ou<br />

guardá-la. Só que – e é aqui que a mu<strong>da</strong>nça<br />

<strong>de</strong> contexto mu<strong>da</strong> tudo – não<br />

olhará para ela como uma obra <strong>de</strong><br />

arte, como farão as pessoas que visitarem<br />

a Kunsthalle Lissabon. “Aqui,<br />

em Lisboa, a pedra vai parecer valiosa<br />

[é, aliás, por isso que está sobre<br />

veludo], mas se tiveres a sorte <strong>de</strong> a<br />

encontrar em Diyarbakir, po<strong>de</strong>s pô-la<br />

no bolso e passa a ser tua.”<br />

Vigilância <strong>de</strong> 23 horas por dia<br />

O que vale por uma razão em Lisboa<br />

vale por outra em Diyarbakir – o contexto<br />

altera a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e esta é uma <strong>da</strong>s<br />

questões na obra <strong>de</strong> Ögüt. Outra <strong>da</strong>s<br />

peças que o artista traz a Lisboa brinca<br />

“Gosto <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> arte<br />

transforma<strong>da</strong> numa<br />

coisa que não<br />

controlo totalmente.<br />

Quando <strong>de</strong>ixo as<br />

pedras na rua não sei<br />

o que lhes vai<br />

acontecer. Mas isso<br />

também não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> minha <strong>de</strong>cisão”<br />

As <strong>de</strong>z pedras têm <strong>de</strong>senhos<br />

infantis inspirados naqueles<br />

que os pilotos militares fazem<br />

<strong>nos</strong> seus aviões e bombas<br />

também com as diferentes percepções<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Somebody else’s car”<br />

(<strong>de</strong> 2005) é uma série <strong>de</strong> sli<strong>de</strong>s que<br />

mostram Ögüt a transformar dois carros<br />

escolhidos ao acaso num parque <strong>de</strong><br />

estacionamento. Usando papel e outros<br />

materiais, em cerca <strong>de</strong> 15 minutos <strong>de</strong>ixa<br />

os dois carros transformados num<br />

táxi e num veículo <strong>da</strong> polícia.<br />

“São intervenções públicas, nas<br />

quais não espero para saber o que<br />

acontece <strong>de</strong>pois. Interessa-me esta<br />

acção temporária [não ficam marcas<br />

<strong>de</strong>finitivas <strong>nos</strong> carros], que cria uma<br />

ilusão temporária. Imagino que quando<br />

as pessoas vêem o carro não o reconhecem,<br />

hesitam, ficam aliena<strong>da</strong>s<br />

do seu próprio objecto privado”. Como<br />

intervenção é algo que <strong>de</strong>saparece<br />

rapi<strong>da</strong>mente (tal como as pedras<br />

<strong>da</strong> Kunsthalle), mas Ögüt espera que<br />

a experiência <strong>de</strong>ixe questões na cabeça<br />

<strong>da</strong>s pessoas. “Há uma espécie<br />

<strong>de</strong> diálogo que permanece mesmo<br />

<strong>de</strong>pois do trabalho <strong>de</strong>saparecer”.<br />

A mesma experiência <strong>de</strong> introduzir<br />

um elemento <strong>de</strong> estranheza na reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

acontece na peça (também exposta<br />

em Lisboa, mas só para quem<br />

estiver muito atento) “This area is un<strong>de</strong>r<br />

23 hour vi<strong>de</strong>o and audio surveillance”<br />

(2009). Um cartaz, exactamente<br />

igual aos oficiais, é colocado<br />

em locais públicos avisando que a<br />

área está sob vigilância - 23 horas por<br />

dia. “Houve pessoas que quando o<br />

viram acharam que havia uma falha<br />

<strong>de</strong> segurança, que alguém se tinha<br />

enganado.” Ou então as pessoas po<strong>de</strong>m<br />

simplesmente ficar a pensar qual<br />

será a única hora do dia em que o local<br />

está sem vigilância.<br />

Questionar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que tomamos<br />

como “a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira” – é esse um<br />

dos objectivos <strong>de</strong> Ögüt. “Se vives numa<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> geografia, isso cria<br />

uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> à tua volta e começas<br />

a pensar ‘isto é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>’, mas é<br />

apenas a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em que tu vives.<br />

E há reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que coexistem em diferentes<br />

lugares. O que é normal? O<br />

que é real?”. E porque é que há coisas<br />

que, apesar <strong>de</strong> existirem, não vemos?<br />

Por exemplo, os rapazes que atiram<br />

pedras em Diyarbakir. Às vezes é preciso<br />

criar peque<strong>nos</strong> <strong>de</strong>svios na reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

– como transformar um carro<br />

ou introduzir uma subtil alteração<br />

num aviso <strong>de</strong> vigilância – para levar<br />

as pessoas a ver o que não viam.<br />

É por isso que o título <strong>de</strong>ste texto<br />

não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro. Estas pedras só vão<br />

<strong>de</strong>saparecer se virmos a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />

partir <strong>de</strong> Lisboa.<br />

Se a virmos a partir <strong>de</strong> Diyarbakir,<br />

elas vão aparecer.<br />

Estas pedras<br />

vão <strong>de</strong>saparecer<br />

O artista turco Ahmet Ögüt apresenta na Kunsthalle Lissabon uma exposição que vai<br />

<strong>de</strong>saparecendo ao longo do tempo – usa pedras <strong>da</strong> rua pinta<strong>da</strong>s com os <strong>de</strong>senhos que os<br />

pilotos <strong>de</strong> guerra usam <strong>nos</strong> seus aviões, e envia-as, a pouco e pouco, para a sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> natal<br />

<strong>de</strong> Diyarbakir. O que acontecerá com elas <strong>de</strong>pois já não é com ele. O que em Lisboa é arte, em<br />

Diyarbakir será uma arma simbólica. Alexandra Prado Coelho<br />

28 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


MIGUEL SILVA/ARQUIVO<br />

Lídia Jorge<br />

revisita o Portugal dos a<strong>nos</strong> 80; “A Noite <strong>da</strong>s<br />

Mulheres Cantoras” <strong>de</strong>ve, por isso, ser lido<br />

ao som <strong>da</strong>s Doce. Pág. 30 e segs.<br />

O Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís<br />

<strong>de</strong>stina-se a distinguir, anualmente, um romance inédito <strong>de</strong> autor<br />

português, premiando-o com um prémio <strong>de</strong> 25 mil euros<br />

e a edição do romance. O prazo <strong>de</strong> recepção<br />

dos originais termina no próximo dia 14 <strong>de</strong> Maio.<br />

Mais informações: www.casino-estoril.com | www.casino-lisboa.com<br />

Contactos: Tel: 21 466 78 20 | 21 466 78 98 | 21 466 77 91<br />

Fax: 21 466 79 90 | e-mail: gabimprensa.casinoestoril@estoril-sol.com<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 29


Livros<br />

MIGUEL SILVA/ ARQUIVO<br />

Lídia Jorge:<br />

um romance<br />

contemporâneo<br />

sobre<br />

a construção<br />

do êxito<br />

Ficção<br />

A ban<strong>da</strong><br />

Como era Portugal antes <strong>da</strong><br />

Europa? Seria mesmo Bembom?<br />

A caverna <strong>de</strong> Ali Bábá?<br />

Cinco mulheres à procura <strong>de</strong><br />

um país. Eduardo Pitta<br />

A Noite <strong>da</strong>s Mulheres Cantoras<br />

Lídia Jorge<br />

Dom Quixote<br />

mmmmn<br />

O sucesso <strong>de</strong> Lídia<br />

Jorge (n. 1946)<br />

<strong>de</strong>ve-se à lufa<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> ar fresco que<br />

representou a<br />

publicação <strong>de</strong><br />

livros como “O<br />

Dia dos Prodígios”<br />

(1980), primeiro<br />

<strong>de</strong> uma obra hoje<br />

canónica, e “A Costa dos<br />

Murmúrios” (1988),<br />

simultaneamente ponto <strong>de</strong> chega<strong>da</strong><br />

e “<strong>de</strong>slaçamento” <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong><br />

ficcionalizar a História com as<br />

Festival<br />

O cubano Leonardo<br />

Padura, o chileno Luís<br />

Sepúlve<strong>da</strong>, o brasileiro<br />

Marcelo Ferroni (Brasil),<br />

o uruguaio Mario Delgado<br />

Aparaín (Uruguai) e o<br />

marroquino Mohammed<br />

Berra<strong>da</strong> são alguns dos<br />

escritores estrangeiros<br />

que estarão na 6ª edição<br />

do LEV - Literatura em<br />

Viagem. Este festival <strong>de</strong><br />

literatura que se realiza<br />

ferramentas do realismo fantástico<br />

(<strong>de</strong>senganem-se os que o reduzem à<br />

evasão do real). Lídia, que terá lido<br />

Carpentier com ele <strong>de</strong>ve ser lido,<br />

assimilou bem a lição do caribenho.<br />

E, assim que pô<strong>de</strong>, criou uma língua<br />

nova.<br />

Diria que o ponto <strong>de</strong> viragem se<br />

<strong>de</strong>u com “O Vento Assobiando nas<br />

Gruas” (2002), mas é convicção<br />

priva<strong>da</strong>, sem propósito doutrinal,<br />

apenas corrobora<strong>da</strong> com o que<br />

chegou <strong>de</strong>pois.<br />

“A Noite <strong>da</strong>s Mulheres Cantoras”<br />

<strong>de</strong>ve ser lido ao som <strong>da</strong>s Doce, a<br />

“girl band” (1980-84) que<br />

revolucionou a pop portuguesa no<br />

tempo pré-europeu que acicatou as<br />

cicatrizes <strong>da</strong> borrasca imperial: “A<br />

certa altura [...] apenas possuíamos<br />

umas malas que abríamos à noite e<br />

fechávamos <strong>de</strong> manhã, à medi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

um corredor <strong>de</strong> hotel on<strong>de</strong> ficámos<br />

alojados durante seis meses. [...] Era<br />

o que <strong>nos</strong> restava <strong>de</strong> um tremendo<br />

erro <strong>de</strong> cálculo, um apego<br />

extemporâneo do meu pai a uma<br />

fábrica <strong>de</strong> chá <strong>nos</strong> campos do<br />

Gurué.” Solange <strong>de</strong> Matos não<br />

esquece.<br />

Lídia compõe os retratos<br />

minuciosos <strong>de</strong>ssas cinco raparigas<br />

“com histórias e naturali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

distintas, atraí<strong>da</strong>s em simultâneo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> várias partes <strong>de</strong> África pelo<br />

som <strong>de</strong> um piano.” A narradora é<br />

Solange <strong>de</strong> Matos: usa quatro<br />

heterónimos e faz o “patchwork” <strong>da</strong><br />

intriga. Ma<strong>da</strong>lena Micaia, a voz do<br />

grupo, sobrevivendo em África<br />

ro<strong>de</strong>a<strong>da</strong> <strong>de</strong> “si<strong>da</strong> e peste”. As irmãs<br />

Alci<strong>de</strong>s, Maria Luísa e Nani, duas<br />

raparigas bem nasci<strong>da</strong>s com quem<br />

Solange mantinha uma “ligação<br />

subterrânea” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os bancos do<br />

Anfiteatro Um <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova<br />

<strong>de</strong> Lisboa. Têm voz <strong>de</strong> soprano,<br />

simétrica à violência dos insultos<br />

(“Vão cantar para o Huambo.”) e<br />

pichagens que provocam. Querem<br />

que Solange lhes escreva “lyrics”,<br />

sublinham “lyrics” em inglês,<br />

embora Nani, a mais nova, também<br />

queira “gerar um movimento, um<br />

grito, uma interrupção qualquer.” E<br />

<strong>de</strong>pois Gisela Batista, a “maga” prépunk<br />

que <strong>de</strong>sconstrói a socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

burguesa sem prescindir <strong>da</strong><br />

segurança material <strong>da</strong>s classes<br />

possi<strong>de</strong>ntes. Cinco mulheres à<br />

procura <strong>de</strong> um país.<br />

Lídia segura o “plot” sem per<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> vista a História. Ficou dito, ou<br />

pelo me<strong>nos</strong> intuído, que a<br />

<strong>de</strong>scolonização uniu o grupo.<br />

Solange é filha <strong>de</strong> um regente<br />

agrícola nas terras do chá, guar<strong>da</strong><br />

recor<strong>da</strong>ção dos picos azuis do<br />

Namuli, em pleno Gurué<br />

(Moçambique), em especial <strong>da</strong>quele<br />

dia profético em que o “aluno<br />

dilecto” do pai lhes mostrou o<br />

panfleto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntista: “Expulsálos-emos<br />

até à sua última pega<strong>da</strong>.”<br />

Dali ao retorno foi um passo, pela<br />

rota <strong>de</strong> Joanesburgo, após a parti<strong>da</strong><br />

dos contingentes. Tinham à sua<br />

espera o Sobradinho.<br />

Romance contemporâneo sobre a<br />

construção do êxito, po<strong>de</strong>-se dizer,<br />

sem risco <strong>de</strong> controvérsia, que “A<br />

Noite <strong>da</strong>s Mulheres Cantoras”<br />

revisita o Portugal dos “eighties”.<br />

Tudo aí vai <strong>da</strong>r, mesmo o Mahler que<br />

“incen<strong>de</strong>ia” certa casa <strong>da</strong> Praça <strong>da</strong>s<br />

Flores, entalado entre Grieg e um<br />

sucesso <strong>da</strong> ban<strong>da</strong>: “Ah! Afortuna<strong>da</strong>,<br />

afortuna<strong>da</strong> / Por isso esta canção /<br />

Te dá tudo / E não quer na<strong>da</strong>…”<br />

Muito interessante o modo como<br />

Lídia ilustra o <strong>de</strong>spertar <strong>da</strong><br />

“libertinagem” pequeno-burguesa,<br />

estoca<strong>da</strong> final nas convenções:<br />

“Todos nus à piscina! [...] O slip do<br />

José Alexandre era escuro, mas o do<br />

Lucena era claro, e quando saltava e<br />

se movia era como se estivesse nu...”<br />

Com o estar<strong>da</strong>lhaço próprio <strong>de</strong><br />

iniciados, as pessoas comuns<br />

tomavam prerrogativas dos “eleitos”<br />

(alta socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, artistas). Chegando<br />

na hora certa, aquela ban<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

mulheres talentosas, altas e bonitas<br />

trouxe o ímpeto do futuro.<br />

Mais-valia: Lídia escreve com<br />

lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> (vantagem <strong>de</strong> quem tem<br />

voz própria), sugestionando o leitor<br />

com <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>s incursões no universo<br />

psicológico <strong>da</strong>s suas personagens.<br />

Não se po<strong>de</strong> dizer o mesmo <strong>de</strong><br />

muitos.<br />

Filofinklerismo<br />

primário<br />

“A Questão Finkler”<br />

vai reduzindo to<strong>da</strong>s as<br />

personagens à dimensão<br />

<strong>de</strong> estereótipos, realçando<br />

apenas as características<br />

mais protuberantes <strong>de</strong> um<br />

arquétipo “Ju<strong>de</strong>u”.<br />

Rogério Casanova<br />

A Questão Finkler<br />

Howard Jacobson<br />

(tradução <strong>de</strong> Alcin<strong>da</strong> Marinho)<br />

Porto Editora<br />

mmmnn<br />

<strong>de</strong> 16 a 19 <strong>de</strong> Abril na<br />

Biblioteca Municipal<br />

Florbela Espanca, em<br />

Matosinhos, terá ain<strong>da</strong><br />

a participação <strong>de</strong> CS<br />

Richardson (Canadá),<br />

Carmen Yanez (Chile),<br />

Eduardo Sacheri<br />

(Argentina), Hubert<br />

Had<strong>da</strong>d (Tunísia),<br />

Karla Suarez (Cuba),<br />

Laurent Binet (França),<br />

Ondjaki (Angola), Reif<br />

Num episódio<br />

clássico <strong>da</strong> série<br />

com o mesmo<br />

nome, Seinfeld<br />

suspeita que um<br />

<strong>de</strong>ntista seu<br />

conhecido se<br />

converteu ao<br />

ju<strong>da</strong>ísmo apenas<br />

para po<strong>de</strong>r ace<strong>de</strong>r<br />

com legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> ao humor ju<strong>da</strong>ico.<br />

Ao confessar (ou “confessar”) a sua<br />

indignação a um padre católico, este<br />

pergunta-lhe: “E isso ofen<strong>de</strong>-o como<br />

ju<strong>de</strong>u?”. “Não, ofen<strong>de</strong>-me como<br />

comediante”.<br />

A sequência po<strong>de</strong>ria servir <strong>de</strong><br />

Larsen (EUA) e Richard<br />

Zimmler (EUA). Já estão<br />

também confirmados<br />

os portugueses Gonçalo<br />

M. Tavares, José Luís<br />

Peixoto, valter hugo mãe,<br />

Teolin<strong>da</strong> Gersão, Afonso<br />

Cruz, Ricardo Adolfo, José<br />

Rentes <strong>de</strong> Carvalho, João<br />

Tordo, Joel Neto, Miguel<br />

Miran<strong>da</strong>, Rui Zink, Rosa<br />

Alice Branco, entre outros.<br />

Howard Jacobson: não tanto<br />

escrever um romance como<br />

golpear um reportório <strong>de</strong><br />

elementos literários até estes<br />

saberem a algo<br />

epígrafe ao mais recente romance <strong>de</strong><br />

Howard Jacobson (Man Booker Prize<br />

2010), que explora ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

semelhantes sobre os emblemas<br />

apropriáveis <strong>de</strong> uma cultura<br />

estranha. O protagonista <strong>de</strong> “A<br />

Questão Finkler”, Julian Treslove, é<br />

um gentio que procura converter-se<br />

ao ju<strong>da</strong>ísmo não só pelas pia<strong>da</strong>s,<br />

mas pela Tragédia.<br />

Tecnicamente, aliás, Treslove não<br />

preten<strong>de</strong> converter-se a uma religião,<br />

mas a uma cultura; o que ele quer<br />

não é tornar-se ju<strong>de</strong>u (no sentido <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser protestante), mas sim<br />

ter sido sempre ju<strong>de</strong>u (no sentido <strong>de</strong><br />

nunca ter sido apenas Treslove). A<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> preencher o vazio<br />

com as cores berrantes <strong>de</strong> uma<br />

cultura assimila<strong>da</strong> é explica<strong>da</strong> <strong>nos</strong><br />

primeiros capítulos do romance<br />

como um sintoma <strong>de</strong> vácuo<br />

i<strong>de</strong>ntitário.<br />

Treslove é uma tabula rasa, uma<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> informe,<br />

<strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente à procura <strong>de</strong> um<br />

mol<strong>de</strong>. Na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>, acumulara<br />

ca<strong>de</strong>iras tão diversas que ao<br />

terminar o curso acha-se “<strong>de</strong>tentor<br />

<strong>de</strong> um diploma tão vago que a única<br />

coisa que podia fazer era aceitar um<br />

estágio para licenciados na BBC”.<br />

Conta no seu currículo emocional<br />

com dois casamentos e dois filhos<br />

- Alfredo e Rodolfo - que mal<br />

consegue distinguir. Depois <strong>de</strong> meia<br />

dúzia <strong>de</strong> ensaios vocacionais<br />

inconclusivos, ganha agora a vi<strong>da</strong><br />

como sósia <strong>de</strong> celebri<strong>da</strong><strong>de</strong>s: não por<br />

se parecer especificamente com<br />

uma, mas por se parecer<br />

genericamente com várias.<br />

O seu filosemitismo remonta aos<br />

tempos <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>nte e ao seu<br />

primeiro amigo ju<strong>de</strong>u, Sam Finkler,<br />

hoje um filósofo popular, autor <strong>de</strong><br />

livros como “O Existencialista na<br />

Cozinha” e “O Guia Resumido do<br />

Estoicismo Doméstico”. Finkler<br />

substitui-se na mente <strong>de</strong> Treslove à<br />

i<strong>de</strong>ia pré-<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> <strong>de</strong> um ju<strong>de</strong>u:<br />

“Se todos os ju<strong>de</strong>us eram assim,<br />

pensou Treslove, então Finkler (…)<br />

era uma <strong>de</strong>signação melhor para<br />

eles que ‘ju<strong>de</strong>u’. Assim, isto era o<br />

que lhes <strong>chama</strong>va em privado -<br />

finklers. (…) No próprio instante em<br />

que se falasse <strong>da</strong> Questão<br />

Finkleraica, digamos, ou <strong>da</strong><br />

Conspiração dos Finklereus,<br />

30 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Norberto Puentes, que repartiu a vi<strong>da</strong><br />

entre a literatura e o regime, foi <strong>de</strong> qualquer<br />

modo um observador privilegiado <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l<br />

sugavam-se as toxinas ao assunto”.<br />

Treslove, como é evi<strong>de</strong>nte,<br />

essencializou o seu fascínio por<br />

Finkler, transformando-o num<br />

estereótipo alternativo - e imune à<br />

volatili<strong>da</strong><strong>de</strong> do próprio Finkler, que<br />

o romance também submete à sua<br />

<strong>de</strong>rrapagem i<strong>de</strong>ntitária. O que<br />

Jacobson parece sugerir é que, tal<br />

como o antisemitismo, o<br />

filosemitismo é um preconceito: um<br />

atavismo proveniente <strong>da</strong>s mesmas<br />

bases frívolas e irracionais.<br />

O filofinklerismo <strong>de</strong> Treslove<br />

ganha <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> dramática através<br />

<strong>de</strong> dois inci<strong>de</strong>ntes, que servem <strong>de</strong><br />

catalizadores para a segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong><br />

do livro. O primeiro é a morte <strong>da</strong>s<br />

respectivas esposas <strong>de</strong> Finkler e<br />

Libor Sevcik (o terceiro membro do<br />

círculo <strong>de</strong> amigos). Treslove, que<br />

sempre sentira uma atracção<br />

mórbi<strong>da</strong> por mulheres con<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s,<br />

com a aura <strong>da</strong> “doença terminal”,<br />

fica obcecado pela mágoa alheia:<br />

“Como se continua a viver sabendo<br />

que nunca - mas nunca, nunca<br />

mesmo - vamos voltar a ver a pessoa<br />

que amamos? Como se sobrevive<br />

uma só hora, um só minuto, um só<br />

segundo a esse conhecimento?<br />

Como <strong>nos</strong> mantemos inteiros?” O<br />

segundo inci<strong>de</strong>nte ocorre <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

um jantar <strong>de</strong> luto: Treslove é vítima<br />

<strong>de</strong> um assalto, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lhe<br />

esvaziar os bolsos, a assantante<br />

balbucia uma frase indistinta que,<br />

após alguns dias <strong>de</strong> recapitulação<br />

ten<strong>de</strong>nciosa, é interpreta<strong>da</strong> como<br />

um insulto antisemita: “Seu ju<strong>de</strong>u!”.<br />

Confrontado com um ataque<br />

inexistente a uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

inexistente, Treslove <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, para<br />

todos os efeitos, tornar-se alguém<br />

que merecesse aquela ofensa, e<br />

começa um burlesco processo <strong>de</strong><br />

conversão, encarnando um<br />

ju<strong>da</strong>ísmo <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> conteúdo<br />

genético ou espiritual, um mero<br />

compêndio <strong>de</strong> memes culturais, <strong>de</strong><br />

Maimoni<strong>de</strong>s a Woody Allen.<br />

Refém <strong>da</strong>s percepções do seu<br />

protagonista, “A Questão Finkler”<br />

vai reduzindo to<strong>da</strong>s as personagens<br />

à dimensão <strong>de</strong> estereótipos,<br />

realçando apenas as características<br />

mais protuberantes <strong>de</strong> um arquétipo<br />

“Ju<strong>de</strong>u”; uma a uma, to<strong>da</strong>s tombam<br />

em sub-categorias familiares. Po<strong>de</strong><br />

ser um método para testar um dos<br />

argumentos <strong>de</strong> Jacobson - a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong><br />

bagagem hereditária, qualquer<br />

pessoa que queira <strong>de</strong>finir uma<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> à força se arrisca a <strong>de</strong>finila<br />

pelo atalho mais visível, que é<br />

enclausurar-se numa tipologia. Mas,<br />

do ponto <strong>de</strong> vista técnico, isto é uma<br />

forma <strong>de</strong> batota: uma licença<br />

constante para o recurso ao<br />

estereótipo. Ao transformar to<strong>da</strong> a<br />

gente em caricaturas por motivos<br />

estruturais, o autor exibe um alibi<br />

perante o leitor que o acusa <strong>de</strong><br />

transformar to<strong>da</strong> a gente em<br />

caricaturas por falta <strong>de</strong> talento.<br />

O problema agrava-se no último<br />

terço do livro, quando o elenco é<br />

arregimentado para travar batalhas<br />

culturais transplanta<strong>da</strong>s do mundo<br />

real. Finkler junta-se a um grupo <strong>de</strong><br />

“Ju<strong>de</strong>us enVERgonhados”, semicelebri<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s a protestos<br />

anti-sionistas. Apesar <strong>de</strong> alguma<br />

sátira pertinente e bem executa<strong>da</strong>,<br />

essas secções resvalam para a farsa à<br />

clef - caricaturando a golpes <strong>de</strong><br />

trincha que parecem reciclados <strong>de</strong><br />

artigos <strong>de</strong> opinião algumas<br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s (Stephen Fry, Ken<br />

Loach, Jacqueline Rose) e<br />

escaramuças mediáticas britânicas<br />

já a meio caminho do esquecimento.<br />

Outro problema técnico é a<br />

fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Jacobson a um subgénero<br />

específico <strong>de</strong> comédia que<br />

nem sempre é compatível com a<br />

forma literária que escolheu. Uma<br />

comédia que acumula alguns efeitos<br />

locais bem conseguidos (há<br />

observações inspira<strong>da</strong>s em número<br />

suficiente para uma hora <strong>de</strong> “stand<br />

up”) numa escala<strong>da</strong> gradual <strong>de</strong><br />

exageros que acabam por criar<br />

ângulos incómodos. As comparações<br />

com Philip Roth talvez já cansem<br />

Jacobson (que tentou contra-atacar o<br />

rótulo jornalístico <strong>de</strong> “Philip Roth<br />

inglês” com o <strong>de</strong> “Jane Austen<br />

ju<strong>de</strong>u”), mas “A Questão Finkler”<br />

exige uma comparação parcial. A<br />

criação cómica dos “Ju<strong>de</strong>us<br />

enVERgonhados” evoca os<br />

“Antisemitas Anónimos” <strong>de</strong><br />

“Operação Shylock”, tal como a<br />

longa discussão filosófica sobre a<br />

prática <strong>da</strong> circuncisão evoca uma<br />

discussão muito semelhante em<br />

“The Counterlife”. Nesses romances,<br />

Roth eva<strong>de</strong>-se à armadilha <strong>da</strong><br />

incompatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> sublimando todo<br />

o seu arsenal cómico num único<br />

apetrecho: o monólogo exasperado.<br />

“A Questão Finkler” é um artefacto<br />

literário diferente, cuja forma evoca<br />

um outro tipo <strong>de</strong> romance, a<br />

meditação interioriza<strong>da</strong>, discursiva<br />

e digressiva, que almeja a uma<br />

caracterização serena e realista mais<br />

difícil <strong>de</strong> compatibilizar com<br />

<strong>de</strong>svarios burlescos e exageros<br />

retóricos. Também aqui, Jacobson se<br />

resguardou com um sólido alibi<br />

estrutural (a comédia ju<strong>da</strong>ica do<br />

livro é uma i<strong>de</strong>ia estereotipa<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

comédia ju<strong>da</strong>ica, etc.), mas quando<br />

ela chega à página já esgota<strong>da</strong> por<br />

prece<strong>de</strong>ntes, o alibi começa a<br />

parecer um ataque preventivo;<br />

como o <strong>de</strong>ntista <strong>de</strong> Seinfeld, o<br />

humor em segun<strong>da</strong> mão po<strong>de</strong> não<br />

ofen<strong>de</strong>r gentios ou ju<strong>de</strong>us, mas<br />

arrisca-se a ofen<strong>de</strong>r apreciadores <strong>de</strong><br />

comédia.<br />

“A Questão Finkler” é melhor na<br />

micro-gestão <strong>de</strong> estilo e técnica do<br />

que na forma como convoca e<br />

organiza os seus gran<strong>de</strong>s temas. A<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> altura, Treslove observa uma<br />

mulher na cozinha e pensa que<br />

“aquilo que [ela] fazia não era tanto<br />

cozinhar como maltratar os<br />

ingredientes, golpeando-os e<br />

aplicando-lhes um tratamento<br />

furioso até saberem a alguma coisa”.<br />

O que Jacobson fez foi mais ou<br />

me<strong>nos</strong> o mesmo: não tanto escrever<br />

um romance como golpear<br />

furiosamente um reportório <strong>de</strong><br />

elementos literários até estes<br />

saberem a alguma coisa (alguma<br />

coisa kosher). E quando isto<br />

acontece, é mais fácil admirar o<br />

cozinheiro do que saborear a<br />

refeição.<br />

Biografia<br />

Fi<strong>de</strong>l,<br />

por quem<br />

o serviu<br />

e <strong>de</strong>ixou<br />

A vantagem: uma biografia<br />

escrita por alguém que<br />

conheceu Fi<strong>de</strong>l <strong>de</strong> muito<br />

perto. A <strong>de</strong>svantagem: o<br />

olhar dissi<strong>de</strong>nte, ressentido.<br />

O leitor que escolha.<br />

Fernando Sousa<br />

Autobiografia <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro<br />

Norberto Fuentes<br />

Casa <strong>da</strong>s Letras<br />

mmmnn<br />

As melhores<br />

tentativas<br />

biográficas <strong>de</strong><br />

Fi<strong>de</strong>l Castro até<br />

hoje foram notas<br />

consenti<strong>da</strong>s. A<br />

autobiografia do<br />

lí<strong>de</strong>r cubano<br />

assina<strong>da</strong> por<br />

Norberto Fuentes,<br />

acaba<strong>da</strong> <strong>de</strong> sair entre nós, que fala<br />

<strong>de</strong> um homem tão cheio <strong>de</strong> si que o<br />

Universo é insuficiente, tem a<br />

vantagem <strong>de</strong> ter entrado pela porta<br />

do cavalo, já que é escrita por<br />

alguém que o conheceu <strong>de</strong> muito<br />

perto. Mas a <strong>de</strong>svantagem do olhar<br />

dissi<strong>de</strong>nte, ressentido e marcado<br />

pela impotência perante uma figura<br />

<strong>de</strong> facto esmagadora. O leitor que<br />

escolha.<br />

Os aviões (america<strong>nos</strong>)<br />

metralham, matam e retiram. É o dia<br />

15 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1961. Faltam 48 horas<br />

para o <strong>de</strong>sembarque <strong>da</strong> Praia Girón.<br />

Em baixo, no aeroporto <strong>de</strong> Ciu<strong>da</strong>d<br />

Libertad, crivado <strong>de</strong> balas, o jovem<br />

miliciano Eduardo García guar<strong>da</strong>,<br />

exangue, as últimas forças para<br />

meter um <strong>de</strong>do nas vísceras e<br />

escrever com o próprio sangue um<br />

nome numa porta – FIDEL. Ficará na<br />

história.<br />

O coman<strong>da</strong>nte chega a seguir para<br />

saber dos estragos dos ianques.<br />

Pára. Olha para a ma<strong>de</strong>ira on<strong>de</strong> o<br />

seu nome ain<strong>da</strong> escorre, vermelho.<br />

Guar<strong>da</strong> um silêncio curto. Recolhese?<br />

O que é que sente? O que é que<br />

pensa? Que o sol<strong>da</strong>dito morrera a<br />

pensar nele, centro <strong>da</strong> Revolução<br />

cubana e, modéstia à parte, do<br />

próprio Universo, motivo mais do<br />

que justo para lhe <strong>de</strong>dicar a história<br />

<strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>.<br />

E assim começa a “Autobiografia<br />

<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro”, escrita, não pelo<br />

próprio mas por Norberto Fuentes,<br />

um antigo fi<strong>de</strong>lista obrigado a fugir<br />

para Miami, on<strong>de</strong>, durante a<strong>nos</strong>,<br />

juntou memórias e rancores para<br />

escrever um dos mais azedos libelos<br />

anti-castristas. Dedicatória do livro –<br />

a pensar no jovem artilheiro morto:<br />

“O meu nome é o teu sangue”.<br />

[“Cuando con sangre escribe/<br />

FIDEL, este sol<strong>da</strong>do que por la<br />

Patria muere/no digáis miserere: esa<br />

sangre es el símbolo <strong>de</strong> la Patria que<br />

vive”. Nicolás Guillén no poema “La<br />

Sangre Numerosa”.]<br />

A <strong>de</strong>dicatória é tudo me<strong>nos</strong><br />

inocente – anuncia uma vi<strong>da</strong>, <strong>de</strong><br />

menino a adulto, construí<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

costas para todos excepto para si<br />

mesmo, vivi<strong>da</strong> por etapas entre o<br />

autocentrismo e a sua expressão<br />

máxima, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stino.<br />

fun<strong>da</strong>ção carmona e costa<br />

Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício <strong>da</strong> Bolsa Nova <strong>de</strong> Lisboa)<br />

Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa<br />

(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />

Tel. 217 803 003 / 4<br />

www.fun<strong>da</strong>caocarmonaecosta.pt<br />

Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha / Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Universitária | Autocarro: 31<br />

Vemos claramente um homem que<br />

incha por ca<strong>da</strong> passo que dá.<br />

Fi<strong>de</strong>l apresenta-se como o centro<br />

<strong>da</strong> família, dos colegas, dos amigos<br />

– uma expressão força<strong>da</strong> já que não<br />

apresenta ninguém como um amigo<br />

real. Tem fome <strong>de</strong> na<strong>da</strong> e <strong>de</strong> tudo.<br />

Em princípio é só um rebel<strong>de</strong>, ain<strong>da</strong><br />

sem causa, a caminho <strong>de</strong> se<br />

transformar na sua própria meta, no<br />

seu próprio objectivo.<br />

A infância em Birán, a<br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Havana, as<br />

primeiras lutas políticas, o assalto a<br />

Monca<strong>da</strong>, as primeiras leituras<br />

–Lenine, Napoleão, Gramsci, Marx –,<br />

o exílio no México, a Sierra Maestra,<br />

a entra<strong>da</strong> em Havana, conta-as como<br />

meros capítulos <strong>da</strong> sua afirmação<br />

pessoal, os fuzilamentos, na floresta<br />

ou em Las Cabañas, como o<br />

normalíssimo castigo <strong>de</strong> quem<br />

manchou o bom nome <strong>da</strong> Revolução<br />

– quer dizer, o seu –, a tentou<br />

impedir ou se tornou incómodo, um<br />

escolho, um entrave.<br />

Não fala <strong>da</strong> família com qualquer<br />

afecto, seja <strong>da</strong> mãe, seja do pai, que<br />

trata com aversão, seja dos<br />

ESCREVER PAISAGEM<br />

Manuel Baptista | Desenhos<br />

1960-1970<br />

comissariado: João Pinharan<strong>da</strong><br />

Exposição: <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Março até 28 <strong>de</strong> Maio<br />

Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, <strong>da</strong>s 15h00 às 20h00<br />

Ciclo <strong>de</strong> conversas:<br />

Prof. José Gil – 9 <strong>de</strong> Abril (sábado) às 17h00<br />

Pedro Cabrita Reis – 27 <strong>de</strong> Abril (quarta-feira) às 18h00<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 31


festivalliterario<strong>da</strong>ma<strong>de</strong>ira.com/)<br />

Livros<br />

Festival<br />

A primeira edição do<br />

Festival Literário <strong>da</strong><br />

Ma<strong>de</strong>ira, organizado<br />

pelos consultores<br />

editoriais Booktailors e<br />

pela editora Nova Delphi,<br />

realiza-se a partir <strong>de</strong><br />

hoje e até domingo no<br />

Funchal. Eduardo Pitta,<br />

Rui Zink, Afonso Cruz,<br />

valter hugo mãe, José<br />

Mário Silva, Pedro Vieira,<br />

Mário Zambujal, Inês<br />

Pedrosa, David Machado,<br />

Violante Saramago,<br />

Isabela Figueiredo,<br />

Miguel Vale <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>,<br />

o italiano Antonio<br />

Scurati são alguns dos<br />

escritores convi<strong>da</strong>dos. O<br />

festival inclui visitas a<br />

escolas <strong>de</strong> ensino básico<br />

do concelho e mesas<br />

redon<strong>da</strong>s com temas como<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“Os escritores que fogem<br />

<strong>da</strong> fama”, “Os escritores<br />

malditos”, “Os escritores<br />

inconstantes”, “Os<br />

escritores esquecidos”.<br />

Haverá ain<strong>da</strong> lançamento<br />

<strong>de</strong> livros e uma<br />

feira do livro<br />

(ver programa<br />

em http://<br />

“Cristo Carregando a Cruz”<br />

(Bosch, 1515-16): o rosto <strong>de</strong> Cristo<br />

e <strong>da</strong> mulher são belos e pacíficos<br />

e os dos restantes, dos ju<strong>de</strong>us,<br />

são feios, quase <strong>de</strong>moníacos<br />

irmãos, <strong>de</strong>stilando ódio em<br />

relação ao mais velho, Ramón, a<br />

quem não perdoa ter levado uma<br />

vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> nababo enquanto ele lutava<br />

contra Batista.<br />

Abre talvez uma ligeira excepção<br />

para Raúl, que no entanto <strong>de</strong>screve<br />

como um homem <strong>de</strong> carácter<br />

medieval, em trânsito entre o<br />

<strong>selva</strong>gem e a cultura do<br />

Renascimento”.<br />

Tão pouco encontrou nalguma<br />

<strong>da</strong>s mulheres, <strong>de</strong> Mirta a Dalia,<br />

motivo <strong>de</strong> enlevo, lembrando-as tão<br />

só pelas ancas ou pelo que lhe<br />

<strong>de</strong>ram <strong>nos</strong> momentos <strong>de</strong> aflição<br />

sexual ou revolucionária.<br />

“Não era o mesmo an<strong>da</strong>r não<br />

perturbado pelos tomates a subir e<br />

<strong>de</strong>scer as montanhas quando estava<br />

carregado. Por isso me foi tão<br />

benéfica a sua presença na Sierra;<br />

não só como aju<strong>da</strong>nte executiva, isto<br />

é, também para me manter<br />

<strong>de</strong>scarregado”, escreve sobre Célia<br />

Sánchez, figura maior <strong>da</strong> guerrilha.<br />

Enfim na sua caminha<strong>da</strong> em<br />

direcção à História – on<strong>de</strong> crê que se<br />

sentará, absolvido, sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> companhia, pois basta-se a si<br />

mesmo, a comer um arroz <strong>de</strong> frango,<br />

seguido <strong>de</strong> um café e <strong>de</strong> umas<br />

chupa<strong>de</strong>las <strong>de</strong> Lancero, a olhar<br />

<strong>de</strong>leitado para a obra <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong> –<br />

refere-se a tudo e a todos como<br />

meros episódios.<br />

Quê? Fuzilámos? Mas, claro! Era<br />

impossível poupar a vi<strong>da</strong> a<br />

sabotadores, porque o tinham sido<br />

ou podiam vir a sê-lo, tal como, a<br />

certa altura, a <strong>de</strong>liquentes, que bem<br />

vistas as coisas até <strong>de</strong>viam agra<strong>de</strong>cer<br />

a pena, quase só aplica<strong>da</strong> a<br />

burgueses ou contrarevolucionários.<br />

Sim, o caso <strong>de</strong> Manuel Urrutia foi<br />

uma maça<strong>da</strong>. Mas era ele ou eu –<br />

quer dizer, a Revolução. Pensou que<br />

era mesmo Presi<strong>de</strong>nte? Pensou mal.<br />

Che foi uma questão mais<br />

aborreci<strong>da</strong>. Já an<strong>da</strong>va <strong>de</strong> olho nele<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a casa <strong>de</strong> D. Antónia; sempre<br />

me cheirou a trotskista. Juntou<br />

<strong>de</strong>masia<strong>da</strong> fama, <strong>de</strong>masiado po<strong>de</strong>r,<br />

o comemier<strong>da</strong>. Foi preciso mandá-lo<br />

fazer revoluções para longe, para<br />

que morresse nalguma <strong>de</strong>las, fosse<br />

no Congo, fosse na Bolívia, para não<br />

chatear mais.<br />

“Vinha com a sua história<br />

própria, com algumas leituras e com<br />

a sua formação e as suas viagens <strong>de</strong><br />

aventuras. Vinha com uma história<br />

anterior a mim. […] Queria a sua<br />

i<strong>de</strong>ia e ser um valor altruísta <strong>nos</strong><br />

processos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça, essa imagem<br />

límpi<strong>da</strong> e cândi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças,<br />

<strong>da</strong>s revoluções na América Latina.”<br />

A crise dos mísseis? Sim, não<br />

gostei na<strong>da</strong> do que os soviéticos me<br />

fizeram. Usaram-me. Enganaramme.<br />

Deixaram-me a falar sozinho.<br />

Nós aqui à espera <strong>da</strong> guerra e<br />

Kruschev a consertar a paz com<br />

Kennedy!...<br />

Esta é a mais recente autobiografia<br />

<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro, apresenta<strong>da</strong> pela<br />

crítica como a mais inspira<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

quantas foram escritas no último<br />

meio século, pelos documentos e<br />

pelos testemunhos em que assenta,<br />

e pelos a<strong>nos</strong> que levou a completar.<br />

Mas não é um auto-retrato, porque<br />

nem chegou pelo punho do próprio<br />

nem é escrito por um observador<br />

<strong>de</strong>sinteressado – pelo contrário.<br />

As coisas po<strong>de</strong>m ter sido assim,<br />

mais ou me<strong>nos</strong> assim ou nem sequer<br />

assim, <strong>de</strong> outro modo estaríamos<br />

perante um ensaio histórico. Quer<br />

dizer, está mais perto do romance,<br />

até pelo estilo, uma comunhão que<br />

se quis perfeita entre a memória e as<br />

palavras, do que do documento,<br />

pelo que será necessário esperar<br />

pela abertura – um dia – dos arquivos<br />

por exemplo do Ministério do<br />

Interior.<br />

Fuentes, que repartiu a vi<strong>da</strong> entre<br />

a literatura e o regime, foi <strong>de</strong><br />

qualquer modo um observador<br />

privilegiado <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l. Assistiu à sua<br />

entra<strong>da</strong> em Havana e foi seu<br />

colaborador, encarregado <strong>de</strong> tarefas<br />

políticas e <strong>de</strong> informação, até 1989,<br />

quando foi <strong>de</strong>tido no quadro <strong>da</strong><br />

Causa 1, que levaria à morte Arnaldo<br />

Ochoa e Antonio <strong>de</strong> la Guardia,<br />

escapando ao paredón apenas<br />

<strong>de</strong>vido à intervenção <strong>de</strong> Gabriel<br />

García Márquez, amigo do<br />

coman<strong>da</strong>nte.<br />

Exilado em Miami, <strong>de</strong>dicou os<br />

a<strong>nos</strong> que se seguiram à<br />

reconstituição <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do lí<strong>de</strong>r<br />

cubano, um trabalho ain<strong>da</strong> marcado<br />

pelo fascínio por um homem que,<br />

mesmo que tenha arrombado a<br />

porta à História, entrou nela.<br />

Ensaio<br />

Um crime<br />

constante<br />

Trinta e cinco textos, em<br />

forma <strong>de</strong> ensaio curto,<br />

que <strong>de</strong>screvem alguns<br />

dos episódios centrais <strong>da</strong><br />

história do ódio para com os<br />

ju<strong>de</strong>us. David Teles Pereira<br />

História do Anti-Semitismo<br />

Trond Berg Eriksen, Håkon Harket e<br />

Einhart Lorenz<br />

(trad. João António Correia <strong>de</strong> Sousa<br />

Araújo)<br />

Edições 70<br />

mmmmn<br />

Os ju<strong>de</strong>us foram<br />

responsáveis pela<br />

morte <strong>de</strong> Jesus<br />

Cristo. Morreram<br />

por isso. Os<br />

ju<strong>de</strong>us roubavam<br />

hóstias<br />

consagra<strong>da</strong>s para<br />

reencenar nelas a<br />

morte <strong>de</strong> Jesus<br />

Cristo. Morreram por isso. Os ju<strong>de</strong>us<br />

utilizaram sangue <strong>de</strong> crianças em<br />

rituais <strong>de</strong>moníacos, os ju<strong>de</strong>us<br />

envenenaram poços, os ju<strong>de</strong>us<br />

espalharam a peste negra, o<br />

capitalismo, o bolchevismo.<br />

Morreram por tudo isso. Não é<br />

preciso ler mais que as primeiras<br />

cem páginas <strong>da</strong> “História do Anti-<br />

Semitismo” (Edições 70, 2010) para<br />

perceber que muito antes dos<br />

primeiros centímetros cúbicos <strong>de</strong><br />

gás terem atravessado as<br />

canalizações <strong>de</strong> Treblinka, muito<br />

antes <strong>de</strong> Paul Celan ter escrito<br />

sobre essa morte que foi um mestre<br />

aus Deutchland, já o “ódio que visa<br />

os ju<strong>de</strong>us só por serem ju<strong>de</strong>us” (p.<br />

15) tinha cumprido uma longa e<br />

infame história. Aliás, os próprios<br />

ju<strong>de</strong>us participaram do fenómeno<br />

ao construírem e teorizarem o ódio<br />

auto-referente, a qual o filósofo<br />

alemão Theodor Lessing (1872-1933)<br />

se referiu num livro, editado em<br />

1930, “O ódio ju<strong>da</strong>ico <strong>de</strong> si próprio”<br />

(Der jüdische Selbsthass), que está<br />

na origem <strong>da</strong> categoria do “selfhating<br />

jew”.<br />

“História do Anti-Semitismo” é o<br />

livro mais recente <strong>da</strong> ca<strong>da</strong> vez mais<br />

louvável colecção Lugar <strong>da</strong> História,<br />

<strong>da</strong>s Edições 70 – a juntar à “História<br />

dos Ju<strong>de</strong>us Portugueses”, <strong>de</strong> Carsten<br />

L. Wilke, publicado em 2009 –, que<br />

traduz para português a obra<br />

colectiva “Jø<strong>de</strong>hat: Antisemittismen<br />

historie fra antikken til i <strong>da</strong>g”.<br />

Assina<strong>da</strong> por três historiadores<br />

noruegueses – Trond Berg Eriksen,<br />

Håkon Harket e Einhart Lorenz – é<br />

composta por trinta e cinco textos,<br />

em forma <strong>de</strong> ensaio curto,<br />

apresentados numa sequência mais<br />

ou me<strong>nos</strong> cronológica que procura<br />

<strong>de</strong>screver alguns dos episódios<br />

centrais <strong>da</strong> história do ódio para<br />

com os ju<strong>de</strong>us.<br />

Nesta perspectiva, uma <strong>da</strong>s<br />

críticas que po<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, ser<br />

apontado a esta obra é o parco<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>do ao período<br />

que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao<br />

século XVIII, que cabe em pouco<br />

mais <strong>de</strong> duzentas páginas, contra as<br />

mais <strong>de</strong> 400 páginas <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s aos<br />

últimos três séculos. Contudo, tal<br />

dispari<strong>da</strong><strong>de</strong> seria facilmente<br />

esqueci<strong>da</strong> se a informação forneci<strong>da</strong><br />

nessas duas centenas <strong>de</strong> páginas<br />

ultrapassasse, em <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> e em<br />

profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma consulta às<br />

várias páginas disponíveis na<br />

wikipédia sobre o tema. Seria útil,<br />

também, que a sequência dos<br />

primeiros ensaios, para além <strong>da</strong><br />

simples cronologia, investisse em<br />

<strong>da</strong>r ao leitor chaves <strong>de</strong> compreensão<br />

histórica do tema, a qual,<br />

infelizmente, aqui é dificulta<strong>da</strong> pelos<br />

saltos temporais, espaciais e, até,<br />

temáticos do narrador que, muitas<br />

vezes, pouco aju<strong>da</strong>m à leitura.<br />

Para <strong>da</strong>r um exemplo, as<br />

importantes disputas medievais<br />

entre os teólogos ju<strong>da</strong>icos e os<br />

teólogos cristãos, mo<strong>de</strong>los<br />

proverbiais do anti-ju<strong>da</strong>ísmo <strong>de</strong><br />

motivação<br />

religiosa, na sua<br />

génese histórica, não merecem mais<br />

que dois parágrafos centrados no<br />

episódio <strong>de</strong> Paris, em 1240, não se<br />

<strong>de</strong>scortinando qualquer referência<br />

às disputas <strong>de</strong> Barcelona (1263; <strong>de</strong><br />

longe a mais importante <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s,<br />

convoca<strong>da</strong> pelo monarca Jaime I <strong>de</strong><br />

Aragão e organiza<strong>da</strong> por Raimundo<br />

<strong>de</strong> Peñafor, tendo a parte ju<strong>da</strong>ica<br />

sido representa<strong>da</strong> pelo teólogo<br />

Nahmani<strong>de</strong>s) e à <strong>de</strong> Tortosa (1413-<br />

1414). No sentido oposto, a tendência<br />

<strong>de</strong>sproporciona<strong>da</strong> para focalizar e<br />

<strong>de</strong>senvolver o conceito <strong>de</strong> antisemitismo<br />

no período que vai <strong>da</strong><br />

Kristalnacht à Solução Final, que<br />

ocupa gran<strong>de</strong> parte dos estudos<br />

históricos <strong>de</strong>dicados a este tema, é<br />

aqui habilmente mo<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> pelos<br />

três historiadores sem que, com isso,<br />

tenham corrido o risco <strong>de</strong> confundir<br />

o “assassínio <strong>de</strong> seis milhões <strong>de</strong><br />

ju<strong>de</strong>us” (pp. 497 e ss.) como apenas<br />

um episódio entre muitos, diluindo<br />

na história a singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

genocídio hitleriano.<br />

O que é o anti-semitismo? O ódio<br />

aos ju<strong>de</strong>us por serem ju<strong>de</strong>us. A<br />

<strong>de</strong>finição convoca<strong>da</strong> pelos três<br />

autores no prefácio à obra é simples,<br />

mas perfeitamente operacional para<br />

um trabalho <strong>de</strong>sta envergadura.<br />

Talvez fosse excessivo e, em certa<br />

medi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>scabido exigir a uma obra<br />

que se propõe narrar e interpretar<br />

“a história do ódio europeu aos<br />

ju<strong>de</strong>us (...), uma narrativa sombria<br />

<strong>da</strong>s <strong>nos</strong>sas relações históricas com o<br />

‘outro’” (p. 19) o aperfeiçoamento <strong>de</strong><br />

um conceito <strong>de</strong> anti-semitismo com<br />

horizontes mais restritos. Quanto à<br />

vertente narrativa, esta “História do<br />

Anti-Semitismo” é um trabalho<br />

importante, com uma prosa pouco<br />

florea<strong>da</strong> e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente eficaz –<br />

num estilo conciso próprio <strong>da</strong><br />

historiografia anglo-saxónica –, e<br />

com uma cadência <strong>de</strong> leitura que<br />

nunca é prejudica<strong>da</strong> pelas várias<br />

mãos que tocam no texto. Merece<br />

especial <strong>de</strong>staque o texto <strong>de</strong> Håkon<br />

Harket intitulado “Dinamarca e<br />

Noruega: a chega<strong>da</strong> dos Ju<strong>de</strong>us ao<br />

Reino” (pp. 215 e ss.), um estudo<br />

sobre o impacto do anti-semitismo<br />

no espaço geográfico dos autores.<br />

Refira-se, não obstante, que mesmo<br />

assim esta obra fica um pouco<br />

aquém, por exemplo, <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s<br />

obras <strong>de</strong> referência nesta temática, a<br />

“História do<br />

Anti-Semitismo” <strong>de</strong> Léon<br />

Poliakov, <strong>da</strong> qual é possível<br />

encontrar, traduzido para<br />

português, o volume respeitante aos<br />

a<strong>nos</strong> 1945-1993 (Instituto Piaget,<br />

1997).<br />

Diferentemente, na vertente<br />

interpretativa, isto é, na análise <strong>da</strong>s<br />

causas e efeitos – principalmente dos<br />

efeitos culturais e políticos – do antisemitismo,<br />

a “História dos Anti-<br />

Semitismo” fica algo aquém <strong>da</strong><br />

expectativa <strong>de</strong>sperta<strong>da</strong> no prefácio,<br />

relativamente à interpretação <strong>de</strong>sse<br />

mundo sombrio <strong>da</strong>s relações<br />

históricas com o “outro”. A este<br />

propósito, é útil <strong>chama</strong>r atenção<br />

para algumas passagens do “Tratado<br />

Teológico-Político” <strong>de</strong> Espi<strong>nos</strong>a, que<br />

Trond Berg Eriksen apenas refere <strong>de</strong><br />

passagem, nas quais o filósofo<br />

caracteriza o ódio relativamente aos<br />

ju<strong>de</strong>us como factor <strong>de</strong> unificação e,<br />

curiosamente, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

própria comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica na sua<br />

afirmação i<strong>de</strong>ntitária. A história do<br />

anti-semitismo é, também, uma<br />

história <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma história<br />

<strong>da</strong> inimiza<strong>de</strong>. E a inimiza<strong>de</strong> tem<br />

efeitos políticos fortíssimos que o<br />

discurso contemporâneo,<br />

artificialmente neutralizado nessa<br />

dimensão, raramente se atreve a<br />

reconhecer.<br />

Na altura <strong>de</strong> explicar o papel <strong>da</strong><br />

perseguição aos ju<strong>de</strong>us, <strong>da</strong> aposição<br />

a estes <strong>da</strong> tenebrosa figura do “ju<strong>de</strong>u<br />

errante”, nenhum dos autores <strong>de</strong>sta<br />

obra chega o suficientemente longe:<br />

o anti-semitismo não compôs apenas<br />

um retrato <strong>de</strong>monizado do ju<strong>de</strong>u<br />

que até a <strong>nos</strong>sa linguagem corrente,<br />

sabe-se lá vindo <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, preserva<br />

– basta pensarmos no significado do<br />

verbo judiar. O anti-semitismo<br />

compôs também a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />

próprios ju<strong>de</strong>us e, por mais estranho<br />

que isso pareça, compôs a<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> do oci<strong>de</strong>nte não-ju<strong>da</strong>ico<br />

naquilo que, na oposição aos ju<strong>de</strong>us,<br />

este projectava <strong>de</strong> si próprio. Com<br />

efeito, paradoxalmente, foi um<br />

“ódio a si próprio”, ao conceito <strong>de</strong><br />

Humanismo e à raiz ju<strong>da</strong>ico-cristã<br />

do pensamento oci<strong>de</strong>ntal, que<br />

presidiu ao objectivo <strong>de</strong> extermínio<br />

sistemático <strong>da</strong> Judiaria europeia pelo<br />

III Reich.<br />

32 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


m/)<br />

teatro<br />

Benjamin Verdonck<br />

& Willy Thomas<br />

Global Anatomy<br />

“Teatro cru e generoso do it yourself.<br />

Uma linguagem teatral absolutamente única.”<br />

Júri do Theaterfestival 2008<br />

8 e 9 Abril 21h30<br />

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© José Fra<strong>de</strong><br />

Truta<br />

Ivanov <strong>de</strong> Anton Tchekov<br />

Estreado no ano passado no Teatro Maria Matos<br />

para um público entusiasta e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma digressão nacional,<br />

Ivanov regressa ao <strong>nos</strong>so palco.<br />

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Cinema<br />

Um <strong>cinema</strong> que fun<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o vivido e o sonhado, a experiência<br />

e a imaginação, a profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a ligeireza, a metafísica e o aparte anedótico<br />

Estreiam<br />

Apren<strong>de</strong>r o<br />

<strong>Apichatpong</strong><br />

É um filme tão especial<br />

como são especiais os<br />

momentos em que o <strong>cinema</strong><br />

<strong>de</strong> encontra consigo próprio.<br />

Luís Miguel Oliveira<br />

O Tio Boonmee Que se Lembra<br />

<strong>da</strong>s Suas Vi<strong>da</strong>s Anteriores<br />

Uncle Boonmee Who Can Recall<br />

His Past Lives<br />

De <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong>,<br />

com Thanapat Saisaymar, Jenjira<br />

Pongpas, Sak<strong>da</strong> Kaewbua<strong>de</strong>e,<br />

Natthakarn Aphaiwong. M/12<br />

mmmmn<br />

Novo<br />

Wes<br />

An<strong>de</strong>rson<br />

Lisboa: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 13h40, 15h55, 19h, 21h30 6ª 13h40, 15h55,<br />

19h, 21h30, 24h Sábado 13h40, 15h55, 18h15, 21h30,<br />

24h Domingo 13h40, 15h55, 18h15, 21h30; UCI<br />

Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 16h30, 19h05, 21h30, 24h Domingo 11h30,<br />

14h, 16h30, 19h05, 21h30, 24h<br />

Porto: Arrábi<strong>da</strong> 20: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h, 16h30, 19h10, 21h45, 00h30 3ª 4ª 16h30,<br />

19h10, 21h45, 00h30<br />

Não é preciso muito tempo, bastam<br />

dois ou três pla<strong>nos</strong> (até que o boi<br />

amarrado se solte e se aventure por<br />

uma floresta filma<strong>da</strong> em “noite<br />

americana”, ou que assim parece)<br />

para se ter a sensação, muito clara,<br />

muito níti<strong>da</strong>, mas também, como<br />

dizer, muito calma, <strong>de</strong> que “O Tio<br />

Boonmee que se Lembra <strong>da</strong>s suas<br />

Vi<strong>da</strong>s Anteriores” é uma janela que<br />

alguém abriu, uma corrente <strong>de</strong> ar<br />

fresco sopra<strong>da</strong> sobre a tristíssima<br />

avalanche <strong>de</strong> entulho que<br />

semanalmente se abate sobre o<br />

Jason Schwartzmann e<br />

Bill Murray regressam<br />

para o novo filme do<br />

realizador e argumentista<br />

Wes An<strong>de</strong>rson. Além<br />

<strong>de</strong>stes já recorrentes<br />

actores, participam pela<br />

primeira vez no universo<br />

do cineasta Til<strong>da</strong> Swinton<br />

e Bruce Willis. Ain<strong>da</strong><br />

com um papel mais<br />

secundário, confirma-se<br />

Edward Norton (“Clube<br />

<strong>de</strong> Combate”) e Francis<br />

McDormand (Óscar em<br />

“Fargo”). O filme, que<br />

suce<strong>de</strong> à animação em<br />

técnica “stop motion”<br />

“Fantástico Senhor<br />

Raposo”, é intitulado<br />

“Moonrise Kingdom”.<br />

Descreve a aventura <strong>de</strong><br />

um grupo <strong>de</strong> amigos em<br />

Nova Inglaterra, <strong>nos</strong> EUA,<br />

que <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente<br />

procuram um casal <strong>de</strong><br />

jovens que <strong>de</strong>sapareceu.<br />

Bruce Willis é o xerife,<br />

“circuito comercial”. É um filme<br />

extraordinário, em todos os sentidos<br />

<strong>da</strong> palavra, um filme que <strong>de</strong>volve o<br />

<strong>cinema</strong> à sua (quase) esqueci<strong>da</strong><br />

vocação <strong>de</strong>miúrgica. É<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente um filme <strong>de</strong><br />

“criação”, <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um<br />

“mundo”. E se com isto evocamos o<br />

que Go<strong>da</strong>rd escreveu, há muitos<br />

a<strong>nos</strong>, sobre o “Índia” <strong>de</strong> Rossellini<br />

(que se tratava do “filme <strong>da</strong> criação<br />

do mundo”), fazemo-lo porque “O<br />

Tio Boonmee”, no seu trabalho sobre<br />

o folclore, a mitologia, a história,<br />

empregues como maneira <strong>de</strong><br />

“dobrar” a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a sua<br />

própria fantasia (ou vice-versa), tem<br />

momentos em que <strong>nos</strong> traz o filme <strong>de</strong><br />

Rossellini à cabeça – e evi<strong>de</strong>ntemente<br />

não apenas por, também aqui, os<br />

animais falarem (coisa que<br />

provavelmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o filme <strong>de</strong><br />

Rossellini eles não faziam tão bem).<br />

Lembra-<strong>nos</strong> mais coisas: Disney (o<br />

Disney genuíno), Powell/Pressburger,<br />

o “Brigadoon” <strong>de</strong> Minnelli, e claro, os<br />

india<strong>nos</strong>, certas coisas <strong>de</strong> Satyajit Ray<br />

ou Ritwik Ghatak, influência maior<br />

do <strong>cinema</strong> tailandês que talvez<br />

<strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong> nunca<br />

tivesse <strong>de</strong>nunciado <strong>de</strong>sta maneira. É<br />

assim tão especial, como são<br />

especiais os momentos, ca<strong>da</strong> vez<br />

mais raros, em que sentimos o<br />

<strong>cinema</strong> a reencontrar-se consigo<br />

próprio. De resto, <strong>Apichatpong</strong> disse<br />

que “O Tio Boonmee” era a sua<br />

“pequena lamentação” pelo <strong>cinema</strong>.<br />

Voltaremos a ela, porque parece<br />

con<strong>de</strong>nsar-se no <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro plano.<br />

O observador distante totalmente<br />

alheado do folclore e <strong>da</strong>s tradições<br />

tailan<strong>de</strong>sas, em vez <strong>de</strong> lamentar que<br />

a sua ignorância o con<strong>de</strong>ne a ver “O<br />

Tio Boonmee” como um objecto<br />

hermético, <strong>de</strong>ve congratular-se por<br />

isso mesmo: está em óptima posição<br />

para remeter tudo o que não percebe<br />

para o “folclore e as tradições<br />

personagem que<br />

enquanto procura o casal<br />

tem um caso amoroso<br />

com a mãe <strong>da</strong> rapariga.<br />

<strong>de</strong>sapareci<strong>da</strong> – Francis<br />

McDormand. Bill Murray<br />

será o problemático pai<br />

<strong>da</strong> rapariga. “Moonrise onrise<br />

Kingdom” tem argumento<br />

<strong>de</strong> Wes An<strong>de</strong>rson n e do<br />

filho <strong>de</strong> Francis Coppola,<br />

Roman Coppola.<br />

tailan<strong>de</strong>sas” e limitar-se a apreciar o<br />

que vê. É mais misterioso, e se calhar<br />

ain<strong>da</strong> mais belo, assim. E no entanto,<br />

perfeitamente claro: é como dizia<br />

Jean Douchet <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 50, não<br />

precisamos <strong>de</strong> “apren<strong>de</strong>r japonês”<br />

para perceber Mizoguchi, basta que<br />

“apren<strong>da</strong>mos Mizoguchi”.<br />

Precisaremos, <strong>de</strong> facto, <strong>de</strong> saber<br />

alguma coisa <strong>da</strong> Tailândia para<br />

perceber o fabuloso intróito <strong>da</strong><br />

princesa <strong>de</strong>sfigura<strong>da</strong> à procura <strong>da</strong><br />

sua imagem “redimi<strong>da</strong>” pelo reflexo<br />

nas águas do lago? Ou por que razão<br />

foi o Tio Boonmee, numa vi<strong>da</strong><br />

anterior, um peixe-gato? Ou porque é<br />

que os homens-macacos <strong>de</strong> olhos que<br />

brilham no escuro confraternizaram<br />

e tiraram fotografias com os sol<strong>da</strong>dos<br />

que an<strong>da</strong>vam pela floresta a matar<br />

comunistas? Claro que não, basta que<br />

saibamos “apren<strong>de</strong>r <strong>Apichatpong</strong>”. E<br />

o “<strong>Apichatpong</strong>”, aqui, é um <strong>cinema</strong><br />

que fun<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o vivido e o sonhado, a<br />

experiência e a imaginação, a<br />

profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a ligeireza, a<br />

metafísica e o aparte anedótico (a<br />

não negligenciar, o seu sentido <strong>de</strong><br />

humor, que já conhecíamos pelo<br />

me<strong>nos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “Síndromas e um<br />

Século”), com uma graça, uma<br />

<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e um equilíbrio pouco<br />

me<strong>nos</strong> que perfeitos. O Tio Boonmee,<br />

que está moribundo (mal dos rins),<br />

evi<strong>de</strong>ntemente não morre; ou por<br />

outra, a morte entrega-o ao que foi a<br />

sua vi<strong>da</strong>, aos seus fantasmas, aos seus<br />

remorsos, aos seus <strong>de</strong>sejos, às suas<br />

memórias, que se materializam por<br />

acção combina<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> e <strong>da</strong><br />

natureza. É isto “O Tio Boonmee”, é<br />

isto “o <strong>Apichatpong</strong>”. E os que ficam<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, pobres diabos, ficam<br />

especados em frente a um minúsculo<br />

ecran <strong>de</strong> televisão. É o <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro<br />

plano.<br />

O homem<br />

<strong>da</strong> maratona<br />

“O Assaltante” reinventa<br />

o filme <strong>de</strong> género à luz do<br />

novo <strong>cinema</strong> alemão, com<br />

resultados francamente<br />

conseguidos. Jorge<br />

Mourinha<br />

O Assaltante<br />

Der Räuber<br />

De Benjamin Heisenberg<br />

Com Florian Wotruba, Andreas Lust,<br />

Franziska Weisz<br />

MMMnn<br />

“O Assaltante” não seria meta<strong>de</strong> do filme que<br />

é sem a performance do austríaco Andreas Lust<br />

Lisboa: Teatro do Bairro. Domingo 21h30<br />

É um feliz reencontro com o regresso<br />

à exibição comercial regular <strong>da</strong> Zero<br />

em Comportamento, já longe <strong>da</strong>s<br />

sessões semanais do Cine 222 e<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um interregno forçado pela<br />

concentração na organização do<br />

IndieLisboa. “O Assaltante” esteve a<br />

concurso no Indie 2010, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

feito parte <strong>da</strong> selecção competitiva <strong>de</strong><br />

Berlim 2010, e é assinado por<br />

Benjamin Heisenberg, cineasta<br />

alemão, colega <strong>de</strong> geração <strong>da</strong> “escola<br />

<strong>de</strong> Berlim” e <strong>de</strong> cineastas como<br />

Angela Schanelec ou Christoph<br />

Hochhäusler (e, já agora, também<br />

neto do físico Werner Heisenberg).<br />

Mas é também um filme que faz uma<br />

“ponte” entre os “novos alemães” e<br />

os “novos austríacos” (como Jessica<br />

Hausner, cujo “Lour<strong>de</strong>s” chegará em<br />

breve às salas, ou Ulrich Seidl), sendo<br />

uma co-produção austríaca<br />

(<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pelo documentarista<br />

Nikolaus Geyrhalter) basea<strong>da</strong> num<br />

caso verídico.<br />

Na Áustria dos a<strong>nos</strong> 1980, um<br />

34 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


O TNSJ É MEMBRO DA<br />

MECENAS TNSJ<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Teatro<br />

Carlos<br />

Alberto<br />

8-17<br />

Abr<br />

2011<br />

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200<br />

Sexta, 01<br />

Pigmalião<br />

Pygmalion<br />

De Anthony Asquith, Leslie Howard.<br />

Com Leslie Howard, Wendy Hiller,<br />

Wilfrid Lawson. 95 min. M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Blackmail<br />

De Alfred Hitchcock. Com Anny<br />

Ondra, John Long<strong>de</strong>n, Sara Algood.<br />

85 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

A Cor do Dinheiro<br />

The Color of Money<br />

De Martin Scorsese. Com Mary<br />

Elizabeth Mastrantonio, Paul<br />

Newman, Tom Cruise.120 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Sábado, 02<br />

Sarilhos <strong>de</strong> Fral<strong>da</strong>s<br />

De Constantino Esteves. Com<br />

António Calvário, António Silva,<br />

Cremil<strong>da</strong> Gil, Ma<strong>da</strong>lena Iglésias.111<br />

min. M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Homem <strong>da</strong> Câmara <strong>de</strong> Filmar<br />

Chelovek s kinoapparatom<br />

De Dziga Verto. 66 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

O Denunciante<br />

The Informer<br />

De John Ford. Com Heather Angel,<br />

Margot Grahame, Preston Foster,<br />

Victor McLaglen. 91 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Segun<strong>da</strong>, 04<br />

China’s Little Devils<br />

De Monta Bell. Com Harry Carey,<br />

Paul Kelly, ‘Ducky’ Louie. 74 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

A Noiva Vendi<strong>da</strong><br />

Die Verkaufte<br />

Braut<br />

De Max Ophüls.<br />

Com Max Nadler,<br />

Jarmila Novotna,<br />

Otto Wernicke,<br />

Hermann Kner. 76<br />

min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Homens<br />

Preferem as<br />

Loiras<br />

Gentlemen Prefer r<br />

Blon<strong>de</strong>s<br />

De Howard Hawks. Com<br />

Charles Coburn, Jane<br />

Russell, Marilyn Monroe.<br />

91 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Terça, 05<br />

O Olho do Diabo<br />

Djävulens öga<br />

De Ingmar Bergman.<br />

Com Jarl Kulle, Bibi i<br />

An<strong>de</strong>rsson, Stig<br />

Järrel. 87 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Wall Street<br />

De Oliver Stone.<br />

Com Charlie Sheen,<br />

Michael Douglas, Martin Sheen.126<br />

min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Como Roubar Um Milhão<br />

How to Steal a Million<br />

De William Wyler. Com Audrey<br />

Hepburn, Peter O’Toole, Eli<br />

Wallach.123 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Quarta, 06<br />

Uma Rapariga sem Nome<br />

It Should Happen to You<br />

De George Cukor. Com Judy Holli<strong>da</strong>y,<br />

Kack Lemmon, Peter Lawford. 87<br />

min. M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Aves <strong>de</strong> Rapina<br />

Greed<br />

De Erich von Stroheim. Com Gibson<br />

Gowland, Jean Hersholt, Zasu<br />

Pitts.120 min. M16.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Haverá Sangue<br />

There Will Be Blood<br />

De Paul Thomas An<strong>de</strong>rson. Com<br />

Daniel Day-Lewis, Martin Stringer,<br />

Kevin J. O’Connor.158 min. M12.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Quinta, 07<br />

As You Like It<br />

De Paul Czinner. Com Henry Ainley,<br />

Elisabeth Bergner, Felix Aylmer. 96<br />

min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Uma Mulher e Sete Milhões<br />

Brewster’s Millions<br />

De Allan Dwan. Com Dennis O’Keefe,<br />

Helen Walker, June Havoc. 79 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Peixe Lua<br />

De José Álvaro Morais.<br />

Com Afonso o Melo,<br />

Beatriz Batar<strong>da</strong>,<br />

Luis Miguel<br />

Cintra,<br />

Marcello l<br />

Urgeche,<br />

e,<br />

Ricardo<br />

Aibéo,<br />

Ruth.124<br />

min. M12.<br />

21h30 - Sala<br />

Félix<br />

Ribeiro<br />

Marilyn<br />

e Jane<br />

Russell em<br />

“Os Homens<br />

Preferem<br />

as Loiras”<br />

ilustração Cristina Reis, <strong>de</strong>sign Joana Monteiro<br />

ENTRADA<br />

LIMITADA À<br />

LOTAÇÃO DOS<br />

ESPAÇOS<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

tradução<br />

Daniel Jonas<br />

cenografia<br />

e figuri<strong>nos</strong><br />

Cristina Reis<br />

<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luz<br />

Nuno Meira<br />

música<br />

Bernardo Sassetti<br />

interpretação<br />

Albano Jerónimo<br />

Bruno Nogueira<br />

Dinarte Branco<br />

Elsa Oliveira<br />

Leonor Salgueiro<br />

Luísa Cruz<br />

Nuno Nunes<br />

um projecto<br />

Arena Ensemble<br />

co-produção<br />

TNDM II, TNSJ,<br />

Culturproject,<br />

Centro <strong>da</strong>s Artes<br />

– Casa <strong>da</strong>s Mu<strong>da</strong>s<br />

qua-sáb 21:30<br />

dom 16:00<br />

M/12 a<strong>nos</strong><br />

dur. aprox. 1:20<br />

bilhetes<br />

Fnac, TNSJ, TeCA,<br />

www.ticketline.pt<br />

www.tnsj.pt<br />

LINHA VERDE 800-10-8675<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA ESTE<br />

CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES E VÁLIDA APENAS PARA UM CONVITE POR JORNAL E POR LEITOR.<br />

PATROCÍNIO<br />

www.casa<strong>da</strong>musica.com | www.casa<strong>da</strong>musica.tv | T 220 120 220<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 35


Cinema<br />

As estrelas do Público<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

O Assaltante mmmnn nnnnn nnnnn<br />

Camino mmmMn mnnnn mnnnn<br />

Copacabana mmnnn mmnnn mmnnn<br />

Mel mmnnn mmmnn nnnnn<br />

Micmacs - Uma Brilhante Confusão mmnnn nnnnn nnnnn<br />

Poesia mmmmn mmmnn mmmnn<br />

Potiche- Minha Rica Mulherzinha mmmnn mmnnn mmnnn<br />

Sucker Punch - O Mundo Surreal mmnnn nnnnn nnnnn<br />

O Tio Boonmee que se lembra... mmmmn mmmmn mmmmn<br />

Somewhere-Algures mmmnn nnnnn mnnnn<br />

maratonista que acaba <strong>de</strong> cumprir<br />

sete a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia bate o recor<strong>de</strong><br />

nacional <strong>da</strong> maratona, ao mesmo<br />

tempo que, sem que ninguém faça a<br />

ligação, comete assaltos a banco<br />

disfarçado com uma máscara <strong>de</strong><br />

Ronald Reagan – <strong>da</strong>í a <strong>de</strong>signação que<br />

a imprensa <strong>de</strong>u à personagem,<br />

“Pumpgun Ronnie”. É essa história<br />

que “O Assaltante” conta com<br />

precisão e eficácia, ficcionando-a a<br />

partir <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Martin<br />

Prinz (que colaborou no argumento).<br />

Heisenberg filma o seu herói,<br />

Johannes Rettenberger, como um<br />

homem com uma missão, que vive<br />

para a corri<strong>da</strong>, que está sempre a<br />

olhar para a frente, em busca do<br />

próximo recor<strong>de</strong>, do próximo tempo,<br />

<strong>da</strong> próxima emoção. Mas que, ao<br />

fazê-lo, não é capaz <strong>de</strong> se concentrar<br />

no tempo presente, <strong>de</strong> focar-se<br />

naquilo que é importante, correndo<br />

o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a única pessoa que<br />

realmente lhe interessa na sua vi<strong>da</strong>,<br />

Erika, uma antiga namora<strong>da</strong> com<br />

quem retoma contacto quase por<br />

acaso.<br />

A câmara, cinética e precisa,<br />

consegue equilibrar elegantemente<br />

as figuras <strong>de</strong> estilo do thriller<br />

(pequenas explosões <strong>de</strong> acção que<br />

acabam tão abruptamente como<br />

começam) com o silêncio tenso <strong>de</strong><br />

um homem que se exprime e se<br />

realiza apenas na corri<strong>da</strong>. Mas “O<br />

Assaltante” não seria meta<strong>de</strong> do<br />

filme que é sem a performance do<br />

austríaco Andreas Lust,<br />

simultaneamente emocionalmente<br />

conti<strong>da</strong> e fisicamente empenha<strong>da</strong> -<br />

Lust fez durante meses treino <strong>de</strong><br />

maratona para lhe <strong>da</strong>r a resistência<br />

física <strong>de</strong> que a personagem<br />

necessitava.<br />

O resultado, à imagem do recente<br />

(e magnífico) “Im Schatten” <strong>de</strong><br />

Thomas Arslan (mostrado no Estoril<br />

Film Festival), reinventa o filme <strong>de</strong><br />

género para os <strong>nos</strong>sos tempos com<br />

gran<strong>de</strong> inteligência e apenas<br />

confirma o bom nível médio do<br />

actual <strong>cinema</strong> germânico.<br />

Os anjos <strong>de</strong> Charlie<br />

no manicómio<br />

Sucker Punch - Mundo Surreal<br />

Sucker Punch<br />

De Zack Sny<strong>de</strong>r,<br />

com Emily Browning, Abbie Cornish,<br />

Jena Malone, Vanessa Hudgens, Scott<br />

Glenn. M/12<br />

MMnnn<br />

Lisboa: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h30, 21h30 6ª<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h30, 21h30, 24h; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h,<br />

16h10, 18h25, 21h30, 23h40 Sábado Domingo 11h50,<br />

14h, 16h10, 18h25, 21h30, 23h40; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h05, 16h15, 18h30, 21h30, 23h40; CinemaCity<br />

Campo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h10, 18h20, 21h30,<br />

24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h55, 00h30<br />

Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h15, 21h55,<br />

00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h40, 19h10, 21h40,<br />

Sucker Punch - Mundo Surreal<br />

00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h, 18h50, 21h20,<br />

24h; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h20,<br />

21h, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h35, 18h10,<br />

21h30, 00h10; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30, 18h30,<br />

21h30, 00h05 Sábado 12h50, 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h05 Domingo 12h50, 15h30, 18h30, 21h30; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 18h05, 21h10, 23h50; ZON<br />

Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30, 21h, 23h35; ZON<br />

Lusomundo Vasco <strong>da</strong> Gama: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30, 21h30,<br />

24h; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30,<br />

24h Sábado 13h10, 15h40, 18h30, 21h30, 24h<br />

Domingo 13h10, 15h40, 18h30, 21h30; Castello Lopes<br />

- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50,<br />

18h40, 21h40 6ª 15h50, 18h40, 21h40, 00h10 Sábado<br />

13h10, 15h50, 18h40, 21h40, 00h10 Domingo 13h10,<br />

15h50, 18h40, 21h40; Castello Lopes - Setúbal: Sala 2:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h30, 21h20 6ª 16h, 18h30, 21h20,<br />

23h40 Sábado 13h20, 16h, 18h30, 21h20, 23h40<br />

Domingo 13h20, 16h, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo<br />

Alma<strong>da</strong> Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h05, 15h40, 18h20, 21h, 24h; ZON Lusomundo<br />

Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h50, 18h40, 21h20, 24h<br />

Porto: Arrábi<strong>da</strong> 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h30, 19h15, 22h, 00h40 3ª 4ª<br />

16h30, 19h15, 22h, 00h40; ZON Lusomundo Dolce<br />

Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h10; ZON<br />

Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h40, 18h30, 21h20 6ª Sábado 13h10, 15h40,<br />

18h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo<br />

MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />

16h05, 18h55, 21h40 6ª Sábado 13h20, 16h05,<br />

18h55, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 00h10; ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 19h, 22h,<br />

00h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30,<br />

21h30, 00h25; Castello Lopes - 8ª Aveni<strong>da</strong>: Sala 2:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h50, 21h50 6ª 15h40, 18h50,<br />

21h50, 00h10 Sábado 13h10, 15h40, 18h50, 21h50,<br />

00h10 Domingo 13h10, 15h40, 18h50, 21h50; ZON<br />

Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h, 21h40, 00h20<br />

Um bicho como “Mundo Surreal” é<br />

coisa tão esquisita e estranha que a<br />

sua simples existência enquanto<br />

aspirante a “blockbuster”<br />

hollywoodiano financiado por um<br />

gran<strong>de</strong> estúdio é digna <strong>de</strong> atenção.<br />

Uma fantasia barroca e surreal a meio<br />

caminho entre Terry Gilliam, “Os<br />

Anjos <strong>de</strong> Charlie” e a “Matrix”,<br />

ro<strong>da</strong><strong>da</strong> como se Baz Luhrmann<br />

tivesse <strong>de</strong>cidido que “A Origem” iria<br />

ser um musical à la “Moulin Rouge”,<br />

cujas sequências <strong>de</strong> acção “girlpower”<br />

retro-futuristas parecem uma<br />

encarnação vi<strong>de</strong>o-jogo dos sonhos<br />

dos “tira<strong>nos</strong>sáurios em F-16” que<br />

Calvin tinha nas aulas? A primeira<br />

reacção é que quem teve esta i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong>ve ter tomado drogas <strong>de</strong> altíssima<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A segun<strong>da</strong> é que nem Zack<br />

Sny<strong>de</strong>r, o virtuoso visual <strong>de</strong> “300” e<br />

“Watchmen – Os Guardiões”, a<br />

consegue levar a bom termo, mas a<br />

tentativa é só por si estimulante.<br />

“Mundo Surreal” parte <strong>de</strong> uma<br />

premissa do melodrama gótico<br />

clássico – a órfã <strong>de</strong>sgraça<strong>da</strong> que o<br />

pérfido padrasto atira para o<br />

manicómio para po<strong>de</strong>r usufruir do<br />

testamento <strong>da</strong> viúva – para se<br />

transformar numa meditação<br />

escapista e rococó sobre o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong><br />

narrativa e <strong>da</strong> imaginação. A dita cuja<br />

orfãzinha refugia-se no seu próprio<br />

mundo interior, seguindo os<br />

preceitos <strong>da</strong> psiquiatra polaca que<br />

gere a instituição, para transfigurar a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e, ao fazê-lo, atingir a<br />

liber<strong>da</strong><strong>de</strong>. As interna<strong>da</strong>s impotentes<br />

tornam-se em guerreiras imbatíveis<br />

transporta<strong>da</strong>s pela sua força interior,<br />

tornando o filme numa espécie <strong>de</strong><br />

odisseia “<strong>de</strong>scobre a leoa que há em<br />

ti”, “girl power” alimentado a<br />

<strong>de</strong>terminação.<br />

O que estaria tudo muito bem se<br />

não se <strong>de</strong>sse o caso <strong>de</strong> Zack Sny<strong>de</strong>r<br />

ter uma imaginação visual muito<br />

mais fervilhante do que jeito para<br />

escrever histórias. O seu guião é uma<br />

cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> roupa atabalhoa<strong>da</strong>, feita <strong>de</strong><br />

citações cola<strong>da</strong>s com cuspo e ata<strong>da</strong>s<br />

com nós lassos, reduzindo a<br />

progressão narrativa <strong>de</strong> “Mundo<br />

Surreal” a uma sucessão <strong>de</strong> tarefas <strong>de</strong><br />

vi<strong>de</strong>o-jogo, on<strong>de</strong> dragões e<br />

bombar<strong>de</strong>iros, dirigíveis e mortosvivos<br />

coexistem num universo quase<br />

<strong>de</strong>mencial que <strong>de</strong>ve tanto ao<br />

surrealismo non-sense <strong>de</strong> Terry<br />

Gilliam como às distopias “steampunk”<br />

dos jogos vi<strong>de</strong>o. O todo<br />

envolvido, primeiro, num musical <strong>de</strong><br />

bastidores estilizado a meio caminho<br />

entre “Burlesque” e “Moulin Rouge”<br />

e um melodrama gótico <strong>de</strong>snaturado<br />

saidinho dos primórdios do mundo.<br />

A salganha<strong>da</strong> resultante per<strong>de</strong>-se<br />

por ser um abstracto construído a<br />

partir <strong>de</strong> citações e referências, tão<br />

superficial e vácuo como as suas<br />

“Mel” imerge-<strong>nos</strong> numa espécie<br />

<strong>de</strong> É<strong>de</strong>n intocado on<strong>de</strong>, apesar<br />

<strong>da</strong> luz eléctrica e dos telefones,<br />

é a tradição que coman<strong>da</strong><br />

36 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

personagens, arquétipos sem<br />

substância que preenchem os<br />

requisitos exigidos pelo teatro <strong>de</strong><br />

marionetas que Sny<strong>de</strong>r montou. Que<br />

as suas actrizes consigam emprestarlhes<br />

espessura e emoção é algo que<br />

só fica bem, sobretudo a Emily<br />

Browning, Abbie Cornish, Jena<br />

Malone e Carla Gugino; que o filme,<br />

apesar <strong>de</strong>ssa frieza quase<br />

arquitectural que se admira sem <strong>nos</strong><br />

agarrar, se aguente ain<strong>da</strong> assim como<br />

um objecto íntegro é ain<strong>da</strong> mais<br />

espantoso. Não fazemos i<strong>de</strong>ia do que<br />

vai acontecer nas bilheteiras a<br />

“Mundo Surreal”, mas o que<br />

po<strong>de</strong>mos dizer para já é que<br />

dificilmente Hollywood vai correr<br />

outro risco tão fora do baralho como<br />

esta fantasia esgrouvia<strong>da</strong> que traz<br />

“culto” estampado em tudo o que é<br />

imagem. Jorge Mourinha<br />

Continuam<br />

Mel<br />

Bal<br />

De Semih Kaplanoglu,<br />

com Bora Altas, Er<strong>da</strong>l Besikçioglu,<br />

Tülin Özen . M/12<br />

MMnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 21h30 6ª Sábado 2ª<br />

13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 21h30, 24h<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro Campo<br />

Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

4ª 18h30, 22h 3ª 18h30<br />

Urso <strong>de</strong> Ouro em Berlim 2010, “Mel”<br />

revela em Portugal o cineasta turco<br />

Semih Kaplanoglu, que encerra com<br />

este filme uma trilogia livremente<br />

autobiográfica inicia<strong>da</strong> com<br />

“Yumurta” (2007) e “Süt” (2008).<br />

Percebe-se que o júri <strong>de</strong> Werner<br />

Herzog se tenha <strong>de</strong>ixado levar pela<br />

natureza contemplativa, idílica, com<br />

que Kaplanoglu conta a sua história<br />

<strong>de</strong> uma infância rural <strong>de</strong> um menino<br />

<strong>de</strong> seis a<strong>nos</strong>, filho <strong>de</strong> camponeses:<br />

“Mel” imerge-<strong>nos</strong> numa espécie <strong>de</strong><br />

É<strong>de</strong>n intocado on<strong>de</strong>, apesar <strong>da</strong> luz<br />

eléctrica e dos telefones, é a tradição<br />

que coman<strong>da</strong>. Mas o olhar ao nível<br />

<strong>da</strong> criança que Kaplanoglu consegue<br />

recuperar, o lado quase etnográfico<br />

que, em conjunto, criam por<br />

acumulação um ambiente quase<br />

mágico, sensorial, com algo <strong>da</strong><br />

inocência pastoral <strong>de</strong> um Terrence<br />

Malick, embate na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

construir uma narrativa para<br />

“segurar as pontas” - e é aí que o<br />

filme se afun<strong>da</strong>, com a sensação <strong>de</strong><br />

que Kaplanoglu sabe exactamente o<br />

que quer filmar, mas não sabe<br />

exactamente o que quer contar. Isso<br />

não invali<strong>da</strong> que haja aqui<br />

belíssimos momentos <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>,<br />

sobretudo quando se projecta uma<br />

memória sensorial <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta do<br />

mundo. J. M.<br />

Camino<br />

De Javier Fesser,<br />

com Nerea Camacho, Carme Elias,<br />

Mariano Venancio, Manuela Vellés.<br />

M/12<br />

Mnnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h, 21h40, 00h15<br />

Citando um <strong>nos</strong>so mestre, “não me<br />

importo que me manipulem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que o façam com jeitinho”. Ora,<br />

jeitinho é coisa que “Camino”<br />

dispensa: do primeiro ao último<br />

plano é manipulação, manipulação,<br />

manipulação, e à bruta. Por ca<strong>da</strong> vez<br />

que Javier Fesser mostra um gran<strong>de</strong><br />

plano <strong>da</strong> miu<strong>da</strong> protagonista a sorrir<br />

estabelece-se um novo padrão para a<br />

pornografia sentimental; e nem o<br />

facto <strong>de</strong> “Camino” tratar <strong>de</strong> uma<br />

história basea<strong>da</strong> num tipo <strong>de</strong><br />

chantagem semelhante (chamemoslhe:<br />

um caso <strong>de</strong> pornografia religiosa)<br />

serve <strong>de</strong> atenuante, pelo contrário.<br />

Espécie <strong>de</strong> “Amélie Poulain nas<br />

Garras <strong>da</strong> Opus Dei”, o filme <strong>de</strong><br />

Fesser não dá tréguas: voltefaces<br />

dig<strong>nos</strong> <strong>de</strong> telenovela, beatas e padres<br />

sinistos, e muitos “sonhos” como<br />

medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> “inocência” <strong>da</strong> miu<strong>da</strong>. A<br />

intenção, parece, era contribuir para<br />

o mau nome <strong>da</strong> Opus Dei, mas quem<br />

sai pior é o <strong>cinema</strong>, e especialmente<br />

um dos seus géneros mais nobres, o<br />

melodrama. L.M.O.<br />

Potiche - Minha Rica<br />

Mulherzinha<br />

Potiche<br />

De François Ozon,<br />

com Catherine Deneuve, Gérard<br />

Depardieu, Fabrice Luchini, Karin<br />

Viard, Judith Godrèche, Jérémie<br />

Rénier. M/12<br />

MMnnn<br />

Lisboa: Atlânti<strong>da</strong>-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />

21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h40 6ª 15h50, 18h40, 21h40,<br />

00h20 Sábado 13h30, 15h50, 18h40, 21h40, 00h20<br />

Domingo 13h30, 15h50, 18h40, 21h40; CinemaCity<br />

Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 15h35, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 13h30,<br />

15h35, 17h40, 19h45, 21h45, 23h50; UCI Cinemas - El<br />

Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

14h10, 16h40, 19h10, 21h35, 00h05 Domingo 11h30,<br />

14h10, 16h40, 19h10, 21h35, 00h05; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 12h50, 15h20, 17h50, 20h50, 23h20<br />

Porto: Arrábi<strong>da</strong> 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado<br />

“Camino”: espécie<br />

<strong>de</strong> “Amélie Poulain<br />

nas Garras <strong>da</strong> Opus Dei”...<br />

Domingo 2ª 13h50, 16h35, 19h20, 21h55, 00h45 3ª<br />

4ª 16h35, 19h20, 21h55, 00h45; Arrábi<strong>da</strong> 20: Sala<br />

18: 5ª 6ª 2ª 13h50, 16h35, 19h20, 21h55, 00h45<br />

Sábado Domingo 21h55, 00h45 3ª 4ª 16h35, 19h20,<br />

21h55, 00h45; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h, 21h, 23h40<br />

Se Ozon tem alguma gran<strong>de</strong><br />

habili<strong>da</strong><strong>de</strong>, ela está na pré-fabricação<br />

(mais até do que na pre-visão) dos<br />

espectadores dos seus filmes e,<br />

sobretudo, na condução do percurso<br />

que ele <strong>de</strong>seja que os espectadores<br />

façam através dos filmes.<br />

Continuamos a dizer: Ozon é um<br />

hitchcockiano (mas um<br />

hitchcockiano barato). “Minha Rica<br />

Mulherzinha” continua a ser isso:<br />

sinais cui<strong>da</strong>dosamente distribuídos,<br />

reenvio permanente, “referências” e<br />

cotoveladinhas, um filme que se faz<br />

pelas pistas <strong>de</strong> leitura que ele próprio<br />

cria (e sem as quais não seria na<strong>da</strong>).<br />

Não é nem mais nem me<strong>nos</strong> grotesco<br />

do que outras coisas que Ozon já fez,<br />

embora, <strong>de</strong> facto, num registo<br />

cómico minimamente<br />

<strong>de</strong>sempoeirado a coisa se suporte um<br />

pouco melhor. Ain<strong>da</strong> que em<br />

ambivalência: é tão fácil elogiar a<br />

maneira como Deneuve e Depardieu<br />

se prestam a brincar com o seu<br />

estatuto simbólico no <strong>cinema</strong> francês<br />

como ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> gritar “basta, já<br />

fizeram isto 50 vezes, inventem lá<br />

outra coisa”. L.M.O.<br />

Copacabana<br />

De Marc Fitoussi,<br />

com Isabelle Huppert, Lolita<br />

Chammah, Aure Atika, Jurgen<br />

Delnaet. M/12<br />

MMnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h 6ª Sábado 2ª<br />

13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Sal<strong>da</strong>nha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50,<br />

00h20<br />

Ou <strong>de</strong> como um filme anódino se<br />

torna um bocadinho me<strong>nos</strong> anódino<br />

por causa <strong>de</strong> uma actriz. Sem Isabelle<br />

Huppert não se <strong>da</strong>ria na<strong>da</strong> por<br />

“Copacabana”, exemplo <strong>de</strong> um<br />

<strong>cinema</strong> correcto e “profissional” que<br />

não tem mais para <strong>da</strong>r, nem <strong>de</strong>seja<br />

mais, do que reiterar e reproduzir as<br />

suas características – o que não tem<br />

na<strong>da</strong> <strong>de</strong> mal, nem na<strong>da</strong> <strong>de</strong> bom. Com<br />

Huppert, mesmo a trabalhar em<br />

modo prazenteiro, acrescenta-se uma<br />

cama<strong>da</strong> extra, ao filme e à sua<br />

protagonista (e até o “gimmick” <strong>de</strong> a<br />

pôr a contracenar com a filha traz<br />

algum sentido). E “Copacabana”<br />

torna-se, até certo ponto ou a partir<br />

<strong>de</strong> certo ponto, num filme sobre o<br />

trabalho <strong>de</strong> uma actriz. Que se possa<br />

vê-lo como tal não é, apesar <strong>de</strong> tudo,<br />

uma quali<strong>da</strong><strong>de</strong> negligenciável. L.M.O.<br />

Somewhere - Algures<br />

Somewhere<br />

De Sofia Coppola,<br />

com Stephen Dorff, Elle Fanning. M/12<br />

Mnnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia Sal<strong>da</strong>nha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30,<br />

19h30, 21h30, 24h; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª 22h,<br />

00h20 3ª 00h20<br />

Porto: Arrábi<strong>da</strong> 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 19h<br />

A questão com Sofia po<strong>de</strong> continuar<br />

a colocar-se: um filme sobre o vazio<br />

ou um filme vazio?; um filme<br />

superficial ou um filme sobre<br />

superfícies? Mas julgamos que<br />

“Algures” respon<strong>de</strong>. Quer dizer:<br />

expõe Sofia. Que aqui, tentanto ir<br />

para além <strong>da</strong> bolha atmosférica – e é<br />

justo dizer que ela aguentou todo um<br />

filme, “As Virgens Suici<strong>da</strong>s”, numa<br />

espécie <strong>de</strong> leveza doentia, e isso é<br />

obra –, aventurando-se pela<br />

“malaise” existencialista, em modo<br />

Wen<strong>de</strong>rs ou Antonioni, dá um passo<br />

maior do que as pernas, nunca<br />

levantando o filme acima <strong>da</strong><br />

caricatura e do “cliché”. Há pe<strong>da</strong>ços<br />

<strong>de</strong>sastrosos (todo o episódio<br />

italiano), a <strong>de</strong>ambulação pai/filha é<br />

uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> perdi<strong>da</strong><br />

(passámos o filme a pensar em “Alice<br />

nas Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s”, <strong>de</strong> Wen<strong>de</strong>rs), o<br />

Chateau Marmont <strong>de</strong> Los Angeles é<br />

apenas um cenário, nunca inquieta a<br />

câmara. Lembrámo-<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Sofia,<br />

actriz no “Padrinho III”, exposta pelo<br />

pai, Francis: qualquer coisa próximo<br />

do incómodo. Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 37


Discos<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Murray traça um po<strong>de</strong>roso e vibrante retrato<br />

<strong>da</strong>s ligações cubanas <strong>de</strong> Nat King Cole, na tradição<br />

do melhor jazz cubano, com a participação<br />

lumi<strong>nos</strong>a <strong>da</strong> Sinfonieta <strong>de</strong> Sines<br />

Jazz<br />

De Cuba para<br />

Sines<br />

Com uma ligação fortíssima<br />

à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Sines, David<br />

Murray <strong>de</strong>dica o seu mais<br />

recente projecto à música <strong>de</strong><br />

Nat King Cole. Em espanhol.<br />

Rodrigo Amado<br />

David Murray Cuban Ensemble<br />

Plays Nat King Cole<br />

3D Family, Universal<br />

mmmmn<br />

David Murray é um<br />

dos gigantes do<br />

saxofone. Membro<br />

fun<strong>da</strong>dor dos<br />

World Saxophone<br />

Quartet e com<br />

cerca <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> álbuns<br />

editados em nome próprio, é um dos<br />

gran<strong>de</strong>s estilistas do saxofone tenor e<br />

possui um som inconfundível que<br />

tem tanto <strong>de</strong> Albert Ayler e Archie<br />

Shepp como <strong>de</strong> Ben Webster ou<br />

Coleman Hawkins. Nome<br />

incontornável quando se falava em<br />

jazz <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 70 e 80,<br />

passou a ser progressivamente mais<br />

influenciado pelo swing e pelo bop,<br />

revelando enorme talento como<br />

compositor e arranjador. Para este<br />

novo projecto, uma interpretação <strong>de</strong><br />

algumas <strong>da</strong>s canções grava<strong>da</strong>s por<br />

Nat King Cole <strong>nos</strong> seus dois álbuns <strong>de</strong><br />

58 e 62, cantados em Espanhol,<br />

Murray seguiu uma sugestão <strong>da</strong> sua<br />

mulher. “A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ste disco foi <strong>da</strong><br />

minha mulher, Valérie. Ela procurava<br />

conhecer um pouco mais <strong>da</strong>s suas<br />

raízes e fomos a Cuba, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é<br />

originário o seu avô. Nos estúdios<br />

Egrem vimos uma foto <strong>de</strong> Nat King<br />

Cole, tira<strong>da</strong> lá em 1958. Foi aí que<br />

<strong>de</strong>cidimos avançar com o projecto.”<br />

Reunindo alguns dos melhores<br />

instrumentistas cuba<strong>nos</strong> <strong>da</strong> nova<br />

geração – entre eles, Roman Filiu,<br />

Mario Felix Hernan<strong>de</strong>z Morrejon ou<br />

Jose “Pepe” Rivero – e juntando-lhes<br />

a Sinfonieta <strong>de</strong> Sines e o carismático<br />

vocalista Melingo, Murray traça um<br />

po<strong>de</strong>roso e vibrante retrato <strong>da</strong>s<br />

ligações cubanas <strong>de</strong> Nat King Cole, no<br />

qual surpreen<strong>de</strong> sobretudo a<br />

naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos arranjos, na<br />

tradição do melhor jazz cubano, e a<br />

participação lumi<strong>nos</strong>a <strong>da</strong> Sinfonieta<br />

<strong>de</strong> Sines, ci<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual Murray<br />

mantém uma ligação estreita. Nas<br />

palavras do próprio; “A minha ligação<br />

a Sines é antiga. Tenho lá muito bons<br />

amigos e acabei por comprar casa na<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Vivo em Paris, mas quando<br />

“Chopped & Screwed” não causa espanto.<br />

A espaços soa algo insular, distante. Mas recompensa<br />

quero passar um bom bocado,<br />

<strong>de</strong>scontrair, vou para Sines.” Mas a<br />

ligação do saxofonista a Sines não se<br />

resume a uns momentos bem<br />

passados. Murray encontrou na<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> dinâmica,<br />

na qual <strong>de</strong>staca o excelente trabalho<br />

<strong>de</strong>senvolvido durante a<strong>nos</strong> pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Câmara, Manuel<br />

Coelho. Um trabalho <strong>de</strong> referência<br />

que <strong>de</strong>u origem à Escola <strong>da</strong>s Artes e à<br />

primeira Sinfonieta <strong>de</strong> Sines, para<br />

além, está claro, do mais famoso dos<br />

festivais <strong>de</strong> músicas do mundo do<br />

<strong>nos</strong>so país. “A razão pela qual<br />

optámos por incluir a Sinfonieta é<br />

exactamente para que as pessoas<br />

saibam que há algo <strong>de</strong> novo e especial<br />

a acontecer em Sines.”<br />

E há realmente uma energia<br />

especial que se espalha por versões<br />

notáveis <strong>de</strong> “El bo<strong>de</strong>guero”, “Quizás,<br />

quizás, quizás”, ou “A media luz”,<br />

com solos exuberantes <strong>de</strong> Murray,<br />

Filiu ou Morrejon, e po<strong>de</strong>rosas<br />

interpretações vocais <strong>de</strong> Melingo (nas<br />

2 últimas). Mas é em “No me<br />

platiques”, instrumental marcado<br />

pelos arranjos expressivos <strong>da</strong><br />

Sinfonieta, que explo<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a<br />

expressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Murray, num fenomenal solo que<br />

evoca o melhor <strong>da</strong> sua obra.<br />

Pop<br />

Etno fantasia<br />

Devaneios <strong>de</strong> um produtor<br />

alemão convertido em<br />

explorador dos sons<br />

tradicionais do Quénia. Luís<br />

Maio<br />

Sven Kacirek<br />

The Kenya Sessions<br />

Pingipung, distri. Compact<br />

mmmmn<br />

Percussionista e<br />

produtor <strong>de</strong> música<br />

electrónica, o<br />

alemão Sven Kacirek<br />

<strong>de</strong>sembarcou pela<br />

primeira vez em<br />

Nairobi há dois a<strong>nos</strong>. Foi participar<br />

num espectáculo <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça, mas a sua<br />

actuação a solo encantou os locais,<br />

Sven Kacirek<br />

ao ponto <strong>de</strong> convencer Johannes<br />

Hossfeld, director do Goethe Institut<br />

Kenia, <strong>de</strong> que era o homem indicado<br />

para um projecto que tinha em<br />

mente. A sua i<strong>de</strong>ia era gravar<br />

reportório ancestral <strong>da</strong>s tribos<br />

Nyanza, instala<strong>da</strong>s à beira do lago<br />

Victoria, mas o projecto evoluiu para<br />

uma viagem mais ampla entre essa<br />

ponta oci<strong>de</strong>ntal do país e a oriental,<br />

que beija o oceano Pacífico, assim<br />

cobrindo os dois extremos <strong>da</strong> música<br />

e <strong>da</strong> cultura do país <strong>da</strong> África <strong>de</strong><br />

Leste.<br />

Esse trabalho <strong>de</strong> campo foi a base,<br />

mas as resultantes “The Kenya<br />

Sessions”, subintitula<strong>da</strong>s “Barabara”<br />

(“Na Estra<strong>da</strong>”), não têm na<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

recolha etnográfica, nem se pautam<br />

por qualquer purismo tradicionalista.<br />

No lugar disso, Sven Kacirek pegou<br />

no material recolhido no Quénia,<br />

sobretudo vozes, gaitas e percussões<br />

e empregou-o como um interlocutor<br />

para a sua própria música. Uma<br />

música acústica, singela e <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>,<br />

<strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong> em piano, xilofone e<br />

percussões, que parece repercutir e<br />

está no mesmo comprimento <strong>de</strong><br />

on<strong>da</strong> – antes dizia-se “vibração” – dos<br />

quenia<strong>nos</strong> que entretanto foi<br />

gravando. É evi<strong>de</strong>nte a bagagem<br />

electrónica <strong>de</strong> Sven, que faz entrar e<br />

sair na mistura as gravações <strong>de</strong><br />

campo numa lógica <strong>de</strong> corte e<br />

colagem e vai construindo os temas à<br />

luz <strong>de</strong> uma dinâmica <strong>de</strong> sucessivos<br />

picos <strong>da</strong>nçantes.<br />

“The Kenya Sessions” não é,<br />

porém, um disco <strong>de</strong> baile <strong>de</strong> fusão,<br />

mas um em que a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>nçante está sempre implícita,<br />

oferecendo novas asas à música <strong>da</strong>s<br />

raízes do Quénia. Nesse sentido é<br />

me<strong>nos</strong> Fre<strong>de</strong>ric Galliano que Michael<br />

Hart ou Stewart Copeland: um disco<br />

que parte <strong>de</strong> sonori<strong>da</strong><strong>de</strong>s étnicas<br />

para alimentar a fantasia, ou melhor,<br />

que sonha na mesma medi<strong>da</strong> em que<br />

contempla e integra a alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>. E<br />

funciona excelentemente, tanto<br />

como narrativa sónica, como uma<br />

espécie <strong>de</strong> ban<strong>da</strong> sonora para um<br />

romance <strong>de</strong> viagem passado algures<br />

na África Oriental, como um disco<br />

ambiental, que proporciona<br />

<strong>de</strong>scanso e massaja o espírito, na<br />

medi<strong>da</strong> em que combina loops e<br />

texturas com sabores exóticos.<br />

A orquestra Micachu<br />

Micachu & The Shapes<br />

Chopped & Screwed<br />

Rough Tra<strong>de</strong>; distri. Popstock<br />

mmmnn<br />

“Chopped &<br />

Screwed” não é o<br />

sucessor oficial <strong>de</strong><br />

“Jewellery”, o<br />

álbum <strong>de</strong> estreia <strong>de</strong><br />

Micachu & The<br />

Shapes que tanta alegria <strong>nos</strong> <strong>de</strong>u em<br />

2009: uma tangente pop <strong>de</strong>linea<strong>da</strong><br />

com tanta imaginação e espírito<br />

38 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


inventivo que <strong>nos</strong> ren<strong>de</strong>mos a Mica<br />

Levi, a mentora do trio, mulher que é<br />

guitarrista punk e produtora hip hop<br />

e compositora vanguardista e, tudo<br />

reunido, autora <strong>de</strong> canções que,<br />

como poucas outras, absorvem e<br />

reflectem, com i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> vinca<strong>da</strong>, o<br />

pulsar contemporâneo.<br />

“Chopped & Screwed”, tal como as<br />

mixtapes que Mica Levi vai<br />

disponibilizando online, é mais um<br />

capítulo na construção <strong>de</strong> um corpo<br />

<strong>de</strong> obra multifacetado. Nasceu <strong>de</strong> um<br />

convite <strong>da</strong> London Sinfonietta para a<br />

apresentação <strong>de</strong> um trabalho<br />

conjunto. A primeira apresentação<br />

aconteceu em Maio <strong>de</strong> 2010 e<br />

“Chopped & Screwed” é o registo<br />

<strong>de</strong>sse concerto.<br />

Micachu e os Shapes, armados <strong>de</strong><br />

instrumentos inventados, como a<br />

espécie <strong>de</strong> sanfona em contraplacado<br />

cria<strong>da</strong> por Mica Levi, e a Sinfonietta,<br />

fugindo <strong>de</strong> lugares confortáveis,<br />

entregue a pizzicatos <strong>de</strong>moníacos e<br />

arrufos <strong>de</strong> atonali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nove canções<br />

em cerca <strong>de</strong> meia hora, sem espaço<br />

para a bizarra e contagiante euforia<br />

<strong>de</strong> “Jewellery”. Música nocturna,<br />

tétrica a espaços, que sobrevive mais<br />

pela coerência e sentido <strong>de</strong> dinâmica<br />

do ambiente criado que pelas<br />

canções elas mesmas. Em “Unlucky”,<br />

parece-<strong>nos</strong> que os Looney Tunes<br />

musicados por Carl Stalling<br />

emergem, perversos, <strong>de</strong> uma<br />

qualquer cave on<strong>de</strong> os fecharam há<br />

déca<strong>da</strong>s. Em “Everything” a mancha<br />

sonora cria<strong>da</strong> evoca o prazer<br />

<strong>da</strong>nçante que <strong>de</strong>scobrimos em<br />

“Jewellery”. E há essa magnífica<br />

cenografia que é “Low dogg”, com as<br />

cor<strong>da</strong>s silvando, com os violoncelos<br />

em marcha psicótica e um órgão<br />

divagando, tentando atenuar a tensão<br />

que a letra não resolve: “every<strong>da</strong>y’s<br />

the same / stays the same”.<br />

“Chopped & Screwed” não causa<br />

espanto. A espaços soa algo insular,<br />

distante. Mas recompensa.<br />

Recompensa porque algo como a<br />

cita<strong>da</strong> “Low dogg” vale to<strong>da</strong> a viagem<br />

e, porque, mesmo no contexto muito<br />

específico <strong>da</strong> gravação com a<br />

Sinfonietta, Mica Levi revela-se,<br />

novamente, uma <strong>da</strong>s mentes mais<br />

interessantes <strong>da</strong> música popular<br />

urbana dos <strong>nos</strong>sos dias. M.L.<br />

Iron & Wine<br />

Kiss Each Other Clean<br />

Warner; distri. Coop<br />

mmmmn<br />

É extraordinária a<br />

entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> “Kiss<br />

Each Other Clean”:<br />

“Walking far from<br />

home” não só está<br />

prenhe <strong>de</strong><br />

simbologia epifânica como emula as<br />

ascensões características <strong>da</strong> música<br />

religiosa. É uma simples linha<br />

melódica circular, à qual vão sendo<br />

adicionados coros, pia<strong>nos</strong>, órgãos,<br />

tarolas com <strong>de</strong>lay, efeitos <strong>de</strong> guitarra,<br />

um sem número <strong>de</strong> elementos que<br />

O melhor disco <strong>de</strong> Sam<br />

Beam e se não for dos<br />

melhores que 2011 vai<br />

conhecer será certamente<br />

dos mais belos<br />

vão engran<strong>de</strong>cendo a canção até que<br />

esta – que ao início era um simples<br />

lalala a zumbir no ouvido – enche as<br />

veias, inun<strong>da</strong> os pulmões e instala<br />

aqui que há tanto <strong>nos</strong> falta e é quase<br />

feio sentir: fé. Não obrigatoriamente<br />

no Senhor que Beam nomeia, mas<br />

em qualquer coisa. Dizer que a<br />

fasquia <strong>de</strong>sce com “Me and Lazarus”<br />

é <strong>de</strong>magogia: construí<strong>da</strong> em redor <strong>de</strong><br />

uma bela linha <strong>de</strong> baixo, e com<br />

metais e zunir <strong>de</strong> guitarra acústica<br />

pelo meio, seria excelente acen<strong>da</strong>lha<br />

para começar a ignição do disco não<br />

fora este abrir logo em estado <strong>de</strong><br />

incêndio. E porque não consta que<br />

uma gran<strong>de</strong> abertura tenha <strong>de</strong> se ater<br />

a um mero par <strong>de</strong> canções, segue-se<br />

“Tree by the river”, gospel ligeiro<br />

com xilofones, pan<strong>de</strong>iretas, a-has,<br />

que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>riva no refrão para uma<br />

folk rica, antes <strong>de</strong> uma figura <strong>de</strong><br />

guitarra eléctrica se juntar ao coro<br />

num momento <strong>de</strong> mãos-ao-alto-istoé-um-colosso-<strong>de</strong>-canção.<br />

Daqui para<br />

o fim há <strong>de</strong> tudo para todos os gostos:<br />

canções finca<strong>da</strong>s em linhas <strong>de</strong> baixo<br />

sombrias, wurlitzers a <strong>de</strong>bitar<br />

groove, folk sinfónica her<strong>de</strong>ira <strong>da</strong><br />

(enorme) Ju<strong>de</strong>e Sill (notório na<br />

<strong>de</strong>sci<strong>da</strong> antes do refrão <strong>de</strong> “Brother<br />

in love”, com o seu registo <strong>de</strong> quem<br />

prefere tropeçar a olhar para os céus<br />

que caminhar recto a tactear o chão),<br />

flautas e muitos coros, brinca<strong>de</strong>iras<br />

ao xilofone vagamente in<strong>de</strong>scritíveis<br />

e até algo <strong>de</strong> jazzístico e <strong>de</strong><br />

psicadélico. Mais que tudo, um elogio<br />

<strong>da</strong> melodia enquanto estrutura que<br />

suporta tudo. O melhor disco <strong>de</strong> Sam<br />

Beam e se não for dos melhores que<br />

2011 vai conhecer será certamente<br />

dos mais belos. João Bonifácio<br />

Munch Munch<br />

Double Visions<br />

Upset The Rhythm; distri. Flur<br />

mmmmn<br />

Quando o álbum<br />

começa, ouve-se um<br />

vibrafone, um piano<br />

e vozes subindo ao<br />

agudo <strong>da</strong> escala.<br />

Tudo muito<br />

oceânico, muito sereno. Isso, porém,<br />

são apenas os primeiros dois<br />

minutos. Porque os Munch Munch,<br />

eles que dizem procurar na música o<br />

“escapismo”, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

sonho, portanto, revelam-se <strong>de</strong>pois<br />

disso. Depois, ouvem-se teclados<br />

fervilhantes em turbilhão e vozes que<br />

são guia por viagem alucina<strong>da</strong> espaço<br />

fora. Vozes que têm o tom grave <strong>de</strong><br />

conto <strong>de</strong> terror ou que são grito <strong>de</strong><br />

ritualista urbano que ouviu Wyatt e<br />

os Grizzly Bear e os Animal Collective<br />

e os Floyd. Música que preten<strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>nçar como ban<strong>da</strong> rock e explorar<br />

como pesquisador sonoro: por isso<br />

rugem tarolas sobre visões<br />

quimicamente altera<strong>da</strong>s dos tempos<br />

<strong>de</strong> Madchester e dos Inspiral Carpets.<br />

Por isso, ouvimo-los numa canção<br />

como “Autumn mask”, saltitando<br />

sobre o arpeggio <strong>da</strong>s teclas, e<br />

<strong>de</strong>scobrimos que <strong>nos</strong> surpreen<strong>de</strong>m<br />

<strong>da</strong> melhor forma possível –<br />

sonhadores fervorosos, ocupados a<br />

<strong>de</strong>smontar e remontar pe<strong>da</strong>ços <strong>de</strong><br />

canções com um entusiasmo<br />

contagiante. “Wolfman’s wife” é<br />

terror <strong>de</strong> conto popular<br />

transformado em filme sci-fi, “Bold<br />

man of the sea” começa planando em<br />

sintetizadores, muito Floydiana,<br />

antes <strong>de</strong> explodir em percussão<br />

irrequieta e vozes em falsete – não<br />

sabemos para on<strong>de</strong> <strong>nos</strong> levam, mas<br />

<strong>da</strong>nçamos com eles - e “Night corner”<br />

é a actualização Soft Machine que os<br />

Klaxons (com quem os Munch Munch<br />

são por vezes comparados) não<br />

querem ou não conseguiram ser. Um<br />

primeiro disco tão frenético quanto<br />

promissor que <strong>nos</strong> <strong>de</strong>ixa a sensação<br />

que o futuro dos Munch Munch será<br />

ain<strong>da</strong> melhor. Assim continuem<br />

explorando, viajando, com o mesmo<br />

fervor que ouvimos em “Double<br />

Visions”. M.L.<br />

Munch Munch: continuem explorando...<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 39


Discos<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Cuca Roseta<br />

Cuca Roseta<br />

Surco; distri. Universal<br />

mmmnn<br />

Cuca chega formosa e bem<br />

segura; veremos agora<br />

se conseguirá convocar<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s sísmicas para<br />

os fados que se seguem<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

PRO.DANÇA<br />

Companhia<br />

Olga Roriz<br />

“Cuca Roseta” po<strong>de</strong><br />

ser ouvido e<br />

pensado assim –<br />

como quem acaba<br />

<strong>de</strong> travar<br />

conhecimento com<br />

uma pessoa sobre a qual na<strong>da</strong> sabe. E<br />

a primeira impressão é<br />

consistentemente boa. Um sorriso<br />

natural e pouco esforçado do outro<br />

lado, <strong>de</strong>scobrindo uma <strong>de</strong>ntição sem<br />

restos do almoço ou do jantar à<br />

espreita, umas palavras <strong>de</strong><br />

circunstância não reveladoras <strong>de</strong><br />

ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> social ou tão-pouco <strong>de</strong><br />

familiari<strong>da</strong><strong>de</strong> excessiva. Intriga o<br />

suficiente, quer-se conhecer mais,<br />

mas fica também o medo <strong>de</strong> que não<br />

seja mais do que isto. O medo <strong>de</strong> que<br />

Cuca Roseta nunca ouse mais do que<br />

aquilo que se ouve já no disco <strong>de</strong><br />

estreia.<br />

Porque há no seu primeiro álbum<br />

um compromisso que, <strong>de</strong> futuro, se<br />

po<strong>de</strong> revelar castrador. O fado <strong>de</strong><br />

Cuca é um fado com clara inclinação<br />

para a canção, suficientemente<br />

confortável com a sua imagem ao<br />

espelho para aceitar que não há<br />

promiscui<strong>da</strong><strong>de</strong> alguma em convi<strong>da</strong>r a<br />

guitarra portuguesa para a sua<br />

intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, não<br />

fechar a porta ao passado pop (foi<br />

ain<strong>da</strong> <strong>nos</strong> Toranja que começou a<br />

cantar fado em concerto). Essa<br />

característica, bem explora<strong>da</strong>,<br />

po<strong>de</strong>rá vir a ser a maior quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

caminho <strong>de</strong> Cuca. A produção do<br />

oscarizado Gustavo Santaolalla (pelas<br />

ban<strong>da</strong>s sonoras <strong>de</strong> “Babel” e<br />

“Brokeback Mountain”) era (e é) uma<br />

opção inteligente nesse <strong>de</strong>marcar <strong>de</strong><br />

território. Mas <strong>de</strong>via ter-se permitido<br />

arriscar mais, per<strong>de</strong>r mais o pé. Claro<br />

que corria o risco <strong>de</strong> se estampar<br />

logo ao primeiro disco e sair <strong>de</strong>le<br />

irremediavelmente chamusca<strong>da</strong> – e<br />

Santaolalla, evi<strong>de</strong>ntemente, não<br />

quereria mexer <strong>de</strong>masiado num<br />

género <strong>de</strong> que não conhece as<br />

entranhas –, mas fica a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que,<br />

mesmo avançando com um disco<br />

seguro e com tudo no sítio, po<strong>de</strong>rá<br />

não haver muito mais para lá <strong>de</strong>sta<br />

simpática primeira impressão.<br />

Se é ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que “Cuca Roseta”fica<br />

claramente acima <strong>da</strong>s estreias<br />

recentes <strong>de</strong> Luísa Rocha ou Cristina<br />

Nóbrega, não se consegue ain<strong>da</strong><br />

perceber-se que lugar ocupará o<br />

canto virginal <strong>de</strong> Cuca entre as outras<br />

vozes. Chega a ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente<br />

tocante – como na “Rua do Capelão”<br />

que a revelou sublime no filme <strong>de</strong><br />

Carlos Saura, “Fados” – mas revela-se<br />

incapaz <strong>de</strong> ombrear com, por<br />

exemplo, a natureza vulcânica <strong>de</strong><br />

Carminho – essa que abre a boca e as<br />

<strong>nos</strong>sas fun<strong>da</strong>ções parecem feitas <strong>de</strong><br />

papel. Cuca chega formosa e bem<br />

segura. Muito bem. Veremos agora se<br />

conseguirá convocar quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

sísmicas para os fados que se<br />

seguem. Gonçalo Frota<br />

Clássica<br />

O sonho do<br />

virtuoso<br />

Como num pesa<strong>de</strong>lo, os<br />

estudos <strong>de</strong> referência<br />

do repertório pianístico<br />

misturam-se revelando uma<br />

espécie <strong>de</strong> subconsciente<br />

colectivo do virtuoso.<br />

Rui Pereira<br />

Marc-André Hamelin<br />

Obras para piano solo<br />

Marc-André Hamelin, piano<br />

Hyperíon CDA 67789<br />

mmmmn<br />

Marc-André<br />

Hamelin é um dos<br />

gran<strong>de</strong>s pianistas <strong>da</strong><br />

actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, um<br />

monstro do<br />

virtuosismo. O seu<br />

repertório tem abor<strong>da</strong>do peças<br />

me<strong>nos</strong> conheci<strong>da</strong>s do gran<strong>de</strong><br />

público, revelando obras-primas<br />

envoltas numa aura <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica. Em recital, inclui<br />

regularmente obras originais ou<br />

arranjos seus prosseguindo a tradição<br />

romântica do compositor-intérprete<br />

na linha <strong>de</strong> Liszt ou Chopin. Mas, ao<br />

contrário <strong>de</strong>stes gran<strong>de</strong>s<br />

compositores que viveram num<br />

tempo em que as duas activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

compositor e intérprete, ain<strong>da</strong> não se<br />

distinguiam e, até mesmo, se<br />

confundiam, Hamelin vive num<br />

tempo em que poucos são os<br />

compositores que interpretam as<br />

suas obras. A própria atitu<strong>de</strong><br />

compositiva <strong>de</strong> Hamelin é muito<br />

diferente <strong>da</strong> maior parte dos seus<br />

pares, visto que as suas obras partem<br />

<strong>da</strong> sua experiência como intérprete<br />

<strong>de</strong> um repertório marca<strong>da</strong>mente<br />

Romântico. Dessa forma, as suas<br />

obras não têm qualquer preocupação<br />

em afirmar uma linguagem <strong>de</strong><br />

contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> e são cria<strong>da</strong>s a<br />

partir <strong>de</strong> fortes referências do<br />

repertório oitocentista. É nesse<br />

registo, muito mais próximo <strong>da</strong><br />

transcrição, que <strong>de</strong>vem ser avalia<strong>da</strong>s.<br />

O próprio nome dos seus 12 estudos,<br />

que agora apresenta em disco numa<br />

interpretação absolutamente<br />

estonteante, remete-<strong>nos</strong> para o<br />

universo <strong>da</strong> tonali<strong>da</strong><strong>de</strong> e para o<br />

registo <strong>de</strong> múltiplas homenagens a<br />

compositores do passado.<br />

Chopin, Paganini, Liszt,<br />

Tchaikovsky, Schubert ou Rossini<br />

aparecem em referências quase<br />

<strong>de</strong>moníacas perante a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

transcen<strong>de</strong>nte dos estudos. Gabe-se a<br />

clareza <strong>da</strong> escrita pianística que <strong>nos</strong><br />

revela uma <strong>de</strong>streza absoluta e um<br />

domínio do teclado como poucos<br />

compositores terão alcançado.<br />

Alguns rasgos <strong>de</strong> invenção rítmica e<br />

influências <strong>de</strong> música popular<br />

permitem vislumbrar alguma<br />

actuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma música que<br />

quase po<strong>de</strong>ria ser escrita no final do<br />

século XIX ou início do século XX<br />

mas que irá conquistar os<br />

melóma<strong>nos</strong> que encontram neste<br />

disco uma espécie <strong>de</strong> repertório i<strong>de</strong>al<br />

para o encore perfeito após um<br />

recital <strong>de</strong> piano. Resta saber se<br />

Hamelin ficará para a história como<br />

compositor. Penso que não.<br />

40 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


Concertos<br />

AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entra<strong>da</strong> livre<br />

AO VIVO<br />

THE GIFT<br />

03.04. 15H00 FNAC ALMADA<br />

Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt<br />

Sara Serpa tem novo álbum, “Mobile”<br />

Jazz<br />

Viajar <strong>nos</strong><br />

labirintos <strong>da</strong><br />

voz<br />

As maiores expectativas<br />

para a apresentação <strong>de</strong> Sara<br />

Serpa. Rodrigo Amado<br />

Sara Serpa Quinteto<br />

Com Sara Serpa (voz), André Matos<br />

(guitarra), Masa Kamaguchi<br />

(contrabaixo), Kris Davis (piano),<br />

Tommy Crane (bateria).<br />

Porto. Casa <strong>da</strong> Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. 3ª às 19h30. Tel.: 220120220. €7,50<br />

(sujeito a <strong>de</strong>sconto). Jantar-concerto: €22,50. Na<br />

Sala 2.<br />

Ciclo Jazz Galp. Apresentação <strong>de</strong><br />

“Praia”.<br />

Sara Serpa tem novo álbum,<br />

“Mobile”, acabado <strong>de</strong> editar na Inner<br />

Circle, label dirigi<strong>da</strong> pelo saxofonista<br />

Greg Osby, músico com o qual<br />

mantém uma longa colaboração,<br />

participando mesmo em alguns dos<br />

seus projectos. Suce<strong>de</strong>ndo-se a<br />

“Camera Obscura”, notável registo<br />

em duo com Ran Blake, consi<strong>de</strong>rado<br />

por nós um dos melhores do ano<br />

passado, “Mobile” promete reafirmar<br />

Serpa como uma <strong>da</strong>s mais<br />

interessantes vocalistas <strong>da</strong><br />

actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Inspirando-se na leitura<br />

<strong>de</strong> clássicos <strong>de</strong> viagem, <strong>de</strong> autores<br />

como John Steinbeck, V.S. Naipaul ou<br />

Ryzard Kapuscinki, e reflectindo uma<br />

enorme paixão pelo contar <strong>de</strong> uma<br />

história, Serpa constrói um álbum<br />

que é uma narrativa imaginária,<br />

repleta <strong>de</strong> mistério e aventura - o<br />

contexto perfeito para as suas<br />

imaginativas explorações vocais.<br />

Fazendo-se acompanhar por<br />

quatro excelentes músicos - André<br />

Matos na guitarra, Kris Davis no<br />

piano, Masa Kamaguchi no<br />

Último<br />

concerto<br />

contrabaixo e Tommy Crane na<br />

bateria – Serpa apresenta o novo<br />

álbum na Festa do Jazz do São Luiz e<br />

na Casa <strong>da</strong> Música. As maiores<br />

expectativas para dois concertos a<br />

não per<strong>de</strong>r.<br />

Pop<br />

P’ra meni<strong>nos</strong> e p’ra<br />

gente cresci<strong>da</strong><br />

Agora é a sério. Os LCD<br />

Soundsystem <strong>da</strong>rão<br />

o seu último concerto<br />

amanhã, no Madison<br />

Square Gar<strong>de</strong>n, em Nova<br />

Iorque. Na primeira<br />

parte estarão os Liquid<br />

Liquid, a influente<br />

ban<strong>da</strong> do pós-punk <strong>da</strong><br />

Big Apple. A distância é<br />

gran<strong>de</strong> e os bilhetes estão<br />

esgotados, mas o mundo<br />

B Facha<strong>da</strong> é P’ra Meni<strong>nos</strong><br />

Com B Facha<strong>da</strong> (voz; guitarras e<br />

teclados), Francisca Cortesão<br />

(guitarras e voz), Martim<br />

(contrabaixo e voz), Mariana<br />

(bateria e percussão).<br />

Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei<br />

Miguel Contreiras, 52. 2ª e Dom. às 22h00.Sáb. e<br />

Dom. às 16h00 (crianças e famílias). Tel.: 218438801.<br />

Sessões 16h: €5 (adulto); €2,50 (criança). Sessão<br />

22h: €12 (sujeito a <strong>de</strong>sconto). Na Sala Principal.<br />

B Facha<strong>da</strong> “É P’ra Meni<strong>nos</strong>”. Assim<br />

reza a capa do último álbum <strong>de</strong><br />

Facha<strong>da</strong>, e assim o veremos no Maria<br />

Matos, em Lisboa, numa saga <strong>de</strong><br />

cinco concertos com início marcado<br />

para a tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> amanhã. “É P’ra<br />

Meni<strong>nos</strong>” é o álbum em que a<br />

morali<strong>da</strong><strong>de</strong> (“a” gran<strong>de</strong> questão na<br />

música do autor <strong>de</strong> “Há Festa na<br />

Moradia) é trata<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma mais<br />

<strong>de</strong>clara<strong>da</strong>. Um álbum <strong>de</strong> ban<strong>da</strong>, o<br />

primeiro <strong>da</strong> sua ain<strong>da</strong> curta mas<br />

muito produtiva carreira, em que<br />

surge acompanhado <strong>de</strong> baixo e<br />

bateria e em que as canções se<br />

suce<strong>de</strong>m como se<br />

<strong>de</strong> uma<br />

caixinha <strong>de</strong><br />

música se<br />

tratasse, ora<br />

em modo<br />

À tar<strong>de</strong> para meni<strong>nos</strong>,<br />

à noite galga-se a faixa etária<br />

não vai per<strong>de</strong>r o concerto,<br />

marcado para as 20h<br />

<strong>de</strong> Nova Iorque, 15h em<br />

Portugal Continental. O<br />

site Pitchfork vai<br />

transmitir em<br />

exclusivo as três<br />

horas <strong>de</strong> música<br />

que os LCD<br />

prometeram - e<br />

já avisou que não<br />

irá repeti-las.<br />

provocador/brincalhão, ora<br />

melancólico.<br />

“É P’ra Meni<strong>nos</strong>”, ciclo <strong>de</strong> canções<br />

que começa com sopa na mesa <strong>da</strong><br />

criança e que segue a criança que<br />

cresce até chegarem as <strong>de</strong>silusões a<br />

que vi<strong>da</strong> obriga, não ensina<br />

morali<strong>da</strong><strong>de</strong>zinhas <strong>de</strong> pacotilha. “Tó-<br />

Zé tu tem cui<strong>da</strong>do / Não sejas pau<br />

man<strong>da</strong>do”, eis o mote para um<br />

álbum que as crianças po<strong>de</strong>m cantar<br />

e com que os adultos apren<strong>de</strong>m um<br />

par <strong>de</strong> coisas nas artes <strong>da</strong> educação<br />

dos futuros alicerces <strong>da</strong> nação.<br />

No Maria Matos teremos, na tar<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Sábado e Domingo, dois concertos<br />

<strong>de</strong> trinta e cinco minutos para<br />

crianças, <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente cenografados.<br />

À noite, galgar-se-ão faixas etárias e B<br />

Facha<strong>da</strong> subirá a palco na companhia<br />

<strong>de</strong> Martim e Mariana, o<br />

contrabaixista e a baterista que o<br />

acompanharam na gravação do<br />

disco, e com as convi<strong>da</strong><strong>da</strong>s Francisca<br />

Cortesão (Minta) e Lula Pena, duas<br />

vozes que colaboraram em “É P’ra<br />

Meni<strong>nos</strong>”.<br />

A eleva<strong>da</strong> procura <strong>de</strong> bilhetes<br />

levou entretanto à marcação <strong>de</strong> uma<br />

<strong>da</strong>ta extra. Para além dos concertos<br />

noctur<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Sábado e Domingo, foi<br />

marcado outro para segun<strong>da</strong>. Para<br />

adultos. M.L.<br />

O Brasil do frio<br />

também aquece<br />

Vitor Ramil<br />

Com Vitor Ramil (voz e violão).<br />

Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício Se<strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> CGD. 2ª às 21h30. Tel.: 217905155. €15 (sujeito a<br />

<strong>de</strong>sconto). No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Délibád”.<br />

Quem vir o novo trabalho <strong>de</strong> Vitor<br />

Ramil po<strong>de</strong> pensar que ele só<br />

trabalha com anagramas. Depois <strong>de</strong><br />

“Satolep Sambatown”, que<br />

apresentou em Portugal em 2009,<br />

surge agora com “Délibáb”,<br />

consi<strong>de</strong>rado no Brasil como um dos<br />

melhores espectáculos <strong>de</strong> 2010. Mas<br />

não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Satolep” é o nome <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele nasceu em 1962<br />

(Pelotas, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul) mas<br />

escrito ao contrário; e “Délibáb” é<br />

uma palavra húngara que o fascinou,<br />

como ele explica ao Ípsilon:<br />

“Encontrei-a numa<br />

enciclopédia<br />

organiza<strong>da</strong><br />

pelo<br />

Ernesto<br />

Sábato. O<br />

Vitor Ramil: o Brasil<br />

frio vai mostrar<br />

que também aquece<br />

que é? É uma miragem que ocorre na<br />

planície húngara. Ele diz: imagine um<br />

trem no horizonte mas sem ruídos <strong>da</strong><br />

máquinas, sem trilhos. Porque ele<br />

está a 100 quilómetros <strong>da</strong>li, foi<br />

arrastado pelo délibáb, um fenómeno<br />

óptico”. De viagem por Bu<strong>da</strong>peste,<br />

ele encontrou essa mesma palavra<br />

numa rua, num hotel. Mais tar<strong>de</strong>, já<br />

no Brasil, quando procurava um<br />

nome para o seu novo disco, achou<br />

“délibáb” a<strong>de</strong>quado. Porque o disco é<br />

feito <strong>de</strong> milongas compostas por ele a<br />

partir <strong>de</strong> milongas-poemas <strong>de</strong> Jorge<br />

Luis Borges (1899-1986) e <strong>de</strong> um<br />

poeta brasileiro seu contemporâneo,<br />

João <strong>da</strong> Cunha Vargas (1900-1980) e<br />

isso, na cabeça <strong>de</strong> Ramil, configura<br />

também “um jogo <strong>de</strong> espelhos”. Mas<br />

sempre no universo gaúcho, o Brasil<br />

do Sul e a Argentina. “Para<br />

completar, eu fiz uma análise<br />

etimológica <strong>da</strong> palavra e <strong>de</strong>scobri que<br />

‘báb’ significa ilusão e ‘déli’ significa<br />

do sul. E o sul que eu estou pensando<br />

neste trabalho é o sul do meu<br />

imaginário.” Nos a<strong>nos</strong> 90, ele tinhase<br />

<strong>da</strong>do conta <strong>de</strong> que to<strong>da</strong> a gente<br />

falava do Brasil como lugar <strong>de</strong> calor,<br />

quando no sul on<strong>de</strong> ele nasceu há<br />

neblina, neve. “Dei-me conta que<br />

havia uma estética que unia o Brasil<br />

do calor, tropical, com essa música<br />

<strong>de</strong> festa, <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong> alegria. Aí eu<br />

pensei que não havia uma estética do<br />

frio, que falasse <strong>de</strong> nós.” Os poemas<br />

<strong>de</strong> Borges, “homem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

escreveu sobre o campo”, e <strong>de</strong><br />

Vargas, “homem do campo que usava<br />

o linguajar próprio do lugar”, ambos<br />

gaúchos, unem-se por isso na<br />

milonga, “um género intimista,<br />

reflexivo”. Hoje, na voz e no violão <strong>de</strong><br />

Vitor Ramil, o Brasil do frio vai<br />

mostrar que também aquece. Nuno<br />

Pacheco<br />

To<strong>da</strong> uma outra<br />

“ópera” com Rene<br />

Hell<br />

Rene Hell<br />

Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua <strong>da</strong> Barroca, 59 –<br />

Bairro Alto. Hoje às 23h. Tel.: 213430205. 8€.<br />

Clubbing: Roy Ayers<br />

Porto. Casa <strong>da</strong> Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Sáb. às 22h30. Tel.: 220120220. €10.<br />

Na Sala Suggia.<br />

Sala 2: Plastician, MC Nomad, Link,<br />

Shaolin Temple Defen<strong>de</strong>rs.<br />

Cybermusica: Álvaro Costa, Tiago<br />

Sousa Trio, Rene Hell. Bares 1 e 2:<br />

Pedro Santos. Restaurante: A<strong>da</strong>m<br />

Ficek, Aeroplane.<br />

Ouvimos Rene Hell e é como se a<br />

vertigem exploratória <strong>de</strong> criadores<br />

entregues a drones e à composição<br />

solitária, concretiza<strong>da</strong> em paisagem<br />

electrónica ou em sintetizadores<br />

analógicos, ganhasse uma dimensão<br />

orquestral. Porque Hell procura um<br />

sentido para o som, procura dirigi-lo<br />

em vez <strong>de</strong> se per<strong>de</strong>r livremente <strong>nos</strong><br />

caminhos que este aponta.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 41


Concertos<br />

Quintafeira<br />

As Pocahaunted eram<br />

duas xamãs arma<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

loops, sintetizadores e<br />

vozes evanescentes.<br />

Beth Consentino<br />

saiu e formou os<br />

Best Coast que todos<br />

conhecemos. Diva<br />

Bompé, simplesmente<br />

Diva no percurso<br />

a solo, continua<br />

a oferecer-<strong>nos</strong> uma<br />

visão caleidoscópica<br />

e electrónica <strong>de</strong><br />

psica<strong>de</strong>lismo, agora<br />

mais íntima e me<strong>nos</strong><br />

xamânica, ain<strong>da</strong> mágica.<br />

Depois <strong>de</strong> uma digressão<br />

com Os Mutantes e Ariel<br />

Pink, chega ao Lounge,<br />

em Lisboa, na próxima<br />

quinta-feira.<br />

Rene Hell é o nome artístico <strong>de</strong><br />

Jeff Witshcher, homem atarefado que<br />

se foi distinguindo no un<strong>de</strong>rground<br />

americano pelas várias edições em<br />

cassete que lança enquanto Secret<br />

Abuse, Abelar Scout ou Marble Sky.<br />

Colocado ao lado <strong>de</strong> outros estetas<br />

sonoros contemporâneos como os<br />

Emeralds ou Oneothrix Point Never,<br />

editou o ano passado o seu primeiro<br />

disco, “Porcelain Opera”. É esse que<br />

apresentará na ZDB, esta noite, e<br />

amanhã na Casa <strong>da</strong> Música, no Porto,<br />

incluído no Clubbing que terá como<br />

cabeça <strong>de</strong> cartaz a len<strong>da</strong> funk jazz<br />

Roy Ayers e on<strong>de</strong> assistiremos a<br />

concertos <strong>de</strong> Tiago Sousa ou Link.<br />

“Porcelain Opera” é um álbum<br />

on<strong>de</strong> a noção <strong>de</strong> viagem, tão cara por<br />

exemplo a Klaus Schulze, <strong>de</strong> quem<br />

<strong>nos</strong> recor<strong>da</strong>mos ao ouvi-lo, se<br />

concretiza com uma exigente atenção<br />

ao pormenor e com um sentido <strong>de</strong><br />

cenografia – as vozes processa<strong>da</strong>s, as<br />

bati<strong>da</strong>s que assaltam<br />

esporadicamente a paisagem <strong>de</strong><br />

loops e sintetizadores – tão<br />

envolvente quanto fantasmagórico.<br />

Na ZDB, a primeira parte do<br />

concerto tem como protagonistas<br />

Luís Lopes e Filipe Felizardo. “Place<br />

Your Bets And Pray For Blood”: duas<br />

telas on<strong>de</strong> são projecta<strong>da</strong>s imagens<br />

monta<strong>da</strong>s a partir <strong>de</strong> DVDs <strong>de</strong><br />

campeonatos <strong>de</strong> lutas <strong>de</strong> grilos na<br />

China (por António Júlio Duarte e<br />

Filipe Felizardo), e, à sua frente,<br />

outro tipo <strong>de</strong> combate – o <strong>de</strong> duas<br />

guitarras que marcaram duelo para a<br />

noite <strong>de</strong> 1 Abril. M.L.<br />

Clássica<br />

Espirituali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

barrocas e<br />

contemporâneas<br />

A música <strong>de</strong> Vivaldi,<br />

Ferrandini e Alexandre<br />

Delgado pela soprano Maria<br />

Bayo. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Maria Bayo (soprano)<br />

Divino Sospiro<br />

Massimo Mazzeo (direção)<br />

Obras <strong>de</strong> Vivaldi, Ferrandini e<br />

Alexandre Delgado<br />

Santiago do Cacém, Igreja Matriz, dia 2, às 21h30.<br />

A soprano espanhola Maria Bayo e a<br />

orquestra barroca Divino Sospiro,<br />

sob a direcção <strong>de</strong> Massimo Mazzeo,<br />

abrem amanhã (às 21h30, na Igreja<br />

Matriz <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Cacém), a 7ª<br />

edição do Festival <strong>de</strong> Música Sacra do<br />

Baixo Alentejo - Terras sem Sombra,<br />

uma iniciativa do Departamento do<br />

Património Histórico e Artístico <strong>da</strong><br />

A soprano Maria Bayo<br />

Diocese <strong>de</strong> Beja, que preten<strong>de</strong><br />

combinar a música com a<br />

dinamização do património edificado<br />

e com acções <strong>de</strong> preservação <strong>da</strong><br />

biodiversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A programação <strong>de</strong>ste<br />

ano, intitula<strong>da</strong> “Peregrinação Interior<br />

– Momentos <strong>da</strong> Espirituali<strong>da</strong><strong>de</strong> na<br />

Música Oci<strong>de</strong>ntal (Séculos XVII-<br />

XXI)”, é a primeira assina<strong>da</strong> por<br />

Paolo Pinamonti, que suce<strong>de</strong> à<br />

produtora Arte <strong>da</strong>s Musas na<br />

direcção artística. O diálogo com a<br />

contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> será uma marca<br />

distintiva <strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong>s<br />

propostas que vão ter lugar entre 2<br />

<strong>de</strong> Abril e 9 <strong>de</strong> Junho nas locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Santiago do Cacém, Almodôvar,<br />

Grândola, Beja, Vila <strong>de</strong> Fra<strong>de</strong>s e<br />

Castro Ver<strong>de</strong> com intérpretes como o<br />

cravista Pierre Hantaï, os pianistas<br />

Miguel Borges Coelho e Marta<br />

Zabaleta, a violoncelista Irene Lima<br />

ou o Coro <strong>da</strong> Arena <strong>de</strong> Verona.<br />

Na abertura, páginas barrocas <strong>de</strong><br />

Vivaldi e Giovanni Ferrandini<br />

alternam com a estreia absoluta <strong>de</strong><br />

“Peregrinação Interior: Cinco<br />

Sonetos Quinhentistas”, <strong>de</strong><br />

Alexandre Delgado, uma encomen<strong>da</strong><br />

do festival. Por ocasião <strong>da</strong><br />

apresentação do programa, o<br />

compositor (que também irá actuar<br />

como violetista na peça “Rothko<br />

Chapel”, <strong>de</strong> Morton Feldman a 30 <strong>de</strong><br />

Abril) sublinhou o facto <strong>de</strong> apenas<br />

um dos Sonetos ser <strong>de</strong> Camões e <strong>de</strong><br />

ter apostado em autores como<br />

António Ferreira, D. Manuel <strong>de</strong><br />

Portugal e Antonio Rodrigues <strong>de</strong><br />

Castro, bem como “a honra <strong>de</strong><br />

escrever para uma cantora como<br />

Maria Bayo”. A soprano, cuja<br />

importante carreira internacional<br />

inclui repertório operático <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

Barroco ao século XX e a recuperação<br />

<strong>de</strong> muitas páginas esqueci<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

música espanhola, interpreta<br />

também a cantata “Il Pianto di<br />

Maria”, durante muitos a<strong>nos</strong><br />

atribuí<strong>da</strong> a Han<strong>de</strong>l, mas na reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> autoria do veneziano Giovanni<br />

Ferrandini (c. 1710-1791). Trata-se <strong>de</strong><br />

uma obra marca<strong>da</strong> pelo dramatismo<br />

e pela espirituali<strong>da</strong><strong>de</strong> e por uma forte<br />

relação texto-música. A Sonata e a<br />

Sinfonia “Al Sancto Sepolcro” (RV 130<br />

e RV 169) antecipam a atmosfera<br />

pungente <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Ferrandini, a<br />

qual constitui uma a<strong>da</strong>ptação livre <strong>da</strong><br />

temática do “Stabat Mater”.<br />

Agen<strong>da</strong><br />

sexta 1<br />

Cristina Branco<br />

Santarém. Teatro Municipal Sá <strong>da</strong> Ban<strong>de</strong>ira. R.<br />

João Afonso, 7/9. 6ª às 21h30. Tel.: 243309460. €15.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Não Há Só Tangos<br />

em Paris”.<br />

9.ª Festa do Jazz do São Luiz<br />

- Dia 1<br />

Lisboa. Teatro Municipal <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />

Cardoso, 38-58. 6ª às 21h30. Tel.: 213257650.<br />

Passes: €15 (1 dia); €25 (2 dias); €30 (3 dias). Passe<br />

Júnior (6-18 a<strong>nos</strong>): €7,50 (1 dia).<br />

Sala Principal: Bernardo Sassetti<br />

Motion Trio (21h30), Maria João +<br />

Orquestra Jazz <strong>de</strong> Matosinhos (23h).<br />

Jardim <strong>de</strong> Inverno: JazzPoll NRW<br />

(00h15), Jam Session (01h).<br />

A 1 <strong>de</strong> Abril, a festa no São Luiz<br />

(Lisboa) começa com Bernardo<br />

Sassetti Trio, passa por Maria João<br />

com a Orquestra <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong><br />

Matosinhos, toca no colectivo<br />

Jazzpoll NRW e <strong>de</strong>sagua numa “jam<br />

session”.<br />

Dazkarieh<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />

Ricardo Mota. 6ª às 21h45. Tel.: 232814400. €7,50<br />

(sujeito a <strong>de</strong>sconto).<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Ruído do<br />

Silêncio”.<br />

Crookers + Zombies For Money +<br />

Cpt Luvlave + What DJ?<br />

Lisboa. The Loft. R. do Instituto Industrial, 6. 6ª às<br />

00h00. Tel.: 213964841. €20. Pré-ven<strong>da</strong>: €15. No<br />

Salão Miralago.<br />

Miss Lava + Marbles + Maize<br />

Évora. Espaço Celeiros - PéDeXumbo. R. do Eborim<br />

- Ex-Celeiros <strong>da</strong> EPAC. 6ª às 22h30. Tel.:<br />

266732504.<br />

Noiserv<br />

São João <strong>da</strong> Ma<strong>de</strong>ira. Paços <strong>da</strong> Cultura. R. 11 <strong>de</strong><br />

Outubro, 89. 6ª às 21h45. Tel.: 256827783. €8.<br />

Martina Topley-Bird<br />

Beja. Teatro Pax-Júlia. Largo São João. 6ª às 21h30.<br />

Tel.: 284315090. €5 (sujeito a <strong>de</strong>sconto).<br />

Lula Pena + The Correspon<strong>de</strong>nts<br />

Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />

Sodré. 6ª às 23h30. Tel.: 213430107. €10.<br />

sábado 2<br />

Mariza<br />

Guimarães. Pavilhão Multiusos. Alam. Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Lisboa. Sáb. às 22h00. Tel.: 253520300. 15€ a 35€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Fado Tradicional”.<br />

Manowar<br />

Lisboa. PÇ. <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />

Pequeno. Sáb. às 21h30. Tel.: 217820575. €39. M/16.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Battle Hymns<br />

2011”.<br />

Orquestra Sinfónica do<br />

Porto Casa <strong>da</strong><br />

Música<br />

Direcção Musical:<br />

Olari Elts. Com Claire<br />

Booth (soprano), o),<br />

Susan Bickley<br />

(meio-soprano). o).<br />

Porto. Casa <strong>da</strong> Música. Pç.<br />

Mouzinho <strong>de</strong> Albuquerque. uerque.<br />

Sáb. às 18h00. Tel.:<br />

220120220. €16 (sujeito a<br />

<strong>de</strong>sconto). Jantarconcerto:<br />

€30. Na Sala<br />

Suggia.<br />

EUA 2011.<br />

Obras <strong>de</strong><br />

Ives-<br />

Schumann,<br />

Chin e Tredici.<br />

Cristina Branco<br />

em Santarém<br />

Martina em digressão nacional<br />

Martina Topley-Bird<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Pç. <strong>da</strong><br />

Republica, 39. Sáb. às 22h00. Tel.: 245307498. €5.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/4.<br />

Dazkarieh<br />

Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim,<br />

19. Sáb. às 21h30. Tel.: 261338131. €7,50. M/5.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Ruído do<br />

Silêncio”.<br />

Balla<br />

Cal<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Rainha. Centro Cultural e Congressos<br />

<strong>da</strong>s. R. Dr. Leonel Sotto Mayor. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

262889650. €9 a €11 (sujeito a <strong>de</strong>sconto). No Gran<strong>de</strong><br />

Auditório.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Equilíbrio”.<br />

9.ª Festa do Jazz do São Luiz<br />

- Dia 2<br />

Lisboa. Teatro Municipal <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />

Cardoso, 38-58. Sáb. às 16h00. Tel.: 213257650.<br />

Passes: €15 (1 dia); €25 (2 dias); €30 (3 dias). Passe<br />

Júnior (6-18 a<strong>nos</strong>): €7,50 (1 dia).<br />

Spot São Luiz: João Firmino + João<br />

Hasselberg (16h e 18h). Teatro-<br />

Estúdio Mário Viegas: Carlos Martins<br />

Trio (17h), Jeffery Davis/Nuno<br />

Ferreira Quinteto (18h), Hugo<br />

Carvalhais (19h). Sala Principal: No<br />

Project (20h), Joana Machado e Abe<br />

Rába<strong>de</strong> (21h30), L.U.M.E. - Lisbon<br />

Un<strong>de</strong>rground Music Ensemble (23h).<br />

Jardim <strong>de</strong> Inverno: Ensemble Escola<br />

<strong>de</strong> Jazz Luiz Villas-Boas/HCP (00h15),<br />

Jam Session (01h).<br />

A 2 <strong>de</strong> Abril, o São Luiz (Lisboa)<br />

<strong>de</strong>ixa-se invadir pelo jazz <strong>de</strong> No<br />

Project, Joana Machado e L.U.M.E.,<br />

entre muitos outros.<br />

Crookers + Zombies For Money +<br />

Cpt Luvlave + What DJ?<br />

Porto. Teatro Sá <strong>da</strong> Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá <strong>da</strong> Ban<strong>de</strong>ira,<br />

108. Sáb. às 23h59. Tel.: 222003595. €20. Préven<strong>da</strong>:<br />

€15.<br />

Hipnótica<br />

Igreja. Kastrus River Klub. Av. Eng. Arantes<br />

Oliveira - Complexo <strong>da</strong>s Piscinas. Sáb.<br />

às 23h00. Tel.: 962557267. €8.<br />

The Fox<br />

Lisboa. R. dos Bacalhoeiros, 125<br />

- 2º. Sáb. às 23h00. Tel.:<br />

218864891.<br />

Apresentação <strong>de</strong><br />

“Hunting Grounds”.<br />

Direcção Musical: Martin<br />

André. Com Otto Pereira<br />

(violino).<br />

Lisboa. Teatro Nacional <strong>de</strong> São<br />

Carlos. Lg. S. Carlos, 17. Sáb. às<br />

21h00. Tel.: 213253045. €10 a<br />

€100. M/3.<br />

Obras <strong>de</strong> Nielsen,<br />

Beethoven e Sibelius.<br />

The Gift<br />

Alcabi<strong>de</strong>che. Fnac (Cascaishopping). Estr. Nacional<br />

9. Sáb. às 17h00. Tel.: 707313435. Grátis.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Explo<strong>de</strong>”.<br />

domingo 3<br />

Concertos Promena<strong>de</strong>: As Bo<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> Fígaro, <strong>de</strong> Mozart<br />

Com Orquestra do Norte.<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. Dom. às<br />

11h30. Tel.: 223394947. €5 a €10 (sujeito a<br />

<strong>de</strong>sconto). M/3.<br />

Ciclo Concertos Promena<strong>de</strong> Caixa<br />

Geral <strong>de</strong> Depósitos. Duração: 1h30.<br />

9.ª Festa do Jazz do São Luiz<br />

- Dia 3<br />

Lisboa. Teatro Municipal <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />

Cardoso, 38-58. Dom. às 16h00. Tel.: 213257650.<br />

Passes: €15 (1 dia); €25 (2 dias); €30 (3 dias). Passe<br />

Júnior (6-18 a<strong>nos</strong>): €7,50 (1 dia).<br />

Spot São Luiz: Guto Lucena + Luís<br />

Ruvina (16h e 18h). Teatro-Estúdio<br />

Mário Viegas: Miguel Amado Group<br />

(17h), TGB (18h), Rodrigo Amado<br />

Motion Trio (19h). Sala Principal:<br />

Mário Laginha Trio (20h), Sara Serpa<br />

(21h), Nelson Cascais (23h). Jardim <strong>de</strong><br />

Inverno: Ensemble ESMAE 2010<br />

(00h15), Jam Session (01h).<br />

Martina Topley-Bird<br />

Alcobaça. Cine-Teatro. R. Afonso <strong>de</strong> Albuquerque.<br />

Dom. às 21h30. Tel.: 262580890. €7,50 a €10. No<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.<br />

terça 5<br />

Artur Pizarro<br />

Lisboa. CCB. Pç. do Império - Fun<strong>da</strong>ção Centro<br />

Cultural <strong>de</strong> Belém. 3ª às 21h00. Tel.: 213612400.<br />

€12,50 (sujeito a <strong>de</strong>sconto). No Pequeno Auditório.<br />

M/12.<br />

Obras <strong>de</strong> Chopin.<br />

quarta 6<br />

Quarteto Vianna <strong>da</strong> Motta<br />

Com Xuan Du (violino), João Paulo<br />

Santos (violino). Com António<br />

Figueiredo (violino), Witold Dziuba<br />

(violino), Hugo Diogo (viola), Irene<br />

Lima (violoncelo).<br />

Lisboa. Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos. Lg. S.<br />

Carlos, 17. 4ª às 18h00. Tel.: 213253045. Grátis. No<br />

Foyer. M/3.<br />

Música Francesa I - obras <strong>de</strong><br />

Chausson e Debussy.<br />

WTF (What Tha Funk)<br />

Lisboa. On<strong>da</strong> Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - ao Campo <strong>da</strong>s<br />

Cebolas. 4ª às 22h30. Tel.: 919184867. Grátis.<br />

quinta 7<br />

Sequeira Costa e Orquestra<br />

Gulbenkian<br />

Lisboa. Fun<strong>da</strong>ção e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. 5ª às 21h00.6ª às 19h00. Tel.:<br />

217823000. €10 a €20. No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Obras <strong>de</strong> Salonen, Rachmaninov e<br />

Bartók.<br />

Ruben Alves + Philip Hamilton<br />

Lisboa. CCB. Pç. do Império - Fun<strong>da</strong>ção Centro<br />

Cultural <strong>de</strong> Belém. 5ª às 22h00. Tel.: 213612400.<br />

Grátis. Na recepção do Centro <strong>de</strong> Reuniões. M/12.<br />

Dose Dupla - Duos <strong>de</strong> Jazz.<br />

Camané<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, 697. 5ª às<br />

21h30. Tel.: 253203800. €12,50 a €15. Na Sala<br />

Principal. M/6.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Do Amor e dos<br />

Dias”.<br />

Diva<br />

Lisboa. Lounge. R. Moe<strong>da</strong>, 1. 5ª às 23h00. Tel.:<br />

213953204. Grátis.<br />

42 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


Expos<br />

É a África<br />

que envolve e<br />

assombra José<br />

Pedro Cortes<br />

Distância<br />

sem<br />

distanciamento<br />

Em “Moi, un blanc”,<br />

admirável exposição, não é o<br />

gesto do documentarista que<br />

norteia o olhar <strong>de</strong> José Pedro<br />

Cortes. Mas a ficção inquieta,<br />

quase abstracta,<br />

<strong>de</strong> África. José Marmeleira<br />

Moi, un blanc<br />

José Pedro Cortes<br />

Módulo, Calça<strong>da</strong> dos Mestres 34 A/B Lisboa<br />

mmmmn<br />

Formado na Ar.Co, com um mestrado<br />

em fotografia no Kent Institute of Art<br />

and Design (Inglaterra), José Pedro<br />

Cortes é um artista com um percurso<br />

tão reservado quanto impressivo.<br />

Expõe individualmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005,<br />

gere ao lado <strong>de</strong> André Príncipe uma<br />

respeitosa editora <strong>de</strong> livros <strong>de</strong><br />

fotografia (a Pierre von Kleist editions)<br />

e tem apresentado sobre papel ou nas<br />

pare<strong>de</strong>s belíssimas séries <strong>de</strong> trabalhos<br />

como “Silence” (2006), “Like a empty<br />

yard” (2008) ou “Things here and<br />

things still to come”.<br />

A sua obra é habita<strong>da</strong> por<br />

personagens, situações, lugares,<br />

dispostas numa tensão romântica<br />

entre público e privado, interior e<br />

exterior, paisagem e retrato; tensão<br />

que vai <strong>de</strong>socultando a natureza<br />

<strong>de</strong>spercebi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s coisas, <strong>de</strong>rramando<br />

sentidos. Sobre uma qualquer ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

europeia, um grupo <strong>de</strong> raparigas<br />

americanas a viver em Israel, um<br />

casal <strong>de</strong> namorados, um quarto <strong>de</strong><br />

uma casa ou uma sombra.<br />

“Moi un Blanc”, a mais recente<br />

exposição individual, não se afasta<br />

<strong>de</strong>ssa tensão (que o encontro com o<br />

real anima), e <strong>de</strong>ixa – a começar pelo<br />

título – adivinhar novas imagens.<br />

Cortes afastou-se (momentaneamente?)<br />

do retrato <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana<br />

oci<strong>de</strong>ntal, <strong>de</strong> figuras que lhe eram<br />

próximas ou familiares (ou que assim<br />

se tornavam diante <strong>da</strong> sua câmara<br />

fotográfica), como acontecia nessas<br />

séries, e entrou no Mali, África. Para<br />

trás, ficaram as cores frias, os azuis<br />

pálidos e noctur<strong>nos</strong>, certa intrusão<br />

comovente (que lembrava <strong>de</strong> uma só<br />

vez Goldin, Richard Billingham e<br />

Wolfgang Tillmans). Tinha à espera<br />

Jean Rouch e Malik Sidibé.<br />

São as imagens do cineasta francês<br />

e do artista do Mali que “Moi un<br />

Blanc” evoca. Vê-se a cor satura<strong>da</strong> do<br />

céu, pressente-se vibração ditosa dos<br />

corpos. E aqui e ali, imaginam-se<br />

homens e mulheres retratados por<br />

Sidibé. Mas logo se percebe que<br />

sujeito principal não é o Mali. Não é o<br />

impulso do documentarista ou do<br />

etnógrafo que guia o gesto <strong>de</strong> José<br />

Pedro Cortes.<br />

Há uma distância que o título<br />

sugere. É <strong>de</strong>la que proce<strong>de</strong>m as<br />

formas que criam a estranheza, a<br />

ficção inquieta <strong>da</strong>s imagens. Um<br />

corpo que se confun<strong>de</strong> com a<br />

superfície <strong>de</strong> um muro, outro corpo<br />

que parece ter perdido a cabeça, um<br />

rosto que se escon<strong>de</strong> <strong>da</strong> objectiva. E<br />

por vezes, nem os corpos se dignam a<br />

aparecer, como na fotografia do<br />

estúdio <strong>de</strong> Sidibé, on<strong>de</strong> vemos apenas<br />

uma ca<strong>de</strong>ira sem retratado (como<br />

uma tela ou fresco vazio), ou a entra<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> um quarto parcialmente <strong>de</strong>svela<strong>da</strong><br />

pelo sopro <strong>de</strong> uma ventoinha. Através<br />

<strong>de</strong> um tríptico, a paisagem também<br />

faz parte <strong>de</strong> “Moi un Blanc”:<br />

superfícies rochosas <strong>de</strong> escarpas,<br />

grutas, “esculturas” monumentais.<br />

Outras fotografias insinuam possíveis<br />

“mise en abimes” (uma face pinta<strong>da</strong><br />

sobre chapa, feli<strong>nos</strong> estampado numa<br />

camisa <strong>de</strong> um homem).<br />

Não significa esta distância (a do<br />

artista face ao seu objecto) um<br />

distanciamento. Porque é a África<br />

que envolve e assombra José Pedro<br />

Cortes. E “Moi un Blanc”, embora<br />

passível <strong>de</strong> ser compreendi<strong>da</strong> na sua<br />

condição mais fragmenta<strong>da</strong> (foto a<br />

foto), é também um conjunto <strong>de</strong><br />

imagens que entrelaça narrativas. Há<br />

um homem que olha para uma<br />

mulher, um casal à beira <strong>da</strong> praia, um<br />

homem numa estra<strong>da</strong>.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Agen<strong>da</strong><br />

Inauguram<br />

Stones To Throw<br />

De Ahmet Öðüt.<br />

Lisboa. Kunsthalle Lissabon.<br />

R. Rosa Araújo, 7-9. Tel.: 918156919.<br />

De 01/04 a 14/05. 5ª a Sáb. <strong>da</strong>s 15h às 19h.<br />

Inaugura hoje às 22h.<br />

Instalação.<br />

Ver texto na pág. 28<br />

Continuam<br />

Fora <strong>de</strong> Escala - Desenho<br />

e Escultura 1960-70.<br />

De Manuel Baptista.<br />

Lisboa. Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Av. Brasília. T. 210028190.<br />

Até 15/5. 3ª a Dom <strong>da</strong>s 10h às 18h.<br />

Desenho, Escultura.<br />

Escrever Paisagem: Manuel<br />

Baptista - Desenhos 1960-1970<br />

Lisboa. Fun<strong>da</strong>ção Carmona e Costa.<br />

R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º A/C/D.<br />

Tel.: 217803003. Até 28/05. 4ª a Sáb.<br />

<strong>da</strong>s 15h às 20h.<br />

Desenho.<br />

Snøhetta - Arquitectura -<br />

Paisagem - Interiores.<br />

Lisboa. Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Av. Brasília.<br />

T. 210028190. Até 24/4. 3ª a Dom <strong>da</strong>s 10h às 18h.<br />

Arquitectura, Outros.<br />

BES Photo 2010<br />

De Carlos Lobo, Kiluanji Kia Hen<strong>da</strong>,<br />

Manuela Marques, Mário Macilau,<br />

Mauro Restiffe.<br />

Lisboa. Museu Colecção Berardo.<br />

Pç. Império. Tel.: 213612878. Até 13/06. Sáb.<br />

<strong>da</strong>s 10h às 22h. Dom. a 6ª <strong>da</strong>s 10h às 19h.<br />

Fotografia.<br />

Livre Circulação - Obras<br />

<strong>da</strong> Colecção <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />

<strong>de</strong> Serralves<br />

De Alberto Carneiro,<br />

Gerhard Richter, Helena Almei<strong>da</strong>,<br />

entre outros.<br />

Algés. Centro <strong>de</strong> Arte Manuel <strong>de</strong> Brito.<br />

Alam. Hermano Patrone. Tel.: 214111400.<br />

Até 30/06. 3ª a Dom. <strong>da</strong>s 11h30 às 18h.<br />

Pintura, Escultura, Desenho,<br />

Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />

Família<br />

De Vasco Araújo.<br />

Lisboa. Ermi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />

<strong>da</strong> Conceição. Tv. Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700.<br />

Até 15/05. 3ª a 6ª <strong>da</strong>s 11h às 17h. Sáb. e Dom.<br />

<strong>da</strong>s 14h às 18h.<br />

Desenho.<br />

1+1+1=3<br />

De Hermann Pitz, Michael Snow,<br />

Bernard Voïta.<br />

Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego.<br />

Tel.: 217905155. Até 08/05. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª <strong>da</strong>s 11h<br />

às 19h. Sáb., Dom. e Feriados <strong>da</strong>s 14h às 20h.<br />

Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />

Gedi Sibony<br />

Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego.<br />

Tel.: 217905155. Até 08/05. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª<br />

<strong>da</strong>s 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados <strong>da</strong>s 14h<br />

às 20h.<br />

Instalação.<br />

Detritos<br />

De Alexandre Farto.<br />

Porto. Galeria Presença. R. Miguel Bombar<strong>da</strong>, 570.<br />

Tel.: 226060188. Até 23/04. 2ª a 6ª <strong>da</strong>s 10h às<br />

19h30. Sáb. <strong>da</strong>s 15h às 19h30.<br />

Instalação, Outros.<br />

Porto Interior<br />

De Inês d’Orey.<br />

Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia. Cp. Mártires<br />

<strong>da</strong> Pátria. Tel.: 222076310. Até 15/05. 3ª a 6ª <strong>da</strong>s<br />

10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados <strong>da</strong>s 15h às 19h.<br />

Fotografia.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 43


BommmmmmExcelente<br />

“A Festa”, <strong>de</strong> Spiro Scimone “Morte <strong>de</strong> Ju<strong>da</strong>s”, pela Cornucópia<br />

Portugal<br />

e o passado<br />

No Aberto, Rui<br />

Herbon anuncia que o<br />

<strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r do passado é a<br />

solução para o futuro. Luís<br />

<strong>de</strong> Freitas Branco<br />

O Álbum <strong>de</strong> Família<br />

De Rui Herbon. Pelo Aberto.<br />

Encenação <strong>de</strong> Tiago Torres <strong>da</strong> Silva.<br />

Com Catarina Avelar, Catarina<br />

Wallenstein, Fernan<strong>da</strong> Neves, Jorge<br />

Corrula, José Eduardo.<br />

Lisboa. Aberto - Sala Vermelha. Pç. Espanha.<br />

Até 29/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213880089. 7,5€ a 15€.<br />

TeatroaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito<br />

No Teatro Aberto, na sala vermelha,<br />

estreia “Álbum <strong>de</strong> Família”, peça<br />

portuguesa original <strong>de</strong> Rui Herbon,<br />

distingui<strong>da</strong> em 2010 com o Gran<strong>de</strong><br />

Prémio do Teatro Português. Numa Uma viagem sensorial ao passado <strong>de</strong> um país<br />

encenação minimalista <strong>de</strong> Tiago<br />

Torres <strong>da</strong> Silva, retrata-se uma<br />

estação <strong>de</strong> comboios, on<strong>de</strong> José Luís<br />

( Jorge Corrula) vagueia e sonha nas<br />

suas memórias, viaja sensorialmente<br />

pelo passado, recor<strong>da</strong>ndo a sua<br />

infância, a sua família, num mundo e<br />

num Portugal diferente.<br />

Perdido no seu espaço, é<br />

assombrado pelas lembranças. Na sua<br />

mala <strong>de</strong> viajem carrega<br />

(simbolicamente) como um fardo o<br />

seu pai (José Eduardo), a mãe<br />

(Fernan<strong>da</strong> Neves), a irmã (Catarina<br />

Wallenstein) e a avó (Catarina Avelar).<br />

“Em breve passará, tudo passa”,<br />

afirmam as vozes do passado. Em<br />

pano <strong>de</strong> fundo, imagens, momentos e<br />

pessoas são retrata<strong>da</strong>s, o médico, o<br />

professor, a vizinha e o tio santo. José<br />

Luís recria em sonho os a<strong>nos</strong> <strong>da</strong> irmã,<br />

as rezas, a já faleci<strong>da</strong> avó e no fundo <strong>da</strong><br />

mala escon<strong>de</strong>-se a sua primeira<br />

experiência sexual. A musica <strong>de</strong> Pedro<br />

Jóia retrata o Portugal perdido no<br />

sonho, memórias difusas <strong>de</strong> fados e<br />

hi<strong>nos</strong> salazaristas. “Temos <strong>de</strong><br />

conseguir partir, sair”, dizem as<br />

personagens. A viagem <strong>de</strong> comboio<br />

representa o percurso <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que<br />

todos po<strong>de</strong>mos empreen<strong>de</strong>r, o<br />

<strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r dos laços familiares e <strong>da</strong><br />

<strong>nos</strong>sa infância, que po<strong>de</strong>rão<br />

i<strong>de</strong>almente fazer-<strong>nos</strong> vivenciar uma<br />

ascensão intelectual e artística. Esta<br />

premissa, já extensivamente <strong>de</strong>scrita<br />

por James Joyce em “Retraro do Artista<br />

Quando Jovem”, dita que um artista<br />

para <strong>de</strong>senvolver a sua autonomia<br />

<strong>de</strong>ve libertar-se <strong>de</strong> qualquer laço<br />

afectivo. Em Joyce tínhamos uma fuga<br />

<strong>da</strong> Irlan<strong>da</strong> e em “Álbum <strong>de</strong> Família”<br />

temos a bolsa <strong>de</strong> estudo simboliza<strong>da</strong><br />

pelo bilhete <strong>de</strong> comboio que José Luís<br />

consegue no instante final receber.<br />

“este José Luís é bom rapaz, vai partir<br />

e <strong>de</strong>ixar-<strong>nos</strong> sozinhos”.<br />

“Queremos partir e não po<strong>de</strong>mos<br />

(...) isto acontece muitas vezes<br />

quando estou a sonhar”, diz José<br />

Luís. Na sala <strong>de</strong> espera observamos<br />

o purgatório, on<strong>de</strong> a família tira o<br />

ultimo retrato e se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> <strong>de</strong> José<br />

Luís. A família não entra no<br />

comboio, não tem bilhete, é força<strong>da</strong><br />

a enfrentar a morte e o<br />

esquecimento. “De quem é a<br />

culpa?”, questiona fervorosamente a<br />

mãe. Com a aceitação <strong>da</strong> morte <strong>da</strong><br />

avó, o jovem estu<strong>da</strong>nte acaba por<br />

libertar-se <strong>da</strong>s suas crenças<br />

religiosas. Contudo, na mala acaba<br />

por levar o álbum <strong>de</strong> família,<br />

“fotografias amarela<strong>da</strong>s e tristes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>s”.<br />

RUI GAUDÊNCIO<br />

Agen<strong>da</strong><br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

A Festa<br />

De Spiro Scimone. Pelo Teatro do<br />

Eléctrico. Encenação <strong>de</strong> Ricardo<br />

Neves-Neves. Com Paula Sousa, Rita<br />

Cruz, Víctor Oliveira.<br />

Massamá. Teatroesfera. R. Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Desportiva. De<br />

07/04 a 08/05. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h30.<br />

Tel.: 214303404. 10€.<br />

O Libertino Passeia por Braga, a<br />

Idolátrica, o seu Esplendor<br />

De Luiz Pacheco. Encenação <strong>de</strong><br />

António Olaio. Com André Louro.<br />

Alma<strong>da</strong>. Fórum Municipal Romeu Correia. Pç.<br />

Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dia 06/04. 4ª às 21h30. Tel.:<br />

212724928. 5€.<br />

Maria, Cavakov e tudo o mais!<br />

A partir <strong>de</strong> Tchékhov. Pela<br />

Companhia Teatral do Chiado.<br />

Encenação <strong>de</strong> Juvenal Garcês. Com<br />

Duarte Grilo, Fábio Sousa, João<br />

Carracedo.<br />

Lisboa. Teatro-Estúdio Mário Viegas. Lg. Pica<strong>de</strong>iro,<br />

40. De 07/04 a 30/07. 6ª e Sáb. às 21h. Tel.:<br />

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Continuam<br />

Um Homem Falido<br />

De David Lescot. Pelos Artistas Unidos.<br />

Encenação <strong>de</strong> António Simão. Com<br />

Rúben Gomes, Sylvie Rocha, Américo<br />

Silva.<br />

Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 91.<br />

Até 09/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213111400. 5€ a<br />

10€.<br />

Ver texto na pág. 27<br />

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Lisboa. Casa Conveniente. R. Nova do Carvalho, 11.<br />

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Exactamente Antunes<br />

De Jacinto Lucas Pires. Encenação <strong>de</strong><br />

Cristina Carvalhal, Nuno Carinhas.<br />

Com Joana Carvalho, João Castro,<br />

Jorge Mota, Lígia Roque, entre outros.<br />

Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />

17/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

223401910. 7,5€ a 16€.<br />

Fri<strong>da</strong> Fri<strong>da</strong><br />

De Mónica Garcez. Pela Karnart.<br />

Encenação <strong>de</strong> Luís Castro. Com<br />

Mónica Garcez, Wagner Borges.<br />

Lisboa. Galeria Monumental. Cp. Mártires <strong>da</strong><br />

Pátria, 101. Até 03/04. 3ª a Dom. às 22h. Tel.:<br />

213533848. 8€ a 15€.<br />

Susana Pomba<br />

De André e. Teodósio. Pelo Teatro<br />

Praga. Encenação <strong>de</strong> André e.<br />

Teodósio. Com Joana Barrios, Diogo<br />

Bento.<br />

Lisboa. CCB - Sala <strong>de</strong> Ensaio. Pç. Império. Até 03/04.<br />

3ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213612400. 10€.<br />

Morte <strong>de</strong> Ju<strong>da</strong>s<br />

De Paul Clau<strong>de</strong>l. Pelo Teatro <strong>da</strong><br />

Cornucópia. Encenação <strong>de</strong> Dinarte<br />

Branco, Luís Miguel Cintra, Cristina<br />

Reis. Com Dinarte Branco, Luís<br />

Miguel Cintra.<br />

Lisboa. Teatro <strong>da</strong> Cornucópia - Bairro Alto. R.<br />

Tenente Raúl Cascais 1A. Até 03/04. 5ª a Sáb. às<br />

21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213961515. 7,5€ a 15€.<br />

Dança<br />

Continuam<br />

Cédric Andrieux<br />

De Cédric Andrieux, Jérôme Bel. Com<br />

Cédric Andrieux.<br />

Porto. Auditório <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong><br />

Castro, 210. Dia 03/04. Dom. às 22h. Tel.:<br />

226156500. 3,75€ a 7,5€.<br />

Paisagens... On<strong>de</strong> o Negro é Cor<br />

De Paulo Ribeiro. Com Eliana<br />

Campos, Leonor Keil, Rita Omar,<br />

Gonçalo Lobato, Peter Michael Dietz,<br />

Romulus Neagu.<br />

Torres Novas. Teatro Virgínia. Lg. São José Lopes<br />

dos Santos. Dia 02/04. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

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44 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


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Opinião<br />

Modo crítico<br />

Para acabar <strong>de</strong> vez com a OPART<br />

Se Canavilhas tomou algumas importantes <strong>de</strong>cisões e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>lineados alguns horizontes <strong>de</strong> relevo,<br />

dos quais se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>stacar o intento <strong>de</strong> concretizar a re<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> cine-teatros, a sua gestão política<br />

foi <strong>de</strong>veras errática, como em todo este folhetim.<br />

A<br />

ministra <strong>da</strong> Cultura, Gabriela Canavilhas,<br />

esteve à altura <strong>da</strong>s suas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

quando, em Março do ano passado,<br />

<strong>de</strong>cidiu <strong>de</strong>stituir o catastrófico director<br />

artístico do São Carlos, Christoph<br />

Dammann, não reconduzir o conselho <strong>de</strong><br />

administração <strong>da</strong> malfa<strong>da</strong><strong>da</strong> OPART, EPE, Organismo<br />

<strong>de</strong> Produção Artística, Enti<strong>da</strong><strong>de</strong> Pública Empresarial,<br />

integrando o teatro nacional <strong>de</strong> ópera e a Companhia<br />

Nacional <strong>de</strong> Bailado, e escolhendo para presi<strong>de</strong>nte Jorge<br />

Salavisa e para director artístico Martin André.<br />

Sau<strong>da</strong>ndo a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> Dammann, tive to<strong>da</strong>via a<br />

ocasião <strong>de</strong> dizer que achava que a ministra tinha perdido<br />

uma bela oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acabar com a OPART<br />

e que Martin André me parecia ter um perfil mais a<strong>de</strong>quado<br />

a maestro director <strong>da</strong> Orquestra, cargo no entanto<br />

ocupado por Julia Jones, que para director artístico.<br />

Poucos meses passaram para a crise se <strong>de</strong>clarar.<br />

Sob a tutela <strong>da</strong> então subsecretária <strong>de</strong> Estado <strong>da</strong><br />

Cultura, Maria José Nogueira Pinto, foi <strong>de</strong> facto André<br />

quem dirigiu o recrutamento <strong>de</strong> músicos para a orquestra<br />

do São Carlos. Suce<strong>de</strong>u logo <strong>de</strong> segui<strong>da</strong> o triste<br />

episódio <strong>da</strong> pala do Estádio <strong>de</strong> Alvala<strong>de</strong>: o secretário<br />

<strong>de</strong> Estado, Pedro Santana Lopes, interviu em interesse<br />

próprio, ou do seu clube, do qual <strong>de</strong> resto em breve viria<br />

a ser presi<strong>de</strong>nte, levando ao abandono <strong>de</strong> Nogueira<br />

Pinto. E logo <strong>de</strong>pois, num <strong>da</strong>queles golpes <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia<br />

em que é pródigo, Santana Lopes “<strong>de</strong>spediu” Martin<br />

André, já que entendia que uma pretendi<strong>da</strong> Orquestra<br />

Sinfónica Portuguesa <strong>de</strong>via ter também um maestro<br />

português, que foi Álvaro Cassuto. O Estado português<br />

como que <strong>de</strong>via a André uma “reparação”: não era contudo<br />

a <strong>de</strong> director artístico do São Carlos, já que por<br />

experiência <strong>de</strong> direcção musical <strong>de</strong> óperas que tenha,<br />

ser o responsável artístico pela programação e orientações<br />

<strong>de</strong> um teatro é matéria distinta.<br />

Mas a questão <strong>de</strong> fundo é <strong>da</strong> OPART e dos teatros nacionais.<br />

O folhetim é conhecido mas convém recor<strong>da</strong>r os<br />

episódios marcantes: em Outubro, no quadro <strong>da</strong>s restrições<br />

orçamentais, Canavilhas anunciou a intenção<br />

<strong>de</strong> integrar na OPART também os teatros nacionais D.<br />

Maria e São João, o que criaria um monstro; a 25 <strong>de</strong> Janeiro<br />

Salavisa <strong>de</strong>mitiu-se evocando “motivos pessoais”,<br />

com a elegância que lhe é característica mas que se<br />

torna irritante quando se ocupam cargos públicos; a 10<br />

<strong>de</strong> Fevereiro foi a vez do vogal Rui Catarino se <strong>de</strong>mitir<br />

também mas <strong>de</strong> modo público invocar que as contas<br />

apresenta<strong>da</strong>s pelo ministério<br />

<strong>da</strong> Cultura resultavam<br />

<strong>de</strong> “argumentos financeiros<br />

falaciosos”, e que a poupança<br />

<strong>de</strong> 1,8 milhões <strong>de</strong> euros<br />

anuncia<strong>da</strong> por Canavilhas<br />

teria antes um “valor real<br />

próximo dos 350 mil euros”;<br />

no dia seguinte foi a vez <strong>da</strong><br />

ministra voltar ao parlamento,<br />

renunciando à integração<br />

do D. Maria e do São João<br />

na OPART, e anunciando<br />

antes um Agrupamento<br />

Complementar <strong>de</strong> Empresas<br />

que ninguém percebeu<br />

exactamente o que seria;<br />

entretanto, André <strong>da</strong>va a sua<br />

primeira entrevista, a este<br />

jornal, on<strong>de</strong> além do óbvio,<br />

a lamentação pela falta <strong>de</strong><br />

um orçamento trienal, em<br />

particular indispensável <strong>nos</strong><br />

teatros <strong>de</strong> ópera, e <strong>de</strong> explicitar<br />

alguns métodos <strong>de</strong><br />

trabalho e intuitos, pouco esclarecia no tocante ao fun<strong>da</strong>mental,<br />

o projecto artístico; enfim no “Expresso” do<br />

último sábado, Salavisa explicou-se, dizendo que não<br />

só não concor<strong>da</strong>va com a OPART como havia este outro<br />

ponto <strong>de</strong>cisivo: “Decidi sair quando o Martin André me<br />

apresentou a programação <strong>de</strong> 2011 e 2012. É uma visão<br />

que não tem arrojo. É preciso arriscar, para colocar o<br />

Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos num percurso europeu”.<br />

Augusto M. Seabra<br />

Gabriela<br />

Canavilhas<br />

É absur<strong>da</strong> uma<br />

instituição como a<br />

OPART, sobre a qual o<br />

Po<strong>de</strong>r tanto fala em<br />

menores custos<br />

relativos com mais<br />

(mas maus)<br />

espectáculos, sem<br />

esclarecer se a máquina<br />

administrativa terá<br />

diminuído ou se terá<br />

aumentado<br />

DANIEL ROCHA<br />

Sempre me pareceu que o horizonte <strong>de</strong>lineado pelo<br />

fatídico primeiro secretário <strong>de</strong> Estado <strong>da</strong> governação<br />

socrática, Mário Vieira <strong>de</strong> Carvalho, seria qualquer<br />

coisa como uma muita centralista direcção-geral dos<br />

teatros nacionais. Como não ousou tocar no São João<br />

dirigido por Ricardo Pais, embora o tenha transformado<br />

numa <strong>de</strong>ssas miríficas Enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s Empresariais do Estado<br />

– o que aliás suscitou na prática um pesado fardo<br />

administrativo -, Vieira <strong>de</strong> Carvalho exerceu a “intendência”<br />

<strong>nos</strong> outros, com os golpes que foram a <strong>de</strong>missão<br />

<strong>de</strong> António Lagarto do D. Maria e a sua substituição<br />

pelo calamitoso Carlos Fragateiro, afastando Paolo Pinamonti<br />

do São Carlos e criando a nefan<strong>da</strong> OPART, por<br />

arrastamento <strong>de</strong>stituindo Ana Pereira Cal<strong>da</strong>s <strong>da</strong> CNB, e<br />

nomeando director Vasco Wellenkamp. O que não esperei<br />

é que, por outras razões ain<strong>da</strong>, e sem preten<strong>de</strong>r a<br />

“intendência” artística directa, fosse Canavilhas a suscitar<br />

directamente um tal horizonte.<br />

Diz agora Jorge Salavisa: “Eu até gosto <strong>da</strong> Gabriela e<br />

acho que ela podia ter feito um bom trabalho”. Subscrevo<br />

por inteiro, esclarecendo que este meu “gosto” não é tanto<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal, mas <strong>de</strong> imensa admiração pelo que<br />

ela fez na Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa e as capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que mostrou. Outra coisa, emimentemente política,<br />

é ser ministra <strong>da</strong> Cultura, para mais num quadro <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scalabro e restrições financeiras impostas por Sócrates<br />

e Teixeira dos Santos, a dupla que seguiu uma política <strong>de</strong><br />

arrogância, mentira e por fim abismo, pois que a crise do<br />

capitalismo financeiro não é o único motivo.<br />

Se Canavilhas tomou algumas importantes <strong>de</strong>cisões e<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>lineados alguns horizontes <strong>de</strong> relevo, dos quais<br />

cabe para o caso <strong>de</strong>stacar o intento <strong>de</strong> concretizar a re<strong>de</strong><br />

nacional <strong>de</strong> cine-teatros, matéria primordial <strong>de</strong>ixado<br />

ao abandono <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o arranque com Carrilho (e houve<br />

no entretanto cinco ministros), ou se conseguiu limitar<br />

os cortes na Cultura e tentar arranjar novas fontes <strong>de</strong> financiamento,<br />

a sua gestão política foi <strong>de</strong>veras errática,<br />

como em todo este folhetim.<br />

O São João é uma instituição sóli<strong>da</strong>, fazendo um triângulo<br />

<strong>de</strong> referência no Porto com Serralves e a Casa<br />

<strong>da</strong> Música, <strong>de</strong>stroçado que foi por Rui Rio o Rivoli implementa<strong>da</strong><br />

pela saudosa Isabel Alves Costa. Numa Região<br />

Norte já tão afecta<strong>da</strong>, era um insulto suplementar<br />

passar aquele teatro nacional para a tutela directa <strong>de</strong><br />

Lisboa.<br />

Destituir no D. Maria Carlos Fragateiro e nomear<br />

Maria João Brilhante para o C.A. e Diogo Infante para<br />

director artístico foi a única <strong>de</strong>cisão do ministro José<br />

António Pinto Ribeiro, que <strong>de</strong> resto se limitou a pavonear.<br />

Com esta dupla directiva, o Dona Maria funciona<br />

diria-se-ia que quase em pleno, com frequência com<br />

salas esgota<strong>da</strong>s, e também tornou regular uma necessária<br />

edição dos textos representados, como ain<strong>da</strong> agora<br />

“A Catatua Ver<strong>de</strong>” <strong>de</strong> Schnitzler e “Azul Longe nas Colinas”<br />

<strong>de</strong> Dennis Potter.<br />

Sem precisar <strong>de</strong> integração numa qualquer OPART,<br />

os dois teatros cooperam enfim <strong>de</strong> forma regular. “O<br />

Ano do Pensamento Mágico”, “O Homem Elefante” e<br />

“1974”, produções ou co-produções do D. Maria, já foram<br />

apresentados no São João, como o será em breve<br />

“Azul Longe nas Colinas”; em sentido inverso, “Tambores<br />

na Noite” já passou do Porto para Lisboa.<br />

Depois do excelente trabalho nela realizado por Jorge<br />

Salavisa, a Companhia Nacional <strong>de</strong> Bailado andou 10<br />

a<strong>nos</strong> à <strong>de</strong>riva. Percebe-se que uma <strong>da</strong>s razões, senão a<br />

primordial, que levou Salavisa a aceitar a presidência<br />

46 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon


<strong>da</strong> OPART, organismo com o qual não concor<strong>da</strong>va (e esse<br />

é o ponto que sempre se lhe po<strong>de</strong> objectar), foi a <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r nomear Luisa Taveira para a direcção <strong>da</strong> CNB. É<br />

uma escolha certa, pois se à companhia cabe apresentar<br />

o gran<strong>de</strong> reportório, não me<strong>nos</strong> são importantes obras<br />

contemporâneas, como a “Lisbon Piece” que Anna Teresa<br />

<strong>de</strong> Keesmaker concebeu expressamente para a CNB.<br />

To<strong>da</strong>s estas instituições, com o São Carlos, são “nacionais”,<br />

<strong>de</strong>signação que é <strong>de</strong> facto simbólica e em<br />

termos comparativos bastante dispendiosas, se consi<strong>de</strong>rarmos<br />

por exemplo quanto é necessária ao país, no<br />

conjunto do território, a tal re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cine-teatros. Têm<br />

também vocações e públicos diferentes, por exemplo<br />

a CNB tendo uma missão <strong>de</strong> itinerância não possível às<br />

outras, tal como o São Carlos está muito mais inserido<br />

numa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> teatros e num mercado internacionais.<br />

Devem ser cui<strong>da</strong>dosamente geri<strong>da</strong>s, precisando não só<br />

<strong>de</strong> directores artísticos capazes, como <strong>de</strong> gestores para<br />

ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las que tenham a noção <strong>da</strong>s suas vocações<br />

e <strong>de</strong>stinatários específicos.<br />

Tanto mais é assim absur<strong>da</strong> uma instituição como<br />

a OPART, sobre a qual o Po<strong>de</strong>r tanto fala em menores<br />

custos relativos com mais (mas maus) espectáculos,<br />

sem esclarecer por exemplo se o peso <strong>da</strong> máquina administrativa<br />

terá <strong>de</strong> facto diminuído ou se porventura<br />

terá aumentado. Uma OPART em que <strong>de</strong> resto, e com<br />

nefastas consequências, nem sequer está em prática<br />

o legalmente previsto, não funcionando um suposto<br />

“contrato-programa” trienal e pla<strong>nos</strong> <strong>de</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />

orçamento plurianuais - pois se até não há ain<strong>da</strong> o orçamento<br />

para este ano!<br />

Gestão criteriosa e sentido <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s públicas,<br />

com certeza, enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s absur<strong>da</strong>s é que não.<br />

António Pinto Ribeiro<br />

JP LAFFONT/SYGMA/ CORBIS<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que hoje<br />

possa haver uma<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que polarize<br />

a Europa em volta<br />

do seu programa é<br />

tão <strong>de</strong>spropositado<br />

quanto inverosímil<br />

Melina<br />

Mercouri,<br />

actriz,<br />

activista e<br />

ministra <strong>da</strong><br />

cultura <strong>da</strong><br />

Grécia: a<br />

autora <strong>da</strong><br />

i<strong>de</strong>ia <strong>da</strong><br />

Capital <strong>da</strong><br />

Cultura<br />

Política cultural<br />

Capitais europeias<br />

<strong>da</strong> cultura: que fazer<br />

com elas?<br />

Uma avaliação <strong>da</strong>s capitais culturais entre 1995 e 2004:<br />

insustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s após o ano <strong>de</strong> capital cultural,<br />

as expectativas gora<strong>da</strong>s <strong>da</strong> maioria dos seus ci<strong>da</strong>dãos e a retracção<br />

no apoio à produção que acontece sempre no período pós-capital.<br />

A<br />

i<strong>de</strong>ia era generosa, inédita e culturalmente<br />

ambiciosa. Eleger anualmente uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que fosse a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> europeia <strong>da</strong> cultura<br />

que, <strong>de</strong> alguma maneira, pu<strong>de</strong>sse ser<br />

uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> a apresentar em ca<strong>da</strong> ano um<br />

novo paradigma cultural. A sua autora<br />

foi a actriz, cantora e activista política e ministra <strong>da</strong><br />

cultura grega, Melina Amalia Mercouri. Estávamos em<br />

1985 e nesse ano foi a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Atenas a escolhi<strong>da</strong>.<br />

Des<strong>de</strong> então e ao longo <strong>de</strong> 26<br />

a<strong>nos</strong> foram 38 as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s eleitas<br />

(o mo<strong>de</strong>lo inicial foi alterado e<br />

passou a po<strong>de</strong>r ser possível haver<br />

mais do que uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> eleita<br />

em ca<strong>da</strong> ano). Nesse ano distante<br />

<strong>de</strong> 1985, a Europa comunitária –<br />

a CEE - era constituí<strong>da</strong> por <strong>de</strong>z<br />

países, existiam duas Alemanhas,<br />

o muro <strong>de</strong> Berlim ain<strong>da</strong> não tinha<br />

caído, pouco se sabia do que se<br />

passava culturalmente a Leste<br />

do muro, não havia email, nem<br />

telemóveis, nem “youtube”,<br />

nem festivais “indies”, e esta Europa vivia um momento<br />

crescente <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico. Contudo,<br />

termos e expressões como alta e baixa cultura,<br />

<strong>de</strong>scentralização cultural, cultura como distinção <strong>de</strong><br />

classe ain<strong>da</strong> faziam parte <strong>de</strong> uma grelha operativa eficaz<br />

nas análises sociais.<br />

De to<strong>da</strong>s estas capitais umas foram um fracasso,<br />

outras passaram quase <strong>de</strong>spercebi<strong>da</strong>s, e houve duas que<br />

se tornaram exemplares: Glasgow, em 1990, por ter feito<br />

um ponto <strong>de</strong> viragem introduzindo no seu programa<br />

as referências específicas aos objectivos culturais,<br />

económicos e sociais; e Antuérpia, em 1993, por ter<br />

apresentado o programa <strong>de</strong> política cultural e <strong>de</strong> artes<br />

mais radical e mais interventivo <strong>de</strong> sempre, ilustrado<br />

pelo manifesto: “po<strong>de</strong> a arte salvar o mundo?”. E mais<br />

recentemente houve Istambul. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> eleger para<br />

capital cultural uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um país candi<strong>da</strong>to a<br />

entrar na União Europeia era interessante. Foi, contudo,<br />

completamente <strong>de</strong>saproveita<strong>da</strong> como uma gran<strong>de</strong><br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contacto entre o Oci<strong>de</strong>nte e o Oriente,<br />

mormente por parte dos países oci<strong>de</strong>ntais e <strong>da</strong> política<br />

<strong>de</strong> resistência <strong>de</strong> alguns gover<strong>nos</strong> europeus a uma<br />

política <strong>de</strong> entendimento activa.<br />

Neste ano em que há duas capitais culturais – Talin<br />

e Turku - com projectos <strong>nos</strong> antípo<strong>da</strong>s do espírito<br />

inicial <strong>da</strong> capital cultural, é oportuno perguntar: que<br />

fazer às capitais europeias <strong>da</strong> cultura? Tem algum<br />

sentido criar uma capital europeia <strong>da</strong> cultura que se<br />

justifica por “querer mostrar que é mais do que lugar<br />

<strong>de</strong> peregrinação” – Santiago <strong>de</strong> Compostela (2000) – ou<br />

“re<strong>de</strong>finir-se como ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas vocações on<strong>de</strong><br />

coexistem portos, indústria e activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s culturais” -<br />

Génova (2004)?<br />

O relatório Palmer, que fez uma avaliação <strong>de</strong>stas<br />

capitais culturais entre 1995 e 2004, apesar <strong>de</strong> na<br />

conclusão recomen<strong>da</strong>r a sua continui<strong>da</strong><strong>de</strong>, sugere<br />

um conjunto vastíssimo <strong>de</strong> alterações no formato,<br />

nas formas <strong>de</strong> governança, <strong>de</strong> financiamento, etc. E<br />

nele as avaliações negativas mais <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>s vão para<br />

a insustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s após o ano <strong>de</strong><br />

capital cultural, as expectativas gora<strong>da</strong>s <strong>da</strong> maioria dos<br />

seus ci<strong>da</strong>dãos e a retracção no apoio à produção que<br />

acontece sempre no período pós-capital. Mesmo o caso<br />

<strong>de</strong> Antuérpia, que <strong>de</strong>senvolveu um programa original<br />

com a intenção <strong>de</strong> refrear a ascensão <strong>da</strong> extremadireita<br />

xenófoba, viu as suas expectativas frustra<strong>da</strong>s<br />

por ver, <strong>de</strong>z a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois, uma subi<strong>da</strong> <strong>de</strong>stes partidos<br />

xenófobos.<br />

O mundo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985 mudou muito e a Europa<br />

também. O que era pertinente no tempo <strong>de</strong> Melina<br />

Mercouri ou se cumpriu ou tomou outras cambiantes<br />

na cultura <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que hoje possa haver<br />

uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que em ca<strong>da</strong> ano polarize to<strong>da</strong> a Europa<br />

em volta do seu programa e por isso ser sua capital<br />

é tão <strong>de</strong>spropositado quanto inverosímil. Se existem<br />

capitais culturais europeias elas são Londres, Paris,<br />

Berlim e Madrid. As capitais europeias <strong>da</strong> cultura têm<br />

sobretudo aproveitado um período <strong>de</strong> excepção <strong>de</strong><br />

financiamento para fazer obras públicas, restauro <strong>de</strong><br />

património, e impor-se com os seus valores turísticos<br />

muitas vezes com apelos nacionalistas ao contrário do<br />

que seria <strong>de</strong>sejável. Esperava-se que se constituíssem<br />

como lugares <strong>de</strong> incentivo à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia europeia e <strong>de</strong><br />

inovação <strong>de</strong> políticas culturais, modos <strong>de</strong> produção<br />

e inovação artística que sau<strong>da</strong>velmente <strong>de</strong>veriam<br />

recusar as programações basea<strong>da</strong>s nas agen<strong>da</strong>s e<br />

catálogos dos artistas “mainstream” que se po<strong>de</strong>m<br />

apresentar em qualquer tempora<strong>da</strong> em qualquer<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Neste aspecto pouco mu<strong>da</strong>rá concerteza nas<br />

167 ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s que esperam ser capitais culturais até<br />

2019 e que criaram mesmo a Associação <strong>da</strong>s Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

Candi<strong>da</strong>tas à Capital europeia <strong>da</strong> cultura. E, contudo,<br />

po<strong>de</strong>r-se-ia resgatar o espírito <strong>de</strong> generosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Melina Mercouri e <strong>de</strong> experimentação cultural e,<br />

com parte <strong>de</strong>sses recursos financeiros e huma<strong>nos</strong><br />

excepcionais, incentivar as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s a evoluírem para<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s hospitaleiras, acolhedoras, ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-asilo, com<br />

programas <strong>de</strong> cooperação multilateral com países<br />

terceiros, <strong>de</strong>senvolver a integração, produzir programas<br />

<strong>de</strong> produção continua<strong>da</strong> e não episódica, criar contra o<br />

populismo, <strong>de</strong>senvolver a <strong>de</strong>mocracia para um estádio<br />

mais cosmopolita e fazer com que sintamos que as<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s on<strong>de</strong> vivemos <strong>nos</strong> afectam, positivamente!<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 47

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