chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
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aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Norberto Puentes, que repartiu a vi<strong>da</strong><br />
entre a literatura e o regime, foi <strong>de</strong> qualquer<br />
modo um observador privilegiado <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l<br />
sugavam-se as toxinas ao assunto”.<br />
Treslove, como é evi<strong>de</strong>nte,<br />
essencializou o seu fascínio por<br />
Finkler, transformando-o num<br />
estereótipo alternativo - e imune à<br />
volatili<strong>da</strong><strong>de</strong> do próprio Finkler, que<br />
o romance também submete à sua<br />
<strong>de</strong>rrapagem i<strong>de</strong>ntitária. O que<br />
Jacobson parece sugerir é que, tal<br />
como o antisemitismo, o<br />
filosemitismo é um preconceito: um<br />
atavismo proveniente <strong>da</strong>s mesmas<br />
bases frívolas e irracionais.<br />
O filofinklerismo <strong>de</strong> Treslove<br />
ganha <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> dramática através<br />
<strong>de</strong> dois inci<strong>de</strong>ntes, que servem <strong>de</strong><br />
catalizadores para a segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong><br />
do livro. O primeiro é a morte <strong>da</strong>s<br />
respectivas esposas <strong>de</strong> Finkler e<br />
Libor Sevcik (o terceiro membro do<br />
círculo <strong>de</strong> amigos). Treslove, que<br />
sempre sentira uma atracção<br />
mórbi<strong>da</strong> por mulheres con<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s,<br />
com a aura <strong>da</strong> “doença terminal”,<br />
fica obcecado pela mágoa alheia:<br />
“Como se continua a viver sabendo<br />
que nunca - mas nunca, nunca<br />
mesmo - vamos voltar a ver a pessoa<br />
que amamos? Como se sobrevive<br />
uma só hora, um só minuto, um só<br />
segundo a esse conhecimento?<br />
Como <strong>nos</strong> mantemos inteiros?” O<br />
segundo inci<strong>de</strong>nte ocorre <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
um jantar <strong>de</strong> luto: Treslove é vítima<br />
<strong>de</strong> um assalto, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lhe<br />
esvaziar os bolsos, a assantante<br />
balbucia uma frase indistinta que,<br />
após alguns dias <strong>de</strong> recapitulação<br />
ten<strong>de</strong>nciosa, é interpreta<strong>da</strong> como<br />
um insulto antisemita: “Seu ju<strong>de</strong>u!”.<br />
Confrontado com um ataque<br />
inexistente a uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
inexistente, Treslove <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, para<br />
todos os efeitos, tornar-se alguém<br />
que merecesse aquela ofensa, e<br />
começa um burlesco processo <strong>de</strong><br />
conversão, encarnando um<br />
ju<strong>da</strong>ísmo <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> conteúdo<br />
genético ou espiritual, um mero<br />
compêndio <strong>de</strong> memes culturais, <strong>de</strong><br />
Maimoni<strong>de</strong>s a Woody Allen.<br />
Refém <strong>da</strong>s percepções do seu<br />
protagonista, “A Questão Finkler”<br />
vai reduzindo to<strong>da</strong>s as personagens<br />
à dimensão <strong>de</strong> estereótipos,<br />
realçando apenas as características<br />
mais protuberantes <strong>de</strong> um arquétipo<br />
“Ju<strong>de</strong>u”; uma a uma, to<strong>da</strong>s tombam<br />
em sub-categorias familiares. Po<strong>de</strong><br />
ser um método para testar um dos<br />
argumentos <strong>de</strong> Jacobson - a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong><br />
bagagem hereditária, qualquer<br />
pessoa que queira <strong>de</strong>finir uma<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> à força se arrisca a <strong>de</strong>finila<br />
pelo atalho mais visível, que é<br />
enclausurar-se numa tipologia. Mas,<br />
do ponto <strong>de</strong> vista técnico, isto é uma<br />
forma <strong>de</strong> batota: uma licença<br />
constante para o recurso ao<br />
estereótipo. Ao transformar to<strong>da</strong> a<br />
gente em caricaturas por motivos<br />
estruturais, o autor exibe um alibi<br />
perante o leitor que o acusa <strong>de</strong><br />
transformar to<strong>da</strong> a gente em<br />
caricaturas por falta <strong>de</strong> talento.<br />
O problema agrava-se no último<br />
terço do livro, quando o elenco é<br />
arregimentado para travar batalhas<br />
culturais transplanta<strong>da</strong>s do mundo<br />
real. Finkler junta-se a um grupo <strong>de</strong><br />
“Ju<strong>de</strong>us enVERgonhados”, semicelebri<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s a protestos<br />
anti-sionistas. Apesar <strong>de</strong> alguma<br />
sátira pertinente e bem executa<strong>da</strong>,<br />
essas secções resvalam para a farsa à<br />
clef - caricaturando a golpes <strong>de</strong><br />
trincha que parecem reciclados <strong>de</strong><br />
artigos <strong>de</strong> opinião algumas<br />
personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s (Stephen Fry, Ken<br />
Loach, Jacqueline Rose) e<br />
escaramuças mediáticas britânicas<br />
já a meio caminho do esquecimento.<br />
Outro problema técnico é a<br />
fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Jacobson a um subgénero<br />
específico <strong>de</strong> comédia que<br />
nem sempre é compatível com a<br />
forma literária que escolheu. Uma<br />
comédia que acumula alguns efeitos<br />
locais bem conseguidos (há<br />
observações inspira<strong>da</strong>s em número<br />
suficiente para uma hora <strong>de</strong> “stand<br />
up”) numa escala<strong>da</strong> gradual <strong>de</strong><br />
exageros que acabam por criar<br />
ângulos incómodos. As comparações<br />
com Philip Roth talvez já cansem<br />
Jacobson (que tentou contra-atacar o<br />
rótulo jornalístico <strong>de</strong> “Philip Roth<br />
inglês” com o <strong>de</strong> “Jane Austen<br />
ju<strong>de</strong>u”), mas “A Questão Finkler”<br />
exige uma comparação parcial. A<br />
criação cómica dos “Ju<strong>de</strong>us<br />
enVERgonhados” evoca os<br />
“Antisemitas Anónimos” <strong>de</strong><br />
“Operação Shylock”, tal como a<br />
longa discussão filosófica sobre a<br />
prática <strong>da</strong> circuncisão evoca uma<br />
discussão muito semelhante em<br />
“The Counterlife”. Nesses romances,<br />
Roth eva<strong>de</strong>-se à armadilha <strong>da</strong><br />
incompatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> sublimando todo<br />
o seu arsenal cómico num único<br />
apetrecho: o monólogo exasperado.<br />
“A Questão Finkler” é um artefacto<br />
literário diferente, cuja forma evoca<br />
um outro tipo <strong>de</strong> romance, a<br />
meditação interioriza<strong>da</strong>, discursiva<br />
e digressiva, que almeja a uma<br />
caracterização serena e realista mais<br />
difícil <strong>de</strong> compatibilizar com<br />
<strong>de</strong>svarios burlescos e exageros<br />
retóricos. Também aqui, Jacobson se<br />
resguardou com um sólido alibi<br />
estrutural (a comédia ju<strong>da</strong>ica do<br />
livro é uma i<strong>de</strong>ia estereotipa<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
comédia ju<strong>da</strong>ica, etc.), mas quando<br />
ela chega à página já esgota<strong>da</strong> por<br />
prece<strong>de</strong>ntes, o alibi começa a<br />
parecer um ataque preventivo;<br />
como o <strong>de</strong>ntista <strong>de</strong> Seinfeld, o<br />
humor em segun<strong>da</strong> mão po<strong>de</strong> não<br />
ofen<strong>de</strong>r gentios ou ju<strong>de</strong>us, mas<br />
arrisca-se a ofen<strong>de</strong>r apreciadores <strong>de</strong><br />
comédia.<br />
“A Questão Finkler” é melhor na<br />
micro-gestão <strong>de</strong> estilo e técnica do<br />
que na forma como convoca e<br />
organiza os seus gran<strong>de</strong>s temas. A<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong> altura, Treslove observa uma<br />
mulher na cozinha e pensa que<br />
“aquilo que [ela] fazia não era tanto<br />
cozinhar como maltratar os<br />
ingredientes, golpeando-os e<br />
aplicando-lhes um tratamento<br />
furioso até saberem a alguma coisa”.<br />
O que Jacobson fez foi mais ou<br />
me<strong>nos</strong> o mesmo: não tanto escrever<br />
um romance como golpear<br />
furiosamente um reportório <strong>de</strong><br />
elementos literários até estes<br />
saberem a alguma coisa (alguma<br />
coisa kosher). E quando isto<br />
acontece, é mais fácil admirar o<br />
cozinheiro do que saborear a<br />
refeição.<br />
Biografia<br />
Fi<strong>de</strong>l,<br />
por quem<br />
o serviu<br />
e <strong>de</strong>ixou<br />
A vantagem: uma biografia<br />
escrita por alguém que<br />
conheceu Fi<strong>de</strong>l <strong>de</strong> muito<br />
perto. A <strong>de</strong>svantagem: o<br />
olhar dissi<strong>de</strong>nte, ressentido.<br />
O leitor que escolha.<br />
Fernando Sousa<br />
Autobiografia <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro<br />
Norberto Fuentes<br />
Casa <strong>da</strong>s Letras<br />
mmmnn<br />
As melhores<br />
tentativas<br />
biográficas <strong>de</strong><br />
Fi<strong>de</strong>l Castro até<br />
hoje foram notas<br />
consenti<strong>da</strong>s. A<br />
autobiografia do<br />
lí<strong>de</strong>r cubano<br />
assina<strong>da</strong> por<br />
Norberto Fuentes,<br />
acaba<strong>da</strong> <strong>de</strong> sair entre nós, que fala<br />
<strong>de</strong> um homem tão cheio <strong>de</strong> si que o<br />
Universo é insuficiente, tem a<br />
vantagem <strong>de</strong> ter entrado pela porta<br />
do cavalo, já que é escrita por<br />
alguém que o conheceu <strong>de</strong> muito<br />
perto. Mas a <strong>de</strong>svantagem do olhar<br />
dissi<strong>de</strong>nte, ressentido e marcado<br />
pela impotência perante uma figura<br />
<strong>de</strong> facto esmagadora. O leitor que<br />
escolha.<br />
Os aviões (america<strong>nos</strong>)<br />
metralham, matam e retiram. É o dia<br />
15 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1961. Faltam 48 horas<br />
para o <strong>de</strong>sembarque <strong>da</strong> Praia Girón.<br />
Em baixo, no aeroporto <strong>de</strong> Ciu<strong>da</strong>d<br />
Libertad, crivado <strong>de</strong> balas, o jovem<br />
miliciano Eduardo García guar<strong>da</strong>,<br />
exangue, as últimas forças para<br />
meter um <strong>de</strong>do nas vísceras e<br />
escrever com o próprio sangue um<br />
nome numa porta – FIDEL. Ficará na<br />
história.<br />
O coman<strong>da</strong>nte chega a seguir para<br />
saber dos estragos dos ianques.<br />
Pára. Olha para a ma<strong>de</strong>ira on<strong>de</strong> o<br />
seu nome ain<strong>da</strong> escorre, vermelho.<br />
Guar<strong>da</strong> um silêncio curto. Recolhese?<br />
O que é que sente? O que é que<br />
pensa? Que o sol<strong>da</strong>dito morrera a<br />
pensar nele, centro <strong>da</strong> Revolução<br />
cubana e, modéstia à parte, do<br />
próprio Universo, motivo mais do<br />
que justo para lhe <strong>de</strong>dicar a história<br />
<strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>.<br />
E assim começa a “Autobiografia<br />
<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro”, escrita, não pelo<br />
próprio mas por Norberto Fuentes,<br />
um antigo fi<strong>de</strong>lista obrigado a fugir<br />
para Miami, on<strong>de</strong>, durante a<strong>nos</strong>,<br />
juntou memórias e rancores para<br />
escrever um dos mais azedos libelos<br />
anti-castristas. Dedicatória do livro –<br />
a pensar no jovem artilheiro morto:<br />
“O meu nome é o teu sangue”.<br />
[“Cuando con sangre escribe/<br />
FIDEL, este sol<strong>da</strong>do que por la<br />
Patria muere/no digáis miserere: esa<br />
sangre es el símbolo <strong>de</strong> la Patria que<br />
vive”. Nicolás Guillén no poema “La<br />
Sangre Numerosa”.]<br />
A <strong>de</strong>dicatória é tudo me<strong>nos</strong><br />
inocente – anuncia uma vi<strong>da</strong>, <strong>de</strong><br />
menino a adulto, construí<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
costas para todos excepto para si<br />
mesmo, vivi<strong>da</strong> por etapas entre o<br />
autocentrismo e a sua expressão<br />
máxima, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stino.<br />
fun<strong>da</strong>ção carmona e costa<br />
Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício <strong>da</strong> Bolsa Nova <strong>de</strong> Lisboa)<br />
Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa<br />
(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />
Tel. 217 803 003 / 4<br />
www.fun<strong>da</strong>caocarmonaecosta.pt<br />
Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha / Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Universitária | Autocarro: 31<br />
Vemos claramente um homem que<br />
incha por ca<strong>da</strong> passo que dá.<br />
Fi<strong>de</strong>l apresenta-se como o centro<br />
<strong>da</strong> família, dos colegas, dos amigos<br />
– uma expressão força<strong>da</strong> já que não<br />
apresenta ninguém como um amigo<br />
real. Tem fome <strong>de</strong> na<strong>da</strong> e <strong>de</strong> tudo.<br />
Em princípio é só um rebel<strong>de</strong>, ain<strong>da</strong><br />
sem causa, a caminho <strong>de</strong> se<br />
transformar na sua própria meta, no<br />
seu próprio objectivo.<br />
A infância em Birán, a<br />
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Havana, as<br />
primeiras lutas políticas, o assalto a<br />
Monca<strong>da</strong>, as primeiras leituras<br />
–Lenine, Napoleão, Gramsci, Marx –,<br />
o exílio no México, a Sierra Maestra,<br />
a entra<strong>da</strong> em Havana, conta-as como<br />
meros capítulos <strong>da</strong> sua afirmação<br />
pessoal, os fuzilamentos, na floresta<br />
ou em Las Cabañas, como o<br />
normalíssimo castigo <strong>de</strong> quem<br />
manchou o bom nome <strong>da</strong> Revolução<br />
– quer dizer, o seu –, a tentou<br />
impedir ou se tornou incómodo, um<br />
escolho, um entrave.<br />
Não fala <strong>da</strong> família com qualquer<br />
afecto, seja <strong>da</strong> mãe, seja do pai, que<br />
trata com aversão, seja dos<br />
ESCREVER PAISAGEM<br />
Manuel Baptista | Desenhos<br />
1960-1970<br />
comissariado: João Pinharan<strong>da</strong><br />
Exposição: <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Março até 28 <strong>de</strong> Maio<br />
Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, <strong>da</strong>s 15h00 às 20h00<br />
Ciclo <strong>de</strong> conversas:<br />
Prof. José Gil – 9 <strong>de</strong> Abril (sábado) às 17h00<br />
Pedro Cabrita Reis – 27 <strong>de</strong> Abril (quarta-feira) às 18h00<br />
Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 31