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chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul

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Cuca nas<br />

mãos<br />

<strong>de</strong> Gustavo<br />

Esperou<br />

quase quatro a<strong>nos</strong> pela oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gravar com<br />

Gustavo Santaolalla, mas “Cuca Roseta” – o<br />

disco que leva o seu nome – chegou por fim. Estreia-<br />

se no<br />

fado e por lá quer continuar, mas há quem<br />

tenha outros pla<strong>nos</strong>. Gonçalo Frota<br />

Correra a notícia <strong>de</strong> que<br />

Gustavo Santaolalla – autor<br />

<strong>da</strong>s ban<strong>da</strong>s sonoras <strong>de</strong> “Babel”<br />

e “Brokeback Mountain” –<br />

queria gravar o disco <strong>de</strong> estreia<br />

<strong>de</strong> Cuca; mas os adiamentos<br />

sucessivos e a fé inabalável <strong>da</strong><br />

fadista na palavra do argentino<br />

pareciam con<strong>de</strong>ná-la à vi<strong>da</strong><br />

suspensa <strong>da</strong>s mulheres que<br />

perdiam os homens na guerra<br />

“Posso gravar<br />

contigo”, foi avisando<br />

a cantora<br />

a Santaolalla,<br />

“mas quero gravar<br />

fado, o mais<br />

tradicional possível”<br />

Diziam-lhe<br />

muito uma<br />

coisa: que parecia uma<br />

criança a viver ve num mun-<br />

do <strong>de</strong> fantasia, a alimen-<br />

tar inutilmente n esperan-<br />

ças numa hipótese irreal.<br />

Ou que estava a em vão à es-<br />

pera<br />

<strong>de</strong> um príncipe encantado,<br />

<strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a a acabar sozinha,<br />

abandona<strong>da</strong> n e sem<br />

ninguém a querer. e Após a ex-<br />

citação inicial gera<strong>da</strong> pela pro-<br />

posta <strong>de</strong> Gustavo Santaolalla – o<br />

homem dos Bajofondo o Tango<br />

Club e autor <strong>da</strong>s oscariza<strong>da</strong>s ban-<br />

<strong>da</strong>s sonoras <strong>de</strong> “Babel” e “Broke-<br />

back Mountain” –, o entusiasmo à<br />

beira <strong>da</strong> histeria <strong>de</strong>ra<br />

lugar a uma<br />

<strong>de</strong>scrença <strong>de</strong>smaia<strong>da</strong>. Rapi<strong>da</strong>mente<br />

correra a notícia <strong>de</strong> que<br />

Santaolalla<br />

queria gravar o disco <strong>de</strong> estreia <strong>de</strong><br />

Cuca Roseta, mas os adiamentos sucessivos<br />

e a fé inabalável aláv<br />

<strong>da</strong> fadista na<br />

palavra do músico argentino pare-<br />

ciam con<strong>de</strong>ná-la à mesma m vi<strong>da</strong> sus-<br />

pensa <strong>da</strong>s mulheres que<br />

perdiam os<br />

homens na guerra e nunca n recebiam<br />

uma notificação oficial, acor<strong>da</strong>ndo<br />

todos os dias com a esperança e <strong>de</strong> ver<br />

umas botas escalavra<strong>da</strong>ss<br />

a entrar pe-<br />

la porta.<br />

Cuca não <strong>de</strong>sarmou, ficou presa à<br />

palavra <strong>de</strong> Santaolalla e rejeitou to<strong>da</strong>s<br />

as muitas propostas que lhe foram<br />

chegando às mãos, <strong>de</strong> editoras por-<br />

tuguesas, francesas, holan<strong>de</strong>sas. À<br />

sua volta, os entusiastas a iniciais fo-<br />

ram tombando aos poucos, até só<br />

ela permanecer <strong>de</strong> pé. “Não sei se<br />

não <strong>de</strong>vias aceitar esta” foi-se tor-<br />

nando um coro ca<strong>da</strong> vez mais<br />

numeroso e sonoro. o E a ca<strong>da</strong><br />

recusa <strong>de</strong> Cuca,<br />

lá se avolu-<br />

mavam mais mãos a escon-<br />

<strong>de</strong>r a boca comentando que<br />

“Coita<strong>da</strong>, ela<br />

lá ficou a<br />

achar que o Santaolalla ia<br />

gravar com ela e vai ficar<br />

eternamente t a sonhar”.<br />

Foi-se sempre agarrando<br />

à troca <strong>de</strong><br />

emails entre<br />

os dois, em<br />

que ele lhe<br />

explicava<br />

as razões <strong>de</strong><br />

mais um adiamento –<br />

agora uma digressão<br />

com os Bajofondo,<br />

agora o<br />

disco <strong>da</strong><br />

Nelly Furtado, <strong>de</strong>-<br />

pois a ban<strong>da</strong> sonora<br />

do filme “Biutiful”,<br />

em segui<strong>da</strong> o disco<br />

<strong>de</strong> Cristóbal Repetto,<br />

com os negócios <strong>de</strong> vinhos e a<br />

família à mistura. Até que à nona <strong>de</strong>smarcação,<br />

a certeza <strong>de</strong> Cuca, não<br />

caindo, rachou <strong>de</strong> alto a baixo. “On<strong>de</strong><br />

é que havia tempo para ele ter o capricho<br />

<strong>de</strong> vir gravar com uma miudinha<br />

e pagar tudo do bolso <strong>de</strong>le?”,<br />

perguntou-se.<br />

Email, <strong>de</strong> Cuca Roseta para Gustavo<br />

Santaolalla: “Chega, não vou ficar<br />

mais à espera. Ou an<strong>da</strong>mos com isto<br />

para a frente, já estou nisto quase há<br />

quatro a<strong>nos</strong>, ou <strong>de</strong>sisto e vou trabalhar<br />

com outra pessoa ou fazer outra<br />

coisa”. O susto funcionou como uma<br />

mola na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> produtor do argentino.<br />

Pouco <strong>de</strong>pois, entravam finalmente<br />

em estúdio. E Cuca – que<br />

abdicara <strong>de</strong> ser psicóloga a pedido<br />

expresso <strong>de</strong> Santaolalla – respirava<br />

finalmente <strong>de</strong> alívio. Afinal, este príncipe,<br />

encantado por ela, era a sério.<br />

Uma escala<br />

No meio <strong>de</strong> uma agen<strong>da</strong> impossível,<br />

Gustavo Santaolalla conseguiu enfiar<br />

três dias <strong>de</strong> escala, vindo <strong>de</strong> Barcelona<br />

e a caminho <strong>de</strong> Los Angeles, para<br />

gravar a fadista em Lisboa. Depois <strong>de</strong><br />

uma tão longa espera, os três dias ecoaram<br />

em Mário Pacheco – o guitarrista<br />

que apadrinhou Cuca e a acolheu<br />

no seu Clube <strong>de</strong> Fado – como mais<br />

uma loucura <strong>da</strong> sua protegi<strong>da</strong>. Mas<br />

na vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um homem que quase não<br />

dorme e para quem dois meses <strong>de</strong><br />

estúdio soam mais a férias do que a<br />

trabalho, três dias eram suficientes.<br />

“Deu para gravar e ain<strong>da</strong> sobrou tempo”,<br />

ri-se Cuca. “Psicológica e emocionalmente<br />

foi uma violência, porque<br />

eram quatro vezes segui<strong>da</strong>s a<br />

gravar o mesmo fado e sempre como<br />

se fosse a primeira, com a mesma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

Mas é <strong>de</strong>sse repente que vive<br />

“Cuca Roseta”.<br />

Finalmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que numa passagem<br />

por Lisboa Santaolalla fora<br />

atraído para Alfama pelo nome <strong>de</strong><br />

Argentina Santos (se foi a coincidência<br />

do nome <strong>da</strong> fadista com o do seu<br />

país ou apenas a sua fama cantadoira,<br />

não sabemos) e acabou no Clube <strong>de</strong><br />

Fado a <strong>de</strong>slumbrar-se com Cuca, o<br />

namoro artístico entre os dois era finalmente<br />

consumado. E <strong>de</strong> tal forma<br />

que o homem lhe fez já juras <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

eterna, confessando-lhe que<br />

gostava que gravassem juntos para o<br />

resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. “Eu quero o talento <strong>de</strong>le<br />

em todo o meu crescimento”, solta<br />

Cuca, não me<strong>nos</strong> rendi<strong>da</strong>.<br />

A reverência para com a reputação<br />

<strong>de</strong> Santaolalla levou a que muitos <strong>de</strong>ssem<br />

carta-branca ao músico para fazer<br />

do fado aquilo que quisesse, como<br />

se as suas mexi<strong>da</strong>s na canção lisboeta<br />

precisassem <strong>de</strong> uma autorização prévia<br />

<strong>de</strong> uma comissão <strong>de</strong> honra. Mas à<br />

mesa com Cuca, a tenra i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fadista<br />

não fez <strong>de</strong>la palco para experiências<br />

<strong>de</strong>sabri<strong>da</strong>s. “Posso gravar contigo”,<br />

foi avisando a cantora, “mas<br />

quero gravar fado, o mais tradicional<br />

possível”. Gustavo não podia estar<br />

mais <strong>de</strong> acordo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a intocabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> raiz e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a<br />

novi<strong>da</strong><strong>de</strong> estaria sempre presente<br />

pelo facto <strong>de</strong> Cuca ouvir rock e outras<br />

músicas, ter um passado ligado à pop,<br />

vestir-se e ter uma imagem distinta<br />

<strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s fadistas, escrever as<br />

suas letras e ter composto até um original<br />

para o disco. Daí que Santaolalla<br />

tenha mexido no fado com pinças,<br />

respeitoso, percebendo igualmente<br />

a irritação a tomar forma na cara <strong>de</strong><br />

Cuca sempre que alguém sugeria um<br />

bandoneón ou algo do género. “Ele é<br />

sempre assim”, diz ela. “É sempre<br />

pelo puro, pelo cru, pelo simples”.<br />

Se Cuca conseguiu manter o fado<br />

inviolado no seu primeiro disco, <strong>de</strong>pois<br />

veremos se, a manter-se a colaboração<br />

com Santaolalla, terá teimosia<br />

suficiente para resistir à i<strong>de</strong>ia do<br />

músico argentino. “Tu vais cantar todo<br />

o tipo <strong>de</strong> músicas”, diz-lhe ele a<br />

to<strong>da</strong> a hora. “Se calhar nem sequer<br />

vais ficar no fado”, disse-lhe uma vez.<br />

Ela irrita-se e respon<strong>de</strong> que já experimentou<br />

to<strong>da</strong>s as outras, e só o fado<br />

a convoca por inteiro para ca<strong>da</strong> interpretação.<br />

Mas a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que até aos<br />

18 a<strong>nos</strong> nunca tinha havido fado na<br />

sua vi<strong>da</strong>.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 38 e segs

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