chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
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festivalliterario<strong>da</strong>ma<strong>de</strong>ira.com/)<br />
Livros<br />
Festival<br />
A primeira edição do<br />
Festival Literário <strong>da</strong><br />
Ma<strong>de</strong>ira, organizado<br />
pelos consultores<br />
editoriais Booktailors e<br />
pela editora Nova Delphi,<br />
realiza-se a partir <strong>de</strong><br />
hoje e até domingo no<br />
Funchal. Eduardo Pitta,<br />
Rui Zink, Afonso Cruz,<br />
valter hugo mãe, José<br />
Mário Silva, Pedro Vieira,<br />
Mário Zambujal, Inês<br />
Pedrosa, David Machado,<br />
Violante Saramago,<br />
Isabela Figueiredo,<br />
Miguel Vale <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>,<br />
o italiano Antonio<br />
Scurati são alguns dos<br />
escritores convi<strong>da</strong>dos. O<br />
festival inclui visitas a<br />
escolas <strong>de</strong> ensino básico<br />
do concelho e mesas<br />
redon<strong>da</strong>s com temas como<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“Os escritores que fogem<br />
<strong>da</strong> fama”, “Os escritores<br />
malditos”, “Os escritores<br />
inconstantes”, “Os<br />
escritores esquecidos”.<br />
Haverá ain<strong>da</strong> lançamento<br />
<strong>de</strong> livros e uma<br />
feira do livro<br />
(ver programa<br />
em http://<br />
“Cristo Carregando a Cruz”<br />
(Bosch, 1515-16): o rosto <strong>de</strong> Cristo<br />
e <strong>da</strong> mulher são belos e pacíficos<br />
e os dos restantes, dos ju<strong>de</strong>us,<br />
são feios, quase <strong>de</strong>moníacos<br />
irmãos, <strong>de</strong>stilando ódio em<br />
relação ao mais velho, Ramón, a<br />
quem não perdoa ter levado uma<br />
vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> nababo enquanto ele lutava<br />
contra Batista.<br />
Abre talvez uma ligeira excepção<br />
para Raúl, que no entanto <strong>de</strong>screve<br />
como um homem <strong>de</strong> carácter<br />
medieval, em trânsito entre o<br />
<strong>selva</strong>gem e a cultura do<br />
Renascimento”.<br />
Tão pouco encontrou nalguma<br />
<strong>da</strong>s mulheres, <strong>de</strong> Mirta a Dalia,<br />
motivo <strong>de</strong> enlevo, lembrando-as tão<br />
só pelas ancas ou pelo que lhe<br />
<strong>de</strong>ram <strong>nos</strong> momentos <strong>de</strong> aflição<br />
sexual ou revolucionária.<br />
“Não era o mesmo an<strong>da</strong>r não<br />
perturbado pelos tomates a subir e<br />
<strong>de</strong>scer as montanhas quando estava<br />
carregado. Por isso me foi tão<br />
benéfica a sua presença na Sierra;<br />
não só como aju<strong>da</strong>nte executiva, isto<br />
é, também para me manter<br />
<strong>de</strong>scarregado”, escreve sobre Célia<br />
Sánchez, figura maior <strong>da</strong> guerrilha.<br />
Enfim na sua caminha<strong>da</strong> em<br />
direcção à História – on<strong>de</strong> crê que se<br />
sentará, absolvido, sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> companhia, pois basta-se a si<br />
mesmo, a comer um arroz <strong>de</strong> frango,<br />
seguido <strong>de</strong> um café e <strong>de</strong> umas<br />
chupa<strong>de</strong>las <strong>de</strong> Lancero, a olhar<br />
<strong>de</strong>leitado para a obra <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong> –<br />
refere-se a tudo e a todos como<br />
meros episódios.<br />
Quê? Fuzilámos? Mas, claro! Era<br />
impossível poupar a vi<strong>da</strong> a<br />
sabotadores, porque o tinham sido<br />
ou podiam vir a sê-lo, tal como, a<br />
certa altura, a <strong>de</strong>liquentes, que bem<br />
vistas as coisas até <strong>de</strong>viam agra<strong>de</strong>cer<br />
a pena, quase só aplica<strong>da</strong> a<br />
burgueses ou contrarevolucionários.<br />
Sim, o caso <strong>de</strong> Manuel Urrutia foi<br />
uma maça<strong>da</strong>. Mas era ele ou eu –<br />
quer dizer, a Revolução. Pensou que<br />
era mesmo Presi<strong>de</strong>nte? Pensou mal.<br />
Che foi uma questão mais<br />
aborreci<strong>da</strong>. Já an<strong>da</strong>va <strong>de</strong> olho nele<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a casa <strong>de</strong> D. Antónia; sempre<br />
me cheirou a trotskista. Juntou<br />
<strong>de</strong>masia<strong>da</strong> fama, <strong>de</strong>masiado po<strong>de</strong>r,<br />
o comemier<strong>da</strong>. Foi preciso mandá-lo<br />
fazer revoluções para longe, para<br />
que morresse nalguma <strong>de</strong>las, fosse<br />
no Congo, fosse na Bolívia, para não<br />
chatear mais.<br />
“Vinha com a sua história<br />
própria, com algumas leituras e com<br />
a sua formação e as suas viagens <strong>de</strong><br />
aventuras. Vinha com uma história<br />
anterior a mim. […] Queria a sua<br />
i<strong>de</strong>ia e ser um valor altruísta <strong>nos</strong><br />
processos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça, essa imagem<br />
límpi<strong>da</strong> e cândi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças,<br />
<strong>da</strong>s revoluções na América Latina.”<br />
A crise dos mísseis? Sim, não<br />
gostei na<strong>da</strong> do que os soviéticos me<br />
fizeram. Usaram-me. Enganaramme.<br />
Deixaram-me a falar sozinho.<br />
Nós aqui à espera <strong>da</strong> guerra e<br />
Kruschev a consertar a paz com<br />
Kennedy!...<br />
Esta é a mais recente autobiografia<br />
<strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro, apresenta<strong>da</strong> pela<br />
crítica como a mais inspira<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
quantas foram escritas no último<br />
meio século, pelos documentos e<br />
pelos testemunhos em que assenta,<br />
e pelos a<strong>nos</strong> que levou a completar.<br />
Mas não é um auto-retrato, porque<br />
nem chegou pelo punho do próprio<br />
nem é escrito por um observador<br />
<strong>de</strong>sinteressado – pelo contrário.<br />
As coisas po<strong>de</strong>m ter sido assim,<br />
mais ou me<strong>nos</strong> assim ou nem sequer<br />
assim, <strong>de</strong> outro modo estaríamos<br />
perante um ensaio histórico. Quer<br />
dizer, está mais perto do romance,<br />
até pelo estilo, uma comunhão que<br />
se quis perfeita entre a memória e as<br />
palavras, do que do documento,<br />
pelo que será necessário esperar<br />
pela abertura – um dia – dos arquivos<br />
por exemplo do Ministério do<br />
Interior.<br />
Fuentes, que repartiu a vi<strong>da</strong> entre<br />
a literatura e o regime, foi <strong>de</strong><br />
qualquer modo um observador<br />
privilegiado <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l. Assistiu à sua<br />
entra<strong>da</strong> em Havana e foi seu<br />
colaborador, encarregado <strong>de</strong> tarefas<br />
políticas e <strong>de</strong> informação, até 1989,<br />
quando foi <strong>de</strong>tido no quadro <strong>da</strong><br />
Causa 1, que levaria à morte Arnaldo<br />
Ochoa e Antonio <strong>de</strong> la Guardia,<br />
escapando ao paredón apenas<br />
<strong>de</strong>vido à intervenção <strong>de</strong> Gabriel<br />
García Márquez, amigo do<br />
coman<strong>da</strong>nte.<br />
Exilado em Miami, <strong>de</strong>dicou os<br />
a<strong>nos</strong> que se seguiram à<br />
reconstituição <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do lí<strong>de</strong>r<br />
cubano, um trabalho ain<strong>da</strong> marcado<br />
pelo fascínio por um homem que,<br />
mesmo que tenha arrombado a<br />
porta à História, entrou nela.<br />
Ensaio<br />
Um crime<br />
constante<br />
Trinta e cinco textos, em<br />
forma <strong>de</strong> ensaio curto,<br />
que <strong>de</strong>screvem alguns<br />
dos episódios centrais <strong>da</strong><br />
história do ódio para com os<br />
ju<strong>de</strong>us. David Teles Pereira<br />
História do Anti-Semitismo<br />
Trond Berg Eriksen, Håkon Harket e<br />
Einhart Lorenz<br />
(trad. João António Correia <strong>de</strong> Sousa<br />
Araújo)<br />
Edições 70<br />
mmmmn<br />
Os ju<strong>de</strong>us foram<br />
responsáveis pela<br />
morte <strong>de</strong> Jesus<br />
Cristo. Morreram<br />
por isso. Os<br />
ju<strong>de</strong>us roubavam<br />
hóstias<br />
consagra<strong>da</strong>s para<br />
reencenar nelas a<br />
morte <strong>de</strong> Jesus<br />
Cristo. Morreram por isso. Os ju<strong>de</strong>us<br />
utilizaram sangue <strong>de</strong> crianças em<br />
rituais <strong>de</strong>moníacos, os ju<strong>de</strong>us<br />
envenenaram poços, os ju<strong>de</strong>us<br />
espalharam a peste negra, o<br />
capitalismo, o bolchevismo.<br />
Morreram por tudo isso. Não é<br />
preciso ler mais que as primeiras<br />
cem páginas <strong>da</strong> “História do Anti-<br />
Semitismo” (Edições 70, 2010) para<br />
perceber que muito antes dos<br />
primeiros centímetros cúbicos <strong>de</strong><br />
gás terem atravessado as<br />
canalizações <strong>de</strong> Treblinka, muito<br />
antes <strong>de</strong> Paul Celan ter escrito<br />
sobre essa morte que foi um mestre<br />
aus Deutchland, já o “ódio que visa<br />
os ju<strong>de</strong>us só por serem ju<strong>de</strong>us” (p.<br />
15) tinha cumprido uma longa e<br />
infame história. Aliás, os próprios<br />
ju<strong>de</strong>us participaram do fenómeno<br />
ao construírem e teorizarem o ódio<br />
auto-referente, a qual o filósofo<br />
alemão Theodor Lessing (1872-1933)<br />
se referiu num livro, editado em<br />
1930, “O ódio ju<strong>da</strong>ico <strong>de</strong> si próprio”<br />
(Der jüdische Selbsthass), que está<br />
na origem <strong>da</strong> categoria do “selfhating<br />
jew”.<br />
“História do Anti-Semitismo” é o<br />
livro mais recente <strong>da</strong> ca<strong>da</strong> vez mais<br />
louvável colecção Lugar <strong>da</strong> História,<br />
<strong>da</strong>s Edições 70 – a juntar à “História<br />
dos Ju<strong>de</strong>us Portugueses”, <strong>de</strong> Carsten<br />
L. Wilke, publicado em 2009 –, que<br />
traduz para português a obra<br />
colectiva “Jø<strong>de</strong>hat: Antisemittismen<br />
historie fra antikken til i <strong>da</strong>g”.<br />
Assina<strong>da</strong> por três historiadores<br />
noruegueses – Trond Berg Eriksen,<br />
Håkon Harket e Einhart Lorenz – é<br />
composta por trinta e cinco textos,<br />
em forma <strong>de</strong> ensaio curto,<br />
apresentados numa sequência mais<br />
ou me<strong>nos</strong> cronológica que procura<br />
<strong>de</strong>screver alguns dos episódios<br />
centrais <strong>da</strong> história do ódio para<br />
com os ju<strong>de</strong>us.<br />
Nesta perspectiva, uma <strong>da</strong>s<br />
críticas que po<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, ser<br />
apontado a esta obra é o parco<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>do ao período<br />
que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao<br />
século XVIII, que cabe em pouco<br />
mais <strong>de</strong> duzentas páginas, contra as<br />
mais <strong>de</strong> 400 páginas <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s aos<br />
últimos três séculos. Contudo, tal<br />
dispari<strong>da</strong><strong>de</strong> seria facilmente<br />
esqueci<strong>da</strong> se a informação forneci<strong>da</strong><br />
nessas duas centenas <strong>de</strong> páginas<br />
ultrapassasse, em <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> e em<br />
profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma consulta às<br />
várias páginas disponíveis na<br />
wikipédia sobre o tema. Seria útil,<br />
também, que a sequência dos<br />
primeiros ensaios, para além <strong>da</strong><br />
simples cronologia, investisse em<br />
<strong>da</strong>r ao leitor chaves <strong>de</strong> compreensão<br />
histórica do tema, a qual,<br />
infelizmente, aqui é dificulta<strong>da</strong> pelos<br />
saltos temporais, espaciais e, até,<br />
temáticos do narrador que, muitas<br />
vezes, pouco aju<strong>da</strong>m à leitura.<br />
Para <strong>da</strong>r um exemplo, as<br />
importantes disputas medievais<br />
entre os teólogos ju<strong>da</strong>icos e os<br />
teólogos cristãos, mo<strong>de</strong>los<br />
proverbiais do anti-ju<strong>da</strong>ísmo <strong>de</strong><br />
motivação<br />
religiosa, na sua<br />
génese histórica, não merecem mais<br />
que dois parágrafos centrados no<br />
episódio <strong>de</strong> Paris, em 1240, não se<br />
<strong>de</strong>scortinando qualquer referência<br />
às disputas <strong>de</strong> Barcelona (1263; <strong>de</strong><br />
longe a mais importante <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s,<br />
convoca<strong>da</strong> pelo monarca Jaime I <strong>de</strong><br />
Aragão e organiza<strong>da</strong> por Raimundo<br />
<strong>de</strong> Peñafor, tendo a parte ju<strong>da</strong>ica<br />
sido representa<strong>da</strong> pelo teólogo<br />
Nahmani<strong>de</strong>s) e à <strong>de</strong> Tortosa (1413-<br />
1414). No sentido oposto, a tendência<br />
<strong>de</strong>sproporciona<strong>da</strong> para focalizar e<br />
<strong>de</strong>senvolver o conceito <strong>de</strong> antisemitismo<br />
no período que vai <strong>da</strong><br />
Kristalnacht à Solução Final, que<br />
ocupa gran<strong>de</strong> parte dos estudos<br />
históricos <strong>de</strong>dicados a este tema, é<br />
aqui habilmente mo<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> pelos<br />
três historiadores sem que, com isso,<br />
tenham corrido o risco <strong>de</strong> confundir<br />
o “assassínio <strong>de</strong> seis milhões <strong>de</strong><br />
ju<strong>de</strong>us” (pp. 497 e ss.) como apenas<br />
um episódio entre muitos, diluindo<br />
na história a singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
genocídio hitleriano.<br />
O que é o anti-semitismo? O ódio<br />
aos ju<strong>de</strong>us por serem ju<strong>de</strong>us. A<br />
<strong>de</strong>finição convoca<strong>da</strong> pelos três<br />
autores no prefácio à obra é simples,<br />
mas perfeitamente operacional para<br />
um trabalho <strong>de</strong>sta envergadura.<br />
Talvez fosse excessivo e, em certa<br />
medi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>scabido exigir a uma obra<br />
que se propõe narrar e interpretar<br />
“a história do ódio europeu aos<br />
ju<strong>de</strong>us (...), uma narrativa sombria<br />
<strong>da</strong>s <strong>nos</strong>sas relações históricas com o<br />
‘outro’” (p. 19) o aperfeiçoamento <strong>de</strong><br />
um conceito <strong>de</strong> anti-semitismo com<br />
horizontes mais restritos. Quanto à<br />
vertente narrativa, esta “História do<br />
Anti-Semitismo” é um trabalho<br />
importante, com uma prosa pouco<br />
florea<strong>da</strong> e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente eficaz –<br />
num estilo conciso próprio <strong>da</strong><br />
historiografia anglo-saxónica –, e<br />
com uma cadência <strong>de</strong> leitura que<br />
nunca é prejudica<strong>da</strong> pelas várias<br />
mãos que tocam no texto. Merece<br />
especial <strong>de</strong>staque o texto <strong>de</strong> Håkon<br />
Harket intitulado “Dinamarca e<br />
Noruega: a chega<strong>da</strong> dos Ju<strong>de</strong>us ao<br />
Reino” (pp. 215 e ss.), um estudo<br />
sobre o impacto do anti-semitismo<br />
no espaço geográfico dos autores.<br />
Refira-se, não obstante, que mesmo<br />
assim esta obra fica um pouco<br />
aquém, por exemplo, <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s<br />
obras <strong>de</strong> referência nesta temática, a<br />
“História do<br />
Anti-Semitismo” <strong>de</strong> Léon<br />
Poliakov, <strong>da</strong> qual é possível<br />
encontrar, traduzido para<br />
português, o volume respeitante aos<br />
a<strong>nos</strong> 1945-1993 (Instituto Piaget,<br />
1997).<br />
Diferentemente, na vertente<br />
interpretativa, isto é, na análise <strong>da</strong>s<br />
causas e efeitos – principalmente dos<br />
efeitos culturais e políticos – do antisemitismo,<br />
a “História dos Anti-<br />
Semitismo” fica algo aquém <strong>da</strong><br />
expectativa <strong>de</strong>sperta<strong>da</strong> no prefácio,<br />
relativamente à interpretação <strong>de</strong>sse<br />
mundo sombrio <strong>da</strong>s relações<br />
históricas com o “outro”. A este<br />
propósito, é útil <strong>chama</strong>r atenção<br />
para algumas passagens do “Tratado<br />
Teológico-Político” <strong>de</strong> Espi<strong>nos</strong>a, que<br />
Trond Berg Eriksen apenas refere <strong>de</strong><br />
passagem, nas quais o filósofo<br />
caracteriza o ódio relativamente aos<br />
ju<strong>de</strong>us como factor <strong>de</strong> unificação e,<br />
curiosamente, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
própria comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica na sua<br />
afirmação i<strong>de</strong>ntitária. A história do<br />
anti-semitismo é, também, uma<br />
história <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma história<br />
<strong>da</strong> inimiza<strong>de</strong>. E a inimiza<strong>de</strong> tem<br />
efeitos políticos fortíssimos que o<br />
discurso contemporâneo,<br />
artificialmente neutralizado nessa<br />
dimensão, raramente se atreve a<br />
reconhecer.<br />
Na altura <strong>de</strong> explicar o papel <strong>da</strong><br />
perseguição aos ju<strong>de</strong>us, <strong>da</strong> aposição<br />
a estes <strong>da</strong> tenebrosa figura do “ju<strong>de</strong>u<br />
errante”, nenhum dos autores <strong>de</strong>sta<br />
obra chega o suficientemente longe:<br />
o anti-semitismo não compôs apenas<br />
um retrato <strong>de</strong>monizado do ju<strong>de</strong>u<br />
que até a <strong>nos</strong>sa linguagem corrente,<br />
sabe-se lá vindo <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, preserva<br />
– basta pensarmos no significado do<br />
verbo judiar. O anti-semitismo<br />
compôs também a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />
próprios ju<strong>de</strong>us e, por mais estranho<br />
que isso pareça, compôs a<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> do oci<strong>de</strong>nte não-ju<strong>da</strong>ico<br />
naquilo que, na oposição aos ju<strong>de</strong>us,<br />
este projectava <strong>de</strong> si próprio. Com<br />
efeito, paradoxalmente, foi um<br />
“ódio a si próprio”, ao conceito <strong>de</strong><br />
Humanismo e à raiz ju<strong>da</strong>ico-cristã<br />
do pensamento oci<strong>de</strong>ntal, que<br />
presidiu ao objectivo <strong>de</strong> extermínio<br />
sistemático <strong>da</strong> Judiaria europeia pelo<br />
III Reich.<br />
32 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon