chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Cinema<br />
Um <strong>cinema</strong> que fun<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o vivido e o sonhado, a experiência<br />
e a imaginação, a profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a ligeireza, a metafísica e o aparte anedótico<br />
Estreiam<br />
Apren<strong>de</strong>r o<br />
<strong>Apichatpong</strong><br />
É um filme tão especial<br />
como são especiais os<br />
momentos em que o <strong>cinema</strong><br />
<strong>de</strong> encontra consigo próprio.<br />
Luís Miguel Oliveira<br />
O Tio Boonmee Que se Lembra<br />
<strong>da</strong>s Suas Vi<strong>da</strong>s Anteriores<br />
Uncle Boonmee Who Can Recall<br />
His Past Lives<br />
De <strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong>,<br />
com Thanapat Saisaymar, Jenjira<br />
Pongpas, Sak<strong>da</strong> Kaewbua<strong>de</strong>e,<br />
Natthakarn Aphaiwong. M/12<br />
mmmmn<br />
Novo<br />
Wes<br />
An<strong>de</strong>rson<br />
Lisboa: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 13h40, 15h55, 19h, 21h30 6ª 13h40, 15h55,<br />
19h, 21h30, 24h Sábado 13h40, 15h55, 18h15, 21h30,<br />
24h Domingo 13h40, 15h55, 18h15, 21h30; UCI<br />
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 16h30, 19h05, 21h30, 24h Domingo 11h30,<br />
14h, 16h30, 19h05, 21h30, 24h<br />
Porto: Arrábi<strong>da</strong> 20: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h, 16h30, 19h10, 21h45, 00h30 3ª 4ª 16h30,<br />
19h10, 21h45, 00h30<br />
Não é preciso muito tempo, bastam<br />
dois ou três pla<strong>nos</strong> (até que o boi<br />
amarrado se solte e se aventure por<br />
uma floresta filma<strong>da</strong> em “noite<br />
americana”, ou que assim parece)<br />
para se ter a sensação, muito clara,<br />
muito níti<strong>da</strong>, mas também, como<br />
dizer, muito calma, <strong>de</strong> que “O Tio<br />
Boonmee que se Lembra <strong>da</strong>s suas<br />
Vi<strong>da</strong>s Anteriores” é uma janela que<br />
alguém abriu, uma corrente <strong>de</strong> ar<br />
fresco sopra<strong>da</strong> sobre a tristíssima<br />
avalanche <strong>de</strong> entulho que<br />
semanalmente se abate sobre o<br />
Jason Schwartzmann e<br />
Bill Murray regressam<br />
para o novo filme do<br />
realizador e argumentista<br />
Wes An<strong>de</strong>rson. Além<br />
<strong>de</strong>stes já recorrentes<br />
actores, participam pela<br />
primeira vez no universo<br />
do cineasta Til<strong>da</strong> Swinton<br />
e Bruce Willis. Ain<strong>da</strong><br />
com um papel mais<br />
secundário, confirma-se<br />
Edward Norton (“Clube<br />
<strong>de</strong> Combate”) e Francis<br />
McDormand (Óscar em<br />
“Fargo”). O filme, que<br />
suce<strong>de</strong> à animação em<br />
técnica “stop motion”<br />
“Fantástico Senhor<br />
Raposo”, é intitulado<br />
“Moonrise Kingdom”.<br />
Descreve a aventura <strong>de</strong><br />
um grupo <strong>de</strong> amigos em<br />
Nova Inglaterra, <strong>nos</strong> EUA,<br />
que <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente<br />
procuram um casal <strong>de</strong><br />
jovens que <strong>de</strong>sapareceu.<br />
Bruce Willis é o xerife,<br />
“circuito comercial”. É um filme<br />
extraordinário, em todos os sentidos<br />
<strong>da</strong> palavra, um filme que <strong>de</strong>volve o<br />
<strong>cinema</strong> à sua (quase) esqueci<strong>da</strong><br />
vocação <strong>de</strong>miúrgica. É<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente um filme <strong>de</strong><br />
“criação”, <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um<br />
“mundo”. E se com isto evocamos o<br />
que Go<strong>da</strong>rd escreveu, há muitos<br />
a<strong>nos</strong>, sobre o “Índia” <strong>de</strong> Rossellini<br />
(que se tratava do “filme <strong>da</strong> criação<br />
do mundo”), fazemo-lo porque “O<br />
Tio Boonmee”, no seu trabalho sobre<br />
o folclore, a mitologia, a história,<br />
empregues como maneira <strong>de</strong><br />
“dobrar” a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a sua<br />
própria fantasia (ou vice-versa), tem<br />
momentos em que <strong>nos</strong> traz o filme <strong>de</strong><br />
Rossellini à cabeça – e evi<strong>de</strong>ntemente<br />
não apenas por, também aqui, os<br />
animais falarem (coisa que<br />
provavelmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o filme <strong>de</strong><br />
Rossellini eles não faziam tão bem).<br />
Lembra-<strong>nos</strong> mais coisas: Disney (o<br />
Disney genuíno), Powell/Pressburger,<br />
o “Brigadoon” <strong>de</strong> Minnelli, e claro, os<br />
india<strong>nos</strong>, certas coisas <strong>de</strong> Satyajit Ray<br />
ou Ritwik Ghatak, influência maior<br />
do <strong>cinema</strong> tailandês que talvez<br />
<strong>Apichatpong</strong> <strong>Weerasethakul</strong> nunca<br />
tivesse <strong>de</strong>nunciado <strong>de</strong>sta maneira. É<br />
assim tão especial, como são<br />
especiais os momentos, ca<strong>da</strong> vez<br />
mais raros, em que sentimos o<br />
<strong>cinema</strong> a reencontrar-se consigo<br />
próprio. De resto, <strong>Apichatpong</strong> disse<br />
que “O Tio Boonmee” era a sua<br />
“pequena lamentação” pelo <strong>cinema</strong>.<br />
Voltaremos a ela, porque parece<br />
con<strong>de</strong>nsar-se no <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro plano.<br />
O observador distante totalmente<br />
alheado do folclore e <strong>da</strong>s tradições<br />
tailan<strong>de</strong>sas, em vez <strong>de</strong> lamentar que<br />
a sua ignorância o con<strong>de</strong>ne a ver “O<br />
Tio Boonmee” como um objecto<br />
hermético, <strong>de</strong>ve congratular-se por<br />
isso mesmo: está em óptima posição<br />
para remeter tudo o que não percebe<br />
para o “folclore e as tradições<br />
personagem que<br />
enquanto procura o casal<br />
tem um caso amoroso<br />
com a mãe <strong>da</strong> rapariga.<br />
<strong>de</strong>sapareci<strong>da</strong> – Francis<br />
McDormand. Bill Murray<br />
será o problemático pai<br />
<strong>da</strong> rapariga. “Moonrise onrise<br />
Kingdom” tem argumento<br />
<strong>de</strong> Wes An<strong>de</strong>rson n e do<br />
filho <strong>de</strong> Francis Coppola,<br />
Roman Coppola.<br />
tailan<strong>de</strong>sas” e limitar-se a apreciar o<br />
que vê. É mais misterioso, e se calhar<br />
ain<strong>da</strong> mais belo, assim. E no entanto,<br />
perfeitamente claro: é como dizia<br />
Jean Douchet <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 50, não<br />
precisamos <strong>de</strong> “apren<strong>de</strong>r japonês”<br />
para perceber Mizoguchi, basta que<br />
“apren<strong>da</strong>mos Mizoguchi”.<br />
Precisaremos, <strong>de</strong> facto, <strong>de</strong> saber<br />
alguma coisa <strong>da</strong> Tailândia para<br />
perceber o fabuloso intróito <strong>da</strong><br />
princesa <strong>de</strong>sfigura<strong>da</strong> à procura <strong>da</strong><br />
sua imagem “redimi<strong>da</strong>” pelo reflexo<br />
nas águas do lago? Ou por que razão<br />
foi o Tio Boonmee, numa vi<strong>da</strong><br />
anterior, um peixe-gato? Ou porque é<br />
que os homens-macacos <strong>de</strong> olhos que<br />
brilham no escuro confraternizaram<br />
e tiraram fotografias com os sol<strong>da</strong>dos<br />
que an<strong>da</strong>vam pela floresta a matar<br />
comunistas? Claro que não, basta que<br />
saibamos “apren<strong>de</strong>r <strong>Apichatpong</strong>”. E<br />
o “<strong>Apichatpong</strong>”, aqui, é um <strong>cinema</strong><br />
que fun<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong><br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o vivido e o sonhado, a<br />
experiência e a imaginação, a<br />
profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a ligeireza, a<br />
metafísica e o aparte anedótico (a<br />
não negligenciar, o seu sentido <strong>de</strong><br />
humor, que já conhecíamos pelo<br />
me<strong>nos</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “Síndromas e um<br />
Século”), com uma graça, uma<br />
<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e um equilíbrio pouco<br />
me<strong>nos</strong> que perfeitos. O Tio Boonmee,<br />
que está moribundo (mal dos rins),<br />
evi<strong>de</strong>ntemente não morre; ou por<br />
outra, a morte entrega-o ao que foi a<br />
sua vi<strong>da</strong>, aos seus fantasmas, aos seus<br />
remorsos, aos seus <strong>de</strong>sejos, às suas<br />
memórias, que se materializam por<br />
acção combina<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> e <strong>da</strong><br />
natureza. É isto “O Tio Boonmee”, é<br />
isto “o <strong>Apichatpong</strong>”. E os que ficam<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, pobres diabos, ficam<br />
especados em frente a um minúsculo<br />
ecran <strong>de</strong> televisão. É o <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro<br />
plano.<br />
O homem<br />
<strong>da</strong> maratona<br />
“O Assaltante” reinventa<br />
o filme <strong>de</strong> género à luz do<br />
novo <strong>cinema</strong> alemão, com<br />
resultados francamente<br />
conseguidos. Jorge<br />
Mourinha<br />
O Assaltante<br />
Der Räuber<br />
De Benjamin Heisenberg<br />
Com Florian Wotruba, Andreas Lust,<br />
Franziska Weisz<br />
MMMnn<br />
“O Assaltante” não seria meta<strong>de</strong> do filme que<br />
é sem a performance do austríaco Andreas Lust<br />
Lisboa: Teatro do Bairro. Domingo 21h30<br />
É um feliz reencontro com o regresso<br />
à exibição comercial regular <strong>da</strong> Zero<br />
em Comportamento, já longe <strong>da</strong>s<br />
sessões semanais do Cine 222 e<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um interregno forçado pela<br />
concentração na organização do<br />
IndieLisboa. “O Assaltante” esteve a<br />
concurso no Indie 2010, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
feito parte <strong>da</strong> selecção competitiva <strong>de</strong><br />
Berlim 2010, e é assinado por<br />
Benjamin Heisenberg, cineasta<br />
alemão, colega <strong>de</strong> geração <strong>da</strong> “escola<br />
<strong>de</strong> Berlim” e <strong>de</strong> cineastas como<br />
Angela Schanelec ou Christoph<br />
Hochhäusler (e, já agora, também<br />
neto do físico Werner Heisenberg).<br />
Mas é também um filme que faz uma<br />
“ponte” entre os “novos alemães” e<br />
os “novos austríacos” (como Jessica<br />
Hausner, cujo “Lour<strong>de</strong>s” chegará em<br />
breve às salas, ou Ulrich Seidl), sendo<br />
uma co-produção austríaca<br />
(<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pelo documentarista<br />
Nikolaus Geyrhalter) basea<strong>da</strong> num<br />
caso verídico.<br />
Na Áustria dos a<strong>nos</strong> 1980, um<br />
34 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon