chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
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Howard Jacobson já tinha escrito uma<br />
<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> livros, pouco conhecidos<br />
fora do mundo <strong>de</strong> língua inglesa,<br />
quando “A Questão <strong>de</strong> Finkler” ganhou<br />
o Booker Prize e lhe assegurou<br />
uma internacionalização meteórica.<br />
O júri, pouco <strong>da</strong>do a premiar romances<br />
cómicos, <strong>de</strong>ixou-se seduzir pela<br />
divertidíssima história <strong>de</strong> Julian Treslove,<br />
um pacato inglês que inveja a tal<br />
ponto o seu melhor amigo, o ju<strong>de</strong>u<br />
Sam Finkler, que tenta transformarse,<br />
ele próprio, num ju<strong>de</strong>u. Mas esta<br />
é também a história <strong>de</strong> Finkler, um<br />
ju<strong>de</strong>u que <strong>de</strong>testa o ju<strong>da</strong>ísmo e dirige<br />
uma associação <strong>de</strong> “ju<strong>de</strong>us envergonhados”.<br />
E <strong>de</strong> Libor Sevcik, um viúvo<br />
<strong>de</strong> 90 a<strong>nos</strong> que privou com Garbo,<br />
Dietrich e Monroe, mas cuja única<br />
paixão foi a sua mulher, Malkie, cuja<br />
morte não consegue ultrapassar. Um<br />
livro hilariante, mas que <strong>de</strong>ixa um<br />
amargo <strong>de</strong> boca. Jacobson quer que<br />
os leitores se riam, mas que se engasguem<br />
com o riso.<br />
Ju<strong>de</strong>us e ingleses partilham a<br />
reputação <strong>de</strong> ter pia<strong>da</strong> a gozar<br />
com eles próprios. Enquanto<br />
autor ju<strong>de</strong>u britânico, estava<br />
con<strong>de</strong>nado a escrever romances<br />
cómicos?<br />
Sinto-me realmente con<strong>de</strong>nado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo, a escrever romances. Mas a<br />
auto-ironia também é uma coisa que<br />
está <strong>de</strong> tal modo entranha<strong>da</strong> em mim<br />
que, quando comecei a publicar, a<br />
minha mãe perguntou-me: “Por que<br />
é que estás a ser tão cruel contigo próprio,<br />
a fazer troça <strong>de</strong> ti mesmo?”. Eu<br />
respondi-lhe, claro, que era porque<br />
ela não me tinha amado o suficiente.<br />
Nenhum dos seus livros tinha<br />
sido editado em Portugal, mas<br />
este último foi rapi<strong>da</strong>mente<br />
traduzido e publicado.<br />
Acelerar a internacionalização<br />
é o aspecto mais revelante do<br />
Booker Prize?<br />
O livro está a ser publicado em 24 línguas<br />
e em países como a China ou a<br />
Coreia. É um óptimo prémio para se<br />
ganhar. Mas também penso que escrevi<br />
muitos outros livros antes <strong>de</strong>ste,<br />
e <strong>de</strong>saponta-me saber que não foram<br />
traduzidos. De repente, aos 68 a<strong>nos</strong>,<br />
fui <strong>de</strong>scoberto.<br />
Não faltam bons ficcionistas<br />
ju<strong>de</strong>us america<strong>nos</strong>, e muitos<br />
<strong>de</strong>les são bastante divertidos.<br />
Mas não me ocorre, além <strong>de</strong> si,<br />
outro romancista cómico inglês<br />
que seja ju<strong>de</strong>u.<br />
Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, não há muitos romancistas<br />
ingleses ju<strong>de</strong>us. Os que escrevem<br />
são geralmente dramaturgos, como<br />
Harold Pinter, que nunca, mas mesmo<br />
nunca, gozou com ele próprio. É claro<br />
que em Inglaterra também só há<br />
uns 300 mil ju<strong>de</strong>us. Não somos tão<br />
importantes como os ju<strong>de</strong>us america<strong>nos</strong>.<br />
E somos mais discretos, não<br />
achamos que possamos pôr-<strong>nos</strong> a troçar<br />
<strong>de</strong> nós mesmos. Nisso sou original.<br />
O seu livro trata <strong>de</strong> infortúnios,<br />
pelo que o facto <strong>de</strong> ter treze<br />
capítulos po<strong>de</strong> ser lido como<br />
<strong>de</strong>liberado. Mas pergunto-me<br />
se não há também uma alusão<br />
aos 13 princípios <strong>da</strong> fé ju<strong>da</strong>ica<br />
compilados por Maimóni<strong>de</strong>s,<br />
cujo “Guia dos Perplexos” o<br />
protagonista, Julian Treslove,<br />
an<strong>da</strong> a ler. Como se este<br />
romance fosse também uma<br />
espécie <strong>de</strong> guia irónico às<br />
perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que o ju<strong>da</strong>ísmo<br />
hoje coloca.<br />
Só reparei no treze como número do<br />
azar, mas gostava sinceramente <strong>de</strong> lhe<br />
dizer que tinha pensado nisso, porque<br />
me agra<strong>da</strong> essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> o livro po<strong>de</strong>r<br />
ser lido como um comentário irónico<br />
a Maimóni<strong>de</strong>s.<br />
Chamam-lhe o Philip Roth<br />
inglês, mas, apesar <strong>da</strong>s<br />
afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s óbvias, não acha<br />
que o seu humor tem um lado<br />
muito inglês, mais leve, mais<br />
caricatural, do que o <strong>de</strong> Roth?<br />
Não sou tão zangado como ele. Sintome<br />
tão zangado como ele, mas não o<br />
sou tanto no que escrevo. Há alguma<br />
coisa <strong>nos</strong> meus romances que é inglesa,<br />
um tom mais afectuoso. Com Roth<br />
parece, às vezes, que estamos num<br />
tribunal. Ele castiga sobretudo as mulheres,<br />
com aquele seu sentido <strong>de</strong><br />
rectidão. Eu não conseguiria fazer<br />
isso. Sentir-me-ia <strong>de</strong>masiado ridículo.<br />
Mas não sei se me <strong>de</strong>va sentir orgulhoso<br />
disso. Roth é um escritor maravilhoso,<br />
e ser-se diferente <strong>de</strong>le em<br />
alguma coisa não <strong>de</strong>ve ser bom.<br />
Como é que lhe ocorreu essa<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mostrar o ju<strong>da</strong>ísmo a<br />
partir do olhar <strong>de</strong> alguém que<br />
não é ju<strong>de</strong>u e quer sê-lo?<br />
Por um lado, quis lembrar que há<br />
muita gente fascina<strong>da</strong> pelos ju<strong>de</strong>us,<br />
pelo seu modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e cultura. Mas,<br />
como romancista cómico, o principal<br />
foi ter percebido que seria muito divertido:<br />
Treslove a ler Maimóni<strong>de</strong>s,<br />
Treslove preocupado com a circuncisão...<br />
Não há asssim tantos ingleses<br />
que saibam muito sobre ju<strong>de</strong>us. Há<br />
al<strong>de</strong>ias on<strong>de</strong> as pessoas nunca viram<br />
Um riso que<br />
Consi<strong>de</strong>rado por muitos o Philip Roth inglês, Howard Jacobson ganhou a última edição do B<br />
obcecado pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se tornar ju<strong>de</strong>u. Um livro hilariante, mas também s<br />
diz, “é manter a disputa entre comédia e t<br />
20 • Sexta-feira 1 Abril 2011 • Ípsilon