chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul
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ovável<br />
terra, não pôs o carro à frente dos bois<br />
nem se <strong>de</strong>ixou levar pelos acontecimentos.<br />
Limitou-se a aventar que<br />
aquela era “uma época para<strong>da</strong> para<br />
a indústria”. “Não vejo mais nenhuma<br />
razão para isto estar a acontecer”.<br />
Há, contudo, uma possível razão:<br />
o contrato que os Iron & Wine assinaram<br />
com a Warner, <strong>de</strong>ixando para<br />
trás a SubPop, mítica editora <strong>de</strong> Seattle<br />
que havia editado os discos anteriores.<br />
Antigamente este tipo <strong>de</strong> saltos<br />
era mal visto pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> – preconceito<br />
que acabou com a transferência<br />
dos Nirvana e dos Sonic Youth<br />
para a Geffen. Aberto o prece<strong>de</strong>nte,<br />
muitas ban<strong>da</strong>s “menores” tentaram<br />
o mesmo salto, já sem complexos,<br />
mas sem atingirem resultados <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s<br />
admiráveis. Beam não foge ao<br />
assunto. “Estar ligado à Warner certamente<br />
que não prejudica as ven<strong>da</strong>s.<br />
Encontram-se excepções históricas à<br />
regra, mas é preciso estar na rádio<br />
para que a música chegue a mais gente.<br />
Tem-se mais recursos e eles têm<br />
maior experiência no que fazer e como<br />
fazer”.<br />
O artesanato <strong>da</strong> canção<br />
Tudo isto é dito num tom suave <strong>de</strong><br />
quem aparenta ser um tipo relaxado,<br />
<strong>de</strong> bem com a vi<strong>da</strong>. Não há, no tom<br />
<strong>de</strong> voz, enfado, pose, irritação. Coisa<br />
rara, ele simplesmente conversa <strong>de</strong><br />
forma aprazível. “Eu gosto <strong>da</strong>s entrevistas<br />
e <strong>de</strong> falar com as pessoas. É<br />
claro que isto é um trabalho <strong>de</strong> promoção,<br />
mas não me incomo<strong>da</strong> fazêlo.<br />
Não assinei por uma editora gran<strong>de</strong><br />
para tornar as coisas mais difíceis<br />
e ser conhecido por me<strong>nos</strong> gente”.<br />
É fora do comum a abertura com<br />
que Beam assume esse <strong>de</strong>sejo, em<br />
particular se tivermos em conta como<br />
a ban<strong>da</strong> começou: era “um passatempo”<br />
<strong>de</strong> “um tipo que nunca pensou<br />
ter uma carreira musical” e os discos<br />
iniciais eram “<strong>de</strong>finitivamente lo-fi”.<br />
Como com outros músicos a opção<br />
“Neste momento<br />
sinto que tenho uma<br />
carreira e que quando<br />
estou em digressão<br />
isto é trabalho.<br />
Mas quando estou<br />
em casa, ao acor<strong>da</strong>r<br />
<strong>de</strong> manhã e olhar-me<br />
ao espelho não penso<br />
‘Sou um músico<br />
conhecido’.<br />
Nessa altura sou<br />
apenas um pai”<br />
pelo lo-fi <strong>de</strong>u-se “mais pela contingência<br />
<strong>da</strong> falta <strong>de</strong> meios” do que por<br />
razões estéticas.<br />
Com quatro discos e uma <strong>da</strong>ta <strong>de</strong><br />
EPs editados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, Beam tinha<br />
uma sóli<strong>da</strong> obra <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>quilo a que<br />
se po<strong>de</strong>ria <strong>chama</strong>r a terceira (ou quarta?,<br />
já lhes per<strong>de</strong>mos a conta) vaga <strong>de</strong><br />
“americana”, tipo <strong>de</strong> som reconhecível<br />
por fun<strong>da</strong>r-se no folclore e na<br />
country norte-americanas. Mas “Kiss<br />
Each Other Clean” marca uma viragem:<br />
o tom é pop, há mais soluções,<br />
mais órgãos, baixos que balançam,<br />
xilofones em luta com guitarras eléctricas,<br />
wurlitzers a contrabalançar a<br />
doçura <strong>da</strong> voz <strong>de</strong> Beam. O tipo <strong>de</strong> disco<br />
que se fazia em LA <strong>nos</strong> a<strong>nos</strong> 70, o<br />
tipo <strong>de</strong> disco que Bill Callahan não<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nharia, o tipo <strong>de</strong> disco que os<br />
Low fariam se rezassem me<strong>nos</strong> e rebolassem<br />
mais as ancas.<br />
Não há gran<strong>de</strong> explicação metafísica<br />
para as mu<strong>da</strong>nças no som dos<br />
Iron & Wine, diz Beam, mas punhamos<br />
as coisas assim: “Ao fim <strong>de</strong> algum<br />
tempo três acor<strong>de</strong>s e ‘A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre<br />
o universo’ começam a cansar”.<br />
A <strong>de</strong>claração contém um certo gozo<br />
àquela premissa <strong>de</strong> que tudo o que<br />
é folk transporta consigo a tocha <strong>da</strong><br />
“ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Tendo em conta que o<br />
próprio Beam fez carreira assim, há<br />
nisto uma auto-ironia – que só lhe fica<br />
bem.<br />
“Eu não tinha um plano <strong>de</strong>liberado<br />
<strong>de</strong> me afastar fosse do que fosse, mas<br />
tinha uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> outra<br />
forma para o que fazia”. Pôs-se uma<br />
questão: “O que posso mu<strong>da</strong>r na minha<br />
música?”<br />
A primeira opção foi “óbvia”: “Bem,<br />
a guitarra acústica era a parte mais<br />
fácil <strong>de</strong> tirar”. Com isso foi-se o suporte<br />
habitual <strong>da</strong>s canções, o que acabou<br />
por ter as suas vantagens: “Quando<br />
se escreve uma canção na guitarra<br />
ten<strong>de</strong>-se a repetir padrões”, explica<br />
Beam, que acredita que “as canções<br />
que partem <strong>da</strong> guitarra acabam por<br />
soar mais monotónicas e por ser mais<br />
percussivas” (isto apesar <strong>de</strong> o piano<br />
ser consi<strong>de</strong>rado um cordofone, isto<br />
é, um instrumento <strong>de</strong> percussão).<br />
Resumi<strong>da</strong>mente: Beam mudou-se<br />
para o piano. O próximo passo foi<br />
perceber o que era essencial em ca<strong>da</strong><br />
canção. “Pensei assim: se um tipo vai<br />
escrever uma canção tem <strong>de</strong> criar alguma<br />
coisa que consiga cantar”. E<br />
nisto <strong>de</strong>u-se uma epifania: percebeu<br />
que “tinha <strong>de</strong> ter fé nas melodias. Se<br />
se tem uma boa melodia tem-se tudo.<br />
Só com isso po<strong>de</strong>-se fazer uma canção<br />
a capella e é suficiente para aguentar<br />
tudo. Depois, se se quiser, po<strong>de</strong> pôrse<br />
harmonias e colorir <strong>de</strong> forma mais<br />
interessante, mais misteriosa”.<br />
O processo <strong>de</strong> compor <strong>de</strong>ixou então<br />
<strong>de</strong> partir <strong>de</strong> uns acor<strong>de</strong>s à guitarra<br />
e passou para a melodia. A ca<strong>da</strong><br />
sequência <strong>de</strong> notas Beam perguntavase:<br />
“‘O que é que posso fazer com<br />
isto? On<strong>de</strong> é que esta melodia vai parar?’.<br />
Quanto mais melodias um tipo<br />
faz mais tem <strong>de</strong> pensar no que se está<br />
a fazer”.<br />
Na prática estamos perante a velha<br />
crença na arte <strong>de</strong> compor canções<br />
clássicas, <strong>de</strong> fazer parte <strong>da</strong>quela linha<br />
condutora que vai dos primeiros<br />
bluesman a Ju<strong>de</strong>e Sill (óbvia inspiração<br />
para “Brother in love”) passando<br />
pela Tin Pan Alley e pela Motown:<br />
“Mais que tudo o que sinto é vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r o lado artesanal <strong>de</strong> escrever<br />
canções. Um tipo tem <strong>de</strong><br />
apren<strong>de</strong>r como se faz, quais são as<br />
estruturas possíveis, o que po<strong>de</strong> ser<br />
posto e o que po<strong>de</strong> ser tirado, qual o<br />
fulcro <strong>da</strong> canção”.<br />
Implica<strong>da</strong> nesta firme apologia do<br />
conhecimento está uma valorização<br />
do trabalho. “A inspiração”, avança,<br />
“é uma ave rara que não aparece<br />
quando mais queremos”. Para o senhor<br />
<strong>da</strong>s barbas compor é matéria<br />
diária: “Sentamo-<strong>nos</strong> todos os dias a<br />
trabalhar, a tentar e a tentar – e, mesmo<br />
que haja um dia, uma semana,<br />
um mês em que não <strong>nos</strong> surgiu na<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> jeito, acabamos por ter muita coisa<br />
ao fim do ano”. No caso <strong>de</strong> “Kiss<br />
Each Other Clean” <strong>de</strong>u-se exactamente<br />
isso: “Passei nove meses a trabalhar<br />
no disco”, conta. “Acaba<strong>da</strong>s as bases<br />
iniciais <strong>da</strong>s canções, o meu trabalho<br />
é mais acerca <strong>de</strong> re-imaginar e reescrever<br />
do que <strong>de</strong> criar”.<br />
Beam diz então que gosta mais do<br />
processo do que <strong>da</strong> parte final, que<br />
“a direcção que as coisas acabam por<br />
seguir é o me<strong>nos</strong> importante”, mas<br />
escutando “Kiss Each Other Clean”<br />
<strong>de</strong>ve pôr-se a <strong>de</strong>claração em causa: é<br />
o disco mais variado dos Iron & Wine<br />
e o mais inventivo <strong>nos</strong> arranjos, com<br />
ângulos apertados on<strong>de</strong> se esperava<br />
esferas, com mel on<strong>de</strong> pensávamos<br />
haver sal.<br />
Do alto <strong>da</strong>s tabelas <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s Beam<br />
mostra uma satisfação mo<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>:<br />
“Neste momento sinto que tenho uma<br />
carreira e que quando estou em digressão<br />
isto é trabalho”. “Mas”, acrescenta,<br />
“quando estou em casa, ao<br />
acor<strong>da</strong>r <strong>de</strong> manhã e olhar-me ao espelho<br />
não penso ‘Sou um músico conhecido’.<br />
Nessa altura sou apenas um<br />
pai”.<br />
- Quantos filhos tem?<br />
- Cinco. Tudo raparigas.<br />
- Tudo raparigas?<br />
- Sim.<br />
- Bem, o seu esperma é óptimo<br />
- [gargalha<strong>da</strong>s] Juro-lhe que nunca me<br />
tinham dito isso antes. Muito obrigado,<br />
<strong>de</strong> qualquer modo. Vou contar à minha<br />
mulher.<br />
Que outra estrela pop que an<strong>da</strong> pelas<br />
tabelas <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s se riria assim?<br />
DANÇA<br />
CÉDRIC ANDRIEUX<br />
JÉRÔME BEL<br />
03 ABR 2011 (Dom), 22h00<br />
Auditório<br />
Bilhetes à ven<strong>da</strong> na recepção <strong>de</strong> Serralves e em www.serralves.pt<br />
PROGRAMAÇÃO ASSOCIADA AO ESPECTÁCULO “SUN MOON & STARS”<br />
10 e 11 ABR 2011 (Dom e Seg)<br />
APRESENTAÇÕES PÚBLICAS INFORMAIS<br />
DOS RESULTADOS DOS WORKSHOPS<br />
SUN MOON & STARS<br />
Por Elaine Summers, Pauline Oliveros e Jason Hwang<br />
Serralves / ESMAE / Bar Passos Manuel<br />
12 ABR 2011 (Ter), 21h30<br />
CINEMA<br />
Programação: Ricardo Matos Cabo<br />
Filmes <strong>de</strong> Elaine Summers,<br />
apresentados pela realizadora<br />
Auditório <strong>de</strong> Serralves<br />
Entra<strong>da</strong> gratuita para estas apresentações e sessão <strong>de</strong> <strong>cinema</strong>. To<strong>da</strong> a informação em www.serralves.pt<br />
Fotografia: Herman Sorgeloos<br />
Apoio Institucional<br />
Improvisações/Colaborações co-financiado por<br />
s tabelas <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>s norte-americanas não se percebe como.<br />
s melodias. João Bonifácio<br />
Com o Apoio<br />
Apoio Logístico<br />
Parceria<br />
Apoio à Divulgação<br />
Patrocinador <strong>da</strong><br />
Programação <strong>de</strong> Música<br />
Fun<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> Serralves Rua D. João <strong>de</strong> Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt<br />
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Mecenas Exclusivo<br />
Improvisações/Colaborações<br />
Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 23