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chama-nos da selva O cinema de Apichatpong Weerasethakul

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vam a revolução<br />

e a censura, filmaram ocupações, fábricas em auto-gestão, al<strong>de</strong>ias em Trás-os-Montes on<strong>de</strong><br />

vistos. Vamos vê-los no Panorama, a partir <strong>de</strong> hoje, S. Jorge, Lisboa. Alexandra Prado Coelho<br />

Tinham pedido a José Nascimento<br />

que, aproveitando o facto <strong>de</strong> ir frequentemente<br />

montar filmes nas instalações<br />

<strong>da</strong> televisão, tentasse perceber<br />

como ia ser o golpe que se sabia<br />

que estava a ser preparado. O cineasta<br />

não soube tudo mas conseguiu algumas<br />

informações. “Sabíamos que<br />

as rádios iam passar o Grândola Vila<br />

Morena e que isso seria o sinal <strong>de</strong> arranque”.<br />

Na noite <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> Abril saiu<br />

para a rua à procura <strong>de</strong> sinais. Lisboa<br />

estava calma. “Andámos até às duas<br />

<strong>da</strong> manhã, mas só tar<strong>de</strong> começámos<br />

a ver algumas movimentações, sobretudo<br />

junto ao Rádio Clube Português.”<br />

Decidiram que o melhor seria dormirem<br />

algumas horas, e no dia 25<br />

levantaram-se cedo, passaram pela<br />

produtora Telecine, conseguiram<br />

uma câmara <strong>de</strong> 16 milímetros e foram<br />

para o Largo do Carmo filmar a revolução.<br />

No Carmo a confusão era já<br />

muita. Outro cineasta e produtor, António<br />

Cunha Telles, tinha ouvido as<br />

notícias na rádio e fora imediatamente<br />

para o local. “Por acaso tinha uma<br />

câmara <strong>de</strong> filmar e fui com ela <strong>de</strong>baixo<br />

do braço. Fiquei à espera que acontecessem<br />

coisas importantes.”<br />

O ambiente era <strong>de</strong> tensão. Marcelo<br />

Caetano <strong>de</strong>ntro do quartel, Salgueiro<br />

Maia, à frente <strong>da</strong>s tropas revolucionárias,<br />

no exterior. “O Salgueiro Maia<br />

“De início<br />

só me interessava<br />

o registo, essa era<br />

a preocupação,<br />

e a <strong>nos</strong>sa<br />

disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> total.<br />

Estávamos a viver<br />

um período único<br />

e teríamos que <strong>da</strong>r<br />

tudo por tudo para<br />

estar nesse processo”<br />

Rui Simões<br />

disse que às três horas abria caminho<br />

a fogo”, conta Cunha Telles. “Eu estava<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um cafezinho, saí e <strong>de</strong><br />

um lado estava a GNR e do outro as<br />

tropas do Salgueiro Maia. Quando<br />

quis voltar para <strong>de</strong>ntro a porta já estava<br />

fecha<strong>da</strong>.” Ficou à espera, guar<strong>da</strong>ndo<br />

a única bobine <strong>de</strong> filme que<br />

tinha para um momento crucial. E o<br />

momento aconteceu. “Às três horas<br />

o Salgueiro Maia resolve atacar e, ao<br />

contrário do que se diz, houve mesmo<br />

fogo. Filmei as bazucas que foram dispara<strong>da</strong>s<br />

contra a porta do quartel do<br />

Carmo, imagens que foram <strong>de</strong>pois<br />

usa<strong>da</strong>s em pré-genérico do ‘As Armas<br />

e o Povo’”.<br />

O filme, <strong>de</strong> 1975, assinado pelo colectivo<br />

dos Trabalhadores <strong>da</strong> Activi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Cinematográfica, é um dos vários<br />

que po<strong>de</strong>m ser vistos a partir <strong>de</strong><br />

hoje e até dia 10 no São Jorge, em Lisboa,<br />

no Panorama – 5ª Mostra do Documentário<br />

Português (“As Armas e<br />

o Povo”, dia 2 às 21h30). Numa edição<br />

que lança a pergunta “Como se relaciona<br />

o documentário português com<br />

o mundo hoje?”, e on<strong>de</strong> serão exibidos<br />

os mais recentes documentários<br />

<strong>de</strong> realizadores portugueses, regressa-se<br />

aos dias <strong>da</strong> revolução para <strong>de</strong>scobrir,<br />

através <strong>de</strong> filmes que em muitos<br />

casos passaram uma vez na televisão<br />

e nunca mais foram vistos, como<br />

era filmar num momento <strong>de</strong> “urgência”,<br />

em que havia todo um país novo<br />

a mostrar.<br />

“Estava sempre tudo a acontecer,<br />

a to<strong>da</strong> a hora e em todo o lado, e era<br />

muito complicado conseguirmos<br />

acompanhar”, recor<strong>da</strong> José Nascimento.<br />

“Havia sempre notícias cruza<strong>da</strong>s.<br />

E isso para quem quer filmar<br />

acontecimentos é o pior que po<strong>de</strong><br />

acontecer. Não há maneira <strong>de</strong> saber<br />

o que é mais importante, ou se chegamos<br />

lá e já acabou. Havia essa fragili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> não se saber se quando<br />

chegássemos ao acontecimento ain<strong>da</strong><br />

haveria acontecimento.”<br />

E o Couraçado Potemkin?<br />

Tudo se passava a uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

alucinante. Os cineastas começaram<br />

a organizar-se e a 29 <strong>de</strong> Abril ocuparam<br />

as instalações do Instituto Português<br />

<strong>de</strong> Cinema, criando as <strong>chama</strong><strong>da</strong>s<br />

Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Produção. “Não estive<br />

na ocupação do IPC mas estive na <strong>da</strong><br />

censura”, conta Cunha Telles. “É que,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril, a censura<br />

continua a existir. Eu ia estrear<br />

o filme ‘Jaime’, do António Reis, e a<br />

censura, muito zelosa, telefonou-me<br />

a dizer que não podia. Agarrei no [músico]<br />

Zeca Afonso e no dia seguinte,<br />

<strong>de</strong> madruga<strong>da</strong>, juntamente com outros<br />

camara<strong>da</strong>s, fomos ocupar a censura.”<br />

A cena teve momentos caricatos,<br />

como acontecia por aqueles dias.<br />

“Quando entrámos <strong>de</strong>scobrimos que<br />

havia uma sala fecha<strong>da</strong> on<strong>de</strong> se ouviam<br />

uns choros. Eram as secretárias<br />

<strong>da</strong> censura que se tinham fechado ali<br />

com medo <strong>de</strong> serem fuzila<strong>da</strong>s. Lá as<br />

convencemos a abrir a porta e explicámos<br />

que iam ficar <strong>de</strong>semprega<strong>da</strong>s<br />

porque a censura ia acabar, mas que<br />

<strong>de</strong> resto não tinham na<strong>da</strong> a temer porque<br />

ninguém as ia fuzilar.”<br />

Com as chaves <strong>da</strong> censura na mão,<br />

Cunha Telles dirigiu-se para a Cova<br />

<strong>da</strong> Moura, o quartel-general <strong>da</strong> Junta<br />

<strong>de</strong> Salvação Nacional. Falou com um<br />

tenente “ain<strong>da</strong> muito jovem”, que<br />

escreveu o documento <strong>de</strong>cretando o<br />

fim <strong>da</strong> censura em filmes para adultos.<br />

À saí<strong>da</strong>, o militar perguntou ao<br />

realizador: “Então, e ‘O Couraçado<br />

Potemkin’, quando é que sai?”<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, Telles tinha já o filme<br />

<strong>de</strong> Eisenstein. “Tinha feito um acordo<br />

com os russos em que teria os direitos<br />

a partir do dia em que fosse possível<br />

exibir oficialmente em Portugal, por<br />

isso o filme estava na prateleira à espera.”<br />

Não esperou muito mais: no<br />

primeiro 1º <strong>de</strong> Maio em liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, “O<br />

Couraçado Potemkin” estreava, em<br />

glória, no <strong>cinema</strong> Império, na Alame<strong>da</strong>,<br />

em Lisboa. “As pessoas estavam<br />

a reunir-se na Alame<strong>da</strong> para comemorar<br />

o 1º <strong>de</strong> Maio quando o pano<br />

com ‘O Couraçado Potemkin’ começa<br />

a ser içado na frontaria imensa do<br />

Império. Teve a maior salva <strong>de</strong> palmas<br />

<strong>de</strong> que me lembro.”<br />

Nesse 1º <strong>de</strong> Maio um grupo <strong>de</strong> cineastas<br />

tinha-se juntado com a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> fazer “As Armas e o Povo”. Foram<br />

buscar película aos laboratórios <strong>da</strong><br />

Tóbis, dividiram-se em várias equipas<br />

e espalharam-se por Lisboa. No filme<br />

as imagens são frenéticas – pessoas a<br />

serem entrevista<strong>da</strong>s na rua, “o que<br />

pensa <strong>da</strong> revolução?”, “qual a sua posição<br />

sobre a guerra em África?”, perguntas<br />

muitas <strong>de</strong>las dispara<strong>da</strong>s com<br />

enorme entusiasmo pelo cineasta brasileiro<br />

Glauber Rocha, que entretanto<br />

tinha chegado a Portugal.<br />

Era o <strong>cinema</strong> possível<br />

Quem não estava em Portugal nesses<br />

primeiros dias era outro cineasta, Alberto<br />

Seixas Santos. “O meu nome<br />

aparece sempre que se fala no ‘As Armas<br />

e o Povo’ mas não participei nele<br />

porque estava na Suécia a ser operado.<br />

Lembro-<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver aquele célebre<br />

travelling com as caras dos<br />

membros do Conselho <strong>da</strong> Revolução,<br />

que me assustaram imenso. A única<br />

coisa que me acalmou foi ver o Spínola.<br />

Pensei ‘bem, pelo me<strong>nos</strong> não é<br />

o Kaúlza <strong>de</strong> Arriaga’. Na altura achava<br />

que íamos ter uma ditadura militar<br />

<strong>de</strong> direita.”<br />

No início <strong>de</strong> Maio chega também a<br />

Portugal, vindo <strong>de</strong> Bruxelas, Rui Simões,<br />

autor <strong>da</strong>queles que viriam a ser<br />

dois dos filmes mais marcantes <strong>de</strong>ste<br />

período: “Deus, Pátria e Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>”<br />

(dia 2 às 17h no Panorama) e “Bom<br />

Povo Português” (dia 7 às 21h30).<br />

“Bom Povo<br />

Português”,<br />

<strong>de</strong> Rui Simões<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Abril 2011 • 13

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