Heróis de Angola ao preço da Avenida da Liberdade - Jornal de Leiria
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CURTAS . BEST OF . ADVOGADO DO DIABO . ENTREVISTA . OBRIGATÓRIO . AGENDADRTRADUCTOR TRADITOR“- Para quantos idiomas foi traduzido o livro?- Para <strong>de</strong>zassete.- Dizem que a tradução para o inglês foi excelente.- Excelente, sim. A linguagem, <strong>ao</strong> comprimir-se em inglês, ganha força.- E as outras traduções?- Trabalhei muito com o tradutor italiano e com o tradutor francês. As duas traduções são boas; não obstante, não sinto o livro em francês.”Conversa entre García Márquez e Plinio Apuleyo Mendoza, incluí<strong>da</strong> no livro Cheiro <strong>de</strong> Goiaba. A referência é <strong>ao</strong> título Cem Anos <strong>de</strong> Solidão.Durante a apresentação recente<strong>de</strong> Arquipélago <strong>da</strong> Insónia, AntónioLobo Antunes afirmou que nuncatinha conseguido um bom tradutorpara Francês e que, sempre sentiuque, naquele idioma, as suas palavraseram altera<strong>da</strong>s, per<strong>de</strong>ndo-se osentido.Triste com a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> em transmitiro seu pensamento para a língua<strong>de</strong> Moliére e Descartes, emendoua mão sublinhando que, pelocontrário, já tinha assistido a casosem que escritos medianos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>traduzidos para outras línguas, sehaviam tornado em obras-primas <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> valor literário, referências <strong>da</strong>literatura mundial.A excepção <strong>de</strong>scrita por LoboAntunes po<strong>de</strong>ria ser suficiente paracontrariar a velha máxima que dizque um tradutor é um traidor. Oepíteto latino - Traductor Traditor– serve para mostrar o terror quea tradução provoca <strong>ao</strong>s leitores quepreferem edições bilingues e gostam<strong>de</strong> comparar versões traduzi<strong>da</strong>s,e <strong>ao</strong>s próprios autores. Sãoconhecidos os casos <strong>de</strong> editorasque escolhem os tradutores <strong>de</strong> acordocom o preço e não com a quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.A problemática <strong>de</strong>ve ser analisa<strong>da</strong>tendo em conta a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> obra a ser traduzi<strong>da</strong>, os meandros<strong>da</strong> linguagem, os duplos e terceirossentidos, a beleza e a sonori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>spalavras, a busca <strong>de</strong> termos e <strong>de</strong>mecanismos que permitam a traduçãomais correcta e <strong>de</strong>ntro do espíritooriginal. O esforço é gran<strong>de</strong> e otradutor dá tanto <strong>de</strong> si que há mesmoquem consi<strong>de</strong>re que o seu nome<strong>de</strong>veria vir na capa, juntamente como do autor.Vasco Graça Moura, conhecidoescritor e tradutor <strong>de</strong> obras clássicas,é um dos que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> isso. Escutadopelo JORNAL DE LEIRIA, refereque, pela importância do trabalho<strong>de</strong> quem verte os textos <strong>de</strong> uma línguapara a outra, o tradutor tambémpo<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado quase umco-autor.Já o escritor valter hugo mãe dizque o tradutor é um escritor com afunção peculiar <strong>de</strong> criar para mantera fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma obra quandoesta mu<strong>da</strong> <strong>de</strong> língua. “A mu<strong>da</strong>nça<strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> uma língua par<strong>ao</strong>utra é sempre um jogo <strong>de</strong> hipóteses,e nunca uma ciência acaba<strong>da</strong> esem polémicas. A angústia do autorperante o seu trabalho traduzido nãovai acabar em tempo algum”, afirma.Por não acreditar que haja quem,<strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente faça traduções semo cui<strong>da</strong>do e o respeito <strong>de</strong>vido pel<strong>ao</strong>bra original valter hugo ressalvaque por mais cui<strong>da</strong>do e interesse queo autor coloque numa tradução quese faça do seu texto, é impossívelperseguir a perfeição.Acostumado à árdua tarefa <strong>da</strong>tradução dos termos plenos <strong>de</strong> sentidosocultos <strong>de</strong> Oví<strong>de</strong>o e outros autorescomplexos, o docente universitárioCarlos André, reforça a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>valter hugo mãe e sintetiza: “A traduçãofiel é uma impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> prática,em especial quando se trata <strong>de</strong>um texto literário e, por maioria <strong>de</strong>razão, se for poesia. Ou se traduz osentido e se per<strong>de</strong> tudo quanto otransmite - o peso <strong>da</strong>s palavras, aforma, a retórica, a elegância -, ouse reproduz a elegância e a arte, mas<strong>de</strong>srespeitam-se as palavras, ou otradutor se apega <strong>ao</strong> significado eper<strong>de</strong> a música, ou preten<strong>de</strong> manteresta e corre o risco <strong>de</strong> infringiraquele”.António Gregório, editor <strong>da</strong> revista365 e autor publicado em Itáliae na América do Sul, diz ter <strong>de</strong>senvolvidoum artifício para percebera quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> tradução. “Quandoleio uma obra que não conheço nalíngua <strong>de</strong> origem, uma pergunta,que faço <strong>de</strong> mim para mim é sempre:Nota-se que isto não foi escritoem português? Não é a mesmacoisa que perguntar 'isto está bemescrito?' - é que po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se o caso<strong>de</strong> o original também não o estar,e o tradutor não tem <strong>de</strong> fazer milagres-, ou seja, trata-se <strong>de</strong> algo maissubtil e íntimo, algo parecido como que na música funky se chama <strong>de</strong>groove”.DOS CUS DE JUDASAO BEIJO DE JUDASPara o tradutor e intérprete HenriqueManuel, muito dificilmente esó em casos estritamente excepcionais,ou até por acaso fortuito seconseguem achar traduções melhoresque o original. “Po<strong>de</strong> ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>rseo caso <strong>de</strong> ser um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro virtuosoa traduzir. Costuma dizer-seque para traduzir poesia, pela suaestrutura inerente, é preciso um poeta,e estou inteiramente <strong>de</strong> acordo”.Resumindo, o tradutor crê queum autor tem <strong>de</strong> estar preparadopara o seu trabalho no estrangeiroser diferente do que é na sua línguamaterna. “Na obra do próprio LoboAntunes, o Os Cus <strong>de</strong> Ju<strong>da</strong>s foi traduzidopara alemão com o título DerJu<strong>da</strong>s Kuss, isto é 'O beijo <strong>de</strong> Ju<strong>da</strong>s'apenas porque se privilegiou aí asonori<strong>da</strong><strong>de</strong> semelhante. O <strong>de</strong>svio dooriginal e do sentido não po<strong>de</strong>ria sermaior e, no entanto, foi aceite.”E se o tradutor, em vez <strong>de</strong> funcionarcomo autor, fosse uma espécie<strong>de</strong> médium ou canal psíquico doautor? “Ele tem <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar possuir- salvo seja – pelo escritor e imaginá-loa pensar, sonhar, praguejar,enfim, a criar noutra língua”, equacionaAntónio Gregório, mas ressalvaa necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um limite. “A<strong>da</strong><strong>da</strong> altura, o tradutor, chegando àconclusão <strong>de</strong> que to<strong>da</strong> a estrutura<strong>da</strong> obra na nova língua seria diferente,meter-se-ia ele próprio reestruturá-la.”Jacinto Silva Durov i v e r . 2 7<strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> . 16 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2009