Heróis de Angola ao preço da Avenida da Liberdade - Jornal de Leiria

Pedro Redol, conservador do Mosteiro da BatalhaÉ precisa coragem para tirara estrada da frente do mosteiroentrevistaRICARDO GRAÇAÉ com muita paixão ededicação que Pedro Redolfala do seu trabalho noMosteiro da Batalha. Contahistórias fascinantes detempos antigos e dosarquitectos portugueses queplanearam Santa Maria daVitória, que já no século XIVeram considerados dosmelhores da Europa.Licenciou-se em História,variante de História da Arte,em Coimbra. Neste momento,dedica-se ao estudo daantiga Cerca do mosteiro.Aos 44 anos, entre outroscargos, já foi director doConvento de Cristo e doMuseu Nacional Machado deCastro, em Coimbra.É conhecido pelo estudo dos vitrais domosteiro da Batalha. Quais foram as principaiscuriosidades que descobriu acerca deles?Esses vitrais têm uma relação muito grandecom a nossa pintura retabular. Não temosdocumentos a dizer quem os fez, mas sabemosque aquilo não tem a ver com o vitral flamengo.Embora haja uma influencia indirecta. Portantohá uma grande relação com a pintura deFrancisco Henriques e outros pintores da geraçãodele. Descobriram-se bastantes coisas, emresultado não tanto de documentos escritos,mas da observação atenta das peças e da comparaçãocom outras obras. A partir de 1996,tivemos a oportunidade de começar a tirar painéisdo século XV, alguns do princípio do séculoXVI, e começar a estuda-los, distinguindo oque era pintura do que era corrosão.Neste momento, está a preparar um trabalhode recriação da Cerca do Mosteiro.O doutoramento em que estou a trabalharnão tem nada a ver com os vitrais. Percebi quepodia estudar o mosteiro numa óptica diferentedaquela que se consagrou sobretudo a partirdo cardeal Saraiva. Ou seja, a arquitecturacomo espaço de vida e não como elementosarquitectónicos. Tenho interesse em percebercomo é que o mosteiro cresceu, encolheu, e setransformou em função da sua utilização. Éinteressante ver como, em mapas, gravuras, epontos de vista predefinidos - e existem muitasgravuras do século XVIII da Batalha - a paisagemestá representada na escrita dos viajantes.Como no caso de William Beckford, porexemplo. A Cerca era parte deste grande território.Uma quinta murada que ficava a nortedo mosteiro, que incluía uma estrada e partedo curso do rio Lena, onde os frades costumavapescar para descontrair. Outra coisa são osedifícios desaparecidos. O mosteiro teve claustrosconstruídos em meados do século XVI,naquela parte de trás que tem um aspecto horrível.Até uma certa altura do século XX houvelá a igreja de Santa Maria, a Velha e restos deum quarteirão, entretanto destruídos à medidaque se foi “limpando” à volta do mosteiro.Perdeu-se cerca de um terço do mosteiro. Noséculo XIX foi privilegiada a arquitectura gótica,e o restauro desse tempo foi influenciadopor essa corrente, levando à destruição de claustros,que eram de certeza de grande qualidadearquitectónica. Há sinais deles na planta doJames Murphy e na historiografia de Frei Luísde Sousa, do século XVII.Na vossa actividade do dia-a-dia, aindadescobrem “mistérios”?Sim, muitas vezes. As pessoas pensam quesabemos muita coisa e que vamos descobrirtudo o que está ali, e, acontece serem os visitantesa chamar-nos a atenção para algo quenunca vimos. No ano passado, estava a estudarum vitral do século XV, e havia uma peçaque estava muito escurecida - é um tipo dealteração que ocorre naqueles vitrais - e tinha--se destacado grande parte da pintura, e eu nãopercebia o que estava representado naquelapeça. Entrou um senhor no meu atelier e começoua olhar para aquilo e disse que era um cão.E de facto era a cabeça de um cão. O cão deum pastor. Como os grafitis que são um assuntomuito interessante. Era bom que se estudassemporque há lá caracteres e palavras inteirasem escrita do século XV, princípio do XVI. Numdos grafitis aparece mesmo uma cegonha branca,espécie entretanto desaparecida da região...Há, portanto, ali também uma história da natureza.Considera que tem havido uma visão unificadorado património edificado da região?Existe ea intenção de criar circuitos quelevem as pessoas de um lado para outro. A experiênciade ter sido director de um grande monumentonacional – o convento de Cristo - e deum grande museu nacional – Machado Castro- foi muito interessante porque me provou quemonumentos e museus são tratados de maneiradiferente. E é pena que assim seja, porquenão há diferença nenhuma. Ambos têm potencialidadespara musealização e criação de espaçosde exposição. Mais do que as relações entreos grandes monumentos, é a relação do monumentocom o seu contexto. Portanto um dosobjectivos que temos é, por um lado, ter umcentro interpretativo, por outro, com esta investigaçãoque vamos fazer, é perceber que, apesarde se ter destruído o contexto e de hoje termosuma imagem de um mosteiro numa clareira,isso não era nada assim, e que a própria comunidadeconventual teve uma relação que erafisicamente visível com a população. Vamossondar o espaço da cerca e fazer reconstituiçõescientificamente credíveis, que permitemmodulação 3D e que serão usadas para exibiraos visitantes.Fazem falta mais centros de interpretaçãocomo o da Batalha de Aljubarrota...Exacto. Mas temos previsto um centro deinterpretação. O projecto está concluído desde2004 e não tem sido implementado por faltade possibilidades do ponto de vista financeiro,mas espera-se que este ano o seja. É que é complicadocriar uma relação com o mosteiro comaquela estrada que está ali em frente. E não ésó pelo facto de criar poluição que destrói omonumento. Não é possível gostar de estar alidentro com a porta aberta a ouvir camiões otempo todo.Acredita que a variante nova, tendo portagem,vai resolver o assunto?Não. Sei que, politicamente, tirar dali a estradaé muito complicado. Mas também é precisoter coragem. E, se ela está ali desde 1964 -coisa impensável em frente a outro monumentocomo este em qualquer parte do Mundo, oupelo menos da Europa - será que realmente háum verdadeiro cuidado e interesse pelo Mosteiroda Batalha? Penso que não. Ou damos calmaàs pessoas, ou elas não conseguem criaruma relação genuína com o espaço.Jacinto Silva Durov i v e r . 3 1Jornal de Leiria . 16 de Abril de 2009