12.07.2015 Views

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Não há volta a dar: Polly Jean Harvey,tombe que <strong>se</strong> confirmou quandoasmúsica inglesa <strong>de</strong> 42 anos que há quafaixascomeçaram a aparecer aqui e<strong>se</strong> duas décadas exp<strong>ele</strong> <strong>de</strong>móniosali: “Let England Shake” é daqu<strong>ele</strong>spela garganta, alcançou aqu<strong>ele</strong> esta-títulos que só <strong>se</strong> dá ou quando <strong>se</strong>étuto em que o simples facto <strong>de</strong> lançarmuito novo e <strong>se</strong> tem a arrogância doum disco é, já <strong>de</strong> si, notícia.mundo ou quando <strong>se</strong> sabe ter umaIsto é feito apenas ao alcance dospequena bomba nas mãos ou quandoque fizeram discos que <strong>de</strong>ixaram mar-<strong>se</strong> tem suficiente peso para fingir quecas na p<strong>ele</strong> a quem os ouviu, dos que<strong>se</strong> tem uma bomba nas mãos.ofereceram a carne à musa em trocaO que quer que tenha passado pelado talento, mas também dos que so-cabeça <strong>de</strong> Polly Jean nestes últimosbreviveram, dos que perceberam quequatro anos, foi suficiente para a levarum dia a fúria ir-<strong>se</strong>-ia e só restaria oa escrever um disco <strong>de</strong> acento políti-talento e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ob<strong>se</strong>rva-co – embora a palavra “política” tenhação.hoje uma conotação simplória quan-Foi isso que valeu a miss Harvey.do a sua raiz é bem mais complexaEm 2004, aquando <strong>de</strong> “Uh Huh(“como organizar isto”).Her”, o <strong>se</strong>u <strong>se</strong>gundo disco lhado con<strong>se</strong>cutivo (após o péssi-naco <strong>de</strong> carne (ou um intruso) a im-mo“Stories From The Cityprensa britânica atirou-<strong>se</strong> ao disco emStories From The Sea”, 2000),abundantes laudas, <strong>se</strong>guiu com babaa mulher que <strong>de</strong>u cabo da cabeçapelo queixo cada canção que ia <strong>se</strong>ndoao <strong>se</strong>nhor Nick Cave podia <strong>se</strong>r dada,lançada neste ou naqu<strong>ele</strong> site, <strong>de</strong>su-emtermos artísticos, como legal-nhou-<strong>se</strong> em interpretações sobre ca-mente morta: não havia cora-da palavra da musa sobre a pátriaçãoa bater naquelas can-mãe.fa-Como cães esfomeados perante umções.Curiosamente, nada disto interessa.sa.A morte <strong>se</strong>rviu-lhe, por-Sejamos claros: nunca nenhuma can-que “White Chalk”, o dis-ção fez uma revolução. As cançõesco <strong>se</strong>guinte, <strong>de</strong> 2007, pa-po<strong>de</strong>m acompanhar e incitar a mureciauma as<strong>som</strong>braçãodanças, mas por si mesmas não criamao piano, um punhado <strong>de</strong>movimentos sociais <strong>de</strong> massas. E nãocanções <strong>de</strong> embalar tétri-há um único disco que sirva <strong>de</strong> trata-ta-cas. Quem andava conten-do político, por mais brilhante queate com a Polly Jean dasmente que o gizou <strong>se</strong>ja – governar im-mini-saias <strong>se</strong>mi-rockei-plica mais que juntar rimas em trêsra<strong>de</strong>ve ter ficado ata-minutos.zanado: quando a moçaparecia domada,Olhar para elaeis que resolve rar r às malvas opara quem não nasceu na velha, <strong>de</strong>-conforto em que aca<strong>de</strong>nte e sobrevalorizada ilha (e está-sua música tinha<strong>se</strong> a borrifar para <strong>ele</strong>s) é a confirma-caído.ção <strong>de</strong> uma terceira vida na carreiraVoltava a não ha-<strong>de</strong> Polly Jean, tão fascinante quantover um “<strong>som</strong> PJas duas anteriores: a Polly Jean pati-Harvey”. Voltava anho feio dos primeiros discos, quehaver PJ Harvey.punha intestinos cá fora, <strong>de</strong>u lugaràPortanto não ad-Polly Jean “femme fatale” e experi-erimiraque tenhamentalista, que havia sorvido o me-havido barulho aolhor da música popular e brincavaa asaber-<strong>se</strong> que Har-<strong>se</strong>r mulher e esta, agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>vey ia voltar a sairdois discos irritantes, dá lugar a umada toca, quatromulher por inteiro.anos <strong>de</strong>pois.Talvez por isso, mais que estaraati-O que “Let England Shake” marcaMas quando odiscutir as eventuais lições políticasnome do discoque miss Harvey tenha para nos ofe-saltou cá pararecer, propu<strong>se</strong>mos-lhe o oposto: olharfora houve umpara ela. E ela, sabida, fugiu por todosprenúncio <strong>de</strong>os lados.heca-Polly Jean tem tiques que lembramum rapazinho. Isto não é alusão à am-biguida<strong>de</strong> <strong>se</strong>xual com que ela surgiuem 1992, com o magnífico “Dry”, an-tes uma constantação: <strong>se</strong>ndo pornorma bastante pon<strong>de</strong>radada emcadaresposta, ganha um entu-siasmojuvenilesco escoe va-gamente totótóquando <strong>se</strong> põea falar <strong>de</strong>música,<strong>de</strong> co-mo faz música, <strong>de</strong> como trabalha o<strong>som</strong>.Começa a notar-<strong>se</strong> uma mudança<strong>de</strong> tomquando explica que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício sabia que tinha <strong>de</strong> encontrarum <strong>som</strong> único”, ganha entusiasmoquando afirma que “não queria quesoas<strong>se</strong> a nada <strong>de</strong> específico nem a nin-guém em concreto” e torna-<strong>se</strong> <strong>de</strong>finitivamenteadolescente quando entrapelo território musical a<strong>de</strong>ntro: “Não<strong>se</strong>i <strong>se</strong> notou, mas u<strong>se</strong>i muito a auto-harp [espécie <strong>de</strong> mini-harpa], que temum <strong>som</strong> distinto”. Dito isto, resolveuexplicar as virtu<strong>de</strong>s da auto-harp, o<strong>se</strong>u efeito <strong>de</strong> bordão – <strong>se</strong> não a <strong>de</strong>di-lharmos ganha uma espécie <strong>de</strong> cama-da <strong>de</strong> harmónicos que qua<strong>se</strong> cobre asmudanças <strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s. Polly Jean pa-rece terum certo amor a per<strong>de</strong>r-<strong>se</strong>na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> instrumentos queconsi<strong>de</strong>ra esquisitos. A dada alturadiz: “U<strong>se</strong>i instrumentos que <strong>se</strong> adap-tas<strong>se</strong>m às letras. Por isso tambémqueria muitos efeitos, para transfor-mar o <strong>som</strong>”. E assim parte para novadivagação acerca <strong>de</strong> efeitos e comogravar efeitos e a função dos efeitos.Por mais aborrecido que isto pare-ça, existe algo a retirar daqui: a noção<strong>de</strong> quenas entrelinhas <strong>de</strong> cada notatocada há um “efeito” emocional que<strong>se</strong> quercriar, isto é, que mais que es-tar em jogo uma <strong>se</strong>quência <strong>de</strong> nota<strong>se</strong>stá em jogo a forma como <strong>se</strong> apre-<strong>se</strong>nta essa <strong>se</strong>quência <strong>de</strong> notas. Por-tanto: teatro. Algo que está pre<strong>se</strong>nte<strong>de</strong> forma explícita na carreira <strong>de</strong> PollyJean <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o soberbo “To Bring YouMy Love”, algo que ela refinara em1997 quando fez uma tremenda ver-são <strong>de</strong> “Soldier’s Wife”, <strong>de</strong> Kurt Weill,acompanhada <strong>de</strong> magnífica coreogra-fia.A hipóte<strong>se</strong> posta era simples: algu-res no caminho Polly Jean <strong>de</strong>ixou acatar<strong>se</strong> biográfica e começou a ence-nar – aqui a encenar-<strong>se</strong> a si própria,ali a encenar outros.“Há uma tendência das pessoas pa-ra acharem que tudo um compositorfaz é autobiografia”, diz, no <strong>se</strong>u jeitolento <strong>de</strong>falar, como quem caminhasobre um território <strong>de</strong> minas e temeficar <strong>se</strong>m uma perna. “Isso é-me es-tranho porque antes <strong>de</strong> mais vejo-mecomo escritora”. Há uma ligeira pau-sa e podíamos jurar ter notado na suavoz <strong>de</strong> menina – voz tremendamentefrágil que nos faz pensar como é pos-sível sair tanta raiva daquela caixatoráxica – e ela diz: “O que faço é tra-balhar uma ficção. Uso personagenspara <strong>de</strong>screver uma acção”.Seja ou não verda<strong>de</strong>, este é um pon-to importante para Polly Jean: afir-mar-<strong>se</strong> como escritora. Está pre<strong>se</strong>nteem várias das suas fra<strong>se</strong>s. “Há poucoestava a falar <strong>de</strong> como trabalho o <strong>som</strong>.Bem, es<strong>se</strong> lado só vem <strong>de</strong>pois. Antes<strong>de</strong>maissou uma escritora”. Ou então:“A razão pela qual o disco é variadoem termos sonoros, pela qual a mú-Polly Jean Harvey quer saber o que é esta coisa <strong>de</strong>estar vivo“Let England Shake” é, supostamente, um disco político que <strong>de</strong>ixouos ingle<strong>se</strong>s a coçar a cabeça. Mas para ela é trabalho como <strong>se</strong>mpre, é uma escritorae faz o que os escritores fazem: criar personagens. João Bonifácio12 • Sexta-feira 11 Fevereiro <strong>2011</strong> • Ípsilon

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!