12.07.2015 Views

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

“Não nos <strong>se</strong>ntimosoprimidas outratadas <strong>de</strong> formadiferente por <strong>se</strong>rmosmulheres. (...) Nãotemos <strong>de</strong> entrarnuma categoria<strong>de</strong> bandafeminina,a partir <strong>de</strong> comonos vestimos ousoamos.Não <strong>som</strong>osum cliché”Jenny LeeApesar <strong>de</strong> outro<strong>se</strong>xemplos mais marcantes<strong>de</strong> mulheres instrumentistas, tas,ainda causa <strong>se</strong>nsação dar<strong>de</strong> caras com as Warpaintnas capas das revistas e jornaisda especialida<strong>de</strong>Quando o último soldado transpôs aporta <strong>de</strong> casa no final da Guerra doVietname, começou lentamente amorrer a imagem <strong>de</strong> que a pre<strong>se</strong>nçamusical <strong>de</strong> uma mulher em cima <strong>de</strong>um palco tinha por fim animar as tropa<strong>se</strong>m campanha. A i<strong>de</strong>ia que per<strong>se</strong>veravaera a <strong>de</strong> que à fêmea cabia <strong>se</strong>rbela e encantadora, ven<strong>de</strong>r um sonho<strong>de</strong> família contrário à revolução <strong>se</strong>xualque andava já nas ruas – os ecosainda hoje <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntem, quando <strong>se</strong> ouvee vê Katy Perry cantar às tropas norteamericanas,num misto <strong>de</strong> saudosismoe comemoração <strong>de</strong> uma iconografiapop <strong>de</strong> pin-up. Marilyn Monroe,Marlene Dietrich, Jill St. John ou CarolBaker, todas exemplos <strong>de</strong> uma feminilida<strong>de</strong>que <strong>se</strong> queria inatingível,sagrada e imaculada. Quando NoraForster pegou na sua filha <strong>de</strong> 14 ano<strong>se</strong> a levou a ver um concerto dos SexPistols, só então a composição cromos<strong>som</strong>áticado rock começou a manifestaruma nervosa e insaciável instabilida<strong>de</strong>.Qua<strong>se</strong> <strong>se</strong> diria que <strong>se</strong> davainício a um processo laboratorial comvista a alterar pela via da ciência aquiloque a socieda<strong>de</strong> não parecia conceber.E, no entanto, nada po<strong>de</strong>riahaver <strong>de</strong> mais contrário à ciência.Estávamos em 1975, e a imagem <strong>de</strong>um Johnny Rotten <strong>de</strong>scontrolado mudariapara <strong>se</strong>mpre as vidas <strong>de</strong> Nora e<strong>de</strong> Arianna Forster: a mãe, <strong>de</strong>slumbradacom aqu<strong>ele</strong> homem que convocavao Diabo para cada espasmoque o corpo lhe pedia e cada palavraque tinha pronta para escarrar parao público, acabaria por casar com <strong>ele</strong>;a filha, fascinada com aquela energia<strong>se</strong>lvagem e aquela música que <strong>se</strong> pareciaa um refluxo da vida quotidianae não <strong>se</strong> guiava por pautas com as notastodas minuciosamente pousadasno sítio certo – e nem <strong>se</strong>quer prestavareverência à bem comportada históriarecente do rock –, percebeu que aquiloque tinha à frente era a sua vida.No ano <strong>se</strong>guinte, num concerto dosClash, a rapariga conheceu uma bateristachamada Paloma Romero masque preferia partilhar o nome artísticocom uma marca <strong>de</strong> sabonetes. Euma nova história começava ali, comos Clash como testemunhas, a partir<strong>de</strong> uma cumplicida<strong>de</strong> instantânea:Palmolive e Arianna (conhecida nouniverso rock como Ari Up) formavamas Slits, bastião do rock feito no femininoe do punk em geral – que haviam<strong>de</strong> partilhar <strong>ele</strong>mentos como outronome fulcral do rock XX, as Raincoats.Do outro lado do Atlântico, PattiSmith carregava a ban<strong>de</strong>ira atada aum suporte <strong>de</strong> microfone.De repente, as mulheres tomavam<strong>de</strong> assalto o protagonismo no rock,dispensando os dois únicos papéisque até então lhes pareciam re<strong>se</strong>rvados:no palco, sim, mas <strong>de</strong> vestidojusto e como figuras <strong>de</strong> entretenimentoe <strong>se</strong>dução; no rock, sim, mas naplateia a arrancar cabelos e a gritarmais alto do que a amiga do lado. Arevolução obrara-<strong>se</strong> e prometia mudar<strong>de</strong> uma vez um universo em quea rebeldia parecia simbolizada poraquilo que para elas era a norma: cabeloscom <strong>se</strong>ntido <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> ou ouso <strong>de</strong> brincos. Mas o rompante emque apareceram as Slits foi o mesmocom que <strong>se</strong> esfumaram em 1981. AsRaincoats <strong>se</strong>guiram-lhes os passospouco <strong>de</strong>pois, em <strong>de</strong>sfechos inevitáveispara as bandas punk. De tão abrasivo,o movimento consumir-<strong>se</strong>-ia<strong>de</strong>masiado rápido, caminhando gloriosamentepara a auto-<strong>de</strong>struição.E as mulheres continuariam a sur-gir no rock. Mas praticamente <strong>se</strong>m-pre com um microfone à frente, como<strong>se</strong> a sua pre<strong>se</strong>nça em palco continuas<strong>se</strong>para <strong>se</strong>mpre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> uma condição <strong>de</strong> diva. Os instrumentospare-ciam outra vez – com algumas excepções– trancados a ca<strong>de</strong>ado.Fora da gavetaDaí que apesar <strong>de</strong> um par <strong>de</strong> exemplosmais marcantes <strong>de</strong> mulheres instrumentistas,ainda cau<strong>se</strong> <strong>se</strong>nsaçãodar <strong>de</strong> caras com as Warpaint, quatromulheres <strong>de</strong> hoje que vivem musicalmentena inter<strong>se</strong>cção temporal doshoegazing com o psica<strong>de</strong>lismo, nacapa do “New Musical Express” (NME)– ao contrário, por exemplo, das francesasPlastiscines, fazedoras <strong>de</strong> umpunk rock açucarado irresistível masque, pela sua imagem, acabam por<strong>se</strong>r mais frequentadoras <strong>de</strong> revistas<strong>de</strong> moda do que <strong>de</strong> publicações mu-sicais. Claro que houve Hole, BikiniKill – pioneiras do movimento riotgrrrl –, L7, Throwing Mu<strong>se</strong>s, Bree<strong>de</strong>rs,Bangles e Go-Go’s, e que há Au RevoirSimone e Electrelane, mas o facto <strong>de</strong>termos <strong>de</strong> forçar a memória a pesquisaros <strong>se</strong>us arquivos para nomearexemplos é sintomático <strong>de</strong> que, afinal,as coisas <strong>se</strong> calhar não mudaramassim tanto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as Slits <strong>se</strong> formaram.A vénia do NME faz parte das juras<strong>de</strong> amor que Inglaterra <strong>de</strong>dica às Warpaint,mas <strong>de</strong> que os <strong>se</strong>us EstadosUnidos ainda não são capazes. O queos europeus têm <strong>de</strong> mais melancólicocasa bem com as voltas das cançõesdas quatro Warpaint, mais <strong>se</strong>-Hoje há: guitarras, baixoHá já muito tempo que o rock no feminino não tinha um rastilho tão explosivo. As Warpaint, banda <strong>de</strong> m2010 e voltaram a lembrar a sacramental pergunta: mas, afinal, quem fechou as portas abertas por Slits e16 • Sexta-feira 11 Fevereiro <strong>2011</strong> • Ípsilon

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!