12.07.2015 Views

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

do futuroSÃOLUIZFEV/MAR ~11Vashti Bunyan e Robert Lewis tinhamum plano na cabeça: percorrer todaa Grã-Bretanha (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Kent, no Sul<strong>de</strong> Inglaterra, até às terras altas escocesas)no <strong>se</strong>u cavalo, Bess, e ir parandonas muitas terrinhas esquecidas,a muitas milhas do bulício londrino,para conhecer os habitantes e cantaras canções compostas na estrada.Partiram em Julho <strong>de</strong> 1968 e assimandaram durante ano e meio. Mas opaís que encontraram não era o queimaginavam: a polícia expulsava-osquando começavam a afinar as guitarras,os pais escondiam as criançasperante a chegada do casal nómada,as al<strong>de</strong>ias avisavam-<strong>se</strong> entre si, port<strong>ele</strong>fone, <strong>de</strong> que iria chegar uma estranhadupla. Foi uma <strong>se</strong>gunda <strong>de</strong>silusãopara Vashti, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> teremfalhado os <strong>se</strong>us esforços para começaruma carreira pop em Londres.A história <strong>de</strong> Vashti Bunyan sintetizaalgumas das i<strong>de</strong>ias centrais docontínuo folk britânico, i<strong>de</strong>ntificadopor Rob Young no livro “ElectricE<strong>de</strong>n: Unearthing Britain’s VisionaryMusic” (Faber & Faber, 2010): umapermanente rejeição do progresso, aprocura <strong>de</strong> uma vida simples, as sauda<strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma Inglaterra perdida para<strong>se</strong>mpre (e que, bem vistas as coisas,nunca existiu).“É um tópico comum na culturabritânica”, diz o jornalista inglês, editorda revista “Wire”, ao Ípsilon. “Éalgo contraditória a relação entre esteapego à natureza e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> vidasimples e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> progresso”.Na Inglaterra dos anos 60, Vasthinão estava sozinha nestas contradições.Donovan, cantor folk que <strong>se</strong>ren<strong>de</strong>u à explosão <strong>de</strong> cores da psica<strong>de</strong>lia,fundou uma comunida<strong>de</strong> nailha <strong>de</strong> Skye, na Escócia (até <strong>se</strong> <strong>de</strong>cidirmudar para o clima mais luminoso <strong>de</strong>Los Ang<strong>ele</strong>s), Paul e Linda McCartneytambém <strong>se</strong> refugiaram numa quintaescocesa, rejeitando os luxos que aVasthi Bunyan, figura crucial<strong>de</strong> um certo idílio folk à maneirabritânica“É uma cultura que<strong>se</strong> quer repre<strong>se</strong>ntarcomo rural, apesar dasua participação naRevolução Industrial.E que parece quererreligar-<strong>se</strong> ao campo.Pelo menosmentalmente”carreira do Beatle já permitia, e bandascomo a Incredible String Band eos Fairport Convention enfiavam-<strong>se</strong>em casas rurais durante temporadaspara fazer discos.Esta ligação à terra não é um exclusivoda música. Young lembra que aliteratura britânica está repleta <strong>de</strong>referências a jardins <strong>se</strong>cretos, paí<strong>se</strong>sdas maravilhas, locais edénicos perdidos– a ilha mitológica <strong>de</strong> Avalon, omundo fantástico <strong>de</strong> Narnia (C. S.Lewis), a Utopia <strong>de</strong> Thomas More.Este jogo <strong>de</strong> contrários <strong>de</strong>fine boaparte da música (e da cultura) britânica,diz Young: “É uma cultura que<strong>se</strong> quer repre<strong>se</strong>ntar como rural e quetem muito orgulho no campo, masque, ao mesmo tempo, <strong>se</strong> orgulha dasua participação na Revolução Industrial– foi o primeiro país produzir emmassa. Parece que não queremosaceitar es<strong>se</strong> facto e que preten<strong>de</strong>mosreligar-nos a algo pré-industrial. Pelomenos mentalmente”.Está visto que “Electric E<strong>de</strong>n” nãoé um livro sobre folk, em <strong>se</strong>ntido estrito,nem sobre o folk-rock dos anos60 e 70 (a cena que <strong>se</strong>rviu <strong>de</strong> ponto<strong>de</strong> partida para o autor). “Mal comeceia pensar no livro, comecei a pensarna folk em <strong>se</strong>ntido lato. Sobretudo naGrã-Bretanha, on<strong>de</strong> há muitos <strong>de</strong>batessobre autenticida<strong>de</strong>, sobre quem estáautorizado para cantar certas canções,sobre como é que a música <strong>de</strong>ve <strong>se</strong>rtratada. Houve muita controvérsia naaltura [nos anos 60] sobre <strong>se</strong> a folk<strong>de</strong>via <strong>se</strong>r <strong>ele</strong>ctrificada ou não. Es<strong>se</strong>s<strong>de</strong>bates estavam lá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início”.O choque industrialA viagem <strong>de</strong> “Electric E<strong>de</strong>n” começacom Cecil Sharp (1859-1924), porventurao maior responsável pelo revivalismofolk britânico do início do século,e pros<strong>se</strong>gue até explodir nas aventuraspanteístas e psicadélicas <strong>de</strong>gente como os Fairport Convention,Donovan, Strawbs, Comus e a IncredibleString Band – e com enormesacontecimentos <strong>de</strong> comunhão “hippie”,como o festival <strong>de</strong> Glastonbury,montado numa zona habitada porfantasmas, tradições e lendas.Finda a energia <strong>de</strong>ssa era, a viagemtorna-<strong>se</strong> menos óbvia. Nos anos 80,“a música folk teve pouco impacto naconsciência nacional, tendo-<strong>se</strong> refugiadono ‘un<strong>de</strong>rground’ ou associadoao protesto”, escreve Young no livro.Artistas como os Fairport Convention,Bert Jansch e John Martyn saíram doradar mediático ou tornaram-<strong>se</strong> poucoestimulantes. “Na Grã-Bretanhamudada e materialista dos anos 80”,as i<strong>de</strong>ias que habitavam a folk per<strong>de</strong>ramvisibilida<strong>de</strong>, mas influenciaramartistas como Kate Bush, David Sylvian,Coil e Talk Talk. A mesma históriaa <strong>se</strong>r contada com outras cores.No processo <strong>de</strong> escrever o livro,Rob Young aproximou-<strong>se</strong> das causas<strong>de</strong>stas especificida<strong>de</strong>s britânicas. “AGrã-Bretanha foi industrializada muitocedo”, explica. “No livro, escrevoque esta é a fonte dos ‘blues britânicos’.Na América, a fonte dos bluesfoi o comércio <strong>de</strong> escravos, a ligaçãodas comunida<strong>de</strong>s negras às suas raízes.Na Grã-Bretanha, foi uma <strong>se</strong>nsação<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexão: <strong>de</strong> repente, quemtrabalhava na terra passou a trabalharem fábricas, mudando-<strong>se</strong> para cida<strong>de</strong>sindustriais criadas muito rapidamente.Es<strong>se</strong> impacto foi muito forteno século XIX, na era vitoriana, quandoas canções folk começaram a <strong>se</strong>rcoleccionadas”.Foi como <strong>se</strong> um país tives<strong>se</strong> sidoroubado? “Definitivamente, há a <strong>se</strong>nsação<strong>de</strong> algo que foi tirado. Gran<strong>de</strong>parte da população estava muito ligadaà terra. Há 200 anos, muitas terrasforam tiradas à força, por actos legislativos.Houve um êxodo em massa.Isso teve um impacto muito profundo.A I Guerra Mundial também”.Depois do trabalho <strong>de</strong> Cecil Sharpe Ralph Vaughan Williams, que resgatarama folk do esquecimento nacional,as canções foram <strong>se</strong>ndo passadas<strong>de</strong> geração em geração, comperíodos <strong>de</strong> maior e menor exposição.Destacou-<strong>se</strong>, por exemplo, EwanMacColl (1915-1989), socialista, cantore divulgador <strong>de</strong> empoeiradas cançõesfolk. O mundo folk não conheceugran<strong>de</strong>s sobressaltos até que, na rectafinal dos anos 60, a folk encontravaa emergente música pop e abria-<strong>se</strong>um campo <strong>de</strong> explorações infinitas.Os Fairport Convention fizeram <strong>de</strong>“A Sailor’s Life”, velha canção folkinglesa, um hino libertário, inspiradopelas ragas indianas, com guitarras eviolino em comunhão eléctrica - gravadonum só “take”. Com instrumentos<strong>de</strong> vários pontos do globo, a IncredibleString Band convocava umpouco <strong>de</strong> tudo – músicas do mundo,folk, hinos espirituais – para fazeruma música única, ainda hoje <strong>se</strong>mparalelo. No álbum homónimo <strong>de</strong>1968, os Pentangle pu<strong>se</strong>ram, pela primeiravez, uma bateria rock a acompanharcanções tradicionais inglesas– fundiram o jazz com a tradição folk.John Martyn transformava a guitarraacústica numa nave espacial, reverberando-a,aplicando-lhe ecos.De novo, o choque <strong>de</strong> contrário<strong>se</strong>ntre uma Inglaterra a querer abraçaro futuro (a moda, os valores e o estilo<strong>de</strong> vida pop e rock), mas <strong>se</strong>mpre como passado <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> olho. “Muita damais excitante música tem essas contradições.É como <strong>se</strong> a música contives<strong>se</strong>esta discussão entre o progressoe a nostalgia”, reflecte Young.Cecil Sharp sonhava que a músicafolk <strong>se</strong>ria ensinada nas escolas, cantadaem todo o país e que <strong>se</strong> tornaria, <strong>de</strong>novo, uma parte fundamental da vidadas pessoas. Os Ste<strong>ele</strong>ye Span con<strong>se</strong>guiram-nocom “All around my hat”(1975), uma versão <strong>de</strong> uma canção tradicional,que <strong>se</strong> tornou um êxito enorme.Ironicamente, para Young, este éo momento simbólico da perda da vitalida<strong>de</strong>do folk-rock. “Po<strong>de</strong>ríamos dizer:‘Eis a folk tradicional a chegar aosouvidos <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas’. Mas aforma como tal aconteceu não é particularmenteboa [risos]: <strong>de</strong> certa forma,sacrificou-<strong>se</strong> <strong>de</strong>masiado. É triste”.O punk <strong>de</strong>u um po<strong>de</strong>roso pontapénesta música, que <strong>se</strong> virou para o “un<strong>de</strong>rground”<strong>se</strong>m <strong>de</strong>ixar gran<strong>de</strong>s marcas.“Há uma enorme energia e uma<strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta no fim dos anos60 em torno da folk. O que teve a etiquetafolk nos anos 80 e <strong>de</strong>pois dissonão trouxe nada <strong>de</strong> novo. Grupos comoos Current 93 e os Coil têm muitos dosmesmos impulsos e interes<strong>se</strong>s, integram-<strong>se</strong>na mesma <strong>se</strong>creta tradição culturalbritânica. São artistas inovadore<strong>se</strong> progressivos, não são ‘retro’. Mas fazemparte do mesmo contínuo”.PARCERIA APOIOSSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640BILHETES À VENDA EMWWW.TEATROSOALUIZ.PT,WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTESBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTsilva!<strong>de</strong>signersÍpsilon • Sexta-feira 11 Fevereiro <strong>2011</strong> • 21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!