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E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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criado uma dinâmica diferente equeriam pre<strong>se</strong>rvá-la. “Aconteceu”,lembra a baixista, irmã <strong>de</strong> Shannyn.“É complicado e <strong>de</strong>safiador ter umabanda só <strong>de</strong> raparigas. Há muitas disposiçõesdiferentes no ar, as raparigasten<strong>de</strong>m a <strong>se</strong>r muito competitivasumas com as outras, mas como já éramosamigas antes da banda achámosque <strong>se</strong>ria uma boa combinação”. Estacompetição, garante Jenny Lee,não é sinónimo <strong>de</strong> rasteiras, facadasnas costas, conluios ou simples disputas<strong>de</strong> protagonismo. É mais um<strong>se</strong>ntimento <strong>de</strong> que ninguém po<strong>de</strong> ficarpara trás, que cada uma tem <strong>de</strong>estar à altura da outra.Pouco interessadas em <strong>se</strong>rem fechadasnuma gaveta com uma etiquetaon<strong>de</strong> <strong>se</strong> lê “rock feminino”, asWarpaint não acreditam que o género<strong>de</strong>ixe uma marca evi<strong>de</strong>nte na formacomo soam as suas canções. “Se,por acaso, abordo a música <strong>de</strong> umaforma feminina é porque não consigoevitá-lo enquanto mulher”, diz a baixista.Mas o que isso quer dizer aocerto, é um enigma tão gran<strong>de</strong> paraJenny Lee quanto física quântica. Háapenas uma coisa que lhe ocorre comodiferente quando entra na sala<strong>de</strong> ensaios e <strong>se</strong> vê ro<strong>de</strong>ada por pénisou vaginas: com as mulheres, pensaem voz alta, “po<strong>de</strong> tocar-<strong>se</strong> a mesmacoisa uma e outra vez, enquanto oshomens não querem repetir, querem<strong>se</strong>mpre avançar para a música <strong>se</strong>guinte”.Assim, <strong>se</strong>m qualquer tipo <strong>de</strong>manifesto feminista pendurado nassuas letras, em concerto das Warpaintnão <strong>se</strong> grita “grrrl power”: “Nãonos <strong>se</strong>ntimos oprimidas ou tratadas<strong>de</strong> forma diferente por <strong>se</strong>rmos mulheres.Nunca me <strong>se</strong>nti discriminada,embora não esteja a menosprezarquem passou por isso, mas penso queo importante é que cada um <strong>de</strong> nóstome as ré<strong>de</strong>as da sua vida e siga os<strong>se</strong>us sonhos e as suas aspirações. Nãotemos <strong>de</strong> entrar numa categoria <strong>de</strong>banda feminina, a partir <strong>de</strong> como nosvestimos ou soamos. Não <strong>som</strong>os umcliché”.Mas a falta <strong>de</strong> mais exemplos <strong>de</strong>bandas femininas no rock actual <strong>de</strong>ixa,ainda assim, a baixista <strong>de</strong>sconfortável.E, na sua opinião, apesar dosavanços sociais, continua por resolvera forma como <strong>se</strong> é ensinado <strong>de</strong>s<strong>de</strong>cedo que <strong>de</strong>terminados trabalhos <strong>de</strong>vem<strong>se</strong>r exclusivo <strong>de</strong> um dos géneros.“É verda<strong>de</strong> que não há muitos homensa fazer algumas coisas associadasa mulheres, tal como não há muitasmulheres na construção. Mas especialmentena música, que po<strong>de</strong> <strong>se</strong>rmuito feminina, penso que as raparigassão programadas a não tentar algumascoisas ou não <strong>se</strong> expressarem<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada forma”. Uma <strong>de</strong>ssasformas <strong>de</strong> expressão, Jenny Lee <strong>se</strong>nteque tem que ver directamente coma maneira como aborda o instrumento.Não gosta que haja a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> queas quatro cordas do <strong>se</strong>u baixo vibramcom <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za. “Tenho um baixo enão há razão nenhuma para que nãoo possa espancar, até porque gosto<strong>de</strong> tocar assim. Mas não estou a tentarmarcar uma posição. Nes<strong>se</strong> aspecto,fico feliz por <strong>se</strong>rmos quatro mulhere<strong>se</strong> não estarmos a passar-nos com teoriasfeministas. Estamos simplesmentea fazer aquilo <strong>de</strong> que gostamos,e esperamos que isso constitua umexemplo para mulheres e homens”.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 32 e <strong>se</strong>gs.On<strong>de</strong> é que elas andam?Em Portugal, as mulheres instrumentistas também são pre<strong>se</strong>nça rara nos palcos. Cláudia Guerreiro,Suspiria Franklyn e Bellen<strong>de</strong>n Ker respon<strong>de</strong>m à pergunta: <strong>de</strong>sistentes ou pouco incentivadas?Mesmo quando lhe apetecesubir ao palco com roupas maisfemininas, Cláudia Guerreirotenta sacudir essa vonta<strong>de</strong>para longe. Sabe que não sãoes<strong>se</strong>s os mo<strong>de</strong>los que povoammaioritariamente o <strong>se</strong>u guardaroupa,mas há dias em que“apetece a qualquer mulher que<strong>se</strong> quer evi<strong>de</strong>nciar um bocado”.“Agora, em concerto”, ressalva,“nunca”. Não quer sobressair,não quer que o género tenhapeso algum quando está a tocarna companhia dos outros trê<strong>se</strong>lementos dos Linda Martini.Da mesma forma que, <strong>de</strong> início,recebia os elogios como exemplos<strong>de</strong> paternalismo machista. Umaboca dizia “Parabéns, tocas muitobem” e os ouvidos <strong>de</strong>la captavam“Para miúda, não está nada mal”.Se fos<strong>se</strong> homem, acreditava,ninguém prestaria atenção aobaixo nas suas mãos.É por isso, por essa pressão<strong>de</strong>sproporcionada <strong>de</strong> ter maisolhos em cima <strong>de</strong>la do que <strong>se</strong>rianormal, que acredita que muitasmulheres <strong>de</strong>sistem da músicaenquanto instrumentistas. “Muitasvezes uma rapariga só está lá‘porque é fixe’, e então parece quetem <strong>de</strong> <strong>se</strong> provar alguma coisa aalguém, e passa-<strong>se</strong> o tempo numaluta <strong>de</strong>snecessária”. É um ponto<strong>de</strong> equilíbrio <strong>de</strong>licado. E, por isso,basta um comentário mais duroentre duas músicas para que aconfiança ceda às tonturas e aqueda para fora do palco <strong>se</strong> torneinevitável. Mesmo assim, custa-lhea perceber porque há tão poucosinstrumentos tocados no femininoem Portugal: “Os concertos estãocheios <strong>de</strong> raparigas, mesmo os<strong>de</strong> música mais pesada. Nãopercebo”.Cláudia Guerreiro faz parte<strong>de</strong>ssa espécie rara em Portugal – enão só – <strong>de</strong> mulheres que estãono rock como instrumentistas enão na linha da frente. Os <strong>de</strong>dosdas duas mãos qua<strong>se</strong> custam apreencher-<strong>se</strong>: Joana Longobardi(Mão Morta), Mariana Ricardo(München), Francisca Cortesão(David Fon<strong>se</strong>ca, no lugar que ante<strong>se</strong>ra <strong>de</strong> Rita Redshoes), MarianaCosta (B Fachada), Filipa Cortesão(Belle Cha<strong>se</strong> Hotel) e um ou outroexemplo exclusivamente femininocomo Black Widows. SuspiriaFranklyn, que fundou as/os BatonRouge e prepara agora um novoprojecto, tem tentado quebrar estaregra e criou até uma associação,a Jeanette Plat, que tinha pormissão “promover uma culturafeminina em Portugal”. “Faziamanagement e agenciamento,dava dicas <strong>de</strong> como fazer os sites,marcava concertos”, propunha-<strong>se</strong>ajudar como podia as colegas <strong>de</strong>profissão. Mas <strong>de</strong>sistiu, por falta<strong>de</strong> clientes. Quando contactavaas bandas, raramente tinharespostas. “É <strong>de</strong><strong>se</strong>sperante estar<strong>se</strong>mpre a dar e <strong>de</strong>pois não vernada”.Quando começou a tocar em94 com as Everground, haviaoutras bandas femininas comoVoodoo Dolls, Mary Jane ou BlackWidows. Suspiria lembrou-<strong>se</strong>então <strong>de</strong> juntá-las a todas numfestival, mas falhou nes<strong>se</strong> intento.Tudo esbarrou nas discussões<strong>de</strong> quem tocava primeiro, quemficava para último. Depois, formouas Baton Rouge em 98, logo apósas Everground <strong>se</strong>rem contactadaspela Valentim <strong>de</strong> Carvalho paragravar um álbum. “Elas nãoqui<strong>se</strong>ram dar o passo mais àfrente. Éramos umas miúdas com15 e 16 anos e elas acharam queainda não estávamos preparadas.E então tive <strong>de</strong> começar umanova banda, os Baton Rouge. Écomplicado, mas é essa falta <strong>de</strong>empenho que às vezes falta.” Eessa falha <strong>de</strong>tectada por Suspiria,<strong>se</strong>mpre a tentou compensarensinando o resto da banda atocar. Quando as Baton Rougecomeçaram, as outras raparigas“nunca tinham tocado uminstrumento na vida”. E Suspiria,a insatisfeita, assumiu o papel <strong>de</strong>Suspiria, a professora.No <strong>se</strong>u enten<strong>de</strong>r, esta escas<strong>se</strong>z<strong>de</strong> mulheres instrumentistasno rock po<strong>de</strong> estar ligada a umaprocura <strong>de</strong> protagonismo. “Se tiver<strong>de</strong> optar entre <strong>se</strong>r vocalista oubaterista, que fica lá atrás, vou <strong>se</strong>rvocalista para toda a gente ver”,diz tentando pensar por cabeçaalheia. “Há imensas bandas popcom vocalistas femininas, masnão vejo uma banda pop com umaCusta-lhe perceberdiz CláudiaGuerreiro, porquehá tão poucosinstrumentos tocadosno femininoem Portugal:“Os concertos estãocheios <strong>de</strong> raparigas.Não percebo”guitarrista ou uma baterista. Não<strong>se</strong>i <strong>se</strong> isso tem que ver com essaprocura <strong>de</strong> exposição ou <strong>se</strong> sãoos homens a pensar que uma vozfeminina dá <strong>se</strong>mpre um ar maismelodioso”.As Bellen<strong>de</strong>n Ker, versãoportuguesa para as Babes inToyland, juntaram-<strong>se</strong> paraparticipar num jogo e forampercebendo que, afinal, havia umcaminho a percorrer. Actualmentea gravar o <strong>se</strong>u primeiro EP, sobempara palco com maquilhagen<strong>se</strong>sborratadas, boneca<strong>se</strong>stropiadas e tecidos rasgados,numa recusa do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> b<strong>ele</strong>zaque <strong>se</strong>ntem quererem enfiar-lhesgoela abaixo. Tal como Suspiria,acreditam que as raparigas<strong>de</strong>sistem <strong>de</strong>masiado rápido eantes <strong>se</strong> entregam a percursosacadémicos e profissionais, avidas estáveis. “Acredito que ospais <strong>de</strong>põem muitas esperança<strong>se</strong>m cima <strong>de</strong>las”, diz Marta Lefay, e<strong>de</strong>pois são vencidas pelo “peso naconsciência”.No caso <strong>de</strong> Cláudia Guerreiro,que começou por <strong>se</strong>r preteridapor outros rapazes para as bandasdos amigos e foi empurrada para obaixo quando tocava era guitarra,a i<strong>de</strong>ia pouco séria associadaà música foi complicada <strong>de</strong>ultrapassar a nível familiar. “Eracomplicado ter ensaios, ir parauma garagem. Como <strong>se</strong> ensaiar<strong>de</strong> manhã fos<strong>se</strong> andar na borgaou fos<strong>se</strong> uma galdéria por isso.Suspiria Franklyn criou atéuma associação que tinha pormissão “promover uma culturafeminina em Portugal”Cláudia Guerreiro faz parte<strong>de</strong>ssa espécie rara em Portugal– e não só – <strong>de</strong> mulheresque estão no rock comoinstrumentistas e não na linhada frenteAos 20 anos ainda me era difícil,parecia que estava <strong>se</strong>mpre afazer alguma coisa <strong>de</strong> mal. Tenteivárias vezes fazer enten<strong>de</strong>r comoera absurdo, e agora que isto estáa funcionar, temos concerto<strong>se</strong> recebemos algum dinheiro,então já é fixe”. “Afinal não é sóbrinca<strong>de</strong>ira; afinal, é isso que teestá a safar a vida, ainda bemque tens a banda”, parece ouviraos pais. Cláudia sabe que teminspirado a que outras mulherespeguem num baixo, mas continuara <strong>se</strong>ntir falta <strong>de</strong> tocar, pelaprimeira vez, com uma mulher. “Sópara ver como é”. G.F.MARINA GUERREIRO18 • Sexta-feira 11 Fevereiro <strong>2011</strong> • Ípsilon

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