12.07.2015 Views

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A maldição <strong>de</strong> Woo<strong>de</strong>n Wandé a nossa bênção“Death Seat” é o álbum <strong>de</strong> um cultor da tradição americana que recua a Hank Williams, Cashou Dylan para cantar o que existe para além da “dicotomia luz e escuridão”. James JacksonToth, uma inspiradíssima as<strong>som</strong>bração. Hoje em Estarreja, amanhã em <strong>Lisboa</strong>. Mário LopesJames Jackson Toth nasceu em NovaIorque mas vive em Murfreesboro, noTennes<strong>se</strong>e, cida<strong>de</strong> com Nashville nasproximida<strong>de</strong>s. Diz <strong>se</strong>r o cantautor dacida<strong>de</strong> – e aprecia a condição. Em Murfreesboro,ao contrário do que aconteceem Brooklyn, não corre o risco<strong>de</strong> entrar na mercearia e <strong>se</strong>r recebidopelo homem na caixa com uma pergunta:“E tu, em que banda estás?” –em Brooklyn “tudo parece competiçãoe não penso que um artista consigatrabalhar nes<strong>se</strong> ambiente.”Em Murfreesboro, o homem queassina como Woo<strong>de</strong>n o<strong>de</strong>n Wand,que foiconstruindo uma carreira nas margensda folk, primeiro <strong>de</strong>sviada paraterra <strong>de</strong> <strong>de</strong>lícias psicadélicas, as, <strong>de</strong>poisdisso mais e mais concentrada no po<strong>de</strong>revocativo <strong>de</strong> canções enquantonarrativa com vida <strong>de</strong>ntro,sabe quena casa em frente e “mora umbombeiroe que o gajo dagasolineira moraao lado d<strong>ele</strong>”. E James? James é o sico: “Tenho um papel a cumprir nacida<strong>de</strong>, percebes?”, sorri ládo outrolado da chamada, a, em Londres, uma<strong>se</strong>mana antes <strong>de</strong> chegar a Portugal,on<strong>de</strong> dará dois concertos. Esta noiteno Cine-Teatro <strong>de</strong> Estarreja,amanhãem <strong>Lisboa</strong>, no Kolovrat 79, ou <strong>se</strong>ja, osótão da estilista Lidija Kolovrat ovrat (RuaD. Pedro V, 79).mú-O último álbum <strong>de</strong> Toth, que nopassado gravou “James & The Quiet”com Lee Ranaldo e Steve Shelley,dos Sonic Youth, intitula-<strong>se</strong> “DeathSeat” e é a sua estreia pelaYoung God Records <strong>de</strong> chael Gira (ex-Swans, actualmentedos Angels Of Light),a editora que lançouDevendra Banhart ou osAkron Family. É o álbumMi-<strong>de</strong> um espontâneo eo coma cabeça repleta <strong>de</strong> canagravarações, habituado e editar <strong>se</strong>m restrições,mas que, <strong>de</strong>sta vez, foiobrigado por Gira a passarhoras e horas a aperfeiçoaro que normalmentegravaria ao primeiro take:“Os nossos objectivos eramos mesmos, mas prefiro a espontaneida<strong>de</strong>e <strong>ele</strong> é um pronão<strong>de</strong>ixa que nada falhe.” Porém, trabalharcom Gira <strong>se</strong>rá experiência arepetir. Porque, ao contrário do queaconteceu com todos os <strong>se</strong>us álbunsanteriores, Toth ainda não o<strong>de</strong>ia “Dedutorda velha escola, queath Seat”. “Alguma vez visteo ‘Super-Homem 2’? No final <strong>ele</strong> põeos mau<strong>se</strong>m cápsulas e atira-as a-asas para o espaço.É assim que lido comas canções. Assimque as escrevo, mando-as as emborae nunca mais me preocupo com elas.”Ainda não mandou “Death Seat” parao espaço si<strong>de</strong>ral e por isso é provávelque o ouçamos novamente sob a pro-dução <strong>de</strong> Michael Gira: “Não po<strong>de</strong>correr mal. Ele é realmente muito inspirador.”As canções e a carpintaria“Death Seat” é o álbum <strong>de</strong> um cultorda velha e <strong>se</strong>mpre renovada tradiçãoamericana que recua até aos Appalache<strong>se</strong> a Hank Williams, a Johnny Cashe a Bob Dylan e a David EugeneEdwards para cantar aquilo que estápara além da “dicotomia luz e escuridão”.O disco é habitado por Caim epor junkies <strong>se</strong>m re<strong>de</strong>nção e, enquan-to um corpo atravessa a salacom sangue coagulado ld natesta, coloca questõesque não queremosouvir: “what if wehave a son andhateitsguts?”.Tétrico? Nah. Éa cultura quelhe ofereceram:“crescicom a força doimaginárioináriocristão e, mesmo<strong>se</strong>ndo omeu pai ateu e aminha mão católicanão pratican-te, fui bombar<strong>de</strong>adoem pequenocom imagens macabras e malévolas.”Essa marca “in<strong>de</strong>lével”, que a tantosinteressa como matéria criativa – “encontramo-la<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Faulkner a NickCave”, justifica -, atravessa todo o novoálbum <strong>de</strong> Woo<strong>de</strong>n Wand.Ele que começou por <strong>se</strong>r integradona “free folk”, quando editava enquantoWoo<strong>de</strong>n Wand & The VanishingHand e privilegiava uma i<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> psica<strong>de</strong>lismo on<strong>de</strong> o abandonoopiáceo era tão importante quandoa força evocativa das suas canções,foi <strong>de</strong>purando a veia criativa. a. Atéchegar a este que agora encontramos.Este que no<strong>se</strong>xplica que “quando<strong>som</strong>os novos, <strong>de</strong>ixamo-nosfascinarpor aquilo que éestranho”: prava discos <strong>de</strong>metal porque meassustavam e osque me assusta-“Comvammais eram osque maisprezava.Agora, interessa-mea clarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umacanção como ‘Midni-ght train to Georgia’ [<strong>de</strong>Gladys Knight & ThePips], interessa-“Há maisprofundida<strong>de</strong>e imaginário numapágina <strong>de</strong> umconto <strong>de</strong> RaymondCarver que em <strong>de</strong>zálbuns <strong>de</strong> quem querque <strong>se</strong>ja”me aquela humanida<strong>de</strong> que sobressaida forma como a narrativa é apre<strong>se</strong>ntadae <strong>se</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolve.” Agora, JamesJackson Toth está a tentar “<strong>de</strong>ixar asmetáforas e escrever <strong>de</strong> forma maisdirecta, <strong>se</strong>m floreados.” Resume:“Mais Raymond Carver e menos H.P.Lovecraft.”Ao longo da conversa, é habitual<strong>de</strong>itar mão à literatura para falar <strong>de</strong>música. Como quando diz que, <strong>se</strong> algumavez gravar o equivalente a “Meridiano<strong>de</strong> Sangue”, <strong>de</strong> Cormac Mc-Carthy, retira-<strong>se</strong> <strong>de</strong>finitivamente.Como quando refere contistas americanoscontemporâneos como BriefPancake ou Pinkney Benedict paraconfessar que, “tendo tentado escrevercontos e tendo composto centenas<strong>de</strong> canções, parece-me queescrever canções é muito maisfácil”: “há mais profundida<strong>de</strong>e imaginário numa página <strong>de</strong>um conto <strong>de</strong> Raymond Carverque em <strong>de</strong>z álbuns <strong>de</strong> quemquer que <strong>se</strong>ja.”Acontece que James JacksonToth, nova-iorquino “autoexilado”em Murfreesboro,não tem escapatória. À suafrente mora o bombeiro da cida<strong>de</strong>,ao lado está o homem dagasolineira. Ele é o compositor<strong>de</strong> canções e nada po<strong>de</strong> fazerpara alterar essa condição. Atépo<strong>de</strong> <strong>se</strong>r obrigado a pintar casas efazer trabalho <strong>de</strong> carpintaria parapagar as contas quando não está emdigressão, mas um homem não con<strong>se</strong>gueabandonar a sua natureza. “Souum mau pintor <strong>de</strong> casas porque estouconstantemente a prestar atenção apormenores e a tomar notas para futurascanções”, conta. “Acordo a meioda noite com uma linha que tenho queanotar, com medo que <strong>de</strong>sapareça,que me esqueça.” Uma pausa e umaprovocação equivalente: “Se calhar,preferia ter sido abençoado com odom que me permitis<strong>se</strong> <strong>se</strong>r um carpinteirogenial.”Não foi e <strong>de</strong>u nisto. Num maravilhosocriador <strong>de</strong> as<strong>som</strong>brações. A suamaldição é a nossa bênção.Ao longo daconversa, éhabitual<strong>de</strong>itar mão àliteraturapara falar <strong>de</strong>música. Comoquando dizque, <strong>se</strong>alguma vezgravar oequivalente a“Meridiano <strong>de</strong>Sangue”, <strong>de</strong>CormacMcCarthy,retira-<strong>se</strong><strong>de</strong>finitivamente14 • Ípsilon • Sexta-feira 11 Fevereiro <strong>2011</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!