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E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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LivrosFicçãoAlmas<strong>de</strong>soladasUm extraordinário romancerusso. Uma sátira que esvaziatudo: lugares e <strong>se</strong>ntimentos.Uma tragédia transformadaem comédia negra. JoséRiço DireitinhoA Família GolovliovSaltykov-Shchedrin(Trad. Manuel <strong>de</strong> Seabra)Relógio d’ÁguammmmmSaltykov-Shchedrin, um dos mais importantessátiros russos do século XIX, abordou sobretudoa clas<strong>se</strong> dos pequenos proprietários rurais<strong>de</strong> que <strong>ele</strong> próprio <strong>de</strong>scendiaEmárabeO escritor russoSaltykov-Shchedrin(1826-1889) –p<strong>se</strong>udónimo <strong>de</strong>MikhailYevgrafovitchSaltykov – foi umdos maisimportante<strong>se</strong>scritores satíricos da literatura russado século XIX. E aquela que éconsi<strong>de</strong>rada a sua obra-prima, “AFamília Golovliov”, foi recentementepor cá editada com tradução directada língua russa. Shchedrin dirigiuvárias revistas literárias, on<strong>de</strong> tevecomo colaboradores nomes comoPúchkin, Tolstói, Turguéniev eDostoiévski. Descen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>pequenos proprietários rurais (quena Rússia dos czares eram <strong>de</strong>tentores<strong>de</strong> um privilegiado estatuto socialA Saad Warzazi aziÉditions publicouuma antologia a <strong>de</strong>contos <strong>de</strong> Mário<strong>de</strong> Carvalhoem árabe.“A GuerraInaudita.Antologiaque lhes permitia ter <strong>se</strong>rvos, <strong>de</strong> cujotrabalho <strong>se</strong> sustentavam), foi paraessa clas<strong>se</strong> que o escritor apontou asua talentosa pena satírica.Toda a acção tem lugar naproprieda<strong>de</strong> da família Golovliov,conhecida como Golovliovo. Amatriarca é a ainda vigorosa<strong>se</strong>xagenária Arina PetrovnaGolovliov, mulher dominadora,cruel, avara, fria e <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa. Masque “gostava <strong>de</strong> repre<strong>se</strong>ntar, diantedos filhos, o papel <strong>de</strong> uma mãevenerável e sofredora e, nessasocasiões, arrastava as pernas e tinha<strong>se</strong>mpre duas criadas a ampará-la.”Vladimir Golovliov é o maridopalhaçoque passa o tempo fechadono escritório a imitar o canto do<strong>se</strong>storninhos e dos galos, a escreverpoesia libertina e a beber vodka, eque com o tempo acabou por tornar<strong>se</strong>um “autêntico <strong>se</strong>lvagem”. Osfilhos são quatro, uma rapariga etrês rapazes.A filha casou-<strong>se</strong> <strong>se</strong>m a bênção dospais, “como os cães”, nas palavras damãe, mas mesmo assim esta <strong>de</strong>u-lhealgum dinheiro, uma al<strong>de</strong>ia com 30almas e “uma casa <strong>de</strong>lapidada”, on<strong>de</strong>nem uma tábua do soalho <strong>se</strong>aproveitava; em dois anos, todo odinheiro <strong>se</strong> gastou e o marido fugiu,<strong>de</strong>ixando-a com duas gémeas nosbraços. Stepán era o filhoprimogénito, conhecido como“pateta” e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong>repre<strong>se</strong>ntara “um papel entre pária ebobo”; era um aliado do pai, comquem <strong>se</strong> fechava a ler poesialicenciosa e a chamar “bruxa” e“<strong>de</strong>mónio” à mãe. “Stepán Golovliovnão tinha ainda quarenta anos, masninguém lhe dava menos <strong>de</strong>cinquenta. (…) olhos saídos einflamados em parte por abuso davodka, em parte por falta <strong>de</strong> abrigonos dias <strong>de</strong> vento.” A mãe <strong>de</strong>ra-lhe,“como um osso” a um cão, uma casavaliosa em Moscovo, que <strong>ele</strong><strong>de</strong>sbaratou, vendo-<strong>se</strong> então forçado aregressar à proprieda<strong>de</strong> familiar, qualfilho pródigo arrependido, e aindapor cima bastante doente. Um criadoinforma a mãe da doença do filho, aoque ela respon<strong>de</strong>: “Figurões como<strong>ele</strong> [Stepán], meu bom homem, àsvezes duram muito tempo. Ainda écapaz <strong>de</strong> nos enterrar a todos! Há-<strong>de</strong>continuar a tossir.” Ela acaba porrecebê-lo à porta do quarto dascriadas e dá-lhe a quantida<strong>de</strong> mínima<strong>de</strong> comida para o manter vivo.O filho mais novo, Pável, é umhomem <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> qualquer<strong>se</strong>ntido <strong>de</strong> acção, que com o passardos anos <strong>se</strong> vai transformando num<strong>se</strong>r enigmático e taciturno que nãocon<strong>se</strong>gue expressar bonda<strong>de</strong> porninguém.Resta o filho do meio, Porfírio, que<strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno era conhecido comoo “sanguessuga”, o “pequeno Judas”,ou o “sonso”. Mais do que qualqueroutro, <strong>ele</strong> é <strong>de</strong> facto a personagemprincipal do romance e a sua gran<strong>de</strong>criação. Porfírio é a personificaçãoda hipocrisia (tema tão caro à<strong>de</strong>Contos” reúne <strong>de</strong>ztítulos tulos e um texto sobre apoética do conto, comtradução <strong>de</strong> SaïdBenab<strong>de</strong>louahed.Entretanto,“Um SorrisoInesperado” é o<strong>se</strong>gundo livroliteratura russa do século XIX: <strong>de</strong>s<strong>de</strong>Gógol a Tchékhov, passando porDostoiévski), o exemplo do indivíduomanipulador <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong>qualquer norma moral, e que porisso qua<strong>se</strong> sobrevive até ao fim.A proprieda<strong>de</strong> dos Golovliov é umaespécie <strong>de</strong> “casa da morte”, comonota no prefácio o crítico JamesWood. Os membros da família vãotentando escapar, os que vãoregressando a casa fazem-no apenaspor <strong>de</strong><strong>se</strong>spero. E a única maneira queencontram <strong>de</strong> sobreviver é esquecera moral, é viver fora do “sistemamoral” (Wood). A proprieda<strong>de</strong>, oGolovliovo, é um “lugar do mal” no<strong>se</strong>ntido usado por Santo Agostinho,um “lugar <strong>de</strong> ausência do bem”, umlugar que <strong>se</strong> po<strong>de</strong> resumir ao “nada”existencial, algo que foi excluído domundo moral <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong>soladas asalmas das personagens. A sátiralevada ao exagero por Saltykov-Shchedrin, com o claro propósito <strong>de</strong>esvaziar este universo narrativo <strong>de</strong>qualquer “verda<strong>de</strong>” e <strong>de</strong> algunsrestos <strong>de</strong> moral, acaba portransformar uma tragédia numaespécie <strong>de</strong> comédia negra. O autorproduz um autêntico “massacresatírico”, nas palavras <strong>de</strong> Wood.PoesiaO rigor comque digoReedição <strong>de</strong> um doslivros fundamentais do“classicismo mo<strong>de</strong>rno”.Pedro MexiaMatura Ida<strong>de</strong>David Mourão-FerreiraArcádiammmmn“Matura Ida<strong>de</strong>” éum livrofundamental no“classicismomo<strong>de</strong>rno”.Publicado em1973, é agorareeditadopelareaparecida Arcádia (chancelada Babel), uma casa comtradições.No prefácio à novaedição, Vasco Graça Moura,um dos mais fiéis e o maistalentoso dos discípulos <strong>de</strong>David Mourão-Ferreira,lembra que“Matura Ida<strong>de</strong>”<strong>se</strong> <strong>se</strong>guea duascolectâneas <strong>de</strong>poemas que já glosavam os mesmostemas da arte <strong>de</strong> amar e daefemerida<strong>de</strong>. Depois <strong>de</strong> “InfinitoPessoal” (1962) e “Do Tempo ao<strong>de</strong> contos <strong>de</strong> José RiçoDireitinho a <strong>se</strong>r traduzidopara árabe directamentedo português. É publicadopela editora Racine, <strong>de</strong>Rabat. Para o ano <strong>se</strong>rátraduzido o “Breviário dasMás Inclinações”.Coração” (1966), chegado à ida<strong>de</strong>madura <strong>de</strong> 46 anos, David está noauge das suas capacida<strong>de</strong>s. Enveredaentão por um diálogoeminentemente adulto com obarroco e o maneirismo, aos quais,como explica Graça Moura, vaibuscar uma poética em que a formaestrita aglutina uma certa dispersãoimagística. E a isso acrescenta aindauma “melancolia <strong>ele</strong>gante” quetorna vivo o motivo ancestral dotempo que nos foge.O livro divi<strong>de</strong>-<strong>se</strong> em várias<strong>se</strong>quências, obe<strong>de</strong>cendo todas a uma<strong>de</strong>terminada forma. Primeiro,aparecem os dísticos, vibrantescomo epitáfios latinos. Logo aoprimeiro, David fala <strong>de</strong> “olhar <strong>de</strong>frente o Sol”, e percebemos que issoleva fatalmente à cegueira e àsolidão. É uma i<strong>de</strong>ia a que volta comfrequência. Os dísticos,metricamente impecáveis na suacontenção, misturam imagens <strong>de</strong>júbilo e <strong>de</strong> violência, lâmpadasacesas e cadáveres, e nela<strong>se</strong>ncontramos o fulgor erótico <strong>se</strong>mpreacompanhado por uma queda. Háum “comigo me <strong>de</strong>savim” quecontraria qualquer facilida<strong>de</strong>, queimpe<strong>de</strong> que tudo <strong>se</strong>ja êxta<strong>se</strong> epartilha. Atingindo o cimo, o sujeitocai, cai em si, cai na consciência <strong>de</strong>uma imperfeição, que é o tempo.Uma imperfeição redimida pelaexigência formal: “Em tão pouco emtão nada afinal acredito / Só meempolga o rigor com que o digo enão digo” (p. 39). Esta palavra,“rigor”, que tinha sido reclamadapor uma poesia nova, nadadiscursiva, era assimorgulhosamente reivindicada por umclassicista. Reclamada e praticada,pois aos dísticos <strong>se</strong>guem-<strong>se</strong> outrosformatos, e dos mais rigorosos, comoos sonetos e as <strong>se</strong>xtinas.David era um poeta oficinal, equa<strong>se</strong> <strong>se</strong> po<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>sta colectâneaum manual <strong>de</strong> figuras <strong>de</strong> estilo, tanto<strong>de</strong> construção (elip<strong>se</strong>s, anáforas,zeugmas, hipérbatos) como <strong>de</strong>sonorida<strong>de</strong> (rimas, assonâncias,homofonias, aliterações). O recursoàs formas fixas não significa apenasuma a<strong>de</strong>sãoprogramáticaaoclassicismo(comum aogrupo darevista“TávolaEm “Matura Ida<strong>de</strong>”,David Mourão-Ferreiraestá no auge das suascapacida<strong>de</strong>s e enveredapor um diálogo adultocom o barrocoe o maneirismo36 • Sexta-feira 11 Fevereiro <strong>2011</strong> • Ípsilon

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