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E se ele fosse o som de 2011? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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MIGUEL MADEIRAPo<strong>de</strong>ríamos começar por dizer que<strong>se</strong>r actor é prolongar um jogo infantil.Mas, diz Beatriz Batarda, a assinar,pela <strong>se</strong>gunda vez, uma encenação,para <strong>se</strong> <strong>se</strong>r actor “é preciso escolher[<strong>se</strong> partimos para] uma relação <strong>de</strong>procura artística ou uma <strong>de</strong> resultados,<strong>de</strong> con<strong>se</strong>quência, <strong>de</strong> sucesso, <strong>de</strong>estatuto social.”“A nossa tradição <strong>de</strong> interpretaçãoé mais contemplativa, ten<strong>de</strong>ncialmentemoralista pela nossa religião e culturajudaico-cristã, <strong>se</strong>mpre com umcomentário distanciado em relaçãoàs personagens, o que as torna redutoras.Enquanto actriz lutei <strong>se</strong>mprepor um diálogo com o que é o meuponto <strong>de</strong> vista sobre o mundo e osoutros, criando um ponto <strong>de</strong> vistapróprio.”Nesta peça, especificamente escritapara <strong>se</strong>te actores adultos que <strong>de</strong>veminterpretar crianças, tudo <strong>se</strong>torna ainda mais claro. “É a metáforado actor a <strong>se</strong>r a criança que faz <strong>de</strong>espelho para o espectador”. O queestá em causa, quando <strong>se</strong> fala em <strong>se</strong>ractor, é reflectir sobre o caminho a<strong>se</strong>guir: “Qual vai <strong>se</strong>r o caminho futuro<strong>se</strong>m que <strong>de</strong>slace numa linguagem<strong>se</strong>m pulsão entre a vida e a morte? –que é a linguagem praticada em algunsprodutos t<strong>ele</strong>visivos, uma lin-guagem burguesa e banalizada, estereotipadae bidimensional, porquenão tem conflito nem contradições”Mas “Azul Longe das Colinas” foiescrito por Dennis Potter (1935-1994),precisamente, para t<strong>ele</strong>visão, em 1979,tendo entre o <strong>ele</strong>nco H<strong>ele</strong>n Mirren.Ambientada na II Guerra Mundial,nesta versão surge intemporal. Mostracrianças em jogos <strong>de</strong> organização social,domínio, controlo, manipulaçãoe <strong>de</strong>scoberta <strong>se</strong>xual. Jogos inevitavelmenteperigosos <strong>de</strong>mais que conduzirãoas crianças a <strong>de</strong>scobrirem o outro(e a ida<strong>de</strong> adulta) através da morte<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las. Tendo sido, anos maistar<strong>de</strong>, adaptado para teatro, apre<strong>se</strong>ntauma economia narrativa que obrigaa soluções que na t<strong>ele</strong>visão são resolvidaspor artifícios como a montagemou a mudança <strong>de</strong> cenário. “Procureianular tudo o que fos<strong>se</strong>m artifícios,que são pequenas manipulações sobreo espectador. Aqui as coisas estão aacontecer simultaneamente em espaçosgeográficos e temporais diferentes.O artifício chega através do actore não do ví<strong>de</strong>o, <strong>de</strong> efeitos sonoros...Eles ouvem pássaros ou vêem um esquilonas ramadas, e é através do que<strong>ele</strong>s ouvem e vêem que eu vejo e ouço”,diz a encenadora.E o jogo proposto pelo actor é <strong>de</strong>terminadoà priori pelo próprio autorque dizia estar em todas as personagens,assumindo-<strong>se</strong> também comomarionetista das vidas <strong>de</strong>ssas personagen<strong>se</strong> dos actores que as interpretavam.Ele sabia on<strong>de</strong> os queria levar,mesmo que pu<strong>de</strong>s<strong>se</strong> <strong>se</strong>r surpreendidopelo resultado. Es<strong>se</strong> processo <strong>de</strong> construçãoé processo <strong>de</strong> manipulação etorna mais perversa toda a construçãodramatúrgica. Nos filmes que escreveu,ou nas peças gravadas para t<strong>ele</strong>visão,era frequente <strong>se</strong>r <strong>de</strong> Potter avoz do narrador, assumindo uma posição<strong>de</strong> <strong>de</strong>miurgo. “Ele é profundamenteperverso e o jogo [que propõe]também. Eu sou um bocadinho, masnão o sou profundamente”, diz Batardaa brincar.é o exemplo mais escarrapachadodisso mesmo. A poesia é o todo.”A armadilha maior dos textos <strong>de</strong>Dennis Potter (escreveu para t<strong>ele</strong>visãoe cinema “O Detective Cantor”,“Dinheiro do Céu”, “Lipstick on YourCollar”, “Gorky Park” ou “Blackeyes”)operam num território híbrido, <strong>se</strong>rvindo-<strong>se</strong>da sua própria vida para experimentarnovos mo<strong>de</strong>los ficcionais.está no modo como obriga o actor a<strong>de</strong>scobrir, através da insuficiência dotexto, o modo <strong>de</strong> o tornar real. Resi<strong>de</strong>aqui a riqueza maior <strong>de</strong>ste autor atormentadoque foi violado pelo tio antes“Azul Longedas Colinas”mostracriança<strong>se</strong>m jogos<strong>de</strong> domínio,controlo,manipulaçãoe <strong>de</strong>scoberta<strong>se</strong>xual“Os ingle<strong>se</strong>sconstroem umapoética sobre temasuniversais muitasvezes <strong>se</strong>m estaremnunca a fazer poesia”<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>z anos, tinha um problemagrave <strong>de</strong> psoría<strong>se</strong>, dificulda<strong>de</strong> em <strong>se</strong>relacionar com as mulheres e, aindaassim, tendo construído um casamentoao qual sobreviveu apenas novedias à mulher – morreram ambos <strong>de</strong>cancro – não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> verter para ostextos uma amargura que po<strong>de</strong> <strong>se</strong>rvista como um processo <strong>de</strong> catar<strong>se</strong> ereescrita da sua história. Beatriz Batardadiz que essa é a força <strong>de</strong> Potter:“A mim chateia-me que na ficção tudotenha que fazer <strong>se</strong>ntido, quando sófala da realida<strong>de</strong> e a vida não tem quefazer <strong>se</strong>ntido.”PEDRO MACEDOA poesia é o todoBatarda diz que foi através da improvisaçãoque <strong>se</strong> apercebeu que “a verda<strong>de</strong>iragenerosida<strong>de</strong> passa por umcaminho <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong>.” E essaperversida<strong>de</strong> encontra-<strong>se</strong> vertida soba forma <strong>de</strong> um texto que <strong>se</strong> inscrevena longa tradição ficcional anglo-saxónica.“Os ingle<strong>se</strong>s constroem umapoética sobre temas universais muitasvezes <strong>se</strong>m estarem nunca a fazer poesia.Em Shakespeare, por exemplo,há solilóquios carregados <strong>de</strong> metáfora<strong>se</strong> imagens poéticas e nunca sãopara <strong>se</strong>rem feitos <strong>de</strong> forma poética.O que é <strong>de</strong>scrito é <strong>se</strong>mpre concreto eproduz uma acção concreta, com umobjectivo e um obstáculo, e eventualmenteuma con<strong>se</strong>quência. Este textoA <strong>se</strong>gundaencenação <strong>de</strong>BeatrizBatardaapre<strong>se</strong>nta emPortugalDennis PotterWelcome Mr. PotterÀ <strong>se</strong>gunda encenação Beatriz Batarda apre<strong>se</strong>nta-nos Dennis Potter,autor inédito em Portugal, figura es<strong>se</strong>ncial da culturaanglo-saxónica. Des<strong>de</strong> ontem no D. Maria II, <strong>se</strong>te crianças são portas<strong>de</strong> entrada para um dos universos mais ricos da dramaturgiacontemporânea. Tiago Bartolomeu Costa26 • Sexta-feira ei11 Fevereiro ereiro2001 • Ípsilon

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