Março 2009Ainda que sutis, nãoforam poucas as cobrançasfeitas ao Brasilpor participantesdo Seminário Latino-Americano de Justiçade Transição, ocorrido entre osdias 17 e 19 de novembro de 2008,no Rio de Janeiro, sob organizaçãoda Comissão de Anistia doMinistério da Justiça, do ConselhoLatino-Americano de CiênciasSociais (Clacso) e da UniversidadeEstadual do Rio de Janeiro(Uerj). Durante dois dias, foramrealizadas palestras com pesquisadores,juristas, militantes de direitoshumanos e representantesdo poder público e de ONGs,em que se discutiram os eixosque compõem a chamadajustiça de transição, fundamentalem processosde democratização: memória,verdade, justiça ereparação.Para Gerardo Caetano, diretordo Instituto de CiênciaPolítica da Universidade da República,no Uruguai, a compreensãodo que deva ser a justiça transicionalno continente passa poruma profunda análise do que significoua Operação Condor, o quefoi o terrorismo de Estado, suasmetas e efeitos. “O terrorismo deEstado não foi irracional, não foium excesso. Foi, sim, um projetosistemático, muito racional e muitoexitoso, não nos enganemos. Equal seu objetivo central? Imporo silêncio. É um trabalho políticosobre o tempo. A política dadesmemória, do silêncio imposto,da normatização. E que bus-44ca a imobilidade. Uma sociedadesem memória é uma sociedadeque não se mobiliza, não muda, eque permite coisas que outras nãopermitem.”Com relação ao debate jurídicoque se debruça sobre as possibilidadesde punições ou de aberturade arquivos, o cientista políticoentende que a discussão deva seramparada pelos marcos do sistemapolítico democrático: “Na democracia,a fronteira entre o que seA Carta aprovadaaponta como eixosfundamentais de umaredemocratização plena abusca da verdade, a consolidaçãoda memória social, a responsabilizaçãonacional e internacional dosagentes estatais que cometerame promoveram crimesimprescritíveispode fazer e o que não se podefazer sempre está em discussão. Ademocracia é um sistema inacabadoe inacabável. Sempre haveráum novo horizonte de verdade e dejustiça a discutir”. Esses novos horizontes,aponta Caetano, devemincluir uma política regional dedireitos humanos, já que a buscade familiares de um país depende,freqüentemente, de arquivos quese encontram em outros países:“Por isso, o que se passa no BrasilRevista <strong>Adusp</strong>me importa muito, e advogo, comocidadão do Mercosul, que o Brasilassuma, como soube assumir emoutros momentos, os desafios demais verdade e de mais justiça”.As análises da argentina VivianaKrsticevic, diretora executivado Centro pela Justiça e o DireitoInternacional (Cejil), vão ao encontrodas recomendações de Caetano.Para ela, o trabalho do órgãonos últimos anos, de mediador entreos países e a Corte Interamericanade Direitos Humanos da Organizaçãodos Estados Americanos(OEA), tem as características deuma “contra-Operação Condor”.Fortalecer o tema democráticoimplica, em sua opinião, a articulaçãode alianças entresobreviventes, familiares,militantes e advogados detodos os países: “O paradigmados direitos humanosé que nessas coisas fundamentaissomos a Humanidade,e não nos definimos pornossa nacionalidade.”Krsticevic teceu extensos elogiosàs recentes iniciativas judiciaisdo MPF e da OAB, e deixouclaro que o governo brasileiroestá em dívida com a justiça detransição. Uma das expectativasé com relação ao processo, emtrâmite no STF, de extradição domajor uruguaio Manoel Cordeiro,que vive no país e é apontadocomo responsável por torturas eassassinatos durante as ditadurasargentina e uruguaia. “Se dissernão à extradição de Cordeiro, oBrasil tem a oportunidade de seconverter, infelizmente, em umpaís que ampara os ditadores e os
Revista <strong>Adusp</strong>Juiz Carlos Alberto Rosanski, da ArgentinaKelen Meregalirepressores de toda nossa região”,alerta a argentina.O terceiro e último dia do Semináriofoi palco da inédita Conferênciadas Comissões de Reparaçãoe Verdade da América Latina.Sediado simbolicamente em salãodo Arquivo Nacional, o encontrocontou com representantes de novepaíses: Argentina, Brasil, Chile,Colômbia, El Salvador, Guatemala,Paraguai, Peru e Uruguai. Emsuas apresentações, as comissõesrelataram as dificuldades inerentesàs especificidades dos respectivosmomentos históricos, mas, demodo geral, e com o Brasil aindana retaguarda, sinalizaram avançosimportantes no que tange àabertura de arquivos, criação deespaços de memória, adaptaçãodo arcabouço jurídico ao direitointernacional, reparação às vítimasde violações de direitos humanose, em alguns casos, até mesmo nojulgamento e condenação dos perpetradoresdos imprescritíveis crimesde lesa-humanidade.Ao final da Conferência, os paísesassinaram uma Carta Latino-Americana de Justiça de Transição,que reitera “a importânciado comprometimento de todos osórgãos institucionais e das organizaçõesda sociedade civil no engajamentopela busca da verdadesobre os fatos ocorridos duranteos regimes de exceção, a partirde medidas garantidoras do acessoamplo e universal a todos osdocumentos oficiais elaboradosà época”. O documento apontacomo eixos fundamentais para aconquista da redemocratizaçãoplena do continente: busca da verdade;consolidação da memóriasocial; responsabilização nacionale internacional dos agentes estataisque cometeram e promoveramcrimes contra a humanidadedurante os regimes de exceção; reformadas instituições estatais parao fortalecimento da democraciae a integração regional para açõesMarço 2009globais de justiça e memória.“É imperativo da justiça queos Estados latino-americanos, quepassaram por regimes de exceção,coloquem à disposição de toda asociedade nacional e internacionalseus aparatos institucionaispara que sejam apurados e julgadosos crimes praticados em nomedos Estados, considerados imprescritíveispelas normas do direitointernacional, amplamente aceitaspelos países da América Latina”,versa outro trecho da Carta.Coube ao magistrado argentinoCarlos Alberto Rozansky, juizpresidentedo Tribunal Criminalde La Plata e membro fundadordo Fórum para a Justiça Democrática,encerrar o seminário. Nocerne de seu discurso, uma proposta:que se mudem os paradigmaspelos quais se pensa a justiça.O terrorismo de Estado tinhaseus próprios — caberia, agora,às sociedades latino-americanasa busca por novos, inclusive pelarevisão de anistias, indultos e leisde punto final. “Todos os países daregião que ratificaram os tratadosde direitos humanos são obrigadosa cumprir esses tratados. Issosignifica que nos paradigmas atuaisnão existe espaço para indultoalgum, de nenhum repressor quetenha violado direitos humanos,porque essa permanência da impunidadedesonra os países quefirmaram essas convenções”, afirmou,sob fortes aplausos. Paraque não restassem dúvidas, concluiu:“Em matéria de direitos humanos,de terrorismo de Estado,de atrocidades, tomar partidos éacertar”.45
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