82 > BEST BAIRRO BRANDSwww.interbrandsp.com.br > REALIDADE X FICÇÃO 83Marcas de bairro:Um toque derealidade na ficçãoPOR TATA SCARONI“Histórias são atradução criativada vida comoela é, de um jeitomais poderoso eexplícito, em umaexperiência única.”Robert McKeeNós adoramos histórias. Eu, vocêe todo mundo que vive nesteplaneta. E tão gostoso como ouviras histórias pela boca de quemsabe contá-las é descobrir queelas são reais ou carregam emsi elementos da realidade.Essa impressão da verdade quealgumas obras da ficção conseguemdespertar em quem as interpreta sebaseia no conceito da verossimilhança.Calma, é mais fácil do que parece:“vero” significa verdadeiro; “símil”,semelhante. Ou seja, é o uso deelementos que pareçam reaise convençam o espectador deque a história é verdadeira.E por que é tão importante? Bom, issonão apenas aproxima quem recebe amensagem de quem a conta (e isso éextremamente valioso) como tambémdesperta interesse para o conteúdodo que o autor quer passar, tanto emníveis mais claros de entendimento,ou seja, o que está literalmenterepresentado na obra, quanto assubmensagens menos explícitas.Uma forma de manter essaproximidade com o universo individualé criar ambientes que pareçamcomuns ao espectador, lugares comos quais as pessoas criem conexõesemocionais, para assim desenvolveruma narrativa ficcional – mesmoque a história seja surreal.Vamos imaginar uma marca de bairroque poderia estar em algum seriadoqualquer: um café da vizinhança,por exemplo. É um cenário em quequase todas as pessoas conheceme se identificam por situações reaiscotidianas. A partir daí, qualquercoisa pode acontecer nesse café. Umgrupo de amigos sentados no sofáconversando sobre os problemas davida ou planos para o futuro. Até queuma das amigas do grupo conheceo amor da sua vida na mesa ao lado.Quem não gostaria de conhecermais (ou até viver) essa história?Além de gerar identificação comlugares que o público já conhece,aproximando o contexto do espectador,as marcas de bairro da ficção servemcomo um hub para unir as tramas epersonagens do enredo. Por ser umambiente comum a muitas pessoas,é lá que se cruzam e se desenvolvemas melhores histórias. Não é à toaque essas marcas conquistam ocarinho dos telespectadores e setornam tão especiais na memóriade quem se relaciona com elas.E para mostrar que a gente acreditanisso de verdade, separamosalgumas marcas de bairro daficção que a gente adoraria quefizessem parte dos nossos bairros:Central PerkQuem não se lembra do lendáriosofá do Central Perk? O café era umsímbolo da série Friends e serviacomo pano de fundo para diversashistórias dos seis personagensprincipais – Rachel, Ross, Monica,Chandler, Phoebe e Joey.O café da ficção fez tanto sucessoque acabou ganhando um espaçofora da ficção. O Central Perk da vidareal funcionou por um mês na cidadede Nova York e foi parte de umasérie de ações comemorativas emhomenagem aos 20 anos da série.Uma curiosidade: o set do CentralPerk era um dos únicos com ruaasfaltada. É assim que garantiam umsom mais real nas cenas externas.Bar do MoeO Bar do Moe não apenas é asegunda casa (ou seria a primeira?)do Homer Simpson, o cara maislegal do planeta, como tambémé o ambiente perfeito para osdesabafos dos personagens da série.O segredo? É um bar simples edemocrático. Pouco importa sevocê é policial, trabalha numa usinanuclear, se é indiano, branco ouamarelo (ou alguém como o Bart,que adora passar um trote portelefone). Todo mundo conhece odono e sabe que é só chegar quandoprecisar afogar as mágoas, fugirde suas rotinas, bater um papocom os amigos e tomar uma boagelada ou, no caso, uma boa Duff.Pastelaria do BeiçolaQuem nunca teve vontade de provaro pastel do Abelardo, ou Beiçola,como é conhecido o dono dapastelaria de bairro mais divertidada série A Grande Família?O personagem e sua pastelariaforam um dos poucos elementossecundários que se mantiverampresentes durante todas as 14temporadas da série. A sérietambém acertou ao colocar a marcacomo parte da história dos seus“ÁLCOOL. A CAUSAE A SOLUÇÃO DE TODOSOS PROBLEMAS”.Homer Simpson, frequentador do Bar do Moepersonagens. Foi na pastelaria doBeiçola que a Dona Nenê começoua trabalhar em um momento dedificuldade e, a partir daí, construiruma carreira como chefe de cozinha.Outra característica que a Pastelariado Beiçola tem em comum comas marcas de bairro reais é ahereditariedade: o mesmo lugarem que o Lineu joga sinuca, seugenro Agostinho bebe cerveja eseu neto Florianinho come pastel.
84 > BEST BAIRRO BRANDSwww.interbrandsp.com.br> ENTREVISTA | MARCELO DUARTE 85A curiosidade fezcarinho no gatoENTREVISTA | MARCELO DUARTE POR FELIPE VALÉRIOQuando eu li a primeira edição doGuia dos curiosos, do Marcelo Duarte,pensei: eu acho que esse cara tem omelhor emprego do mundo. Quando,alguns anos depois, ele lançou umaedição especial com curiosidadessobre sexo, eu tive certeza disso.Brincadeiras à parte, Marcelo Duarteé um curioso profissional. Não sógarimpa os maiores achados domundo como se preocupa com ahistória por trás de cada descoberta.Um dos seus livros, Os endereçoscuriosos de São Paulo, junta millugares inusitados da cidade – motivomais do que suficiente para a gentebater um papo com ele.Interbrand: Você tem umbairro do coração?O meu bairro do coração é Pinheiros,que foi o bairro onde nasci, vivi minhainfância, estudei, onde eu tenho meuescritório, onde meus pais moram. É obairro em que me sinto mais em casa.Mas até pelo meu trabalho, circulo pormuitos bairros e acabo tendo carinhopor vários. Eu diria que sou quaseum Waze da cidade, conheço váriosatalhos. Adoro a Mooca, o Ipiranga,Santana, tenho uma relação muitoforte com muitos bairros.Interbrand: Consegue lembrarde alguma história curiosaque viveu nesse bairro?Lembro muito da independência depoder ir para todos os lugares sozinho,de ir para o centro de ônibus. Por serum bairro muito central, eu tinha apossibilidade de ir para onde quisesse.Com 10 anos, meu pai já me deixavamuito solto para ir para o centro dacidade, para o cinema.A melhor história que eu tenho dobairro se passou comigo e outroamigo. Eu morava em uma paralelada Teodoro Sampaio e ele moravana própria Teodoro Sampaio. Nósfundamos um clube de futebolchamado Teodoro Sampaio EsporteClube. Nosso campinho era uma ruasem saída, a Rua Virgílio de CarvalhoPinto, onde a gente treinava. Aosdomingos nós jogávamos na Praça doRelógio, na Cidade Universitária. Comoele é palmeirense e eu corintiano,nós tivemos um grande problema naescolha da cor do time. Ele acaboume enganando na época dizendo quea cor verde fazia uma relação com opinheiro. Foi a única época em que euusei um uniforme verde e fiquei felizcom um gol do time verde.Interbrand: O que você acha quetorna os bairros tão curiosos?As pessoas. É muito legal quando vocêcresce em um bairro e tem aquelemecânico que atende você há 20anos, o garçom naquele restauranteespecífico, o frentista. Quando aspessoas formam uma comunidadeno bairro e que atendem você,sempre é muito bacana. Andar a pétambém. Os melhores bairros paramorar são aqueles em que vocêtem a possibilidade de descobriras coisas sem precisar do carro. Eusempre morei em bairros assim.Você consegue ir ao banco a pé, temuma padaria perto, uma sorveteria,um barzinho, um açougue do lado.Eu gosto do bairro em que vocêtem possibilidade de caminhar pararesolver as coisas do dia a dia.Interbrand: O que as grandesmarcas têm a aprender comas marcas de bairro?As grandes marcas não têm a figurade um dono, de um funcionário queconhece os clientes pelo nome. Nãotem aquela coisa bacana do cara queviu você crescer, que sabe o nome doseu filho quando você vai lá. Isso éuma coisa que todo mundo valoriza.E com essa coisa de globalização todotipo de serviço parece igual.Interbrand: Existem bairrosmais curiosos do que outrosem São Paulo?A verdade é que existem muitosendereços escondidos nos bairros, quemuitas vezes as pessoas não sabem.No Ipiranga, por exemplo, existe oMuseu da Mágica, superescondido,que as pessoas não veem quandopassam pela frente do lugar. Aspessoas muitas vezes não sabem quetêm uma curiosidade ou algo pitoresconaquele bairro.É engraçado porque o paulistano gostamuito de novidade. A gente percebeque existe uma competição na cidadepara você descobrir um lugar primeiro.Se abriu uma sorveteria perto de casa,parece que você está competindocom o seu vizinho para dizer quemfoi lá primeiro. Ao mesmo tempo,existe a dificuldade de locomoçãodos próprios bairros. Em alguns diasvocê não consegue chegar onde quer.Muita gente deixa de conhecer coisasimportantes porque estão escondidasou porque o trânsito atrapalha. Nofundo, todo mundo adoraria conheceraquilo que tem de mais diferente emcada bairro.