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SP.CULTURA<strong>Jorge</strong> <strong>Bassani</strong>* Capítulo 2 <strong>da</strong> tese “A função é a comunicação”, FAU-USP - 20051. A CULTURA DA CIDADE“El arte cont<strong>em</strong>poráneo, el cine y la fotografía,pero también la novela y la pintura, mantienen enmuchos casos una relación de amor y odio con laciu<strong>da</strong>d. Fragmentación, ilegibili<strong>da</strong>d, agresivi<strong>da</strong>d soncaracterísticas de la percepción difusa que ante laciu<strong>da</strong>d actual manifiesta este tipo de portavozprivilegiado que casi si<strong>em</strong>pre acostumbra a ser laproducción artística”. (IGNASI SOLÀ-MORALES, p 21)Na maior parte desse trabalho posicionamos o termo cultura como sendorelativo a tudo aquilo que não é natural, o produzido pelo hom<strong>em</strong> individualmente ou<strong>em</strong> grupos, segundo um projeto individual ou coletivo. To<strong>da</strong>via, nessa parte o<strong>em</strong>pregar<strong>em</strong>os para designar o que normalmente chamamos de cultura artística, ou asformas de representação e expressão do ambiente pela socie<strong>da</strong>de produtora eproduto de SP.Evident<strong>em</strong>ente não é possível, n<strong>em</strong> necessária aqui, uma história cultural ouhistória <strong>da</strong> arte de SP, <strong>em</strong> parte elas já existe e com quali<strong>da</strong>de. O que nos importa, éapontar algumas situações <strong>em</strong> que se desenvolve a produção cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong>relação às suas condições urbanas. Também nos interessa identificar um fio, umdesenvolvimento típico, não tipológico, <strong>da</strong> cultura produzi<strong>da</strong> nesse ambiente físicocomunicativo,algo que permanece at<strong>em</strong>poralmente como característico <strong>da</strong> cultura deSP.Todos sab<strong>em</strong>os <strong>da</strong>s íntimas relações entre o desenvolvimento urbano e asartes (1) , que estas s<strong>em</strong>pre integraram um panorama cultural maior que envolvefilosofia, tecnologia, economia e que o desenvolvimento material <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de s<strong>em</strong>prefavoreceram os processos artísticos. Então é evidente que <strong>da</strong>s entranhas de umaci<strong>da</strong>de, com o desenvolvimento e situação como a de SP, com suas excentrici<strong>da</strong>des econtradições, brotasse uma arte igualmente complexa.Nas mesmas condições também, verificamos o direcionamento que as arteshão de tomar <strong>em</strong> ci<strong>da</strong>des que t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> já na era capitalista e cresc<strong>em</strong>assustadoramente na industrial. Ou seja, ao contrário <strong>da</strong> tradicional ci<strong>da</strong>de européia(com cultura original <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, que vai se a<strong>da</strong>ptando ao capitalismo), as ci<strong>da</strong>desdo novo mundo conceb<strong>em</strong> desde início uma cultura imersa na lógica mercantilista,t<strong>em</strong>poral e t<strong>em</strong>porária.1. “A ci<strong>da</strong>de favorece a arte, é a própria arte”, disse Lewis Mumford. Portanto, ela não é apenas, comooutros depois dele explicitaram, um invólucro ou uma concentração de produtos artísticos, mas umproduto artístico ela mesma.” Argan <strong>em</strong> História <strong>da</strong> arte como história <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, citando Mumford,reafirma o caráter artístico <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Em As linguagens artísticas e a ci<strong>da</strong>de também trabalhamos nessaperspectiva.


SP é ex<strong>em</strong>plar nesse sentido, produtora de uma arte programática, de acordocom o espírito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, sofre com a aridez estética urbana, de uma economia feroz,ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que desfruta de um ambiente carregado de formas, matizes esons de extr<strong>em</strong>a diversi<strong>da</strong>de. O mesmo pod<strong>em</strong>os dizer <strong>em</strong> relação à sua população,como verificar padrões culturais entre 20 milhões de pessoas? De um lado isso podeser visto como uma turba informe e massifica<strong>da</strong>, mecaniza<strong>da</strong> pelo processo industriale urbano. Por outro lado, essa massa fornece numericamente e <strong>em</strong> diversi<strong>da</strong>de umuniverso propício às manifestações mais abrangentes.O nível de urbani<strong>da</strong>de latente, <strong>em</strong> condições acima de qualquer previsãoresponsável de controle civilizatório, transmite um nervosismo social e comportamentalverificável na produção cultural de SP. Os fatos culturais associados ao ambientepaulistano nunca pod<strong>em</strong> ser identificados como pastorais, idílicos ou hedonistas. Onervosismo e a contundência são condições que de certa forma homogeneízam umaparte considerável dessa cultura tão heterogênea e fértil.A fertili<strong>da</strong>de fica por conta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de complexa, caótica e hostil do ambiente<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de agiganta<strong>da</strong>. A situação de complexo urbano <strong>em</strong> estado limite, confere à vi<strong>da</strong>urbana as condições de laboratório ativo para experiências artísticas. Issoevident<strong>em</strong>ente no sentido que as expressões artísticas se colocam na moderni<strong>da</strong>de.Os choques e as abstrações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna adeqüam-se perfeitamente a essaurbani<strong>da</strong>de frenética e non sense de SP.Apesar de todo o passado provinciano e estagnado, as forças que <strong>em</strong>purram opovoado para a condição de metrópole o faz<strong>em</strong> de maneira a constituir um dosmaiores <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>as de ambiente moderno industrial e suas contradições. Isso valetanto para os dramas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana quanto para as formulações lingüísticas dessamoderni<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> exploração social às experiências artísticas compatíveis com o quechamamos de vanguar<strong>da</strong>.Nesse sentido verificamos mais uma cultura de estileta<strong>da</strong>s sobre a reali<strong>da</strong>dedo que uma procura idealista por algum tipo de identi<strong>da</strong>de, ou o que quer que sejaidentificável como espiritual à ci<strong>da</strong>de. Em outras palavras, os eventos e produtos quedenominamos culturais obrigatoriamente identificam amplamente o grupo social queos produz<strong>em</strong>, s<strong>em</strong>pre. Portanto as expressões <strong>da</strong> cultura, <strong>da</strong> língua fala<strong>da</strong> às arteseruditas, do vestuário às tecnologias mais avança<strong>da</strong>s, de uma ci<strong>da</strong>de s<strong>em</strong>pre são oque materializam uma suposta identi<strong>da</strong>de urbana, no sentido de identificar o ambienteonde essa cultura se realiza.Porém, o termo identi<strong>da</strong>de urbana nos últimos t<strong>em</strong>pos t<strong>em</strong> assumido umsentido específico de distinção, de locali<strong>da</strong>de no sentido oposto de internacionali<strong>da</strong>de.Ou seja, tudo aquilo que pode diferenciar uma ci<strong>da</strong>de de qualquer hipótese dointernacionalismo, <strong>da</strong>s expressões ou análises generalizantes, as modernas,obviamente. Pode até ser um caminho, porém pouco provável para as condiçõesapresenta<strong>da</strong>s pelo nosso objeto de estudo. Todo o seu existir foi configurado pelalógica moderna industrial, metropolitana e internacional, é impossível apagar essaexistência.Este é o seu fato cultural e sua identi<strong>da</strong>de. Isso a transforma <strong>em</strong> objeto únicono mundo. Como que a socie<strong>da</strong>de e o espaço SP interag<strong>em</strong> com as condições <strong>da</strong>cultura internacional. O mundo todo aqui é o que identifica sua locali<strong>da</strong>de. Por isso oextr<strong>em</strong>o do regional convive e interage com o extr<strong>em</strong>o do cosmopolitismo, nas maisvaria<strong>da</strong>s formas, aceitando a condição de colônia ou através de revoltasantropofágicas, como tentar<strong>em</strong>os ex<strong>em</strong>plificar mais à frente.Para esse sobrevôo observando a situação cultural <strong>da</strong> urbe SP a dividimos <strong>em</strong>cinco períodos históricos:1. SP Colônia, <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção ao início do século XIX, período marcado pelaexistência de uma vila isola<strong>da</strong> no planalto, s<strong>em</strong> importância econômica dispunha decondições materiais extr<strong>em</strong>amente precárias.


2. SP Império, século XIX, o ambiente caracterizado pelo início <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>desacadêmicas na ci<strong>da</strong>de e, posteriormente, a base econômica para o desenvolvimento,o café, e a infra-estrutura necessária, as ferrovias.3. Anos 20 – Modernismo. O século XX e a metrópole moderna serão divididos<strong>em</strong> três momentos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos. No primeiro, a déca<strong>da</strong> de 20, a chega<strong>da</strong> doModernismo, a internacionalização e urbanização <strong>da</strong> cultura. Os novos ambientesmodernos e as artes <strong>em</strong> choque com ele gerando as primeiras, e ain<strong>da</strong> ingênuas,reações, <strong>em</strong> uma socie<strong>da</strong>de ampara<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> na economia agrária.4. Anos 50 – Vanguar<strong>da</strong>s. Um segundo momento <strong>da</strong> cultura moderna <strong>da</strong> urbe,marcado pela consciência dos fenômenos metropolitanos. A polis-tização dosdiscursos culturais e a compreensão do objeto artístico como produto <strong>da</strong> comunicaçãopara as massas. A metrópole industrial já configura<strong>da</strong>, os ambientes segregados, asmacro-estruturas urbanas e a nova situação cultural.5. Anos 70 – Decadência urbana. A nova configuração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de após a que<strong>da</strong>do milagre econômico e urbano dos vinte anos anteriores. As novas respostasculturais ao mundo internacionalizado e globalizado pela tecnologia e capitalismo depontas. O início <strong>da</strong> derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong>s esperanças ideológicas que marcará os anosfuturos. A guetificação extr<strong>em</strong>a dos espaços e <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> metrópole e asneoguerrilhas do underground urbano na déca<strong>da</strong> de 70.Ao final, mais como especulações, algumas questões sobre o ultra-multifacetadouniverso <strong>da</strong> cultura urbana de SP na passag<strong>em</strong> do século.


2. XVI – XVIII: ENTREPOSTO“Ao li<strong>da</strong>rmos com as ci<strong>da</strong>des, estamos li<strong>da</strong>ndo com a vi<strong>da</strong> <strong>em</strong> seu aspectomais complexo e intenso. Por isso, há uma limitação estética fun<strong>da</strong>mental no que podeser feito com as ci<strong>da</strong>des: uma ci<strong>da</strong>de não pode ser uma obra de arte” (1) .A divisão <strong>em</strong> categorias distintas de produção entre a ci<strong>da</strong>de e a arte que J.Jacobs faz, adv<strong>em</strong>, certamente, de que “<strong>em</strong>bora arte e vi<strong>da</strong> estejam entrelaça<strong>da</strong>s, elasnão são a mesma coisa”. Pod<strong>em</strong>os contradizer que, muito dos esforços <strong>da</strong>svanguar<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> arte cont<strong>em</strong>porânea têm-se <strong>em</strong>penhado no contrário, se obtêmsucesso ou não é s<strong>em</strong>pre relativo. Ou, que ao referirmo-nos a ci<strong>da</strong>de como objetoartístico estamos, sobretudo, indicando que uma imensa parte de sua imag<strong>em</strong>, de suaforma e de seu uso obedec<strong>em</strong> a procedimentos muito próximo dos artísticos (2) . Osensível <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de t<strong>em</strong> conexões conceituais, formais e simbólicas com a produção efruição <strong>da</strong>s artes, mesmo <strong>em</strong> situações periféricas ou segrega<strong>da</strong>s, favelas, porex<strong>em</strong>plo.Contudo, é evidente que existe uma diferença substancial entre sobrevivênciapragmática e vivência „lúdica-reflexiva‟. Ou que é muito improvável conferirprocedimentos artísticos à construção de uma rede de esgoto. Apesar de que seuimpacto visual poderia ser fotografado e exposto como obra de arte <strong>em</strong> um museu, aconstrução <strong>da</strong> rede de esgoto continuaria incólume <strong>em</strong> sua situação não-artística.Portanto, pod<strong>em</strong>os considerar a construção <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des também como puraobjetivi<strong>da</strong>de para a sobrevivência, como sendo um aparelho destinado unicamente apermanecer existindo, nas formas mais imediatas para tal finali<strong>da</strong>de.SP colonial opera nessa situação extr<strong>em</strong>a, quase absur<strong>da</strong>, de pragmática, depura finali<strong>da</strong>de. A vila é um abrigo mínimo necessário e conduz a uma vi<strong>da</strong> de extr<strong>em</strong>aobjetivi<strong>da</strong>de.As condicionantes que deram orig<strong>em</strong> à ci<strong>da</strong>de a marcaram com traços muitoatípicos <strong>em</strong> termos de desenvolvimento urbano, como já comentamos anteriormente.Um povoado, no planalto, longe (<strong>em</strong> distância e mais ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> dificul<strong>da</strong>des dopercurso) do mar, <strong>da</strong> conexão com a metrópole e longe do sist<strong>em</strong>a econômicocolonial, e marcado pela presença <strong>da</strong> severi<strong>da</strong>de ensimesma<strong>da</strong> <strong>da</strong> disciplina jesuítica.Forma-se um povoado de sobrevivência baseado <strong>em</strong> uma economia desubsistência, comunal e provinciana, tutela<strong>da</strong> inicialmente pelas ordens religiosas aquipresentes. Até então, um histórico provavelmente comum a centenas de vilas eci<strong>da</strong>des nas Américas. Contudo alguns ingredientes aprofun<strong>da</strong>m bastante essequadro, ou o tornam mais complexo.Primeiro por que SP não é uma ci<strong>da</strong>de colonial <strong>em</strong> si, uma ci<strong>da</strong>de portuguesano Brasil, inseri<strong>da</strong> <strong>em</strong> um pensamento colonial que lhe atribui um fim ou umsignificado. A orig<strong>em</strong> <strong>da</strong> vila é marca<strong>da</strong> pela presença definitiva dos mestiços de JoãoRamalho. A vila é mestiça e apoia<strong>da</strong>, como nos mostra Saia, <strong>em</strong> uma teseantipelágica. Ou seja, a socie<strong>da</strong>de que se forma aqui esta praticamente por contaprópria. Se isso ocorre na estrutura econômica, também ocorre na super estrutura <strong>da</strong>cultura. Evident<strong>em</strong>ente. Em termos de morfologia o que se apresenta é um centroirrisório cercado por chácaras dispersas por uma grande área. E uma precarie<strong>da</strong>d<strong>em</strong>aterial profun<strong>da</strong>.Outro dos ingredientes é o fato de seu posicionamento geográfico, na cabeça<strong>da</strong> serra do Mar, a partir do litoral paulista. Apesar <strong>da</strong>s enormes dificul<strong>da</strong>des deacesso, constitui-se na ligação com o planalto. A partir do povoado segue-se destino aoutras regiões próximas. Mesmo com to<strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>de material, SP comporta-secomo metrópole, no sentido grego de ci<strong>da</strong>de-mãe, originando novos núcleos urbanosque permanec<strong>em</strong> umbilicalmente vinculados à cabeça de ponte com o litoral.2. JACOBS, Jane. Morte e vi<strong>da</strong> de grandes ci<strong>da</strong>des. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p 415.3. Os procedimentos artísticos, linguag<strong>em</strong>, envolvidos na produção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é o ponto focal de Aslinguagens artísticas e a ci<strong>da</strong>de, <strong>Bassani</strong>, op. cit.


Compondo o quadro, é a conseqüente oscilação populacional, especialmenteno período <strong>da</strong>s Bandeiras, no século XVII. Com saí<strong>da</strong>s de grupos de até 2.000homens, causavam uma redução significativa na população urbana e do entorno (3) . Oficar ou passar por SP s<strong>em</strong>pre foi muito relativo para seus habitantes e muito absolutopara sua cultura, nota<strong>da</strong>mente a material. As morfologias e tipologias ficarãopermanent<strong>em</strong>ente marca<strong>da</strong>s por esse traço.Essas são algumas <strong>da</strong>s condicionantes que conduz<strong>em</strong> SP, durante todo operíodo colonial, à construção de um ambiente operado no extr<strong>em</strong>o <strong>da</strong>pragmatici<strong>da</strong>de, expresso no mínimo para a sobrevivência mun<strong>da</strong>na, longe <strong>da</strong>squestões artísticas, sejam estas as que objetivam a elevação do espírito ou as queoperam reflexões críticas. A cultura local não se propõe a isso.* * *Nos três séculos seguintes à fun<strong>da</strong>ção, estas configurações permanec<strong>em</strong>praticamente intactas. Tanto o crescimento geográfico, como o desenho <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong>esmo sua arquitetura, permanec<strong>em</strong> estáticos e configurando uma vila inexpressivadurante esse longo período. Como nos afirma Morse:“O centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de era no local ain<strong>da</strong> hoje chamado de “triângulo”, formadopor três ruas que circun<strong>da</strong>vam o topo <strong>da</strong> colina e ligavam os mosteiros do Carmo, deSão Francisco e de São Bento. Muito antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> dessas ordens, os lados dotriângulo provavelmente foram caminhos usados pelos jesuítas e seus conversos. Porvolta de 1820 o centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de compunha-se talvez de uma dúzia de ruas s<strong>em</strong>qualquer ordenação e que n<strong>em</strong> mesmo eram compactamente margea<strong>da</strong>s por casas,seguindo, <strong>em</strong> extensos trechos, ao longo de quintais murados. Dos edifícios públicos,nenhum era suntuoso ou dotado <strong>da</strong> elegante facha<strong>da</strong> barroca notória <strong>em</strong> terrasibéricas. Além dos mosteiros mencionados, havia o acanhado colégio dos jesuítas,então expulsos, e usado como palácio do governo; o modesto palácio <strong>da</strong> Câmara,também cadeia; o quartel general <strong>da</strong>s tropas, formado por um quadrado de casernas;a catedral humilde, construí<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1745 para substituir a primeira igreja jesuítalevanta<strong>da</strong> quase dois séculos antes; as igrejas <strong>da</strong> Boa Morte e de São Gonçalo.” (4)Do ponto de vista político, o aglomerado se desenvolve graças a sua açãomultiplicadora pelo planalto, de vila a ci<strong>da</strong>de, de ci<strong>da</strong>de a sede de província. Contudo,do ponto de vista material, os símbolos e as dinâmicas <strong>da</strong>s novas situações políticasnão comparec<strong>em</strong>. A socie<strong>da</strong>de e ci<strong>da</strong>de permanec<strong>em</strong> fiéis a objetivi<strong>da</strong>de extr<strong>em</strong>a dodia-a-dia, <strong>da</strong>s i<strong>da</strong>s e vin<strong>da</strong>s, de casas t<strong>em</strong>porárias <strong>em</strong> um centro mal urbanizado. Aci<strong>da</strong>de centrífuga do período colonial proporciona um total desprezo pelo meiopróximo, pela construção de um ambiente permanente e confortável. S<strong>em</strong> um grandefato econômico que impulsione, funciona como grande nó a unir diversos caminhospara um único <strong>em</strong> direção ao mar. Mesmo enquanto nó, não amarra a circulação deprodutos que mereçam destaque no mercado internacional. “Em 1767 a parte central<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de contava com 392 fogos; o casario era humilde e avariado pelo t<strong>em</strong>po. Ascasas <strong>em</strong> geral eram térreas, existindo alguns sobrados; os moradores viviam maist<strong>em</strong>po <strong>em</strong> chácaras e sítios. A partir do terceiro quartel do século XVIII o<strong>em</strong>pobrecimento <strong>da</strong> Capitania foi rápido, e a penúria chegou ao máximo nos primeirosanos do século XIX.” (5)Tampouco os interiores <strong>da</strong>s casas <strong>da</strong>s elites locais d<strong>em</strong>onstram maiorescui<strong>da</strong>dos com seus resultados estéticos, ou a expressão de qualquer tipo derefinamento importado, ou de soluções locais mais originais e de apropriação decostumes e expressões particulares, a base moral cristã não permitiria.3. TAUNAY, Affonso de Escragnolle. História <strong>da</strong>s bandeiras paulistas. São Paulo, Melhoramentos /MEC, 1975. p 374. MORSE, Richard M. Formação histórica de São Paulo – De comuni<strong>da</strong>de à metrópole. São Paulo,Difusão Européia do Livro, 1970. p. 44.


5. PORTO, Antônio Rodrigues. História urbanística <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo (1554-1988). São Paulo,Carthago &Forte Ed., 1992. 1º edição. p 27O que se observa nesses interiores, pelas descrições conheci<strong>da</strong>s, é desimplici<strong>da</strong>des franciscanas e prosaicas r<strong>em</strong>iniscências decorativas. O que supor entãodos vestuários e costumes de leituras, por ex<strong>em</strong>plo. “Uma ou outra estampa commoldura, refugo <strong>da</strong>s lojas européias, apenas acentuava a inocência paulistana <strong>em</strong>relação aos cânones artísticos <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des. Florence achou que as famílias eramhospitaleiras, corretas e sóbrias, que bebiam pouco vinho e tinham „mesa simples,mas agradável‟. Rugen<strong>da</strong>s referiu-se a „a grande simplici<strong>da</strong>de dos costumes dospaulistas a ausência de luxo, mesmo nas classes eleva<strong>da</strong>s, principalmente no que dizrespeito aos móveis a aos utensílios de cozinha‟. A cordiali<strong>da</strong>de impregnava asrelações sociais. „A música, a <strong>da</strong>nça, a conversação, substitu<strong>em</strong>, entre eles, o jogo,que é um dos principais divertimentos na maioria <strong>da</strong>s outras ci<strong>da</strong>des do Brasil‟.” (6)Essa cultura não-material identifica<strong>da</strong> por Rugen<strong>da</strong>s, talvez marque umprimeiro traço cultural do paulistano. Como também o ar caipira de radicalregionalismo, a relação maternal, diferente de outras capitais, com as ci<strong>da</strong>des dointerior <strong>da</strong> província. Traço que, fundi<strong>da</strong> à explosão urbana e radicalmenteinternacional <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, apresentará o caráter metropolitano de SP.No entanto, essas expressões populares de música e <strong>da</strong>nça, <strong>em</strong>bora curiosascomo expressões <strong>da</strong> cultura, não configuram particulari<strong>da</strong>des de um ambiente culturalurbano, mesmo pré-industrial. São mais passa-t<strong>em</strong>pos, não o que poderíamosidentificar como produtos culturais elaborados a partir de procedimentos artísticos.O mesmo pod<strong>em</strong>os dizer <strong>da</strong> participação <strong>da</strong> cultura negra na ci<strong>da</strong>de. S<strong>em</strong>qualquer dúvi<strong>da</strong> ela é expressiva e facilmente identificável até os dias de hoje, masmuito diferente de centros como o Rio ou Salvador. Ela se apresenta pontualmente noperíodo anterior a Independência, localiza<strong>da</strong>. E terá futuramente que diluir-se noenorme caldeirão de fragmentos de diversas culturas que será a metrópole. AssimMorse a descreve: “Os cerimoniais negros constituíam um encravamento na culturacolonial básica. Nos t<strong>em</strong>pos coloniais, a agitação e as propala<strong>da</strong>s imorali<strong>da</strong>des que osacompanhavam provocaram a interdição por parte <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.Continuavam eles a realizar-se, to<strong>da</strong>via, alguns clandestinamente, outros abertamenteno chafariz <strong>da</strong> Misericórdia, ponto natural de reunião dos escravos... Os rituaissecretos de feitiçaria que os negros realizavam à meia-noite, por ocasião de enterros<strong>em</strong> igrejas , l<strong>em</strong>bravam ain<strong>da</strong> com mais intensi<strong>da</strong>de os mistérios de um continentedistante e dizia-se que levavam muitos vizinhos a procurar<strong>em</strong> novas residências.” (7)* * *O ambiente construído paulistano colonial <strong>em</strong> na<strong>da</strong> estimulou uma produçãoartística de importância, tanto gera<strong>da</strong> como consumi<strong>da</strong> no ambiente. A par destasdescrições <strong>da</strong> total ausência de preocupações com o estético e simbólico <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>e seus objetos, pod<strong>em</strong>os notar o mesmo no que diz respeito a expressões locaisrepresentativas de linguagens artísticas.Para uma confirmação dessa situação pod<strong>em</strong>os nos concentrar no grandecompêndio <strong>em</strong> dois volumes de “História geral <strong>da</strong> arte no Brasil” organizado por WalterZanini e escrito por reconheci<strong>da</strong>s personali<strong>da</strong>des. È curioso perceber o terceirocapítulo dedicado ao período colonial, “do século XVI ao início do século XIX:maneirismo, barroco e rococó”, desenvolvido por Benedito Lima de Toledo, professorna maior universi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e profundo conhecedor dela, praticamente não faznenhuma menção à ci<strong>da</strong>de nesses trezentos anos.As únicas exceções ficam por conta unicamente por uma foto do largo do6. MORSE, R. M., op.cit. p. 587. Id<strong>em</strong> p. 64-658. fig.202 – Largo do Ouvidor, 1862. Foto: Militão de Azevedo; in: ZANINI, Walter (org.). História Geral <strong>da</strong>Arte no Brasil. São Paulo, Instituto Walther Moreira Salles, 1983. vol. I.


Ouvidor feita por Militão de Azevedo <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 1862, por apresentar um conjuntobarroco ao fundo (8) e pelo retábulo do Colégio Jesuíta, foto de autor desconhecido (9) .E é só, <strong>em</strong> trezentos anos de história. São Roque ou Embu estão mais presentes naobra.Enquanto verificamos a existência de destaques, como mestre Valentin no Rio,ou o Aleijadinho <strong>em</strong> ci<strong>da</strong>des mineiras, aqui nos deparamos com ex<strong>em</strong>plos dearquitetura rudimentar <strong>em</strong> conjuntos vernaculares (10) e, praticamente, na<strong>da</strong> mais. Asartes na vila de São Paulo teve um desenvolvimento ain<strong>da</strong> menos expressivo que suamorfologia de subsistência.Morse faz menção a um único pintor no período anterior a Independência, oPadre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819) de qu<strong>em</strong> Mario de Andrade fez oseguinte comentário: “Mas Jesuíno fica nesse entr<strong>em</strong>eio malestarento entre a artefolclórica legítima e a arte erudita legítima. Há um quê de irregulari<strong>da</strong>de, de... debaixeza mesmo na obra dele que não t<strong>em</strong> na<strong>da</strong> <strong>da</strong>s forças, formas e fatali<strong>da</strong>des <strong>da</strong>arte folclórica. Mas Jesuíno não chega a erudito. É um popularesco. E muitourbanizado mesmo. De maneira que s<strong>em</strong>pre somos obrigados a vê-lo naquilo que elepretendeu ser, um pintor culto! E dentro disso, ele é o culto s<strong>em</strong> tradição por detrás, oculto s<strong>em</strong> ter aprendido o suficiente, o culto s<strong>em</strong> cultura.” (11)Provavelmente um retrato <strong>da</strong> ampla condição cultural <strong>da</strong> provinciana e limita<strong>da</strong>,e mal cui<strong>da</strong><strong>da</strong>, vila paulistana no período colonial. Dessa forma ela entra no séculoXIX, para enfrentar as novas condicionantes, a Independência do país e o capitalismoindustrial nas metrópoles internacionais.9. fig. 277 – Retábulo do Colégio Jesuíta de São Paulo. Foto anterior a 1899 de autor desconhecido; in:ZANINI, W. op. cit. vol. I.10. figs 258,259,260 - fotos e ilustrações de sp <strong>em</strong> taipa de pilão / fig444 - casa bandeirista; in: ZANINI,W. op. cit. vol. I.11. MORSE, R. M., op.cit. p. 62-63.


3. XIX: CENTRO ACADÊMICOO Brasil inicia o século XIX com um fato marcante, o des<strong>em</strong>barque no Rio deJaneiro <strong>da</strong> corte de D. João VI fugi<strong>da</strong> de Napoleão, <strong>em</strong> 1808, e a conseqüenteabertura dos portos brasileiros para o mercado internacional livre, para o b<strong>em</strong> e para omal, pois a estrutura econômica colonial imposta por Portugal <strong>em</strong> na<strong>da</strong> capacitava oBrasil para competir de forma ativa nesse mercado.Quatorze anos depois é declara<strong>da</strong> a Independência do país pelo prínciperegente, de passag<strong>em</strong> por SP. Essas grandes mu<strong>da</strong>nças ao nível políticoadministrativo<strong>em</strong> pouco afetaram a situação morfológica e cultural de SP. O período éexatamente marcado pela afirmação política <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de perante a nova reali<strong>da</strong>de doImpério e os novos rumos políticos <strong>da</strong> nação. A situação que lhe é coloca<strong>da</strong>, capital <strong>da</strong>província, estabelece as bases para seu posicionamento de grande centro político <strong>da</strong>extensa área agora, depois de três séculos, ocupa<strong>da</strong> no planalto e que sofrerá grandeexplosão urbana no período do café.A afirmação política cobre o período <strong>da</strong> Independência até a Revolução de1842. O movimento liberal reforça a condição de isolamento e relativa autonomia dospaulistas <strong>em</strong> relação ao governo central e às influências culturais vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Corte.Contudo, e até por conta desse processo que se estende desde a fun<strong>da</strong>ção, asocie<strong>da</strong>de permanece provinciana, volta<strong>da</strong> para o seu interior, só que agora o seuinterior não é somente o centro urbanizado, mas sim uma extensa hinterlândia e além.A vi<strong>da</strong> na província ain<strong>da</strong> é carrega<strong>da</strong> de sua tradição comunal. O famoso casoenvolvendo o Imperador e Domitila de Castro Melo, a Marquesa de Santos, e aimportância que ela vai ocupando na cena cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de d<strong>em</strong>onstram essacondição.Da mesma maneira, a forma urbana permanece praticamente circunscrita àsapresenta<strong>da</strong>s nos século anteriores, assim descrita por Morse. “...ao t<strong>em</strong>po <strong>da</strong>Independência, São Paulo ain<strong>da</strong> conservava certos características <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>derural que se sustentava <strong>em</strong> grande parte com sua própria policultura. O plano de ruas,a maneira de viajar e as rotas segui<strong>da</strong>s, os materiais de construção, os processos decultivar a terra, foram espontaneamente determinados pelo ambiente e poucomu<strong>da</strong>ram com o passar dos séculos.” (1)As causas que imped<strong>em</strong> o povoado de se desenvolver culturalmente, nasmesmas condições que politicamente, encontram-se na economia estagna<strong>da</strong>, s<strong>em</strong>qualquer inserção no mercado externo, brasileiro e internacional, e por continuar <strong>em</strong>substancial isolamento geográfico. A penosa viag<strong>em</strong> pela serra tornava a única funçãoexpressiva do povoado, a cabeça de ponte do planalto com o litoral, incompleta. Ocenário até então era contrário a um franco desenvolvimento material e cultural dopovoado.“Após a era <strong>da</strong>s bandeiras, nos séculos XVII e parte do XVIII, a antigaprovíncia de São Paulo permaneceu durante quase 100 anos <strong>em</strong> estado acentuado depobreza; somente depois de 1860 é que a produção cafeeira começou a terimportância. Os documentos antigos preferiram referir-se aos paulistas e não a SãoPaulo; o destaque urbano <strong>da</strong> Capital só apareceu com as estações de estra<strong>da</strong>s deferro e a cultura do café”. (2)Paralelamente, e no mesmo nível, aos importantes fatos políticos no início dosoitocentos, dev<strong>em</strong>os considerar, <strong>em</strong> termos de cultura artística, a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> MissãoFrancesa no Rio <strong>em</strong> 1816. Junto com a moralização artística proposta peloneoclássico, implanta-se uma retalha<strong>da</strong> visão do Iluminismo propondo romper com as1. MORSE, R.M., op. cit. p. 53.2. PORTO, A. R., op. cit. p. 47


tradições culturais <strong>da</strong> colônia, sinônimo de atraso. De tal forma é instala<strong>da</strong> no Rio aEscola Real de Ciências, Artes e Ofícios <strong>em</strong> agosto de 1816, para <strong>da</strong>r orig<strong>em</strong> àAcad<strong>em</strong>ia Real <strong>da</strong>s Artes <strong>em</strong> 1820. As artes brasileiras aproximam-se <strong>da</strong>s técnicas et<strong>em</strong>as europeus como nunca antes. Mesmo o Barroco brasileiro, totalmente submersono horizonte de colônia extrativista no ciclo do ouro, operou a<strong>da</strong>ptações às situaçõesregionais <strong>em</strong> alto grau. A Acad<strong>em</strong>ia por prerrogativas opera a normatização <strong>da</strong>slinguagens.Tal panorama aplicado à ci<strong>da</strong>de de taipa paulistana, deveria detonartransformações radicais. Contudo, quase na<strong>da</strong> pod<strong>em</strong>os observar <strong>da</strong> presença <strong>da</strong>Missão ou <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia na cultura de SP até meados do XIX.Mais significativo para a ci<strong>da</strong>de foi a implantação <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia de Direitopoucos anos depois <strong>da</strong> Independência. “...o ensino superior e não o el<strong>em</strong>entar que setornou o mais poderoso agente de cosmopolização. Desde que se abriram sua portas,<strong>em</strong> março de 1828, a Acad<strong>em</strong>ia de Direito foi por muitos decênios o centro vital <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de. Atraía alunos e professores de todo o país e de fora. Com estes vieramnecessi<strong>da</strong>des e atitudes que iriam lançar o fermento na comuni<strong>da</strong>de introverti<strong>da</strong>.Vieram os costumes mun<strong>da</strong>nos; as idéias e paixões políticas a transcender<strong>em</strong> ocontexto local; a necessi<strong>da</strong>de de teatros, jornais, livrarias, bailes e pontos de reuniõesnão formais, como os cafés; o ceticismo dos acadêmicos s<strong>em</strong>pre pronto a desarticularos estreitos padrões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> provinciana.” (3) . Um ano após a instalação do curso dedireito, de forma precária no convento dos franciscanos, começa a circular O FarolPaulistano, primeiro jornal de SP.Apesar do clima urbano contido nas farras, até folclóricas, dos estu<strong>da</strong>ntes, quetanto marcarão as crônicas oitocentistas, elas são muito pouco significativas paraidentificarmos um ambiente cultural intenso na ci<strong>da</strong>de. A inanição cultural permanece.O próprio declínio <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia de Direito nos anos ‟30 d<strong>em</strong>onstra o limitado alcanceque o núcleo acadêmico tinha, <strong>em</strong> 1831 formaram-se 6 alunos e <strong>em</strong> 1840, sete. (4)Contudo, a Acad<strong>em</strong>ia se constituirá no grande centro gerador de idéias quando oambiente urbano lhe for mais favorável.Até meados do século não o era, principalmente a matéria urbana,morfologicamente SP ain<strong>da</strong> permanece uma vila: “Em 1822, por ocasião <strong>da</strong>proclamação <strong>da</strong> Independência do Brasil, São Paulo era uma pequena ci<strong>da</strong>de, de ruaspouco extensas, estreitas e tortuosas, onde se movia uma população que o censo feitono final do ano informa elevar-se apenas a 6.920 almas. O perímetro urbanoconstrangia-se na estreita área entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, corta<strong>da</strong> por38 ruas, 10 travessas, 7 pátios e 6 becos.” (5)***- O café – motor econômicoA partir de meados do século a monocultura do café irá constituir-se no motoreconômico para intensas mu<strong>da</strong>nças nos rumos <strong>da</strong> ain<strong>da</strong> pequena vila de São Paulode Piratininga. O café esta sendo plantado no Brasil e exportado desde o início doséculo, concentrado basicamente no vale do Paraíba. Essa produção é escoa<strong>da</strong> pelosportos próximos, Parati, Ubatuba ou pelo Rio de Janeiro. Quando a expansão cafeeiraatinge o noroeste <strong>da</strong> província, SP, na situação geográfica que motivou sua orig<strong>em</strong> naocupação do planalto, assumirá o posto de gargalo por onde passará to<strong>da</strong> a produçãodo estado, produção essa <strong>em</strong> expansão geométrica, <strong>em</strong> direção ao porto de Santos.O fenômeno econômico de que se constitui o café, não só para SP, mas para oBrasil entre meados do XIX até 1930, são imensamente conhecidos, b<strong>em</strong> como atransformação <strong>da</strong> vila <strong>em</strong> metrópole. O que é necessário é apresentar algumasquestões a respeito <strong>da</strong> metrópole cafeeira e sua cultura.3. MORSE, R.M., op. cit. p. 83.4. Id<strong>em</strong>, p. 93.5. PORTO, A. R., op. cit. p. 39


S<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong> a economia cafeeira, proporcionando o enriquecimento <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de por si já seria fator do desenvolvimento material <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, contudo asformas que foram aqui adota<strong>da</strong>s para o cultivo e comércio do café, agilizou ain<strong>da</strong> maiso processo de crescimento urbano, como aponta L. Saia: “...a monocultura do café épujante do ponto de vista d<strong>em</strong>ográfico; o beneficiamento, a comercialização etransporte, tais como foram estilizados no Estado de São Paulo, levaram essa pujançaao fenômeno urbano.” (6) Essa pujança <strong>em</strong> números é impressionante: “Mais de milnúcleos urbanos foram criados no Brasil <strong>em</strong> função <strong>da</strong> cultura do café; a metade delesna área do Estado de São Paulo, dois terços na região geo-econômica que convergiapara o centro <strong>da</strong> capital.” (7)To<strong>da</strong>via esse processo, <strong>em</strong>bora muito rápido, ao colidir com a provincianaestrutura <strong>da</strong> cultura e morfologia urbanas produz efeitos bastante específicos edíspares entre eles. A ci<strong>da</strong>de de taipa – no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70 to<strong>da</strong>s asconstruções <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> o são (8) - vai <strong>da</strong>ndo lugar a ci<strong>da</strong>de de tijolo e a culturaprovinciana e estagna<strong>da</strong> cede espaço para uma nova, cosmopolita e dinâmica atéd<strong>em</strong>ais para os costumes do vilarejo paulista. As configurações sensíveis dessesnovos sintomas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de só alcançaram maturi<strong>da</strong>de na passag<strong>em</strong> de século. Asegun<strong>da</strong> metade do século XIX permanece como transição <strong>da</strong> vila para a metrópole, ját<strong>em</strong>os a base econômica e a pujança d<strong>em</strong>ográfica, mas também t<strong>em</strong>os a inércia detrês séculos de desprezo aos aspectos materiais do ambiente construído e <strong>da</strong> culturanele produzi<strong>da</strong>.A vi<strong>da</strong> provinciana dá pálidos sinais de cosmopolitismo mais <strong>em</strong> seuspersonagens políticos e intelectuais do que <strong>em</strong> suas expressões de cultura artística:Feijó, Vergueiro, os Andra<strong>da</strong>s, a base política e econômica agrária produz umambiente cultural também, pod<strong>em</strong>os dizer, rural, ain<strong>da</strong> pouco marcado pelassimultanei<strong>da</strong>des do mundo urbano moderno.De certo, ao compararmos o ambiente urbano <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do séculoXIX com a primeira, verificamos mu<strong>da</strong>nças capazes de justificar “o aceleramentocultural” identificado por Morse já nos primeiros anos <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade (9) ,apontando inclusive, os 111 formados pela Acad<strong>em</strong>ia <strong>em</strong> 1863, quando a instituição“podia ufanar-se de ter 600 alunos entre o Curso Anexo e os Cursos Jurídicos”. (10) . Osnovos jornais, os salões, a vi<strong>da</strong> social, o Romantismo. O ambiente cultural está <strong>em</strong>formação, mas carece de forças mais potentes para vencer o provincianismo e oruralismo local e o eterno desprezo ao belo na configuração de seu meio próximo.***Morse identifica Alvarez de Azevedo (11) como grande representante doromantismo na ci<strong>da</strong>de, com um destaque especial <strong>em</strong> escala nacional. Nos pareceque o trabalho desse poeta seja um tanto desigual, e não chegou a amadurecer,marcado por um byronismo um tanto forçado. No entanto, o caráter urbano contido <strong>em</strong>sua obra <strong>em</strong> relação ao grosso do romantismo brasileiro, com indianismos eruralismos, merece destaque, principalmente, por ter como cenário, <strong>em</strong> um períodorazoável de sua vi<strong>da</strong>, aqui <strong>em</strong> SP. Pré anuncia o caráter que mais fort<strong>em</strong>ente irámarcar a cultura local: a urbani<strong>da</strong>de.A própria relação do poeta com a ci<strong>da</strong>de d<strong>em</strong>onstram algumas característicasinteressantes desse período. Diz ele ao voltar para cá e iniciar os estudos na6. SAIA, Luiz. Notas para a teorização de São Paulo; in: Acrópole, nº 295/6, junho/1963.p 213.7. Id<strong>em</strong>, p. 217.8. P 259 - “to<strong>da</strong>s as casas são de taipa de pilão” -1862 Foto: Militão de Azevedo; in: ZANINI, W. op. cit.vol. I.9. MORSE, R.M., op. cit. p. 13110. Id<strong>em</strong>11. “Durante os anos do Romantismo, qu<strong>em</strong> mais profun<strong>da</strong>mente sentiu e mais completamente articulouas tensões do velho e do novo foi o poeta Manuel Antonio Alvarez de Azevedo”. Id<strong>em</strong>. P. 121.


Acad<strong>em</strong>ia de Direito: “Reduzido a ficar <strong>em</strong> casa, por não ter sequer onde ir, e nãoachar prazer <strong>em</strong> an<strong>da</strong>r correndo ruas, acho-me na maior insipidez possível, ansiosode deixar esta vi<strong>da</strong> tediosa <strong>da</strong> mal ladrilha<strong>da</strong> São Paulo” (12)Aparent<strong>em</strong>ente Alvares de Azevedo não vê nenhum horizonte do aquecimentocultural observado por Morse no período do Romantismo. Porém a contradição dopoeta <strong>em</strong> relação à ci<strong>da</strong>de, como Morse apresenta, d<strong>em</strong>onstra primeiro, um fato quevai identificar a vi<strong>da</strong> nesse complexo urbano, a paixão e a negaçãoconcomitant<strong>em</strong>ente, s<strong>em</strong>pre. De outro lado esse caráter ambíguo quase baudelairiano<strong>em</strong> relação, ao ambiente urbano moderno, a melancolia e a excitação an<strong>da</strong>ndo d<strong>em</strong>ãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s.Diferente é o caso, um pouco depois, com a passag<strong>em</strong> de outro poetaromântico, Castro Alves, pela Acad<strong>em</strong>ia e pela ci<strong>da</strong>de. Seu romantismo é mais,digamos, positivo. O engajamento nas causas político abolicionistas o colocam naesfera <strong>da</strong> intervenção no real, <strong>da</strong> pragmática, mais ao caráter e a vocação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.Castro Alves t<strong>em</strong> outras impressões de SP, ele a vê como ambiente a serdesven<strong>da</strong>do, mergulhado, a superfície não conta na<strong>da</strong>: “Eis-me <strong>em</strong> São Paulo, naterra de Azevedo, na bella ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s névoas e <strong>da</strong>s mantilhas, no solo que casaHeidelberg com a An<strong>da</strong>luzia”, “...se a poesia está no espreitar de uns olhos negrosatravez <strong>da</strong> rotula dos balcões ou atravez <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s <strong>da</strong> mantilha que <strong>em</strong> amplasdobras esconde as formas <strong>da</strong>s moças, então a Paulicéa é a terra <strong>da</strong> poesia” (13)O cenário e o espírito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de apresentado por Álvares de Avevedo, contudoexplicita a ausência dos catalisadores necessários para uma afirmação cultural e umnovo cenário urbano <strong>em</strong> SP, capaz de equiparar - e equipar - a ci<strong>da</strong>de à sua posiçãopolítica e econômica frente ao fenômeno <strong>da</strong> cultura cafeeira.***- A ferrovia – o novo ambiente urbano6O principal desses catalisadores, com certeza, foi a implantação <strong>da</strong> ferrovia naprovíncia tendo SP, por todos os motivos geográficos que conhec<strong>em</strong>os, como nó quecanaliza a rede interiorana rumo a Santos. “A viag<strong>em</strong> inaugural <strong>da</strong> S. P. Railwayocorreu <strong>em</strong> 1865, já existindo as estações <strong>da</strong> Luz e <strong>da</strong> Mooca, o serviço regular <strong>da</strong>estra<strong>da</strong> começou <strong>em</strong> 1867. Essa ferrovia veio <strong>da</strong>r grande desenvolvimento à ci<strong>da</strong>de eà província”. (14)A ferrovia, não só por seu caráter <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, objetivamente,como máquina e meio de transporte, e também simbolicamente de progresso,eficiência e tecnologia, mas, principalmente nas condições <strong>em</strong> que foi implanta<strong>da</strong>,para viabilizar a exportação do café, maior riqueza nacional no momento, e como elaadentra e atravessa a ci<strong>da</strong>de, proporcionarão á SP conhecer de forma muito maisprofun<strong>da</strong> sinais de um novo ambiente urbano, <strong>em</strong> sua matéria, morfologia, e <strong>em</strong> suacultura.Estas condições consoli<strong>da</strong>m a vocação original <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de pólo centrípeto ecentrífugo de ligação entre uma extensa região no planalto com o porto, <strong>em</strong> últimainstância com o mundo. A ferrovia é o primeiro instrumento de metropolização ecosmopolitização do aglomerado urbano paulista.Assim indica Cândido Malta: “Esse corredor de escoamento seria o nexocentral do sist<strong>em</strong>a de transportes, coman<strong>da</strong>ndo processos simultâneos deinteriorização <strong>da</strong> produção – com o rápido crescimento <strong>da</strong> rede ferroviária e asuperação <strong>da</strong>s cultura decadentes do vale do Paraíba pelas fazen<strong>da</strong>s do Oestepaulista – e canalização <strong>da</strong>s exportações. A concentração do fluxo comercial sobre o12. Carta de AA de 07/07/1849 in MORSE, R.M., op. cit. P. 123.13. Castro Alves, Obras completas; in: MORSE, R.M., op. cit. P. 203-204.14. PORTO, A. R., op. cit. p. 49.


eixo São Paulo-Santos teria enorme impacto sobre o crescimento <strong>da</strong> capital” (15)Agora o acesso à ci<strong>da</strong>de era ágil e seguro, os fazendeiros e suas famíliaspoderiam freqüentar muito mais o comércio e a vi<strong>da</strong> cultural <strong>da</strong> capital, poderia atémanter uma residência na ci<strong>da</strong>de, além <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong>. Começa a se configurar umad<strong>em</strong>an<strong>da</strong> para novas ações culturais, uma elite que pode promover salões aqui a partirde experiências <strong>em</strong> salões europeus. Pode comprar pinturas e pode contratararquitetos.Das ativi<strong>da</strong>des <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> elite forma-se a pirâmide com diversas ativi<strong>da</strong>desde classe-média, liga<strong>da</strong>s ao comércio e serviços. Estas permanecerão por longot<strong>em</strong>po pendendo entre o sub-produto <strong>da</strong> cultura de elite e manifestações próprias.Além dos trânsitos internos ligados ao café, a ferrovia também favorece osegundo grande catalisador <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> metrópole SP, a imigração estrangeira. Aci<strong>da</strong>de vai conhecer uma europeização diferente, plural, difusa e popularesca. Umaeuropeização que v<strong>em</strong> por vias diferentes <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia Real, ou dos salões <strong>da</strong> elitepaulistana, veio com os próprios imigrantes, os populares com tradições folclorizantes,ou ricos de gosto duvidoso, ou mesmo de personagens atualizados às novas questõespolíticas e artísticas <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de européia.A miscigenação que se origina nesse momento e mais tarde alcançará níveisglobais, marcará as raízes <strong>da</strong> cultura metropolitana de SP, provavelmente a única,uma vez que até esse período o que pod<strong>em</strong>os observar foram as fragili<strong>da</strong>des culturaisdo povoado de Piratininga.Como personag<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plar de uma nova categoria de artistas que começa aformar-se na ci<strong>da</strong>de, t<strong>em</strong>os a figura de José Ferraz de Almei<strong>da</strong> Júnior, pintor paulistaque alcança status de grande expoente <strong>da</strong>s artes brasileiras, acima de nomes <strong>da</strong>Acad<strong>em</strong>ia no Rio. Assim ele é apresentado <strong>em</strong> História geral <strong>da</strong> arte no Brasil: “SergioMilliet considerou Almei<strong>da</strong> Júnior como „um marco divisório <strong>da</strong> pintura nacional‟, comele „se afirmando a nossa liber<strong>da</strong>de artística. Houve realmente na obra desse artista...a exteriorização sist<strong>em</strong>ática, pela primeira vez na nossa pintura do oitocentos, de umaaproximação de assuntos populares trazi<strong>da</strong> pelo realismo ou naturalismo t<strong>em</strong>ático àcultura brasileira”. (16)Almei<strong>da</strong> Jr ingressou na Acad<strong>em</strong>ia de Belas Artes no Rio <strong>em</strong> 1869, onde foialuno de Vitor Meirelles, e <strong>em</strong> 1876 ele parte para um período na Europa, onde, tantovai aproximar-se dos t<strong>em</strong>as realistas, como também, de forma mais insipiente (porconta <strong>da</strong> formação na Belas Artes), <strong>da</strong>s técnicas impressionistas. No entanto o que édestacado <strong>em</strong> sua obra é a aproximação dessas influências a uma situação regionalao extr<strong>em</strong>o. Suas representações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> caipira são <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticas <strong>da</strong> cultura regionaldo hom<strong>em</strong> paulista.E o pintor o faz, apesar de todo o artificialismo <strong>da</strong> pintura acadêmica,deflagrando uma situação s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong>inente <strong>da</strong> Metrópole, ci<strong>da</strong>de-mãe, SP com seuinterior. Poucas capitais regionais t<strong>em</strong> o comportamento simbiótico com a cultura deseu interior, como SP o t<strong>em</strong>. Isso é perfeitamente compreensível a partir de suaprópria formação, se espalhando pelo interior e fragmentando famílias pelo território,com o fizeram os bandeirantes.Também caracterizando e catalisando a situação urbana do fim de XIXapresenta-se o painel social e político <strong>da</strong> Abolição <strong>da</strong> escravatura e <strong>da</strong> Proclamação<strong>da</strong> República e o papel relevante que a SP terá <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a movimentação queculminará com os dois eventos <strong>em</strong> 1888 e 89 respectivamente. Por um lado o sensopositivista do movimento republicano marcará a ci<strong>da</strong>de por um ethosdesenvolvimentista, anti-humanista e anti-estético, mantendo uma característica nata<strong>da</strong> matéria urbana paulista. Por outro lado, a renovação <strong>da</strong>s instituições promovi<strong>da</strong>15. CAMPOS, Candido Malta. Os rumos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de: urbanismo e modernização <strong>em</strong> São Paulo. SãoPaulo, Ed. Senac, 2002. p. 43.16. BARATA, Mário. Século XIX. Transição e início do século XX; in: ZANINI, W. op. cit. vol. I. p. 425.


pela República altera significativamente a ci<strong>da</strong>de e possibilitam novas situações para odesenvolvimento <strong>da</strong> arquitetura e d<strong>em</strong>ais artes <strong>em</strong> SP.A arquitetura desenvolvi<strong>da</strong> para atender a d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> institucional e os palacetes<strong>da</strong>s elites acompanha a europeização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de paulistana, soma<strong>da</strong> a umaexperiência prática nas mão dos imigrantes que aqui chegavam. “Em São Paulo, já eraeclético, na facha<strong>da</strong> e nos espaços interiores, o edifício-monumento do Ipiranga,projeto do arquiteto italiano radicado entre nós, Tomas Guido Bezzi, edificado entre1882-89” (17)O fenômeno <strong>da</strong> arquitetura eclética paulistana, na vira<strong>da</strong> de século, t<strong>em</strong> napessoa de Ramos de Azevedo o seu principal articulador e na presença dos italianos,como Guido Bezzi e os irmãos Rossi, Domiciano e Cláudio, seu corpo técnico-artístico.A quase totali<strong>da</strong>de dos novos edifícios públicos e institucionais foi confia<strong>da</strong> aoescritório de Ramos de Azevedo: o conjunto do Largo do Palácio – Páteo do Colégio:edifício do Tesouro (1886-91), Secretaria <strong>da</strong> Agricultura (1892-96), Secretaria dePolícia (1894-96) e a própria reformulação do Palácio - , como também diversosedifícios escolares (Escola Politécnica - 1895, Escola Normal (Caetano de Campos) -1890, Escola Prudente de Moraes – 1895) - entre muitas outras obras, inclusivehabitações para a elite enriqueci<strong>da</strong> com o café.A nova arquitetura promoverá uma rigorosa transformação na paisag<strong>em</strong> <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de, como que fechando o ciclo impulsionado pela economia cafeeira, como nosafirma Carlos L<strong>em</strong>os: “O café trouxe o imigrante, que trouxe o tijolo... o tijolo e oecletismo, de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s, transformaram a fisionomia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e alteraram osconceitos de b<strong>em</strong>-morar”. (18)Porém não é exclusivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arquitetura e <strong>da</strong>s artes transformar<strong>em</strong> oambiente urbano, o Urbanismo também começa a marcar presença na projetação <strong>da</strong>snovas configurações <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que se agiganta. A ferrovia impõe novosprocedimentos ao tratar a construção urbana, tanto pelas novas d<strong>em</strong>ografias e pelosnovos capitais, como também pela própria incisão urbana-material que ela significa.Desta forma ver<strong>em</strong>os as primeiras ações urbanas mais moderniza<strong>da</strong>s a partir doúltimo quartel do século XIX.Pela primeira vez na história a ci<strong>da</strong>de começaria a ser desenha<strong>da</strong>conscient<strong>em</strong>ente e tecnicamente, quer dizer, com idéias a priori, utilizandoprocedimentos próprios – disciplinares -, com antevisão de repercussões futuras ecomo desencadeamento ideológico.Prestes Maia considerou a administração de João Teodoro, “o primeiro surtourbanístico de São Paulo” (19) entre 1872 – 75. Simões de Paula considera o períodocomo sendo a “segun<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção de São Paulo”, nestes termos:“Esse ano de 1872 não trouxe só isso (o nó ferroviário) para São Paulo. Aci<strong>da</strong>de foi beneficia<strong>da</strong> com iluminação a gás <strong>em</strong> 30 de março e o tráfego de bondes aburros <strong>em</strong> 2 de outubro, com uma única linha do largo do Carmo à Estação <strong>da</strong> Luz. Oscarros de aluguel aparec<strong>em</strong>, os esgotos começam. Chegam, mais volumosas, aslevas de imigrantes. A lavoura cafeeira prospera. O abolicionismo e a campanharepublicana sacod<strong>em</strong>, nos seus fun<strong>da</strong>mentos, a nação, para se tornar<strong>em</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>em</strong>pouco menos de vinte anos.” (20)As obras de João Teodoro encontram-se marca<strong>da</strong>mente liga<strong>da</strong>s ao traçado <strong>da</strong>ferrovia na ci<strong>da</strong>de: a Luz, o Brás, a conexão entre eles – rua João Teodoro -, a Várzeado Tamanduateí, portanto. Assume uma orientação para o Leste, melhorando eampliando o acesso ao centro, pela Várzea, a partir do Pari, Brás e Mooca. A Várzea17. BARATA, M. op. cit. vol. I. p. 433.18. Carlos L<strong>em</strong>os: Exposição Vila Penteado, FAU/USP. In: ZANINI, W. op. cit. vol. I. p.464.19. MAIA, Francisco Prestes. São Paulo no IV Centenário. In: TOLEDO, Benedito Lima de. PrestesMaia e as Origens do urbanismo Moderno <strong>em</strong> São Paulo. São Paulo, Emp. <strong>da</strong>s Artes, 1996. p.15-1720. PAULA, Eurípides Simões de. Contribuição monográfica para o estudo <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção deSão Paulo; in: TOLEDO, B. L. op. cit. p.15-17.


ecebe tratamento paisagístico, na altura do antigo Mercado, e recebe um nome b<strong>em</strong>atípico para austeri<strong>da</strong>de jesuítica <strong>da</strong>s origens coloniais, Ilha dos Amores.João Teodoro também indica novas orientações de crescimento para o ladooposto do Vale do Anhangabaú. A abertura <strong>da</strong> Rua Helvétia a noroeste a parir doJardim <strong>da</strong> Luz, a Rua 7 de Abril e a regularização <strong>da</strong> Praça <strong>da</strong> República (dos Curros,então).Enquanto a infra-estrutura urbana passa por essa renovação, os novos bairrosdestinados às elites vão ocupando lugar na ci<strong>da</strong>de através <strong>da</strong>s iniciativas do setorprivado. Candido Malta aponta para o seguinte: “Embora na déca<strong>da</strong> de 1870 a direçãoLeste ain<strong>da</strong> fosse uma priori<strong>da</strong>de para a administração João Teodoro, a iniciativaparticular passou a orientar os investimentos de prestígio no rumo Noroeste-Oeste.Essa tendência se evidenciou com o loteamento sucessivo <strong>da</strong>s área de SantaEfigênia, Morro do Chá, Campos Elíseos e Vila Buarque.” (21)O primeiro prefeito de São Paulo, após o advento <strong>da</strong> República, Antonio Prado,é o último do Século XIX e primeiro do XX (1889-1911), vai orientar seus trabalhos d<strong>em</strong>elhorias urbanas exatamente para esse sentido, o <strong>da</strong> especulação. Suasintervenções adquir<strong>em</strong> mais o caráter cenográfico urbano para essas novasocupações <strong>da</strong>s elites: Largo do Arouche, Praça <strong>da</strong> República, Paissandu. Outrasintervenções no centro velho corresponde a adequação <strong>da</strong>s antigas vias do Triângulo.A ci<strong>da</strong>de de Antônio Prado acabava na colina do Colégio, negando por completo a jáimensa área a Leste e Nordeste <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.O maior símbolo <strong>da</strong> modernização de SP proposto para explicitar a ci<strong>da</strong>de doséculo XIX acontece já na primeira déca<strong>da</strong> do XX, o Teatro Municipal, inaugurado <strong>em</strong>1911, projeto do escritório de Ramos de Azevedo. O edifício localiza-se na cabeceiraOeste do ain<strong>da</strong> recente Viaduto do Chá, como arquitetura um exacerbado ecletismo, játardio, nos moldes <strong>da</strong> Ópera de Garnier. Por tudo isso, um ex<strong>em</strong>plo supr<strong>em</strong>o d<strong>em</strong>oderni<strong>da</strong>de para a ain<strong>da</strong> provinciana e agrária socie<strong>da</strong>de paulistana. Como locaçãona ci<strong>da</strong>de, aponta para onde deve se dirigir o novo centro urbano e os novosinvestimentos, com resultados catastróficos <strong>em</strong> médio prazo para outras áreas <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de, inclusive o centro original.Cabe salientar que o Teatro como equipamento, arquitetura e intervençãourbana aparent<strong>em</strong>ente alcança absoluto sucesso <strong>em</strong> suas intenções. Contudo aarquitetura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de já está mu<strong>da</strong>ndo no início do novo século. Alguns ventos doModernismo europeu chegavam à ci<strong>da</strong>de através <strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> vez mais constantes,visitas dos paulistas à Europa. O Art-Nouveau passa a freqüentar a cena paulistana,ain<strong>da</strong> muito contaminado pelo ecletismo e bastante marcado pelo caráter agráriopresente na cultura local.A vila Pentea<strong>da</strong> na Aveni<strong>da</strong> Higienópolis, projeta<strong>da</strong> pelo sueco Carlos Ekman,é de 1902. Ela d<strong>em</strong>onstra o novo estilo dos paulistas quatrocentões e o novo ambienteurbano que está sendo criado por eles e para eles.Um sentido diferente a essas influências na ci<strong>da</strong>de será <strong>da</strong>do por VictorDubugras, suas obras apresentam um leque de invenções e diversificação <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong> Nouveau, repleta de orientações neocoloniais e mais pessoais que osex<strong>em</strong>plos encontrados nos palacetes de início de século.Apresentando uma sintaxe com alguma aproximação a um Nouveau mais a laGuimard do que o <strong>da</strong> escola Belga, mais <strong>em</strong> uso por aqui. Isso menos por sua orig<strong>em</strong>francesa, já que se formou <strong>em</strong> Buenos Ayres, do que por suas próprias opçõesformais, que transitava do mais carregado e exótico ecletismo (projeto para a Estação<strong>da</strong> Luz, <strong>em</strong> 1915), ao neo-colonial (<strong>em</strong> inúmeras obras pelo interior do Estado) àsurpreendentes ante-visões Modernistas (a sua festeja<strong>da</strong> Estação de Mayrink, <strong>em</strong>1906! é um ex<strong>em</strong>plo impressionante).20. CAMPOS,C. M., op.cit. p.51.


De suas casas <strong>em</strong> SP, a de João Dente de 1912, na Rua Augusta, tambémd<strong>em</strong>onstra um vocabulário muito mais modernizado que os padrões vigentes naci<strong>da</strong>de, tanto por parte <strong>da</strong> arquitetura eclética quanto pela Nouveau. Outrad<strong>em</strong>onstração dos novos compromissos que farão parte <strong>da</strong> Arquitetura Moderna, émanifesta <strong>em</strong> seus projetos para “casas proletárias salubres”. A obra de Dubugrassimboliza amplamente as crises <strong>da</strong>s artes <strong>em</strong> contato com o mundo moderno, omesmo comportamento contraditório entre arte e técnica assistido pelos europeus doXIX, está representado nessa arquitetura que anseia pelo novo, porém, não conseguelibertar-se do entulho histórico.


4. ANOS 20: MODERNISMONa déca<strong>da</strong> de 20 o século XX está configurado na metrópole do café. “OTeatro Municipal (1911), a praça Ramos de Azevedo, os palacetes Prates, abrigando aprefeitura e Automóvel Clube (1914), o ajardinamento do Anhagabaú <strong>em</strong> si (1915-17),o monumento a Carlos Gomes (1922), o Hotel Esplana<strong>da</strong> (1923), o edifício-sede <strong>da</strong>Light (1924), a Praça do Patriarca (1926), o Clube Comercial (1929) – tudo concorreriapara a criação de um espaço urbano esteticamente unificado”. (1)O casario de taipa apinhado na colina central durante três séculos havia setransformado <strong>em</strong> metrópole <strong>em</strong> menos de 50 anos. Sua população passou de 20 milhabitantes, na déca<strong>da</strong> de 1860, para 500 mil, na de 1920, sua área urbaniza<strong>da</strong> haviasido multiplica<strong>da</strong> quase por dez. SP havia passado por várias transformações <strong>em</strong> suaforma urbana contando inclusive com consultorias de técnicos estrangeiros, como ourbanista-paisagista francês Bouvard, responsável por grande parte dos projetos parao Anhagabaú, que agora adquiria o sentido de lugar público mais valorizado <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,envolvido pela arquitetura mais refina<strong>da</strong> <strong>da</strong> capital e pelas principais representaçõesdo poder político e econômico <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.A elite cafeeira quer mostrar uma outra cara, contrária à de chucro e caipiraque havia se consoli<strong>da</strong>do. Cândido Malta se refere à “importação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de moderna”,os modelos europeus são praticados imensamente e de forma pouco crítica. A pardisso todos os probl<strong>em</strong>as dos conglomerados inchados, a carência de novashabitações <strong>em</strong> novas áreas urbaniza<strong>da</strong>s, a insalubri<strong>da</strong>de decorrente <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> acompanhar a progressão geométrica <strong>da</strong> população, os tráfegoscongestionados nas áreas centrais, os resíduos, começam a <strong>da</strong>r os primeiros sinais.Os probl<strong>em</strong>as e a solução: <strong>em</strong>purra-los para as periferias que se multiplicam.A geografia <strong>da</strong>s intervenções está determina<strong>da</strong> pela divisão de ren<strong>da</strong>s: “Osplanos de Freire [prefeito entre 20 e 25] e Bouvard não se limitavam ao reordenamento<strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, esboçando a reestruturação do centro paulistano...Na direção menosprivilegia<strong>da</strong>. O Parque D. Pedro II (1925) organizava usos menos nobres: exposiçãoutilitárias (Palácio <strong>da</strong>s Indústrias, 1922), comércio de alimentos (Mercado Municipal,1925) e quartéis, intermediando a passag<strong>em</strong> entre o centro urbano e a outra ci<strong>da</strong>de,industrial e operária, <strong>da</strong> Zona Leste. A oeste, na direção mais valoriza<strong>da</strong>, o conjuntodo Anhagabaú configuraria novo centro simbólico para São Paulo”. (2)Contudo, muito pouco de industrial tinha a ci<strong>da</strong>de até o momento. Sua riquezavinha de fora, do interior, passava por SP. A socie<strong>da</strong>de e cultura urbanas paulistanaseram <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente agrárias. A ci<strong>da</strong>de moderna baseava-se <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>aprodutivo econômico agro-exportador, modelo colonial do século XVII. To<strong>da</strong>s ascontradições são possíveis nesse ambiente cultural e materialmente altivo <strong>da</strong>metrópole multi-racial e multi-nacionali<strong>da</strong>des <strong>em</strong> formação.A sensibili<strong>da</strong>de dos paulistas a esse novo ambiente desencadeará os primeirosprocessos artísticos <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente produto de SP e suas inúmeras contradições. Oséculo XX está nas ruas de SP de fato, t<strong>em</strong>os até uma Arte Moderna, rebelde eiconoclasta nos moldes <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s européias, acontecendo nos anos de 1920 <strong>em</strong>SP. O Modernismo paulista, como todo o resto, também v<strong>em</strong> importado <strong>da</strong> Europa,porém o ambiente urbano lhe conferirá matizes muito peculiares aqui.Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se enfileiram os pelotões por uma Arte Moderna, osteatros, a literatura, as artes plásticas que freqüentam e são freqüenta<strong>da</strong>s pelasocie<strong>da</strong>de-de-b<strong>em</strong> de São Paulo são a exata expressão <strong>da</strong> arquitetura retrógra<strong>da</strong> doEcletismo tardio, e já exausto, que ain<strong>da</strong> persiste no gosto caipira <strong>da</strong> elite agrária quepassa férias <strong>em</strong> Paris encanta<strong>da</strong> com a arquitetura revivalista do XIX. Da mesmaforma, os novos monumentos implantados na ci<strong>da</strong>de “Glória Imortal aos fun<strong>da</strong>dores deSão Paulo” de Amadeo Zani ou o conjunto ”Antonio Carlos Gomes” de Luiz Brizzolara,1. CAMPOS,C. M., op.cit. p. 1812. Id<strong>em</strong>. p. 182


no Vale do Anhagabaú <strong>em</strong> frente ao Teatro Municipal.Contudo exatamente dessa elite, de personali<strong>da</strong>des mais atualiza<strong>da</strong>s e maisabertas, às novas experiências com o novo ambiente urbano, virão d<strong>em</strong>onstrações denovos direcionamentos artísticos. Eles também passam férias na Europa, masfreqüentam outros ambientes, entram <strong>em</strong> contato com as vanguar<strong>da</strong>s e com o mundoindustrial de ver<strong>da</strong>de. A partir desses contatos forjarão uma interpretação muitoespecífica <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, através dessa ótica metropolitana-rural de SP.Essa geração pôde assistir de corpo presente, a superposição de uma novaci<strong>da</strong>de sobre outra. A d<strong>em</strong>olição integral de uma ci<strong>da</strong>de e a construção de uma novaexpressa <strong>em</strong> novos comportamentos, no sentido amplo. E essa nova ci<strong>da</strong>de nuncamais parou de ser construí<strong>da</strong>. As noções de futurismo e cubismo assum<strong>em</strong> umsignificado muito particular.No ano que se está com<strong>em</strong>orando o centenário <strong>da</strong> Independência cominaugurações de monumentos escultóricos e arquitetônicos que, nas expressõesformais já comenta<strong>da</strong>s, despertam o sentimento cívico, acontece o marco inaugural doModernismo na ci<strong>da</strong>de, e no país. Com muito barulho, muita polêmica, mas poucopúblico, a S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna teve lugar no Teatro Municipal de Ramos deAzevedo <strong>em</strong> fevereiro de 1922.A chama<strong>da</strong> geração de 22, forma<strong>da</strong> <strong>em</strong> torno de Mário e Oswald de Andrade,era originária <strong>da</strong>s elites econômicas, evident<strong>em</strong>ente, não havia formas para as outrasclasses acessar<strong>em</strong> o nível de informação necessário para as formulaçõesprogramáticas do movimento. A elite rebelde, a revolta dos que com<strong>em</strong> caviar ebeb<strong>em</strong> champagne. Contra o quê? Contra a chatice, contra o marasmo. Enquanto avi<strong>da</strong> se mostrava dinâmica e renova<strong>da</strong> no ambiente urbano, suas representações naAcad<strong>em</strong>ia e nos salões petrificaram-se. Com exceções, tipo os salões de OlíviaPenteado, onde os modernistas se encontravam, como também <strong>em</strong> reuniões noAutomóvel Club, como também tinham como um de seus patronos Paulo Prado. Ouseja, o Modernismo freqüentava a aristocracia paulista.A aristocracia caipira de SP, parte dela, fazia a revolução modernista brasileiraaqui na província. Mario de Andrade coloca assim o fato: SP “estava muito mais a parque o Rio de Janeiro. E socialmente falando, o modernismo só podia mesmo serimportado por São Paulo e arrebentar na província. Havia uma diferença grande, jáagora menos sensível, entre o Rio e São Paulo. O Rio era muito mais internacional,como forma de vi<strong>da</strong> exterior. Está claro: porto de mar e capital do país, o Rio possuium internacionalismo ingênito. São Paulo era espiritualmente muito mais modernaporém, fruto necessário <strong>da</strong> economia do café e do industrialismo conseqüente. Caipirade serra-acima, conservando até agora um espírito provinciano servil, b<strong>em</strong> denunciadopela política, São Paulo estava ao mesmo t<strong>em</strong>po, pela sua atuali<strong>da</strong>de comercial e suaindustrialização <strong>em</strong> contato mais espiritual e mais técnico com a atuali<strong>da</strong>de domundo.” (3)No Rio a presença <strong>da</strong> Belas-Artes era muito mais marcante e a ci<strong>da</strong>de com seuranço de Corte muito mais estamental e burocrática culturalmente. O caráterpragmático de SP ressaltado por Mário, o caráter econômico, a coloca comofenômeno típico <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. O urbano <strong>em</strong> SP assume as dinâmicas <strong>da</strong>soperações abstratas dos mercados internacionais. A ci<strong>da</strong>de obedece a essa lógica, aModerna, não a cortesã Imperial, e sua cultura também.De certo, a chama<strong>da</strong> geração de 22 tinha uma vi<strong>da</strong> pregressa à S<strong>em</strong>ana, oevento no Municipal foi tão somente a exposição, ou explosão, pública de inquietaçõese reflexões que vinham acontecendo a pelo menos dez anos <strong>em</strong> SP, desde a volta deOswald de Andrade, então com 22 anos, de sua primeira viag<strong>em</strong> a Europa onde equando toma conhecimento do Futurismo e de Marinetti. A face oswaldiana domodernismo brasileiro terá essa marca <strong>da</strong> provocação marinettiana.3. ANDRADE, Mário de. O movimento modernista; in: ZANINI, W. op. cit. vol. II. p 506.


Em 1913 e 14 acontec<strong>em</strong> exposições de Lasar Segall e de Anita Malfatti naci<strong>da</strong>de. Ambos já apresentam influências do expressionismo al<strong>em</strong>ão, já operamlinguagens muito diferentes <strong>da</strong> normatização acadêmica, contudo passamdesapercebidos pela socie<strong>da</strong>de local. Nenhum comentário, positivo ou negativo, maisexaltado ficou registrado. Porém <strong>em</strong> 1917, <strong>em</strong> nova exposição, Anita, agora maisradical e provocativa, escancara todo o caráter ain<strong>da</strong> provinciano – tanto dosconservadores quanto do grupo modernista - <strong>da</strong> metrópole. As reações são ruidosas eos apoios id<strong>em</strong>, de onde v<strong>em</strong> o famoso episódio de “paranóia ou mistificação” deMonteiro Lobato e a defesa <strong>da</strong> artista feita por Oswald. Do episódio nasceu a união dogrupo central <strong>da</strong> SAM, Oswald, Mário, Anita e Di Cavalcanti, engrossado com achega<strong>da</strong> de Brecheret <strong>em</strong> 1919.Ficou estabelecido pela história a liderança dos Andrades, tanto de articulaçãoquanto de orientação conceitual e formal. Tal visão é enfraquecedoura do alcance <strong>da</strong>experiência artística desenvolvi<strong>da</strong> pelos modernistas. O grupo só conseguiu aprofundi<strong>da</strong>de nas <strong>pesquisa</strong>s a que chegou graças a visões amplas dos universosartísticos. A esse respeito Mário Pedrosa deixou o seguinte registro: “Sob o impactoproduzido nos jovens literatos pelas esculturas de Brecheret e as pinturassombriamente dramáticas de Malfatti, os cânones do acad<strong>em</strong>ismo literário de queain<strong>da</strong> estavam impregnados começaram a ceder. Assim, a iniciação modernista delescomeçou a se fazer não através <strong>da</strong> literatura e <strong>da</strong> poesia mas através <strong>da</strong>s artesespecificamente não-verbais <strong>da</strong> pintura e <strong>da</strong> escultura.” (4)Em 1921, Paulicéia Desvaira<strong>da</strong>, de Mário de Andrade vincula as especulaçõesà metrópole e o faz com linguag<strong>em</strong> apropria<strong>da</strong> ao novo ambiente urbano local, o queprovoca o significativo artigo de Oswald, “O meu poeta futurista”. O Modernismopaulista contava já nesse momento com repertório programático para se constituir <strong>em</strong>movimento. Assim, <strong>da</strong> maneira mais moderna e provocativa possível, o grupo, sobamparo <strong>da</strong> aristocracia quatrocentona e insultando o burguês (5) , se apresenta para asocie<strong>da</strong>de paulistana como movimento artístico na S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna.A SAM contou com a participação, além do núcleo citado, artistas de váriasáreas, todos tomados pelo desejo de mu<strong>da</strong>nça radical. Poetas (como: Guilherme deAlmei<strong>da</strong>, Menotti Del Pichia), pintores (como: John Graz, Ferrignac), escultores (VictorBrecheret, Wilhelm Haarberg), músicos (Villa-Lobos) e arquitetos (Garcia Moya). (6) Aaudiência repleta <strong>da</strong> fina-flor <strong>da</strong> elite paulistana, se sentiu evident<strong>em</strong>ente ofendi<strong>da</strong> eindigna<strong>da</strong>, mas só. Vista quase como uma mal-criação dos filho dessa mesma elite.Os reflexos imediatos <strong>da</strong> S<strong>em</strong>ana não alteram <strong>em</strong> muita coisa a calmaria cultural <strong>da</strong>metrópole provinciana querendo ser moderna.Mas, se o evento não significava um primeiro momento e, sim o encontro dediversas ocorrências <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> dos 10, também não representou um fim. Durante adéca<strong>da</strong> de 20 os trabalhos dos modernistas se desenvolv<strong>em</strong> e alcançam níveis deexperimentação, também de posicionamento crítico e teórico, bastante intenso seconsiderarmos a cena brasileira. Suas experimentações causarão impactos a longoprazo, <strong>em</strong> vários momentos posteriores <strong>da</strong>s artes brasileiras a geração de 22 seráreverencia<strong>da</strong>.***Ao final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, a crise de 29 e o Golpe getulista de „30 alteramsubstancialmente o panorama do país, e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> especial, tambémculturalmente, entra-se <strong>em</strong> uma fase mais politiza<strong>da</strong> e de serie<strong>da</strong>de força<strong>da</strong>. A crise4. PEDROSA, Mário. S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna; in: AMARAL, Aracy A. Artes Plásticas na S<strong>em</strong>ana de22. São Paulo, Ed. 34, 1998. p 291.5. ANDRADE, Mário. Paulicéia desvaira<strong>da</strong>; in: Poesias Completas. São Paulo, CL, s/d. p. 45-47.6. SCHWARTZ, <strong>Jorge</strong>. Tupi or not tupi - O grito de guerra na literatura do Brasil moderno; in:Catálogo <strong>da</strong> Exposição: Da antropofagia a Brasília - Brasil 1920 - 1950. MAB -FAAP/ Cosac & Naify, SãoPaulo, 2002. p143.


na economia cafeeira, acima de qualquer coisa, desviou consideravelmente o ritmofestivo <strong>da</strong> S<strong>em</strong>ana. Afinal o Modernismo local, como tudo <strong>em</strong> SP do início do XX, suamatéria e sua cultura, fora um subproduto do café, como aponta L. Saia:“Do ponto de vista puramente urbano, a evolução <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulodurante a vigência do ciclo do café constitui uma decorrência simples doscompromissos firmados pelo tipo colonial <strong>da</strong> economia: o alimento d<strong>em</strong>ográfico, aestrutura de ci<strong>da</strong>de forma<strong>da</strong> por reticulados sucessivos estabelecidos de conformi<strong>da</strong>decom a orientação <strong>da</strong>s divisas <strong>da</strong>s glebas primitivas, a aglutinação São Paulo-Santos, aposição relativa <strong>da</strong> faixa <strong>da</strong> industrialização incipiente e do comércio bruto ao longo<strong>da</strong>s vias férreas, o caráter estritamente técnico e capitalista dos serviços de utili<strong>da</strong>depública, a maneira de comerciar e utilizar os produtos importados, entre os quais seencontram os estilos arquitetônicos e formação de profissionais, tudo isso estáperfeitamente encaixado no esqu<strong>em</strong>a que exporta produção primária e importaprodutos elaborados. Mesmo as aparentes exceções, como os loteamentos <strong>da</strong> City e aS<strong>em</strong>ana de Arte Moderna, traduz<strong>em</strong> os compromissos que a monocultura do caféimpôs à ci<strong>da</strong>de de São Paulo” (7)Os modernistas se orientavam pelas vanguar<strong>da</strong>s européias envolvi<strong>da</strong>s <strong>em</strong>contextos econômicos, técnicos e políticos muito diferentes dos nossos. É certo qu<strong>em</strong>uito dessas proposições partiam de uma visão internacionalista <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> cultura,to<strong>da</strong>via a relação com a máquina e a industrialização foi uma <strong>da</strong>s molas <strong>da</strong> ArteModerna européia. A indústria <strong>em</strong> SP era insipiente até o momento, <strong>da</strong>do aheg<strong>em</strong>onia <strong>da</strong> economia cafeeira, ela só começaria a se firmar exatamente com odeclínio do café no mercado internacional.A própria leitura que os paulistas faz<strong>em</strong> <strong>da</strong>s novas dinâmicas urbanas na SPaprazível (8) pouco revelam dos choques <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des modernas industriais. O que serevela muito no Modernismo de SP é a mistura de transgressão e ingenui<strong>da</strong>de. Aprópria aproximação com o Futurismo italiano, a mais ingênua <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s, mostraesse caráter do rebelde s<strong>em</strong> ideologia que também caracterizou a S<strong>em</strong>ana.Ao lado <strong>da</strong>s profun<strong>da</strong>s renovações que a SAM promoveu na cultura do país,fica patente a falta de uma consciência mais agu<strong>da</strong> sobre a urbani<strong>da</strong>de moderna. Oambiente cafeeiro e a própria infantili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de face o mundo moderno nosesclarece o porquê.Em parte por essas características, a ingenui<strong>da</strong>de e o descompromisso com osprogramas mais sectários, o Modernismo paulista tenha apresentado essa amplitudede caminhos para a cultura de SP. E, <strong>em</strong> certa medi<strong>da</strong>, para a própria cultura Modernainternacional. O Modernismo plural, d<strong>em</strong>ocrático, regionalista, caboclo, desenvolvidoaqui é extr<strong>em</strong>amente diferente do praticado <strong>em</strong> qualquer outra geografia. NoModernismo paulista, de forma totalmente inusita<strong>da</strong>, fundiu-se Futurismo comTradição, Internacional com Regional.A moe<strong>da</strong> que representava o pensamento modernista na ci<strong>da</strong>de tinha numaface Oswald e na outra, Mário de Andrade. “O fanfarrão e o scholar... juntosrepresentavam a síntese do intelectual paulistano”. (9) E explicam essa dupla direção,as paralelas que se encontram <strong>da</strong> Arte Moderna de SP. Oswald viaja várias vezespara a Europa, se mantém provocador e iconoclasta o t<strong>em</strong>po todo, enquanto Márionunca saiu do país, mergulhou no interior <strong>da</strong>s culturas regionais e primitivas do Brasile foi enquadrado pelo conhecimento <strong>da</strong> nova Acad<strong>em</strong>ia. A própria orig<strong>em</strong> mestiça ejesuítica ao mesmo t<strong>em</strong>po, também explica essas antíteses na cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, opositivo e negativo <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s européias <strong>em</strong> harmônica convivência.“Entre 1922 e 1930, do festival <strong>da</strong> S<strong>em</strong>ana à revolução política, de um a outrodesses marcos heterogêneos, o movimento, como nos mostram os fatos <strong>da</strong> história7. SAIA, L., op.cit. p. 217.8. AMARAL, A. A. op. cit. p. 69.9. Antônio Gonçalves Filho.? O Estado, 18/01/2004. p. C3.


literária, subdividiu-se <strong>em</strong> grupos e comportou diferentes correntes, cujo denominadorcomum foi a óptica <strong>da</strong> renovação: o esteticismo metafísico de Graça Aranha, opaubrasil, o verdeamarelo, o grupo espiritualista de Festa e a antropofagia...Mas serespeitarmos a diversi<strong>da</strong>de e fizermos dela um critério de avaliação, a estética doModernismo será um amálgama de idéias, de valores e de procedimentos díspares eaté contraditórios, resultante <strong>da</strong> junção de to<strong>da</strong>s as perspectivas”. (10)Esses procedimentos e idéias serão explorados <strong>em</strong> profundi<strong>da</strong>de durante adéca<strong>da</strong> com destaque à Antropofagia, fruto <strong>da</strong> união de Oswald com Tarsila doAmaral, entre 26 e 30. A Revista de Antropofagia, que contava ain<strong>da</strong> com Raul Bopp eAlcântara Machado, entre outros, publica o Manifesto Antropófago de Oswald <strong>em</strong>1928:“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.Única lei do mundo. Expressão mascara<strong>da</strong> de todos os individualismos, detodos os coletivismos. De to<strong>da</strong>s as religiões. De todos os tratados de paz.Tupy, or not tupy that is the question.Contra to<strong>da</strong>s as catequeses. E contra a mãe dos Gracos...” (11)A antropofagia se constitui, talvez na mais fecun<strong>da</strong> tentativa de solucionar ascontradições entre moderni<strong>da</strong>de, cultura nacional e colonialismo cultural ao nível dosprocedimentos artísticos, logo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> (12) . Em grande parte, a propostaoswaldiana é o manifesto e a orientação metodológica do que foi d<strong>em</strong>onstrado nosanos do Modernismo <strong>em</strong> SP, a digestão dos modelos europeus como instrumentalpara se observar e entender a reali<strong>da</strong>de próxima, um sub-produto <strong>da</strong> cultura européia.Dessa forma, mostra uma face <strong>da</strong> Arte Moderna não encontra<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> culturainternacional, digna <strong>da</strong>s mais sofistica<strong>da</strong>s experiências conduzi<strong>da</strong>s pelas vanguar<strong>da</strong>shistóricas. Nessas propostas resid<strong>em</strong> as razões <strong>da</strong> longevi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s propostas dosmodernistas na cultura de SP durante todo o século XX.Contudo, a experimentação modernista fechava um círculo <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> culturaartística, totalmente elitiza<strong>da</strong>, pelo menos durante os anos 20. As questõesideológicas, positivas ou negativas, tão cara aos programas <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s, nãocompareciam com a mesma intensi<strong>da</strong>de que as formais. Os modernos paulistasviviam envoltos no mundo de fantasia <strong>da</strong> riqueza que o café proporcionava, por issosua pouca penetração nas novas expressões populares multiculturais que seformavam na ci<strong>da</strong>de invadi<strong>da</strong> pela imigração.Mário de Andrade, <strong>em</strong> conferência de 1942, assume essa condição: “E apesarde nossa atuali<strong>da</strong>de, de nossa nacionali<strong>da</strong>de, de nossa universali<strong>da</strong>de, uma coisa nãoaju<strong>da</strong>mos ver<strong>da</strong>deiramente, duma coisa não participamos: o amilhoramento políticosocialdo hom<strong>em</strong>. E esta é a essência mesma <strong>da</strong> nossa i<strong>da</strong>de” (13) . A situação <strong>da</strong>humani<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> Guerra, e pessoais de Mário, nesse momento, o faz<strong>em</strong> ser rigorosod<strong>em</strong>ais consigo e com o grupo, to<strong>da</strong> sua fala é carrega<strong>da</strong> de frustração e descrença.Porém, o registro é significativo do posicionamento adotado pelos modernos que, comcerteza, mu<strong>da</strong> integralmente após a crise do mercado cafeeiro.Na déca<strong>da</strong> de 30, s<strong>em</strong> o amparo do café, a ci<strong>da</strong>de é obriga<strong>da</strong> a rever suaeconomia e criar novas forma de sobrevivência. Inicia-se o período industrial de SP.Começa um novo ciclo na ci<strong>da</strong>de, ela será reconstruí<strong>da</strong> novamente, inchará muitomais, agora contando com a mão-de-obra que se desloca <strong>da</strong>s lavouras para o centrourbano, sua cultura e os posicionamentos políticos serão completamente outros. Em1931 Oswald, falido com a crise, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro. Fun<strong>da</strong>do <strong>em</strong>10. Benedito Nunes “Estética e correntes do Modernismo; in: ÁVILA, Affonso (org.). O Modernismo.São Paulo, Perspectiva/ SCE - SP, 1975. p. 40.11. Oswald de Andrade, Manifesto Antropofágico.12. Ver <strong>em</strong> As linguagens artísticas e a ci<strong>da</strong>de.13. Mário - depoimento final <strong>da</strong> conferência „O movimento modernista‟; in: AMARAL, A. A. op. cit. p. 287


1922, no ano <strong>da</strong> SAM, junto aos bairros operários de imigrantes. Desapercebido pelosmodernistas nos anos 20, o PCB terá ca<strong>da</strong> vez mais relevância cultural nos anos <strong>da</strong>industrialização pesa<strong>da</strong> <strong>em</strong> SP.***Se tomarmos como referência a obra de Xavier, L<strong>em</strong>os e Corona, ArquiteturaModerna Paulistana, a Arquitetura Moderna produziu seus primeiros ex<strong>em</strong>plares naci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> 1927, com Júlio de Abreu Júnior, edifício de apartamentos na Av. Angélicae Gregori Warchavchik, a casa modernista na Rua Itápolis. O primeiro não comparecenovamente no livro e consta dos catálogos gerais como percursor <strong>da</strong> arquiteturafuncionalista (14) , no uso do concreto armado e <strong>da</strong> facha<strong>da</strong> purista, s<strong>em</strong>pre com amesma obra. O segundo é o grande <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> arquitetura Moderna <strong>em</strong> SP dosanos 20, autor, anteriormente, de sua própria casa na Rua Santa Cruz –estranhamente não menciona<strong>da</strong> na obra -, normalmente identifica<strong>da</strong> como primeiracasa modernista <strong>em</strong> SP. Apenas seis dos edifícios apresentados são anteriores a1940.Isso nos faz crer na inexistência de uma arquitetura que acompanha as d<strong>em</strong>aisartes rumo ao mundo Moderno. Em grande medi<strong>da</strong> é o que acontece. Arquiteturad<strong>em</strong>an<strong>da</strong> um trabalho social infinitamente maior que a pintura ou a literatura, normalsua relativa lentidão nas <strong>pesquisa</strong>s. Contudo, a própria forma como o Modernismopaulista se articula, longe do pensamento mais construtivista <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s e menosconsciente de seu des<strong>em</strong>penho social e, principalmente, sua orig<strong>em</strong> nas entranhas<strong>da</strong>s elites aristocratas, não favorec<strong>em</strong> a formação de atitudes na arquitetura pré-S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna.No evento de 22, a arquitetura foi representa<strong>da</strong> pelos nomes de AntonioGarcia Moya e Georg Przyr<strong>em</strong>bel. Em nenhum caso conseguir<strong>em</strong>os encontrarqualquer ligação mais profun<strong>da</strong> com as experiências modernistas e, menos ain<strong>da</strong>, coma vanguar<strong>da</strong> européia. Moya apresenta uma série de desenhos que negamamplamente o modelo <strong>da</strong> Belas Artes, com imagens até renovadoras, mascompletamente desprovi<strong>da</strong> de materiali<strong>da</strong>de arquitetônica. Como diz Aracy Amaral:“Em nosso país, a rejeição dos estilos revividos, representado por Moya, se faz pelavia <strong>da</strong> fantasia” (15) . Przyr<strong>em</strong>bel, muito menos, com uma linguag<strong>em</strong> neo-colonial s<strong>em</strong>novi<strong>da</strong>de de espécie alguma.E, no geral, o que tinha de mais moderno era o “neo-colonial amaneirado,prontamente consagrado pela oficiali<strong>da</strong>de” (16) , ao lado <strong>da</strong> insistência eclética. Osmonumentos com<strong>em</strong>orativos ao Centenário <strong>da</strong> Independência são marcados pelosdois – opostos – vetores <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de brasileira, a europeização e a procura <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de nacional.A “espera<strong>da</strong> incorporação <strong>da</strong> Arquitetura Moderna aos esforços <strong>da</strong> vanguar<strong>da</strong>brasileira” (17) só acontece <strong>em</strong> março de 1930, quando <strong>da</strong> inauguração <strong>da</strong> casa na RuaItápolis é organiza<strong>da</strong> uma grande exposição de Arte Moderna, que incluía, além <strong>da</strong>própria arquitetura, de pintura a saraus poéticos, aos jardins projetados pela recémsenhora Warchavchik, Mina Klabin, o arquiteto estava inserido no ambiente cultural <strong>da</strong>metrópole paulista, dos modernistas <strong>em</strong> torno de Mário de Andrade e de sua eliteeconômica.Até então a arquitetura havia percorrido um caminho de pequenos passosindependent<strong>em</strong>ente do grupo modernista. Warcavchik, russo de Odessa, onde haviase formado arquiteto, chega a SP um ano depois <strong>da</strong> SAM. Em junho de 25 publica <strong>em</strong>italiano, no jornal Il Piccolo, “Acerca <strong>da</strong> arquitetura moderna”, primeiro manifesto <strong>da</strong>14. Segawa e C. Martins15. AMARAL, A., op. cit. p. 152.16. ibid<strong>em</strong>., p. 154.17. Carlos Martins “Construir uma arquitetura.,construir um país” in: Antropof. P 375


nova arquitetura no Brasil, mas só alcançara repercussão – e muita oposição – com ainauguração de sua casa na Vila Mariana, <strong>em</strong> terras <strong>da</strong> família Klabin, ocasião <strong>em</strong> quechama a atenção também do grupo modernista.A oposição dos arquitetos tradicionalistas a Warchavchik e à ArquiteturaModerna, principalmente através do organizado Instituto Paulista do Architectos <strong>em</strong>torno de Christiano Stockler <strong>da</strong>s Neves, grande nome <strong>da</strong> arquitetura de estilo, autor doEdifício Sampaio Moreira, primeiro arranha-céu de SP, percorre to<strong>da</strong> a déca<strong>da</strong>. O quenão impede o arquiteto realizar entre 28 e 31, mais 7 residências e um conjunto decasas econômicas, além <strong>da</strong> primeira casa modernista no Rio de Janeiro, onde veio ase associar a Lúcio Costa, a Nordchild <strong>em</strong> 1931.A grande produção construí<strong>da</strong> não foi a marca de outro significativopersonag<strong>em</strong> do modernismo de SP, Flávio de Carvalho. Ele volta ao Brasil, depois dese formar <strong>em</strong> engenharia na Inglaterra, poucos meses depois <strong>da</strong> S<strong>em</strong>ana, trabalhacomo calculista para o escritório Ramos de Azevedo de 24 a 27, ano <strong>em</strong> que propõeseu primeiro significativo projeto de arquitetura.A ocasião é o concurso para o Palácio do Governo de São Paulo, “O projeto doengenheiro Flávio de Carvalho chamava a atenção por seu ineditismo formal e suasproposições militaristas: um palácio com o aparato bélico/estratégico de uma fortalezamilitar”. (18) Difícil <strong>em</strong> Flávio identificar o que é convicção e o que é provocação. Nosanos seguintes ele participará de vários outros concursos mantendo-se fiel a essasposturas, um leque grande de influências, mas com uma interpretação muito pessoaldelas to<strong>da</strong>s. Uma amostra disso seria comparar sua pintura, de um expressionismotípico, com o projeto para o concurso do Farol Colombo, <strong>em</strong> seu mais explicito caráterfuturista a la Sant‟Elia.O mais interessante <strong>em</strong> Flávio de Carvalho foi sua eterna condutamultidisciplinar e provocadora, ele testou de tudo, pintura, arquitetura, cenografia e,até, performances pélas ruas de SP. Isso o faz uma figura única no modernismopaulista. Como indica Hugo Segawa: “Foi mais um outsider <strong>da</strong> arquitetura, pol<strong>em</strong>istaque atuou nos primeiros anos do modernismo arquitetônico <strong>em</strong> São Paulo.” (19)Poderíamos estender isso a to<strong>da</strong>s as artes que ele experimentou. Nos anos trintaconstruiu algumas casas, como o conjunto na Alame<strong>da</strong> Lorena <strong>em</strong> 33, mas do pontode vista de experimentação <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> moderna, são seus projetos para concursosque se constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> significativos ex<strong>em</strong>plos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de local.Embora os anos 20 não tenham materializado muitos ex<strong>em</strong>plos de arquiteturamoderna, eles possibilitam a colocação, a exposição – mesmo que ain<strong>da</strong> tími<strong>da</strong> – dot<strong>em</strong>a na pauta <strong>da</strong> cultura paulistana. Fortalecendo ain<strong>da</strong> mais as idéias de uma novaarquitetura, SP recebe a visita de Le Corbusier <strong>em</strong> 1929.Ele circula pela ci<strong>da</strong>de, fala na Câmara, visita a casa <strong>da</strong> Rua Itápolis, convi<strong>da</strong>Warchavchik para delegado sul americano no CIAM. Um grande acontecimento social,Paulo Prado foi o responsável por sua vin<strong>da</strong>, o objetivo principal era a apresentaçãode suas idéias para o urbanismo moderno. Pouco mudou de imediato na arquitetura<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, mas constituiu-se <strong>em</strong> mais um caminho no sentido de SP reconhecer umnovo sentido para a arquitetura.Com relação à ci<strong>da</strong>de, Le Corbusier teve a mesma impressão que muitos terãono século XX, de objeto indecifrável, de difícil definição: “São Paulo[...] ci<strong>da</strong>deinconcebível, tanto parece envelheci<strong>da</strong> pr<strong>em</strong>aturamente, apesar de seu arranha-céu eseus grandes bairros recém-construídos” (20) .Para Morse, a arquitetura moderna de SP viveu de algumas poucascuriosi<strong>da</strong>des até a volta à ci<strong>da</strong>de de Rino Levi <strong>em</strong> 1928: “A arquitetura moderna esteverepresenta<strong>da</strong> s<strong>em</strong> maiores resultados na S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna por Tamoio; e ao18. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900 –1990. São Paulo, EDUSP, 1997. p. 50.19. ibid<strong>em</strong>., p. 51.20. Le Corbusier citado in: CAMPOS, C. M., op. cit. p. 358.


voltar de uma t<strong>em</strong>pora<strong>da</strong> de estudos na Itália (1926), Rino Levi verificou que ela ain<strong>da</strong>não obtivera reconhecimento a não ser <strong>em</strong> alguns artigos de Mário de Andrade.” (21)Rino Levi já havia publicado um artigo n‟O Estado de São Paulo, enviado <strong>da</strong>Itália, <strong>em</strong> 1925, com o título de “A arquitetura e a estética <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des”. No final dosanos 20 ao voltar para SP, pode ser que não tenha encontrado um ambienteefervescente de arquitetura, porém, encontrou uma ci<strong>da</strong>de que começava a seacostumar com uma certa moderni<strong>da</strong>de. O que lhe possibilitou, a partir dos anos 30, odesenvolvimento de um trabalho <strong>em</strong> quanti<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de excepcional para aci<strong>da</strong>de.A partir <strong>da</strong>í uma Arquitetura Moderna firma-se no cenário urbano, comcaracterísticas de linguag<strong>em</strong> locais, que se apropriava de técnicas e t<strong>em</strong>asinternacionais dentro <strong>da</strong>s perspectivas locais. Mais próximo <strong>da</strong> Art Déco do que <strong>da</strong>sideologias <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s, Rino Levi vai configurar-se como grande ex<strong>em</strong>plo paulistado que Segawa chamou de Moderni<strong>da</strong>de pragmática (22) .Ele mais que na<strong>da</strong>, domina o ofício, conhece as técnicas, os programasmodernos, projeta com minúcias os detalhes construtivos. Rino Levi, de váriasmaneiras, surge como face mais acaba<strong>da</strong> <strong>da</strong> arquitetura moderna <strong>em</strong> SP já pormeados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30, to<strong>da</strong>via esse pragmatismo impediu a progressão do carátermais investigativo e provocador encarnado na obra de Flávio de Carvalho.Ain<strong>da</strong> nos anos 20 não pod<strong>em</strong>os deixar de l<strong>em</strong>brar a importação do modelonorte-americano de arranha-céu. Antes de terminar a déca<strong>da</strong>, SP terá dois, além do jácitado, Sampaio Moreira, <strong>em</strong> 1929 surgirá na paisag<strong>em</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, o Edifício Martinellicom seus 30 an<strong>da</strong>res.21. MORSE, R.M., op. cit. p. 37622. SEGAWA, H. op. cit. p. 53.


5. ANOS 50: AS VANGUARDASAs condições e contradições <strong>em</strong> que se encontra a ci<strong>da</strong>de de São Paulo napassag<strong>em</strong> dos anos 40 para os 50 possibilita novas inserções <strong>da</strong> produção cultural,agora já totalmente inseri<strong>da</strong> <strong>em</strong> um ambiente urbano industrial. A ci<strong>da</strong>de é infla<strong>da</strong> porpopulações migratórias internas e por um fluxo ca<strong>da</strong> vez maior de informações. SãoPaulo entra <strong>em</strong> contato direto com duas reali<strong>da</strong>des, a do Brasil agrário e atrasado e ado mundo tecnizado rumo à aldeia global. As possibili<strong>da</strong>des são de um presente que éraiz do futuro a se construir.Para as vanguar<strong>da</strong>s européias do início do século era um presenterevolucionário que permitiria tal construção, um presente constituído de idéias e deação política. Em São Paulo na déca<strong>da</strong> de 50, esse presente é constituído d<strong>em</strong>ateriali<strong>da</strong>de do ambiente físico <strong>em</strong> construção de fato.A ci<strong>da</strong>de assume finalmente, para o b<strong>em</strong> e para o mal, a consoli<strong>da</strong>ção desituação metropolitana <strong>em</strong> termos materiais, com um processo de conurbação feroz; enão materiais, o contexto sócio-político do segundo pós-guerra e o internacionalismoeconômico e cultural característico <strong>da</strong> nova ord<strong>em</strong> mundial.O Brasil dos 50 é um país que se afirma como futura potência, aindustrialização está <strong>em</strong> franco desenvolvimento, um ufanismo radical toma conta <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de num todo, tanto de <strong>em</strong>presários ligados ao capital internacional, quanto deartistas e intelectuais progressistas que vê<strong>em</strong> um panorama aberto para mu<strong>da</strong>nçassócio-culturais profun<strong>da</strong>s. A segun<strong>da</strong> metade <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> será conheci<strong>da</strong> como anosJK, caracteriza<strong>da</strong> por esse positivismo decorrente <strong>da</strong> relativa prosperi<strong>da</strong>de econômica.Ao nível <strong>da</strong> cultura a déca<strong>da</strong> será concluí<strong>da</strong> com a construção de Brasília, osfenômenos <strong>da</strong> Bossa Nova e do Cin<strong>em</strong>a Novo, então <strong>em</strong> fase inicial, a culturabrasileira alcançando grande repercussão internacional.Em grande parte, a exposição internacional consegui<strong>da</strong> por artistas brasileirosdecorre <strong>da</strong> própria situação mundial, a revolução midiática do pós-guerra começava aromper as distancias, tudo poderia ser verificado e avaliado quase instantaneamente etudo ao mesmo t<strong>em</strong>po. De forma inexorável a produção artística penetra na lógica docapitalismo financeiro internacional como produto de consumo, logo mercadoria.A pátria sede <strong>da</strong> nova lógica é os EUA, agora tutelando a reconstruçãoeuropéia e o desenvolvimento do mundo periférico. Todos os fenômenos sociaistornam-se mercadoria, e internacionais, a partir do grande <strong>em</strong>issor, antena, <strong>da</strong> culturapolimórfica e anaética norte-americana. O cenário <strong>da</strong> realização dessa lógica são asci<strong>da</strong>des, no mundo todo assistir<strong>em</strong>os à explosão colossal <strong>da</strong> cultura e economiaurbanas.A nova reali<strong>da</strong>de de SP, inseri<strong>da</strong> <strong>em</strong> uma cena de otimismo <strong>em</strong> nível nacionale <strong>em</strong> uma reestruturação plena dos valores <strong>em</strong> escala internacional, vai gerar a maisvigorosa etapa <strong>da</strong> história cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Se o nosso objetivo, pelo momento, éidentificar (tarefa difícil!), um perfil cultural para SP, muito provavelmente ele seexplicita <strong>em</strong> sua forma mais acaba<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> de 50. Evident<strong>em</strong>ente não estamoscongelando esses dez anos, pelo contrário, nos interessa <strong>em</strong> um processo. E, <strong>em</strong>termos de moderni<strong>da</strong>de industrial esse processo está <strong>em</strong> desenvolvimento desde osanos 20.A socie<strong>da</strong>de paulista entre os anos 20 e 50 passa por transformaçõessubstanciais, especialmente de ord<strong>em</strong> econômica. Nos anos 20 a base econômicaain<strong>da</strong> era agrária apoia<strong>da</strong> <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a urbano de comercialização, e transporte, nosentido <strong>da</strong> exportação. Após a crise 29, a ci<strong>da</strong>de oferece uma estrutura razoávelmonta<strong>da</strong>, capaz de apoiar o novo direcionamento, o industrial.Durante os anos 30 a ci<strong>da</strong>de cafeeira torna-se a ci<strong>da</strong>de industrial, atingindoseu ápice nos 50. As linhas ferroviárias, executa<strong>da</strong>s para o transporte do café, são<strong>em</strong>pare<strong>da</strong><strong>da</strong>s por inúmeros galpões industriais, aumentando os trechos urbanos nacapital. A massa urbana fica ca<strong>da</strong> vez mais caracteriza<strong>da</strong> por operários <strong>da</strong> indústria, a


imigração se intensifica ain<strong>da</strong> mais por conta <strong>da</strong> crise política do pré-guerra europeu.E não só europeus virão para a metrópole sul americana, também asiáticos e médioorientais.As ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s organizações políticas operárias tornam-se mais intensa.Os setores técnicos dev<strong>em</strong> se especializar e profissionalizar.“Pela ciência, vencerás” fica inscrito no brasão <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo,instaura<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1934, confirmando uma <strong>da</strong>s vocações <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, a de centroacadêmico. O pragmatismo imediato que tanto marcou a forma e a cultura <strong>da</strong> vila deSão Paulo, agora atinge o estágio de pragmatismo tecnizado. De outro lado, a linhaadota<strong>da</strong> pela Universi<strong>da</strong>de segue os passos <strong>da</strong> escola francesa moderna <strong>da</strong>s ciênciashumanas.A forma urbana é trata<strong>da</strong> também de forma mias “científica”, iniciamos o ciclodos planos, nota<strong>da</strong>mente o proposto por Prestes Maia. Ao mesmo t<strong>em</strong>po fica maisevidente que nunca será possível planejar a coisa urbana de SP, na melhor <strong>da</strong>shipóteses as administrações públicas municipais corr<strong>em</strong> atrás do prejuízo, <strong>da</strong><strong>da</strong> aprogressão <strong>da</strong> população e dos probl<strong>em</strong>as.A guerra na Europa catalisa mais esses fenômenos na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> queincentiva a produção industrial brasileira e, também, por disponibilizar artistas eintelectuais que passarão a atuar <strong>em</strong> outras praças – disso qu<strong>em</strong> mais se aproveitasão os EUA -, passando por aqui. Também a guerra faz com que o Brasil, num todo,se aproxime mais do mundo desenvolvido, passa-se a ter mais notícias, e maisrápi<strong>da</strong>s, dos acontecimentos na Europa e EUA.Quando terminam os conflitos, o Brasil está mais atualizado e SP, por suasituação de centro industrial e acadêmico, de forma mais intensa. A ci<strong>da</strong>de consoli<strong>da</strong>secomo maior metrópole e maior parque industrial <strong>da</strong> América do Sul. Em termosculturais, entre vários outros fatos, são inaugurados o Museu de Arte de São Paulo(1947) e Museu de Arte Moderna (1948), d<strong>em</strong>onstrando os novos confrontos naci<strong>da</strong>de, o primeiro financiado por Chateaubriand e o segundo por Matarazzo, umrepresentando um império industrial o outro um império de meios de comunicações.Mas ambos representando o espírito aventureiro do europeu no novo mundo, nãomais a aristocracia que bancou o modernismo dos anos „20.Ao final dos anos 40 os reflexos dessa nova conjuntura estão latentes e <strong>em</strong>precipitação. A geração que vai fun<strong>da</strong>mentar os debates culturais <strong>em</strong> SP <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>de 50 configura-se como uma versão mais amadureci<strong>da</strong> <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s brasileiras. Oambiente urbano que lhe serve de suporte diferencia-se do oferecido para osmodernistas dos anos 20 no que t<strong>em</strong>os de mais caro para as vanguar<strong>da</strong>s históricas. Aindustriali<strong>da</strong>de latente, o movimento operário, a idéia de um país/socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong>construção, a massificação (agora via meios de comunicação) <strong>da</strong>s artes. Tudo issomaterializado <strong>em</strong> uma forma urbana dinâmica e nunca pronta.“Uma <strong>da</strong>s questões significativas á a constatação de que entre 1930 e 1951 omoderno conquista a condição de arte leva<strong>da</strong> ao ci<strong>da</strong>dão urbano, portantorecuperando o seu lado social e estabelecendo uma relação de proximi<strong>da</strong>de comdiversas cama<strong>da</strong>s” (1) . A arte faz parte dos objetos do sist<strong>em</strong>a, urbano, como s<strong>em</strong>pre ofoi. Agora o sist<strong>em</strong>a urbano t<strong>em</strong> configurações absur<strong>da</strong>mente mais complexas edensas que os <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des históricas, portanto a arte deve assumir configuraçõesmuito específicas, a questão é que as linguagens <strong>da</strong>s artes dev<strong>em</strong> ser revistas pararessoar<strong>em</strong> <strong>em</strong> um público muito mais amplo e heterogêneo. As vanguar<strong>da</strong>s de iníciode século na Europa tinham isso na mira. A vanguar<strong>da</strong> paulista dos anos 50 também.Os modernistas <strong>da</strong> S<strong>em</strong>ana na SP moderna, mas agrária, uniu-se àaristocracia urbana para viabilizar<strong>em</strong> seus projetos. Embora de importância artísticafun<strong>da</strong>mental para as gerações futuras, a relação entre a geração de 22 e asvanguar<strong>da</strong>s estavam mais na esfera de um único el<strong>em</strong>ento <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, a forma. Os1. LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. São Paulo, Hucitec/ EDUSP, 1995. p.205.


t<strong>em</strong>as eram voltados a uma procura, muito saudável para a cultura nacional, <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de brasileira e seus aspectos mais enraizados, como a própria colonizaçãoportuguesa.O modernismo propunha olhar para o Brasil tomando como lente, comoinstrumental, as <strong>pesquisa</strong>s e propostas <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s européias. A vanguar<strong>da</strong> dosanos 50 está inseri<strong>da</strong> no universo mais diversificado e internacionalizado <strong>da</strong> metrópoledo pós-guerra. Os vínculos agora são com uma mais numerosa burguesia urbana,com o meio acadêmico, com o circuito específico, com as associações políticas. Aviabilização <strong>da</strong> arte frente ao público é possível pelos mais diferentes canais.O moderno não é mais para uma elite aristocrática ficar choca<strong>da</strong> com asperaltices de seus filhos e sobrinhos, agora o moderno é um instrumento dereconhecimento, análise e intervenção na reali<strong>da</strong>de metropolitana nervosa e caótica.Nestas condições as ativi<strong>da</strong>des culturais de SP apresentam-se <strong>em</strong> um patamar deequivalência com as vanguar<strong>da</strong>s históricas, <strong>em</strong> <strong>pesquisa</strong>s com as linguagens para asartes nos centros urbanos.Um caso ex<strong>em</strong>plar do processo <strong>da</strong>s artes na metrópole dos ‟20 aos ‟50, éAlfredo Volpi. Quando <strong>da</strong> S<strong>em</strong>ana Volpi tinha 26 anos, fez sua primeira exposição <strong>em</strong>‟25 no Palácio <strong>da</strong>s Indústrias, no Parque Dom Pedro. Não participou do agrupamentomodernista, <strong>em</strong>bora coetâneo, socialmente a distância é grande. Volpi é de orig<strong>em</strong>operária do bairro do Cambuci, existe um muro (ou um vale) entre ele e o grupo “in”.Contudo aos 60 anos, participará <strong>da</strong> I Exposição Concretista, as famosas bandeirinhase mastros são dos anos ‟50. Volpi, <strong>em</strong> linguag<strong>em</strong> e comportamento se transformanuma <strong>da</strong>s maiores traduções do espírito artístico de SP.Uma <strong>da</strong>s possíveis maneiras de se verificar esse caráter seria através dos usos<strong>da</strong>s linguagens abstratas. Na passag<strong>em</strong> <strong>da</strong> 1 a. para a 2 a . déca<strong>da</strong>s, Malevich,Kandinsky e Picabia já propunham pinturas s<strong>em</strong> qualquer tipo de relação miméticacom o real. Contudo, durante a SAM a abstração está totalmente ausente.Mesmo nos anos 30, a abstração nas artes visuais ain<strong>da</strong> não chegara aoBrasil, <strong>da</strong> mesma forma que a arquitetura racionalista. Ela começa acontecerlentamente e isola<strong>da</strong>mente na segun<strong>da</strong> metade dos 40.Apesar <strong>da</strong> presença de obras de Calder e Albers no III Salão de Maio <strong>em</strong> 39,não se nota uma aproximação mais efetiva de artistas brasileiros a estas propostas atéos finais <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 40.Em 46 chega a SP Wald<strong>em</strong>ar Cordeiro, que viria a ser a grande liderança dosconcretistas. Para a formação e desenvolvimento <strong>da</strong> Arte Concreta <strong>em</strong> São Paulo,mais importante do que a exposição de 50 e pr<strong>em</strong>iação na I Bienal de São Paulo doartista suíço concretista Max Bill, é a participação de Cordeiro nos agrupamentosartísticos paulistanos. Se é indiscutível a influência de Bill e <strong>da</strong> Escola Superior <strong>da</strong>Forma nos meios artísticos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de; também o é o trabalho de Cordeiro, anterior àvisita do suíço, <strong>em</strong> <strong>pesquisa</strong>s inicia<strong>da</strong>s junto a um pequeno número de artistas, queCordeiro agrupa no sentido de uma ação mais ofensiva.A partir <strong>da</strong> 1 a . Bienal (1951) a abstração entrará de fato e <strong>em</strong> quanti<strong>da</strong>de nocenário <strong>da</strong> pintura <strong>em</strong> SP. Acompanha<strong>da</strong> de muitas polêmicas.Cordeiro traz, como Max Bill e outros, a abstração como experiência européia,ao entrar <strong>em</strong> contato com o ambiente urbano e com os novos artistas de SP, elaatinge expressões e dimensões de fato natural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Parece que a história to<strong>da</strong><strong>da</strong> aglomeração paulistana é pauta<strong>da</strong> pelo caráter abstrato. O local de passag<strong>em</strong>, otrampolim para outras regiões do planalto, depois a riqueza econômica que v<strong>em</strong> defora, por fim a ativi<strong>da</strong>de industrial, por si, abstrata. Mais que uma questão estilística aabstração <strong>em</strong> SP foi a própria essência de penetração <strong>da</strong>s artes no universo urbano,exatamente como o Futurismo o fora para a geração de 22.É evidente que não houve um tipo de consenso <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> questão, aocontrário muitas são as vozes contrárias às linguagens abstratas. Por ocasião <strong>da</strong>exposição “Do figurativismo ao abstracionismo” <strong>em</strong> 1949 no MAM, <strong>da</strong> qual foramexcluídos vários artistas modernistas, o grupo chefiado por Di Cavalcante forma frente


contra a arte abstrata. Da mesma forma virão ataques <strong>da</strong> parte de Artigas por ocasião<strong>da</strong> I Bienal. (2) .Essa multipolarização dos debates d<strong>em</strong>onstra claramente a situaçãoheterogênea <strong>da</strong> cultura moderna de SP. Ao assumir<strong>em</strong> relações com as vanguar<strong>da</strong>sinternacionais, obviamente assum<strong>em</strong> também caracteres diversos. Osposicionamentos ideológico e filosóficos t<strong>em</strong> varia<strong>da</strong>s matizes e o <strong>em</strong>bate dessasposturas é o que aquece sobre maneira o ambiente cultural de SP nos anos 50.Maria Cecília França Lourenço, <strong>em</strong> Operários <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, desenvolve umcapítulo sobre as festivi<strong>da</strong>des de com<strong>em</strong>oração do IV Centenário de São Paulo,intitulado “A celebração do moderno”, e justifica amplamente. “São Paulo apresenta-secomo uma metrópole <strong>em</strong> expansão e não lha basta <strong>em</strong>preender uma cerimôniacelebrativa. Deseja abarcar to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des inerentes às grandes ci<strong>da</strong>des,propulsoras do desenvolvimento cultural e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> material.” (3) A celebração domoderno é no que consiste uma interminável lista de eventos, <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>sespécies, durante o ano de 1954.Do grande cenário construído para receber os eventos, o Parque do Ibirapuera,às publicações, ou reedições, dos poetas modernistas, às feiras industriais, ao IVCongresso Brasileiro de Arquitetos, tudo é marcado com o <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>a do Moderno; b<strong>em</strong>ao contrário <strong>da</strong>s com<strong>em</strong>orações do Centenário <strong>da</strong> Independência <strong>em</strong> 22.Os artistas envolvidos na SAM e primeiros anos do modernismo estão, agora,<strong>em</strong> altíssimo prestígio na socie<strong>da</strong>de paulistana, e são chamados para ascom<strong>em</strong>orações, Segall, Flávio, Villa-Lobos, Portinari, participam <strong>da</strong>s várias montagensfeitas para o Ballet do IV Centenário. O mais importante monumento erigido <strong>em</strong> 54 foide Brecheret, o Monumento às Bandeiras. Mário de Andrade já havia morrido (1945),mas é amplamente l<strong>em</strong>brado e festejado. Oswald morre no ano <strong>da</strong>s com<strong>em</strong>orações,<strong>em</strong> outubro, menos reconhecido pela oficiali<strong>da</strong>de, mas sendo já recuperado pelospoetas concretistas e se tornará, <strong>em</strong> breve, uma <strong>da</strong>s mais sacraliza<strong>da</strong>s referênciasartísticas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de nas déca<strong>da</strong>s futuras.Contudo o maior destaque foi <strong>da</strong>do, s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, à arquitetura. Como s<strong>em</strong>prena história, para criar<strong>em</strong> os novos símbolos as socie<strong>da</strong>des recorr<strong>em</strong> a esseexpediente. A criação dos símbolos <strong>da</strong> nova condição metropolitana de SP se deu pormeio de grande apologia à arquitetura moderna. Assim como acontecera com asvanguar<strong>da</strong>s européias, a arquitetura é reconheci<strong>da</strong> como arte que concentra maiorescondições de expressar a moderni<strong>da</strong>de, de conter os seus símbolos e as d<strong>em</strong>aisartes.O IV Congresso Brasileiro de Arquitetos contou com a presença de Gropius, LeCorbusier, Aalto, Sert, entre outros, os mestres do período heróico ao lado dosgrandes nomes <strong>da</strong> arquitetura brasileira, especialmente Lúcio Costa, curador <strong>da</strong>exposição de arquitetura brasileira. Mas o principal acontecimento arquitetônico de 54é o conjunto do Ibirapuera projetado por Oscar Ni<strong>em</strong>eyer e equipe (4)A escolha dessa linguag<strong>em</strong> moderna, especialmente a de Ni<strong>em</strong>eyer, como setornou comum a partir <strong>da</strong>queles anos <strong>em</strong> obras desse caráter político, d<strong>em</strong>onstra quea grande capaci<strong>da</strong>de alegórica que a obra dele ou <strong>da</strong> Escola Carioca impingia aosedifícios era altamente sedutora aos burocratas e a burguesia liberal dos anos 50, aocontrário <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> paulista, mais pragmática e programática que começava atomar formatação mais precisa a partir <strong>da</strong>queles anos também.A personali<strong>da</strong>de que melhor traduz a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> arquitetura que começa ase cristalizar como Escola Paulista, naqueles anos é Vilanova Artigas. Contudo, t<strong>em</strong>osa presença marcante desde a déca<strong>da</strong> de trinta de Rino Levi, do ponto de vista formal eideológico os dois irão se distanciar muito e, para as avaliações mais usuais, só2. Ver a respeito desses <strong>em</strong>bates, a obra de LOURENÇO, M. C. F. op. cit. p. 215-217.3. LOURENÇO, M. C. F. op. cit. p. 225.4. Hélio Uchoa, Zenon Lotufo, Kneese de Melo e Carlos L<strong>em</strong>os


Artigas se apresenta como o que estamos querendo caracterizar como a linguag<strong>em</strong> deSP para a arquitetura. Mas isso é reducionista, a presença marcante de Rino, eOswaldo Bratke também, no panorama cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é decisiva para os rumosque a arquitetura paulista tomará nos próximos anos.Em Arquitetura Moderna Paulistana, de Xavier, L<strong>em</strong>os e Corona, entre 1949 e60 eles são os mais citados com 4 obras ca<strong>da</strong> um (5) . Portanto, pod<strong>em</strong>os considerar osmais atuantes na cena de SP na déca<strong>da</strong>. Levi representando mais um certot<strong>em</strong>peramento tradicional <strong>em</strong> seu moderno de formação italiana e Artigas, formadopela Politécnica paulista e com atuação exuberante nos debates culturais e políticos<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, enquadrava-se mais precisamente nos contornos que definiam as novasgerações vanguardistas de SP. Contudo, ambos desenvolv<strong>em</strong> uma afinaçãodisciplinar <strong>em</strong> suas obras que identificam a arquitetura aqui pratica<strong>da</strong>, pelo menos nosbons t<strong>em</strong>pos.Artigas, a par do discurso político desenvolverá um agudo senso sintático àestrutura de seus edifícios, um dos discursos sintáticos mais precisos queconhec<strong>em</strong>os. A estrutura <strong>em</strong> seus edifícios alcança essa entropia, consegue sozinhaser forma, significado, construtibili<strong>da</strong>de, materiali<strong>da</strong>de, um texto inteiro.Rino Levi, de outro lado investe também nas questões disciplinares, osdetalhamentos – imensamente famosos-, a construtibili<strong>da</strong>de, a resolução dosprogramas, defin<strong>em</strong> sua arquitetura. O projetar <strong>em</strong> altíssimo nível de especiali<strong>da</strong>deprofissional, um dos mais belos ex<strong>em</strong>plos do operar arquitetura como conhecimentoespecializado e profundo. Por essa via que Rino se afasta <strong>da</strong>s questões políticas eassume posicionamentos de reformismo liberal que tanto vai desagra<strong>da</strong>r as correntesanalíticas <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s futuras.Portanto, a presença de Artigas é o que concentrará as atenções para asgerações <strong>em</strong> formação pelo momento e, mais ain<strong>da</strong>, na déca<strong>da</strong> seguinte. Umapresença marca<strong>da</strong> por uma arquitetura rigorosa e pelo posicionamento político. “Oarquiteto de São Paulo pretendia d<strong>em</strong>onstrar uma tese: que a responsabili<strong>da</strong>de doarquiteto se sustentava no conceito de projeto como instrumento de <strong>em</strong>ancipaçãopolítico e ideológico”. (6)Na déca<strong>da</strong> dos 50 o arquiteto inicia o período <strong>da</strong>s obras mais plenas <strong>em</strong>termos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> por ele cria<strong>da</strong>. Yves Bruand ajusta essa produção dentro de seu“O aparecimento do brutalismo e seu sucesso <strong>em</strong> São Paulo” (7) , contrapondo esseperíodo ao anterior, organicista wrightiano, ou menos funcionalista. Bruand qued<strong>em</strong>onstra, <strong>em</strong> sua obra clássica, desconhecer os processos <strong>da</strong> arquitetura <strong>em</strong> SP,simplifica sobre maneira o processo do artista. O olhar do crítico limita-se a observarinfluências internacionais diretas. Contudo não exist<strong>em</strong> dois momentos autônomos edistintos, o organicista e um outro brutalista.Artigas não chegou aos seus resultados por ser ou não uma arquiteturamoderna, inclusive questionou várias vezes a vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Arquitetura Moderna nasocie<strong>da</strong>de brasileira (8) . Ela é o resultado de um processo definido por uma posturaintelectual e ideológica, de seu princípio até anti-corbusiano, o contato próximo com aobra de Bratke, até sua expressão final, mais radical que o próprio Corbusier, ouqualquer outro dos mestres, <strong>em</strong> termos políticos, formais e construtíveis, umaarquitetura enquanto disciplina, espaço e estrutura, s<strong>em</strong> beleza fácil por convicção, oucom outra natureza de beleza, a beleza do construído, do cultural, do objeto social.Arquitetura s<strong>em</strong> concessões de espécie alguma, e pessoal. Isso nunca é d<strong>em</strong>aisl<strong>em</strong>brar, a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> arquitetura de Artigas não persegue modelos, persegue5. São elas: Artigas: Residência do arquiteto (49), Estádio do S. Paulo F. C. (52), Resid. José Bittencourt(56), Resid. Rubens Mendonça (58). Rino: Resid. Milton Guper (51), Laboratório Paulista de Biologia (56),Resid. Castor Perez (58), Galeria R. Monteiro (60). Ambos produziram b<strong>em</strong> mais durante a déca<strong>da</strong>,porém essas são as apresenta<strong>da</strong>s pelo livro.6. SEGAWA, H. op. cit. p. 144.7. BRUAND, Yves. Arquitetura Cont<strong>em</strong>porânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1981. p. 295-319.8. Explicitado <strong>em</strong> seu texto: Le Corbusier e o imperialismo.


invenções construtíveis. De preferência <strong>em</strong> soluções altamente sofistica<strong>da</strong>s – como oclube na Guarapiranga.O próprio Bruand, depois de atribuir aos arquitetos de SP uma certa falta detalento (9) , chega a se impressionar com a expressão quase agressiva do arquiteto:“Com efeito, para Artigas, não pode haver separação entre arte, a socie<strong>da</strong>de e a açãoindividual, que s<strong>em</strong>pre deve refletir uma toma<strong>da</strong> de posição filosófica traduzi<strong>da</strong> <strong>em</strong>termos utilitários no plano prático” (10) . Bruand entendeu uma parte significativa doprocesso de SP por meio de Artigas, mas a priori já havia feito sua opção pelo “triunfo<strong>da</strong> plástica” (11)Entretanto o posicionamento político de Artigas lhe conferiu um caráterconsideravelmente dogmático, que por vezes interfere diretamente <strong>em</strong> sua atuação nacultura paulistana e até <strong>em</strong> sua arquitetura. No plano <strong>da</strong>s discussões o levou acondutas de reação às posturas artísticas que poderiam lhe ser muito úteis, mesmoporque relacionavam-se muito mais intimamente com sua linguag<strong>em</strong> do que a arte deposicionamento puramente ideológico dogmático ou propagandístico. Episódios comosuas críticas à I Bienal ou suas divergências com a Arte Concreta ilustram isso, comodescreve França Lourenço: “a [crítica] mais contundente é de VilanovaArtigas,...mostrando agora seu afastamento do MAM...identifica o evento como„expressão <strong>da</strong> decadência burguesa‟... Mário Pedrosa... faz a defesa l<strong>em</strong>brando qu<strong>em</strong>uitos dos movimentos radicais e au<strong>da</strong>ciosos vêm de artistas <strong>da</strong> União Soviética,como Kasimir Malevitch e Alexander Rodchenko, o que deixa dúvi<strong>da</strong>s quanto àafirmação de „decadência burguesa‟” (12)Muito <strong>da</strong>s <strong>pesquisa</strong>s com a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s seriam bastante férteis<strong>em</strong> contato com a cabeça criadora de Artigas, as operações com as linguagens que osconcretistas faz<strong>em</strong> nos mostra como a absorção crítica e seletiva <strong>da</strong>s experiências devanguar<strong>da</strong> resultou <strong>em</strong> soluções notáveis aplica<strong>da</strong>s a urbe SP. Artigas se negou a issopor intransigência e, até, certa teimosia, de forma até a limitar sua <strong>pesquisa</strong> com alinguag<strong>em</strong> arquitetônica. Contudo, sua presença frente os novos arquitetos,principalmente na FAU-USP, proporcionou uma geração que parte de suasexperiências, que como já diss<strong>em</strong>os são muito sofistica<strong>da</strong>s, e promoverão a ampliação<strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> do mestre.Desses novos arquitetos, o de maior destaque é, s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, Paulo Mendes<strong>da</strong> Rocha. Seu primeiro grande projeto é o ginásio para o Clube Paulistano <strong>em</strong> 1957,nesse momento ele já deixa claro, tanto a influência do mestre, quanto à ampliação <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>, especialmente os relativos à poética. Mendes <strong>da</strong> Rocha pode serconsiderado, não ain<strong>da</strong> no final dos 50, mas um pouco adiante, o arquiteto que maisse aproxima <strong>da</strong>s experiências realiza<strong>da</strong>s pelos poetas concretos <strong>em</strong> termos d<strong>em</strong>anipulação <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> (ver<strong>em</strong>os a respeito, mais adiante). Outro grande ex<strong>em</strong>plodo trabalho dos novos arquitetos nesse sentido é o Edifício 5º Aveni<strong>da</strong> de Pedro PauloSaraiva e Miguel Juliano, projetado <strong>em</strong> 1959 para a Av. Paulista.Cabe ain<strong>da</strong> apontar que durante to<strong>da</strong> a déca<strong>da</strong>, a par do IV Centenário, asarquiteturas de Artigas ou Levi não são, <strong>em</strong> hipótese alguma, fatos isolados. Não sóno Ibirapuera a arquitetura moderna se manifestava, ao contrário, to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de estásendo reconstruí<strong>da</strong> e amplia<strong>da</strong> lançando mão dos procedimentos modernos, <strong>em</strong> todosos níveis, para o b<strong>em</strong> e para o mal, com quali<strong>da</strong>de ou não, com objetivos culturais,técnicos, ou econômicos. Tão moderno como as experiências com as linguagensabstratas nas artes são os jogos lingüísticos <strong>da</strong> especulação imobiliária ou <strong>da</strong>sadministrações públicas totalmente desprepara<strong>da</strong>s para o tamanho <strong>da</strong> encrenca <strong>em</strong>que se transformara a metrópole.9. Bruand justificando porque pouco se falou <strong>da</strong> arquitetura <strong>em</strong> São Paulo”:...houve dois motivosprincipais: de um lado, a menos vivaci<strong>da</strong>de dos talentos paulistas e o atraso maior com que seimpuseram,...” Será?! – BRUAND, Y. op. cit. p. 249.10. BRUAND, Y. op. cit. p. 295.11. BRUAND, Y. op. cit. p. 151.12. LOURENÇO, M. C. F. op. cit. p. 220.


Mas no que diz respeito aos objetos arquitetônicos, vários na déca<strong>da</strong> são<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos <strong>em</strong> rigor quanto a arquitetura programática paulista e quanto a novasituação metropolitana. Tanto de arquitetos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de quanto dos de fora. Do segundogrupo um caso ex<strong>em</strong>plar é o arquiteto David Libeskind e o seu projeto para o ConjuntoNacional, na Av. Paulista com Rua Augusta, <strong>em</strong> 1955. Que outra reali<strong>da</strong>de brasileiracapacitaria uma macro estrutura urbana-arquitetônica como a representa<strong>da</strong> por esseedifício de escala metropolitana, seus múltiplos usos, seus volumes e sua articulaçãona morfologia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> 3d.O Copan de Ni<strong>em</strong>eyer, projeto de 1951, é um fenômeno b<strong>em</strong> parecido.Nenhuma outra obra sua <strong>em</strong> outro lugar se equivale a essa, ela é radicalmenteexceção na obra do arquiteto, ele mesmo por vezes chegou a negar a autoria doobjeto que está lá construído. A urbani<strong>da</strong>de nervosa de SP contamina o edifício, quechega a negar uma boa parte <strong>da</strong> poética característica do autor.Ain<strong>da</strong> uma enorme quanti<strong>da</strong>de de edifícios é construí<strong>da</strong> no período,especialmente na área conheci<strong>da</strong> como Novo Centro, apartamentos, escritórios,hotéis, mistos e uma tipologia de térreos que marcou a arquitetura <strong>da</strong> área central, asgalerias.Também marcante na arquitetura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é o trabalho de estrangeiros comoFranz Heep e Jacques Pilon ou Giancarlo Gasperini que marcará muita a paisag<strong>em</strong> <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de nos próximos anos. Edifícios como o Itália nas aveni<strong>da</strong>s São Luis com Ipirangade 1956, de Heep, ou Edifício Paulicéia também de 56, dos dois últimos, na Av.Paulista, são símbolos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e, especialmente, de um tipo de mentali<strong>da</strong>deimplanta<strong>da</strong> na cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de dos anos 50.***Quando há pouco nos referimos a Paulo Mendes como o equivalente naarquitetura ao concretismo é por acreditarmos que, entre todos os fatos culturais deSP nos anos 50, o que mais radicalizou as experiências com o objetivo de seapresentar como produto <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des urbanas <strong>em</strong> especial <strong>da</strong> urbe SP foi oConcretismo, principalmente o grupo de poetas.O grupo inicial <strong>em</strong> torno de Wald<strong>em</strong>ar Cordeiro é formado por artistas plásticose designers apresentando-se ao público b<strong>em</strong> ao espírito <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s, ummanifesto <strong>em</strong> 1952, o Ruptura, assinado por: Charroux, Cordeiro, de Barros, Fejer,Haar, Sacilotto e Wladislaw, conclamando “a intuição artística dota<strong>da</strong> de princípiosclaros e inteligentes e de grandes possibili<strong>da</strong>des de desenvolvimento prático”.A aproximação dos artistas paulistas às tendências mais construtivas não foidetermina<strong>da</strong> por algum tipo de desinformação <strong>da</strong>s manifestações internacionaisliga<strong>da</strong>s ao expressionismo abstrato <strong>em</strong> voga dos anos 50. Foi, por um lado umaopção, já que o próprio Cordeiro deixa isso explicito <strong>em</strong> “O expressionismo fordista” (13) .De outro lado, a preferência ao racional <strong>em</strong> detrimento do expressivo <strong>em</strong> SP decorrede uma quase imposição do ambiente paulistano nos anos 50, tanto ao nível <strong>da</strong>construção urbana, quanto <strong>da</strong>s ideologias.O projeto construtivo (14) é uma decorrência direta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de presente <strong>em</strong>que estão imersos os intelectuais paulistanos - mesmo considerando, e por causadela, a situação de país periférico. Este enraizamento no presente como construçãodo futuro está presente nas vanguar<strong>da</strong>s históricas e também nos anos 50 <strong>em</strong> SP.O t<strong>em</strong>a recorrente é a industrialização, as mídia, o movimento urbano. Ènecessário uma arte que se expresse <strong>em</strong> condições de igual<strong>da</strong>de - na era <strong>da</strong>reprodutibili<strong>da</strong>de, como já aprend<strong>em</strong>os com Benjamin -, uma linguag<strong>em</strong> apropria<strong>da</strong>para as artes, e a linguag<strong>em</strong> é a própria freqüentação de SP. Caótica a procura <strong>da</strong>exatidão programática, a exatidão urbana a procura do lirismo vital.13. Ver <strong>em</strong>: As linguagens artísticas e a ci<strong>da</strong>de14. ver <strong>em</strong>: AMARAL, Aracy (apresent.). Projeto construtivo na arte: 1950 – 1962. Catálogo deExposição, MAM – RJ / Pinacoteca do Estado de São Paulo, RJ/SP, 1977.


Nesse sentido trabalharam profun<strong>da</strong>mente os poetas concretistas. A primeirapublicação do grupo formado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e DécioPignatari foi a revista Noigandres <strong>em</strong> 52. Em 58 publicam o “Plano piloto para a poesiaconcreta” abrangendo uma gama muito grande, porém seletiva, de referências, nãomodélicas e sim metodológicas. Em termos de relação com as <strong>pesquisa</strong>s <strong>da</strong>svanguar<strong>da</strong>s o grupo se mostrava tão polimórfico quanto a metrópole, do Dadá aoConstrutivismo. Mas, principalmente, apuraram e concentraram as experiências dosprimeiros modernistas <strong>da</strong> urbe.Apesar do já mencionado modernismo um tanto juvenil que foi a S<strong>em</strong>ana de22; a geração de 20 deixou dois legados imprescindíveis para as artes posteriores,s<strong>em</strong> os quais não se penetra nas manifestações culturais paulistas n<strong>em</strong> nas suaslinguagens. Um primeiro ideológico, que o Brasil é o país destinado à realização <strong>da</strong>sutopias, o segundo seria mais um procedimento técnico, mas que é de uma só vezsintático, s<strong>em</strong>ântico e pragmático, também político: a antropofagia. Como nos dizHaroldo de Campos: “... a arte construtiva brasileira constitui um magnífico ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong>antropofagia cultural, preconiza<strong>da</strong> por Oswald de Andrade: devoração crítica dolegado universal sob a perspectiva crítica <strong>da</strong> „diferença‟ brasileira. „Somosconcretistas‟, escreveu, com efeito, Oswald <strong>em</strong> seu fun<strong>da</strong>mental ManifestoAntropófago de 1.929” (15).O que pod<strong>em</strong>os verificar é que a par destes posicionamentos, recorrentes <strong>em</strong>to<strong>da</strong>s as retoma<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s históricas nos 50 <strong>em</strong> vários centros, oConcretismo paulista passa para um estágio adiante, mais do que <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de àssoluções formais cria<strong>da</strong>s nos anos 20, vai se direcionar às bases destas soluções, ouseja, vai dedicar-se à <strong>pesquisa</strong> <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. A partir <strong>da</strong> absorção, <strong>da</strong>s experiências<strong>da</strong>s Vanguar<strong>da</strong>s, os Concretistas, mergulhados num ambiente urbano ca<strong>da</strong> vez maisauto-reprodutor e midiático, radicalmente industrial, na<strong>da</strong> idílico e, por ser periférico,um tanto ralo de to<strong>da</strong> a sub-cultura tecnológica mundial, vai chegar a entendimentosdo procedimento artístico aplicado a esta reali<strong>da</strong>de.A movimentação Concretista teve como principal objetivo produzir uma arteinseri<strong>da</strong> no ambiente urbano de SP, como acontecimento cultural <strong>da</strong> metrópole, ecomo tal, antena<strong>da</strong> no que está acontecendo no mundo, sabendo que se produzcultura urbana tendo consciência <strong>da</strong>s linguagens urbanas. Neste sentido irá tornar-sea grande referência de procedimento artístico para gerações futuras na urbe SP.***A nova arquitetura e a nova ebulição cultural e universitária têm como set-upuma morfologia urbana b<strong>em</strong> distinta <strong>da</strong>quela do entre-guerras. O centro original nãosofreu grandes transformações, <strong>em</strong> termos de viário ficou nas retificações ealargamentos levados a cabo até os anos 20. O Páteo foi reformado, d<strong>em</strong>oliu-se oPalácio do Governo eclético e substituiu-se por uma possível cópia do jesuítico. Foramconcluí<strong>da</strong>s as obras <strong>da</strong> Catedral <strong>da</strong> Sé, inicia<strong>da</strong>s na déca<strong>da</strong> de 20. A quanti<strong>da</strong>de denovos edifícios modernos também não é expressiva na área central antiga.O grande acontecimento urbano <strong>da</strong> metrópole cosmopolita, os cin<strong>em</strong>as,restaurantes, teatros, bares aconteciam na área do outro lado do antigo riacho doAnhangabaú. O centro expandido ou Novo Centro. A região <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de onde estavamsendo construídos os novos edifícios residenciais e de serviços pela nova arquiteturapaulista. Aí concentra-se o centro nervoso de to<strong>da</strong> cultura de SP, a material e nãomaterial, os prédios, os t<strong>em</strong>as artísticos, os automóveis, a comunicação visual, ocapital.“No final dos anos 50, o centro de São Paulo estava claramente dividido, pelovale do Anhangabaú, <strong>em</strong> duas partes. Na parte volta<strong>da</strong> para sudoeste, tendo por eixoa Barão de Itapetininga, formou-se o centro <strong>da</strong>s elites, com suas lojas, restaurantes,15. Ibid<strong>em</strong>


escritórios e consultórios – a Cinelândia paulistana (região <strong>da</strong>s aveni<strong>da</strong>s São João eIpiranga) – e até mesmo uma elegante rua de apartamentos de alto luxo, queocuparam os terrenos <strong>da</strong>s antigas mansões <strong>da</strong> rua São Luiz. Este passou a ser o“Centro novo”. Para o “lado de lá” do Anhangabaú, o antigo centro tornou-se o “Centrovelho”, voltado para as cama<strong>da</strong>s populares. Suas lojas se “popularizaram”, b<strong>em</strong> comoseus cin<strong>em</strong>as (o Rosário, no Martinelli; o São Bento, na rua de mesmo nome; oAlhambra, na rua Direita; o Santa Helena, no palacete de mesmo nome na Praça <strong>da</strong>Sé, etc.). Nas ruas Quinze de Nov<strong>em</strong>bro e Boa Vista sobreviveram – pela força <strong>da</strong>tradição, talvez - os bancos e alguns profissionais ligados à área jurídica, visto que lápermaneceram o Fórum e o Palácio <strong>da</strong> Justiça.” (16)O sentido nobre de crescimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de já indicado por Antônio Prado teveseqüência nas déca<strong>da</strong>s seguintes, ou seja, a face sudoeste do centro recebeuconcentração absoluta dos recursos municipais e foi abasteci<strong>da</strong> com grandeinfraestrutural e melhoramentos urbanos. Além desse centro expandido estão osbairros de elites b<strong>em</strong> aparelhados. As faces leste e norte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ao contrário,desde o início do século, esta sendo ocupado pelas fábricas e os conseqüentesbairros operários, s<strong>em</strong> investimentos e resolvendo-se de forma totalmentedesordena<strong>da</strong>.No Brás configura-se um centro alternativo extr<strong>em</strong>amente dinâmico e prósperocom cin<strong>em</strong>as, cantinas e as festas <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des italiana e espanhola láconcentra<strong>da</strong>. Mas no resto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de mais na<strong>da</strong>, deixa-se <strong>em</strong> um abandono tal que secriará um dos mais probl<strong>em</strong>áticos sítios urbanos mundiais.Isso porque essa periferia não cessará de crescer até os nossos dias, s<strong>em</strong>controle, s<strong>em</strong> projeto, os planos propostos são míopes e irrealizáveis. O único objetivodo plano é ser elaborado, ele é <strong>em</strong> si um fim, porque não se formulam manejos desseplanos, metodologia e investimentos serão s<strong>em</strong>pre precários até o início do séculoXXI.As configurações sócio-econômicas, o crescimento industrial, as organizaçõesoperárias, b<strong>em</strong> como a resposta <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de paulista durante a déca<strong>da</strong> de 50,estabelec<strong>em</strong> bases para uma proposta de socie<strong>da</strong>de, para um projeto social. De certaforma o desenvolvimento dos acontecimentos do período conduz<strong>em</strong> a esse objetivo. Oprojeto paulista constituiu-se como uma alternativa à carnavalização oficial getulistaproduzido na Capital Federal, salário mínimo e arquitetura neobarroca, pão e circo.Venceu a alegoria <strong>da</strong> forma moderna, s<strong>em</strong> contradições ou senso crítico, o triunfo <strong>da</strong>plástica, pura, o discurso acontece na esfera do encontro social, do bar, do salão, aarte que vai para a rua é pura estetização <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de s<strong>em</strong> conflitos.Ao contrário <strong>da</strong> cultura produzi<strong>da</strong> no Rio – do final <strong>da</strong> Guerra até atransferência <strong>da</strong> Capital, que fique claro -, cont<strong>em</strong>porizadora, s<strong>em</strong> conflitos, cortesã, acultura de SP se apresenta <strong>em</strong> termos de projeto alternativo, agressiva e conflitante,programática e seca. A objetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que nasceu antipelágica, nos termos deL. Saia, permanece assim até os anos 50, e agora com uma produção cultural queresponde <strong>em</strong> altíssimo grau a essa condição.O projeto antipelágico de SP sucumbiu ao Nacional herdeiro <strong>da</strong> ditaduraVargas com seus tenentes, mas também com sua corte artística e intelectual.16. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/ FAPESP/ LincolnInstitute, 2001. p. 264-265.


6. ANOS 70: A NOVA REALIDADE URBANADestacamos agora um pequeno trecho de Luis Carlos Maciel, personag<strong>em</strong>destacado na cultura, ou contracultura, brasileira do baby boom, seu comentário <strong>em</strong>relação aos últimos anos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de „ 60, tendo como cenário principal SP:“Em 1967, fui convi<strong>da</strong>do por José Celso Martinez Corrêa para fazer umlaboratório com os atores do Teatro Oficina. Ele queria revolucionar a forma deinterpretação, após ter visto Terra <strong>em</strong> transe. De suas experiências nesse laboratóriosurgiu a polêmica e inovadora montag<strong>em</strong> de O rei <strong>da</strong> vela. Em 1967 também, Caetano[Veloso] lançaria a música Tropicália e se encantaria com O rei <strong>da</strong> vela. Diferentesartistas, diversas artes, que protagonizaram aquele momento de extraordináriaefervescência cultural” (1)No Brasil pod<strong>em</strong>os dizer que a déca<strong>da</strong> de 60 representou a quebra precisa <strong>em</strong>dois momentos marcantes, a euforia positiva e producente dos processosdesencadeados nos 50 e as crises diversas que serão detona<strong>da</strong>s nos 70. A déca<strong>da</strong> de70 é a mais vertiginosa que<strong>da</strong> na real que o século XX presenciou, mais ain<strong>da</strong> que asGuerras, quando o Mal ain<strong>da</strong> é identificável, material.Obviamente já estamos <strong>em</strong> uma era <strong>em</strong> que não exist<strong>em</strong> mais fenômenoslocais, n<strong>em</strong> nacionais, tudo é reflexo <strong>da</strong>s grandes ondulações internacionais. Adéca<strong>da</strong> de 70 é um encontro com o desespero no mundo todo. A maior evidênciadisso é verificável nas expressões juvenis, por ser<strong>em</strong> <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s que mais criamexpectativas <strong>em</strong> relação ao futuro e, também, são os grupos sociais que dominarão<strong>em</strong> grande escala as vitrines <strong>da</strong>s mídia. Os 60 chegam ao final envoltos ain<strong>da</strong> pelaatmosfera dos incensos, canabis, sons e cores psicodélicos do flower power e dopeace & love. Os 70, <strong>em</strong> plena fúria niilista dos punks, hate & war, as bati<strong>da</strong>s nervosase o negro na indumentária.A déca<strong>da</strong> é marca<strong>da</strong> por crises, <strong>em</strong> todos os setores e de to<strong>da</strong>s as naturezas.Na economia, OPEP, o des<strong>em</strong>prego galopante nos países desenvolvidos, o quebraquebra– que vai tornar-se corriqueiro – <strong>da</strong>s nações <strong>em</strong> desenvolvimento. Na política,as que<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s ideologias, a ascensão de sentimentos xenófobos e neo-nazi naEuropa, a onipresença arma<strong>da</strong> dos EUA no mundo todo. Nas artes, o inexoráveldomínio <strong>da</strong>s mídia eletrônicas sobre as expressões imediatas e experimentais e adecorrente experimentação gratuita envolvi<strong>da</strong> <strong>em</strong> excentrici<strong>da</strong>des tais, para tambéminteressar às mídia. Nas religiões, o radicalismo <strong>da</strong>s posturas, a sectarização contráriaao ecumenismo dos anos 60. Nas tecnologias,...não. Não existe crise nodesenvolvimento <strong>da</strong>s tecnologias <strong>da</strong> enésima fase <strong>da</strong> Revolução Industrial. E, até, ocontrário, parte <strong>da</strong>s crises é proporciona<strong>da</strong> por essa veloci<strong>da</strong>de de desenvolvimento.Na mesma veloci<strong>da</strong>de dev<strong>em</strong>os mu<strong>da</strong>r a percepção, a sensibili<strong>da</strong>de, o intelecto, ocomportamento <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des, a ética, muito complexos os panoramas que sedescortinam para o fim de século.O espaço físico onde se processam e realizam to<strong>da</strong>s essas crises,evident<strong>em</strong>ente, são as grandes metrópoles internacionais. Nesse ambiente a crise éfacilmente identificável, tal o grau de degra<strong>da</strong>ção que passar<strong>em</strong>os a presenciar nadéca<strong>da</strong> to<strong>da</strong>. Não só os conjuntos habitacionais nas periferias, feitos de acordo comos princípios modernistas, mas que fomentam ain<strong>da</strong> mais a exclusão, e,principalmente, os centros urbanos entram <strong>em</strong> declínio material e abandono,preteridos pelas ilhas privatiza<strong>da</strong>s, dos shoppings centers comerciais ou culturais edos condomínios.De outro lado, as políticas urbanas leva<strong>da</strong>s a cabo pelas administrações,seguindo distorções simplificadoras do racionalismo, priorizam os fluxos, asestatísticas e as operações pragmáticas. A ci<strong>da</strong>de enquanto espaço suporte <strong>da</strong>smanifestações sociais, enquanto expressão <strong>da</strong> esfera pública, perde seu sentido. A1. MACIEL, Luiz Carlos. Geração <strong>em</strong> transe: m<strong>em</strong>órias do t<strong>em</strong>po do tropicalismo. Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1996. p. 19.


função existe, porém o significado é difuso ou inexistente. A crise <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des nosanos 70, já observa<strong>da</strong> por J. Jacobs ou G. Cullen na déca<strong>da</strong> anterior, é uma crise designificado. O predomínio <strong>da</strong>do aos componentes sintáticos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> urbana,pelos conceitos e métodos modernos, prejudicou claramente seus aspectoss<strong>em</strong>ânticos que desencadeou o processo agudo de deterioração formal.Os ambientes urbanos dos 70 assum<strong>em</strong> definitivamente aquela aparência <strong>da</strong>literatura sci-fi, tipo Blade runner, de lugar inabitável <strong>em</strong> condições de mínimanormali<strong>da</strong>de, lugar do perigo e do ilegal, <strong>da</strong> competição regulamenta<strong>da</strong> por to<strong>da</strong>espécie de trapaças.SP inscreve-se perfeitamente nessa descrição, <strong>em</strong> condições mais dramáticaspor ser uma <strong>da</strong>s maiores metrópoles no lado pobre do mundo. A déca<strong>da</strong> é marca<strong>da</strong>por inúmeras heranças <strong>da</strong> anterior, como não poderia deixar de ser, mas elas sãomuito particulares, vejamos.Entre o entusiasmo dos anos 50 e os anos 70, o grande fato político <strong>em</strong> nívelnacional, é o golpe de 64. Portanto estamos <strong>em</strong> pleno an<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> ditadura dosgenerais. Época do país que vai para frente, então ame-o ou deixe-o. Época <strong>da</strong>censura e <strong>da</strong>s perseguições a artistas e professores. Contudo, ain<strong>da</strong> vive-se asesperanças <strong>da</strong>s revoltas de 68, ain<strong>da</strong> vive-se, o sentimento de transformação radical<strong>da</strong>s estruturas, <strong>da</strong> Revolução. Os partidos de esquer<strong>da</strong>, proscritos, articulam naclandestini<strong>da</strong>de, o Movimento Estu<strong>da</strong>ntil, na impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> UNE, mantém parte desuas estruturas locais. A grande repressão dos militares na mu<strong>da</strong>nça de déca<strong>da</strong>sdiminui sensivelmente a luta arma<strong>da</strong> nas ci<strong>da</strong>des.Em grande medi<strong>da</strong> a manutenção de algum otimismo <strong>em</strong> relação às soluçõesdos probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de é bancado, no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, pelos últimos suspirosdo milagre brasileiro, com a sucessão de crises econômicas as opções pelas soluçõesindividuais ficarão mais evidentes, a própria ditadura não conseguirá sobreviver maisuma déca<strong>da</strong>.Os nomes citados por Maciel no início desse capítulo estavam exilados dopaís, Caetano (com Gilberto Gil) desde 69 e Zé Celso a partir de 73, por ocasião <strong>da</strong>montag<strong>em</strong> de Gracias señor, a mais radical provocação, <strong>da</strong>s muitas que ele fez desdeO rei <strong>da</strong> vela. Caetano e Gil voltam logo, <strong>em</strong> 72, Zé Celso só <strong>em</strong> 78.Contudo, são presenças marcantes na cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, mesmo quando nãofisicamente. Eles e outros representam uma ponte que existe entre os acontecimentosdos anos 20, 50 e dos 70, na cultura de SP. A expressão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de na tríadeantropofagia / concretismo / tropicália, fenômenos específicos <strong>da</strong> cultura multifaceta<strong>da</strong>de SP, com as mesmas bases lingüísticas, a antena no cosmos os pés na terra, oualgo próximo, todo o mundo aqui do jeito que se faz aqui.Qu<strong>em</strong> recolocou Oswald para a cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de foram os poetas concretos, otexto teatral O rei <strong>da</strong> vela de Oswald é o grande marco <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> tropicalistaantropofágicade Zé Celso; Caetano, autor de Tropicália fica encantado com o teatrode Zé ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que aprofun<strong>da</strong> as questões poéticas de suas letras <strong>em</strong>contato com Augusto de Campos. Vários círculos de fecham na vi<strong>da</strong> cultural <strong>da</strong> urbeno final dos 60 e início dos 70. Somamos a esses a pintura concreta, ou pop-cretosnesse momento. Mas o mesmo não ocorre com os vínculos político partidários deartistas como Artigas, a maior parte <strong>da</strong>s experiências artísticas que segu<strong>em</strong> essatríade são excomunga<strong>da</strong>s pelo Partido. Para estes, a linha engaja<strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de doCentro Popular de Cultura dos anos 60, com tonali<strong>da</strong>des explicitamente panfletárias, oque convenhamos é muito diferente <strong>da</strong> experiência com a linguag<strong>em</strong> na arquitetura deArtigas, é o modelo de revolução cultural.Levando-se <strong>em</strong> conta as novas posturas <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> freudiana internacional ala Marcuse, as notícias negativas ca<strong>da</strong> vez que se olha para a caixa preta soviética, asposturas dos PCs pelo mundo, a urgência de novos modelos, próximos e distantes,como a dimensão do psicológico ou a preocupação com o meio-ambiente, as palavrasde ord<strong>em</strong> socialistas ain<strong>da</strong> persistirão na passag<strong>em</strong> para os 80, mas ca<strong>da</strong> vez commenos fôlego.


To<strong>da</strong>via, a par dessas heranças dos 60 que continuam a se desenvolverdurante a déca<strong>da</strong>, dev<strong>em</strong>os observar na produção cultural <strong>da</strong> urbe aquilo que secaracteriza como sinais <strong>da</strong> época e dos próximos passos <strong>da</strong> aventura paulista naesfera <strong>da</strong> cultura urbana. Uma vez que o tropicalismo se desintegra <strong>em</strong> fenômeno d<strong>em</strong>ass mídia, tanto é que os músicos de sucesso se mu<strong>da</strong>m para o Rio, Tom Zé, s<strong>em</strong>sucesso, não, por isso mesmo é o único que continua muito interessante. Oconcretismo vai ficar um tanto restrito a um público segmentado e universitário poralgum t<strong>em</strong>po. Zé Celso, ao voltar do exílio montará o Te-ato Oficina nos moldes deintransigente guerrilha cultural por quase 20 anos antes de alcançar um público maisamplo. Resta-nos observar os acontecimentos <strong>em</strong> outras circunstâncias, maissetentistas mesmo.6.1- A cultura oficial e comercial:Apesar de certa continui<strong>da</strong>de dos princípios artísticos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> anterior, comoas posturas políticas, <strong>da</strong> pop-art engaja<strong>da</strong> (ver Cláudio Tozzi, Maurício Nogueira Limaetc), no teatro <strong>da</strong> linha CPC ou Arena, do cin<strong>em</strong>a realista marcado pelo advento doCin<strong>em</strong>a Novo e vários outros; o que vamos vai ter de mais característico nos anos 70é a profissionalização <strong>em</strong> termos de produto comercial cultural. Com certeza é umprocesso inerente à própria era industrial, porém nessa déca<strong>da</strong> <strong>em</strong> SP é que aprofissionalização fica cristaliza<strong>da</strong>.Mesmo porque, já contamos com um universo imenso de público para as artesna metrópole, não só quantitativamente, mas também com formações diversas. Omilagre econômico inflou a classe média urbana que freqüenta as universi<strong>da</strong>des -inclusive as particulares que se multiplicaram feito vírus de lá até hoje -, sãoprofissionais <strong>em</strong> vários setores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana e consumidores <strong>em</strong> potencial.Também a mídia deseja e proporciona audiências ain<strong>da</strong> maiores, portanto atéos públicos menos favorecidos financeiramente, mas muito numeroso, tambémparticipará do mercado. As artes populares alcançarão audiências <strong>em</strong> porte d<strong>em</strong>ultidões. A cultura de SP nessas condições não mais existe <strong>em</strong> um corpo, se nãoúnico, porque nunca o foi, pelo menos com uma identificação de uni<strong>da</strong>de. Agora setrata <strong>da</strong>s culturas de SP, ou de como qualificarmos o termo cultura artística.Existe um tipo de produto de entretenimento urbano de função econômica esocial que as midias denominam arte. Também existe outro produto de grande valorfinanceiro exclusivo a conhecedores e iniciados pelo qual as grandes audiências nãotêm nenhum interesse, que permanece restrito a um reduzido segmento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,também conhecido como arte. Também consideramos arte algumas pulsações <strong>da</strong>sinquietações sociais <strong>em</strong> virtude <strong>da</strong>s contradições <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana, as expressões dosguetos e do submundo social ou de ermitões dos centros urbanos <strong>em</strong> viagenstotalmente particulares, ambas com pouquíssima audiência, quase s<strong>em</strong> valorfinanceiro, mas com um poder de reprodução foquista muito curioso e diversificado.Com certeza muitas outras coisas chamamos de arte nos sist<strong>em</strong>as urbanos –até ele todo -, contudo, estamos aqui identificando duas vias para observarmos acultura de SP nos anos 70, uma oficial, por pertencer às ordenações <strong>da</strong> lógicacapitalista industrial urbana, aquela que se constitui <strong>em</strong> produto de consumosist<strong>em</strong>atizado, muitas vezes com muita quali<strong>da</strong>de também, para públicos específicosdo universo urbano. E outra, que pode ser reconheci<strong>da</strong> como underground, s<strong>em</strong>público específico não conta com recursos materiais, vive <strong>da</strong> própria <strong>pesquisa</strong> e detrocas nos mercados artísticos não oficiais, ou seja, todo o resto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, suas ruas,galerias, botecos, becos.A tv <strong>em</strong> primeiríssimo lugar <strong>da</strong> preferência nacional, o medium e a reali<strong>da</strong>de, aci<strong>da</strong>de pela janela eletrônica e agora, desde 1972, a cores. A forma de difusãoartística mais d<strong>em</strong>ocrática e de maior alcance já encontrado. Em termos de impactocultural atinge, com minúsculas exceções, todos os segmentos urbanos – não urbanostambém. Ain<strong>da</strong> nos 70 persistia uma inútil discussão se a tv era ou não cultura ou arte,


se ela alienava as massas <strong>em</strong> seu caráter educacional ou desvirtuador. Bobagens, omédium é amoral, a socie<strong>da</strong>de que lhe dá as finali<strong>da</strong>des. Com as posterioresrevoluções nas comunicações digitais essas discussões ficam totalmente s<strong>em</strong> sentido.Agora, 20 anos depois <strong>da</strong> TV ser implanta<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de, sua definição deimag<strong>em</strong> é bastante satisfatória e acessível mesmo para as massas e já se consolidoucomo grande display para ven<strong>da</strong>s, de tudo, coisas, sonhos, políticos. Ela vaideterminar as linguagens, as mo<strong>da</strong>s e os profissionais que centralizarão a cenacultural oficial, especialmente na música e na dramaturgia percebe-se tal fato.E nestas condições a produção e consumo culturais estão bastante intensos.Os teatros se reproduz<strong>em</strong> <strong>em</strong> espaços e companhias, os restaurantes na mesmaproporção. O programa-de-fim-de-s<strong>em</strong>ana-classe-média, o espetáculo, musical outeatral seguido de pizza nas cantinas do Bexiga, o bairro boêmio <strong>da</strong> época. Os cafés,as boites, livrarias – se b<strong>em</strong> que a literatura passa por dificul<strong>da</strong>des de público, custose censura – se multiplicam pela ci<strong>da</strong>de. Assim como a tv, a cultura urbana é múltipla,cabe de tudo, rock ou gafieira, comédias ou dramas políticos.Nos circuitos especializados <strong>da</strong>s artes plásticas t<strong>em</strong> impulso decisivo aprofissionalização do mercado para artistas brasileiros vivos, e jovens. A geração <strong>da</strong>pop art politiza<strong>da</strong>, Tozzi, Antonio Henrique do Amaral, Gilberto Salvador, Granato, setorna a geração dos pintores profissionais - liberais. A atuação <strong>da</strong> Escola Brasil e seus“alunos” Fajardo, Baravelli, as presenças marcantes de Nelson Leirner, Wesley DukeLee, movimentam o circuito. A Escola Brasil com a proposta de configurar uma escolapaulista de desenho cont<strong>em</strong>porâneo consegue manter um pouco do el<strong>em</strong>entarismo <strong>da</strong>arquitetura <strong>da</strong> vanguar<strong>da</strong> paulista. Desta forma d<strong>em</strong>onstra como as artes dos circuitos,dos artistas-profissionais não estão, sendo coloca<strong>da</strong>s aqui, <strong>em</strong> todos os casos, comosub-produto de uma cultura mais au<strong>da</strong>ciosa, simplesmente estamos observando ospanoramas que se formam no período.Como o cin<strong>em</strong>a <strong>da</strong> Boca do Lixo, e as conheci<strong>da</strong>s pornochancha<strong>da</strong>s, quepod<strong>em</strong> até ser popularescas, - como também os filmes de Mazzaropi, no final tudosaído do mesmo caldeirão <strong>da</strong>s repressões ao pensar pela ditadura militar - edesprovi<strong>da</strong>s de pretensões artísticas, mas faz<strong>em</strong> parte <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e tambémproporcionam um patamar mínimo para a formação de profissionais do cin<strong>em</strong>a <strong>em</strong> SP.De outro lado a obra intimista, e alternativa ao Cin<strong>em</strong>a Novo, do cineasta Walter HugoKhoury, <strong>em</strong> que as personagens são altamente marca<strong>da</strong>s pelas tensões e angústiasproporcionado pela vi<strong>da</strong> na urbe, a própria ci<strong>da</strong>de, s<strong>em</strong> uma representação direta, épersonag<strong>em</strong> ativa e com profundi<strong>da</strong>de psicológica.Em nível nacional é a época <strong>da</strong> Embrafilme, do cin<strong>em</strong>a tutelado e controlado, omaior épico de propagan<strong>da</strong> nacionalista do período foi a produção de OswaldoMassaini <strong>em</strong> 1972, “Independência ou morte” com Tarcísio Meira e Glória Menezes edireção de Carlos Coimbra. Deprimente e ex<strong>em</strong>plar: atores televisivos, produtor piegasde direita, diretor inexpressivo, enfoque burlesco e pretensamente histórico <strong>da</strong>Independência do país. É também a época de “Dona flor e seus dois maridos”,folclorização absoluta e absur<strong>da</strong> do Brasil por meio <strong>da</strong> obras literária de <strong>Jorge</strong> Amado,produzido pelo império dos Barretos, dirigido por Bruno, objeto típico do controle <strong>da</strong>sproduções cin<strong>em</strong>atográfica e dos recursos pelos produtores e diretores do Rio, comtambém o é “Chica <strong>da</strong> Silva” de Carlos Diegues, a mesma imag<strong>em</strong> de Brasilcarnavalizado, s<strong>em</strong> substância e s<strong>em</strong> <strong>pesquisa</strong> de linguag<strong>em</strong> que, contudo,monopoliza os parcos recursos para o cin<strong>em</strong>a no país.As Bienais prossegu<strong>em</strong> na déca<strong>da</strong> refletindo as novas configurações culturaise, agora, com certa ingerência do marcado, orienta<strong>da</strong>s pelas mo<strong>da</strong>s internacionaiscria<strong>da</strong>s pelas mídia, também aparece de forma ca<strong>da</strong> vez mais marcante a figura doformatador por meio de curadorias, que mais que na<strong>da</strong> propõ<strong>em</strong> enquadrar oinenquadrável, o insólito <strong>da</strong>s rebeldias controla<strong>da</strong>s e oficializa<strong>da</strong>s. Tanto é, que ointeresse ficará concentrado nas salas especiais de um Beyus ou um Fluxos, ou <strong>em</strong>uma retrospectiva de Flávio de Carvalho.


6.2- A cultura underground e de <strong>pesquisa</strong>:A urbani<strong>da</strong>de com significados difusos e fragmenta<strong>da</strong> dos 70, soma<strong>da</strong> àrepressão política <strong>da</strong> ditadura, soma<strong>da</strong> a ascensão prodigiosa de uma culturaburguesa e mercadológica de peças de teatro, comédias e romances e showsmusicais, <strong>em</strong> mega-eventos de exposições, <strong>em</strong> grandes produções profissionais ecaras, soma<strong>da</strong>s a pulverização <strong>da</strong>s ideologias, soma<strong>da</strong>s à falta de sentimento cívicoou comunal face ao governo de exceção... Como resultado t<strong>em</strong>os o fenômeno culturalmais expressivo de SP nos setenta, o que se convencionou chamar de underground,subcultura, alternativo, marginal, ou qualquer termo equivalente.Muito provavelmente esse comportamento é observado <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a história, asexpressões culturais não oficiais ou institucionais s<strong>em</strong>pre ocorreram, <strong>em</strong> certa medi<strong>da</strong>delas começam as grandes revoluções nas artes. Contudo é difícil imaginar umBrunelleschi como um out sider total(<strong>em</strong>bora Borromini seja fácil imaginar nessasituação) e, mais, que essa condição definiria as bases de sua revolução naarquitetura do século XV e <strong>em</strong> to<strong>da</strong> história futura. A condição de marginal, deunderground ser a própria base lingüística <strong>da</strong> expressão cultural é um fenômeno,primeiro, <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, mas com contornos definitivos só na era <strong>da</strong> cultura d<strong>em</strong>assas, <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de midiatiza<strong>da</strong>.Os anos 60 difundiu internacionalmente, claro, os fenômenos culturais dounderground, primeiros os beats, parte <strong>da</strong> pop art – não esquec<strong>em</strong>os que outra parte étop de linha no mercado de arte novaiorquino -, depois a cultura dos guetos negrosamericanos, os hyppies, o sub mundo – ou o mais over dos mundos – <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong>sruas, por vezes dos centros universitários; contudo a cisão mais dramática de cultura esubcultura underground ficará por conta dos setentas.Quando as mídias coordenam as manifestações e são controla<strong>da</strong>s pelosgrandes conglomerados econômicos, deve-se travar uma luta de abrir brechas oucavar espaços de veiculação. O sentido de guerrilha urbana, político nos anos 60,assume um significado de guerrilha cultural nos anos 70.Em SP essas coisas são mais claramente observa<strong>da</strong>s nos finais <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>,quando já t<strong>em</strong>os os primeiros sinais de abertura política, quando o movimentoestu<strong>da</strong>ntil volta às ruas – a <strong>da</strong>ta é 1976 e o fato, missa de sétimo dia do jornalistaWladimir Herzog, assassinado na prisão -, alguns contatos são restabelecidos, <strong>em</strong> 79ocorrerá o show televisivo <strong>da</strong> volta dos anistiados, no Jornal Nacional.Ao final dos anos 70 os espaços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de tiveram que ser reconquistadosapós a repressão às manifestações dos dez anos anteriores, <strong>em</strong> que o espaço urbanofoi fechado a qualquer tipo de ação que não as estritamente operacionais dosmecanismos de funcionamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, exacerba-se o caráter técnico-mecânicofuncionaldo pensar a ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> seu planejamento, decorrente do pensamento„militarista‟ <strong>da</strong> administração pública <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as áreas. Poucas vezes os artistas earquitetos conseguiram furar este esqu<strong>em</strong>a e levar seus trabalhos e <strong>pesquisa</strong>s para oespaço <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.Antes de se instituir, a partir <strong>da</strong> metade dos anos 80, a grande fraude queserão os anos futuros com os yuppies, o neo-liberalismo, a falsas rebeldias préfabrica<strong>da</strong>s,tipo um tal de transvanguar<strong>da</strong>, as <strong>pesquisa</strong>s e eventos que marcam apassag<strong>em</strong> de déca<strong>da</strong>s são numerosos e muito diversificados, seria necessário umtrabalho aparte para um levantamento ain<strong>da</strong> que superficial <strong>da</strong> cena cultural <strong>em</strong> SPdos 70. O que vamos colocar a seguir são alguns ex<strong>em</strong>plos, muito marcantes, masnão <strong>em</strong> condições de d<strong>em</strong>onstrar a totali<strong>da</strong>de, mais a título de ilustração dessepanorama cultural....na música: Antes de tudo Walter Franco, na<strong>da</strong> que foi produzido na déca<strong>da</strong>anterior e nos anos 70 é mais profundo, mais subversivo, instigante e revolucionáriono tratar a linguag<strong>em</strong> que a música de Walter Franco e explosão que foi suaapresentação de “Cabeça” no festival televisivo, agora carioca após a fase áureadesse tipo de evento <strong>em</strong> SP dos fins dos 60. Como descreve Augusto de Campos:“Quando WF apareceu, de “cabeça”, na música popular brasileira, quase não tinha


antecedentes. N<strong>em</strong> os protagonistas <strong>da</strong> Tropicália tinham ido tão longe. Era músicaconcreta “in concreto”. Foi no Festival de Globo de 1972...a explosão <strong>da</strong> letra <strong>em</strong>estilhaços de poesia e a sua implosão nos ocos do silêncio...racharam a cabeça <strong>da</strong>música popular” (2) e mais ain<strong>da</strong> a cabeça <strong>da</strong> estrutura plastifica<strong>da</strong> do festival televisivo<strong>em</strong> rede nacional <strong>da</strong>, mais que pelágica, Rede Globo, <strong>em</strong>presa priva<strong>da</strong>, porém, órgãooficial de comunicação <strong>da</strong> Ditadura Militar.A experiência artística, mais que música popular, de WF explicita acontinui<strong>da</strong>de, não só <strong>da</strong>s <strong>pesquisa</strong>s <strong>da</strong> construtiva déca<strong>da</strong> de 50 <strong>em</strong> SP, masprincipalmente a efervescência cultural que permanece nos undergrounds <strong>da</strong> urbe,longe dos olhos, e <strong>da</strong> compreensão, dos militares ou dos espaços <strong>da</strong>s artes oficiais ecomerciais.Depois, mais para o final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> assistir<strong>em</strong>os outras aparições comoa de Walter, Arrigo Barnabé é um deles, e b<strong>em</strong> típico de SP. Primeiro porque nãonasceu aqui, integrado a setores <strong>da</strong> USP mais <strong>da</strong>do às <strong>pesquisa</strong>s, absorverapi<strong>da</strong>mente os fluxos dinâmicos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e os recoloca, antropofagicamente, comolinguagens dos sons. “Diversões Eletrônicas”, apresenta<strong>da</strong> no Festival Universitário <strong>da</strong>TV Cultura de SP é b<strong>em</strong> o caso, o trabalho, show e disco, “Clara Crocodilo”, no iníciodos 80, mais ain<strong>da</strong>. Itamar Assunção com sua ban<strong>da</strong> “Isca de polícia” seguirá passosparecidos, mas com operações diferentes, mais musical, mais ligado ao s<strong>em</strong>ântico <strong>da</strong>marginali<strong>da</strong>de urbana, quase cin<strong>em</strong>atográfico, enquanto que Arrigo á mais forma,sintático, e estrutural <strong>em</strong> relação às composições. Contudo, ambos tenham sededicado nos anos futuros às <strong>pesquisa</strong>s <strong>da</strong>s raízes <strong>da</strong> música brasileira.Na seqüência o espaço foi aberto para eventos menos profundos massignificativos para cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, como o grupo Rumo e a geração Lira Paulistana,teatro, mais um pequeno auditório, localizado nos fundos e no sub-solo de um prédiona Praça Benedito Calixto, <strong>em</strong> Pinheiros, bairro ocupado pelos universitário <strong>da</strong> USP,junto ao gueto <strong>da</strong> Vila Ma<strong>da</strong>lena – a antiga, não essa coisa que está lá hoje. Depoisain<strong>da</strong> os punks, explodindo nas periferias de SP, Cólera, Olho Seco e outros são oretrato disso e não a fajutag<strong>em</strong> que foi parar nas mídias. O rock alternativo no iníciodos 80 é a face mais classe-média e universitária desse fenômeno, que produziucoisas interessantes com o Ira! ou, mais alternativo, Akira S e as garotas que erraram.To<strong>da</strong>s essas expressões já registram os novos rumos <strong>da</strong> cultura urbanainternacional, o desespero perante uma reali<strong>da</strong>de material monstruosa coordena<strong>da</strong> porum monstro maior e imaterial, a indústria midiática. Júlio Barroso a mais completatradução paulista dessa época <strong>da</strong> cultura internacional - mais <strong>em</strong> termos de posturacultural que pela música propriamente dita <strong>da</strong> “Gang 90” -,pode ser colocado, pelascircunstâncias, quase como nosso Ian Curtis....nas artes plásticas: Muito mais difícil é traçar um recorte alternativo aooficial, nas plásticas. Primeiro porque a cisão entre uma e outra, nesse caso, é muitomenos precisa do que na música popular, evident<strong>em</strong>ente. Segundo porque o própriocircuito específico transita entre o oficial e o underground, as Bienais confirmam isso,tanto v<strong>em</strong>os o eterno dejavu que marcará o fim do século, como experiências maisradicais, porém na maior parte dos casos, muito efêmeras.Também a própria disciplinari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s artes plásticas lhe impõe umaatmosfera distante <strong>da</strong>s raízes mais undergrounds como as periferias e o sub mundourbano.Portanto as experiências mais expressivas nessa área virão do ambienteuniversitário como é o caso de Regina Silveira ou Julio Plaza. Presenças marcantesna cultura dos 70, ambos <strong>pesquisa</strong>ram as questões <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> no mundo <strong>da</strong>s mídiaeletrônicas com caminhos diferentes. A primeira <strong>em</strong> sua possível materiali<strong>da</strong>de,trabalhando a questão no disciplinar <strong>da</strong>s artes plásticas, nos seus materiais e2. CAMPOS, Augusto; in: encarte cd Walter Franco – série dois momentos. Warner Music, 2000.


expressões, o trabalho de Regina t<strong>em</strong> matéria, mesmo os Simulacros que virão econfigurarão a expressão maior de sua <strong>pesquisa</strong>, ain<strong>da</strong> é imag<strong>em</strong> produzi<strong>da</strong> com asmão <strong>em</strong> material recortado e apresentado nas paredes e pisos dos museus e galerias.Júlio Plaza trabalha a <strong>pesquisa</strong> a partir <strong>da</strong> própria mídia, <strong>em</strong> uma linha queMcLluhan chamaria de “o meio é a mensag<strong>em</strong>”. Trabalha com livros na companhia deAugusto de Campos, com vídeo-texto, com vídeo, computadores. Um termo correntena época, <strong>em</strong> função dessas múltiplas experiências do artista e professor, é o de “artee tecnologia”, vários eventos são organizados na ci<strong>da</strong>de durante os anos 80 com essat<strong>em</strong>ática e agrupará um número significativo de novos artistas <strong>em</strong> torno dessa<strong>pesquisa</strong>.Nos meios tradicionais, dev<strong>em</strong>os chamar a atenção para o primoroso trabalhode Ubirajara Ribeiro. Embora seja um artista do desenho e a veiculação de sua arteseja <strong>da</strong> forma tradicional, exposições <strong>em</strong> galerias do circuito. A quali<strong>da</strong>de e o desenho,<strong>em</strong> sua linguag<strong>em</strong>, mais SP que qualquer outra, muito mais que as paisagens frígi<strong>da</strong>sde um Gregório Gruber ou Newton Mesquita por ex<strong>em</strong>plo, o colocam <strong>em</strong> destaque,mesmo sua postura perante o mercado, mais, com relação a vi<strong>da</strong>, o coloca <strong>em</strong> umaposição de extr<strong>em</strong>a auto marginali<strong>da</strong>de, underground ao extr<strong>em</strong>o.Mesmo a atuação mais marginal e anti-oficial nas artes visuais que surgirãocom força máxima no final dos 70, t<strong>em</strong> sua orig<strong>em</strong> <strong>em</strong> grupos ligados àsUniversi<strong>da</strong>des. È o caso do grafiti. As pinturas com tinta spray que começaram aocupar os muros e prédios de SP foram impulsiona<strong>da</strong>s principalmente por AlexVallauri, que ficou um t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> Nova Iorque e ao voltar imprimiu sua estética kitsh, aRainha do frango assado, <strong>em</strong> vários muros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> publicação do texto deJean Baidrillard, “Kool killer, ou a insurreição pelos signos” (3) na Cine olho, <strong>em</strong> 1979.Vallauri era próximo aos grupos de intervenção urbana, como 3nós3 / Manga Rosa,também de universitários, como o pessoal de ECA que publicava a Cine olho.Esses grupos e os grafiteiros formam um capítulo à parte no underground <strong>da</strong>sartes plásticas paulistanas, exatamente por ser<strong>em</strong> os que mais irão radicalizar essapostura. Negando o mercado, o circuito, a arte não é uma questão de especialista esim um fenômeno <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des e dessa forma deve ser produzi<strong>da</strong> e exposta, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dee para a ci<strong>da</strong>de. Por esse motivo tratar<strong>em</strong>os deles <strong>em</strong> separado mais à frente....no cin<strong>em</strong>a: Como já diss<strong>em</strong>os as produções cin<strong>em</strong>atográficas estavamcentra<strong>da</strong>s no Rio, b<strong>em</strong> como o controle <strong>da</strong>s verbas oficiais, que com certeza, nãointeressava a ninguém que viess<strong>em</strong> parar na antipelágica SP.Isso diminui mas não impede produções paulistas mais de <strong>pesquisa</strong> e dequestionamento culturais além <strong>da</strong>quelas <strong>da</strong> Boca do lixo. O caso ex<strong>em</strong>plar e maissignificativo é Carlos Reichenbach.A déca<strong>da</strong> anterior havia deixado o marco de marginali<strong>da</strong>de e radicali<strong>da</strong>de docin<strong>em</strong>a brasileiro que foi “O bandido <strong>da</strong> luz vermelha” de Rogério Sganzerla, produzido<strong>em</strong> 1968, muito mais radical <strong>em</strong> linguag<strong>em</strong> do que qualquer obra do Cin<strong>em</strong>a Novo,inclusive ”Deus e a diabo na terra do sol” de Glauber Rocha, e infinitamente maisurbano <strong>em</strong> t<strong>em</strong>a, forma e significado. A história romancea<strong>da</strong> do famoso, e real,bandido têm como cenário uma urbe decadente, promiscua e violenta.Reichenbach, por caminho diferente, chega ao mesmo fim, uma linguag<strong>em</strong>s<strong>em</strong> os padrões, a essas altura diluídos e fossilizados, do Cin<strong>em</strong>a Novo, produto deum meio urbano complexo e fascinante, cheio de personagens e formas inusita<strong>da</strong>s <strong>em</strong>isteriosas, ao lado de uma hipocrisia escancara<strong>da</strong> e prevalescente. Em 1975 eleapresenta “Lílian M: relatório confidencial” com uma estética carregadíssima, longe dobom gosto institucionalizado e do maneirismo esteticizante <strong>da</strong> miséria do cin<strong>em</strong>aengajado, puro cin<strong>em</strong>a urbano, e paulista. Contudo, a obra de Carlos mais adequadopara d<strong>em</strong>onstrar a cultura de SP imersa na reali<strong>da</strong>de internacional dos 70, talvez seja3. Baudrillard, Jean. L’ échange symbolique et la mort. Gallimard, 1976. Traduzido por FernandoMesquita para a revista Cine Olho, n. 5/6.


“Snuff – vítimas do prazer”, não só pela linguag<strong>em</strong>, ou meta linguag<strong>em</strong>, mais pelasidéias que ele contém.De forma caricata e perversa, ele cria uma alegoria <strong>da</strong>s relações imperialistasamericanas, tão fala<strong>da</strong>s na época, que asume um comportamento crítico s<strong>em</strong>passivi<strong>da</strong>de na obra de Reichenbach, focando a história de produtores americanos decin<strong>em</strong>a pornô que começam a atuar na ci<strong>da</strong>de e filmam suas atrizes sendo estupra<strong>da</strong>se assassina<strong>da</strong>s de ver<strong>da</strong>de.Outros casos recorrentes de uma <strong>pesquisa</strong> cin<strong>em</strong>atográfica experimental ealternativa que dev<strong>em</strong> ser l<strong>em</strong>brados: Antonio Calmon <strong>em</strong> “Paranóia” de 1976 e“Gente fina é outra coisa” de 77, grandes retratos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na urbana e o delicado epreciso filme baseado <strong>em</strong> Amar: verbo intransitivo de Mário de Andrade, dirigido porEduardo Escorel <strong>em</strong> 1975 com o nome de “Lição de amor”. Como também a primeiraobra e mais caracteristicamente urbana e marginal de Hector Babenco, “O rei <strong>da</strong>noite”, também de 75. Depois Hector dirigirá uma produção carioca engaja<strong>da</strong> contra aditadura, “Lúcio Flávio, passageiro <strong>da</strong> agonia”, antes de seu, também urbano <strong>em</strong>arginal, “Pixote” que lhe trará fama e carreira internacionais....vídeo: Em função do interesse <strong>da</strong>s novas gerações de SP pelas mídia etecnologias, um fato marcante na cultura <strong>da</strong> urbe, na área dos audiovisuais é a vídeoarte.Grupos formam-se na ci<strong>da</strong>de, alguns alcançando êxitos profissionais e nasexperiências com a linguag<strong>em</strong> videográfica, é o caso do Olhar Eletrônico e do TVDO.Ambos part<strong>em</strong> do estudo do médium como expressão disciplinar, não como registrorealista ou ficção calca<strong>da</strong> na a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong>s linguagens do cin<strong>em</strong>a e do teatro. Mas, omaior interesse de ambos são os fluxos <strong>da</strong>s culturas e comportamentos <strong>da</strong> urbepaulista....literatura: A literatura underground de SP vai concentrar-se <strong>em</strong> posturas dotipo <strong>da</strong>quelas apresenta<strong>da</strong>s pela geração beat, retratos <strong>da</strong>s ruas impressos <strong>em</strong>condições totalmente alternativas e vendi<strong>da</strong> de mão <strong>em</strong> mão pelas ruas e bares <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de, poucos se destacam <strong>em</strong> produção, mais <strong>em</strong> atuação pelos cenários <strong>da</strong> SP dos70, são bastante característicos. É a chama<strong>da</strong> geração mimeógrafo, o Sangue Novo,poetas jovens que freqüentavam as noites <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, tendo como QG um barchamado Redondo, na esquina <strong>da</strong> Consolação com a Ipiranga (pelo menos é onde eumais os via) ilustra b<strong>em</strong> essa geração de poetas urbanos.Não especificamente literatura mas também <strong>em</strong> mídia impressa, as revistasalternativas de cultura são um fenômeno b<strong>em</strong> peculiar <strong>da</strong> época. Ex<strong>em</strong>plos: Cine olho,Alienarte, querendo rever os legados <strong>da</strong>s gerações anteriores, tanto que as primeirasentrevistas <strong>da</strong> Alienarte são com Zé Celso e <strong>Jorge</strong> Mautner e o principal interesse dosprimeiros números <strong>da</strong> Cine olho é o cin<strong>em</strong>a de vanguar<strong>da</strong> soviético <strong>em</strong> artigos deArlindo Machado. Tinham como postura editorial e forma gráfica sentido oposto aosjornais alternativos políticos, como Versus, A voz <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de ou O trabalho....no teatro: Zé Celso retorna do exílio <strong>em</strong> 1978 e reabre o Oficina <strong>em</strong> 79, com“O ensaio geral do carnaval do povo”, proporcionando algum movimento no mar d<strong>em</strong>onotonia, <strong>da</strong>s encenações sub-produto televisivo ou <strong>da</strong>s já desgasta<strong>da</strong>s e inúteismontagens de crítica política, n<strong>em</strong> a repressão se ´preocupa com elas nos finais dos70.A presença do encenador de volta a SP não atrai atenção do grande público,mas, dos setores ligados a cultura, muita. Tanto que grupos como o Ornitorrinco deCacá Rosset ou o Pó de minoga provocarão uma cena muito mais interessante nospróximos anos. O próprio Oficina se tornará, se não um sucesso de público, pelomenos muito mais evidente ao grande público depois dos anos 90 com montagenscomo As bacantes ou Cacil<strong>da</strong>!, entre o espanto e a fascinação de uma audiência jádesacostuma<strong>da</strong> aos grandes happenings que haviam sido as apresentações teatrais<strong>da</strong> passag<strong>em</strong> dos 60 para os 70.Essa cultura de sub-mundo encaminha<strong>da</strong> pelos artistas de SP na déca<strong>da</strong> de 70d<strong>em</strong>onstra que, por um lado, a urbe continua antipelágica, por outro, uma espantosacapaci<strong>da</strong>de de se a<strong>da</strong>ptar às situações mais adversas e ári<strong>da</strong>s.


6.3 ...e a arquitetura?De to<strong>da</strong>s as manifestações culturais a arquitetura, s<strong>em</strong> a menor dúvi<strong>da</strong>, é qu<strong>em</strong>ais t<strong>em</strong> dificul<strong>da</strong>des <strong>em</strong> ser produzi<strong>da</strong> de forma alternativa, fora de um sist<strong>em</strong>a sócio- econômico que lhe imponha condições muito precisa. De tal forma, o ambiente dosanos 70 vai provocar estragos muito maiores nessa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de artística que nasd<strong>em</strong>ais. Vejamos essa afirmação de Vilanova Artigas para termos idéia <strong>da</strong> situação:“Depois de cassado, vivi a déca<strong>da</strong> de 70 cercado pelo medo. Desse período só mel<strong>em</strong>bro do medo. Terror que fez meus colegas calar<strong>em</strong> a boca na Universi<strong>da</strong>de” (4) .Artigas foi cassado de suas funções na USP <strong>em</strong> 1969 pelo AI-5, nos anos 70 não parasuas ativi<strong>da</strong>des como arquiteto, ao contrário só <strong>em</strong> 1976 ele projetou oito escolasestaduais.To<strong>da</strong>via, esse medo a que ele se refere e nos dá uma idéia de improdutivi<strong>da</strong>de,se deve totalmente ao clima cultural, obviamente decorrente do político, <strong>em</strong> que seencontra o país. Não existe mais a cultura fervente <strong>da</strong>s primeiras Bienais e os grandedebates, não existia mais ecos entre as artes n<strong>em</strong> tampouco espaços para projetoscoletivos. O que tínhamos no lugar era a necessi<strong>da</strong>de urgente de sobrevivênciaindividual e, muitas vezes, clandestina.Se para as outras artes essa atmosfera gerou condições de expressõesinusita<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> descoberta de outros meios para alcançar as audiências, para aarquitetura tal situação promoveu desastres praticamente irr<strong>em</strong>ediáveis até os diasatuais.Os arquitetos, <strong>da</strong> mesma forma que as d<strong>em</strong>ais artes, irão de profissionalizar, aeficiência e competência técnicas são o que garante a sobrevivência profissional, osdiscursos possíveis à arquitetura não encontram ecos no corpo social, principalmentenos poderes constituídos, tanto político quanto o econômico, que já fez sua opçãodesde a marcha com Deus pela d<strong>em</strong>ocracia nos anos 60. Assim, o nível <strong>da</strong>oficiali<strong>da</strong>de na arquitetura corresponde a trabalhar para essa ideologia. Probl<strong>em</strong>aabsolutamente insolúvel para to<strong>da</strong> aquela geração forma<strong>da</strong> <strong>em</strong> torno de Artigas, oumesmo <strong>em</strong> torno de Rino Levi.A déca<strong>da</strong> será marca<strong>da</strong> por obras de escritórios como Aflalo, Croce &Gasperini, Ruy Ohtake, Abrahão Sanovicz, arquitetos talentosos porém, longe deoferecer<strong>em</strong> um discurso arquitetônico amplo e ao mesmo t<strong>em</strong>po definido, umalinguag<strong>em</strong> completa para a arquitetura ao nível de Artigas ou Rino.A geração é numerosa, forma<strong>da</strong> nos anos 50 e altamente qualifica<strong>da</strong> paratrabalhar<strong>em</strong> nos anos 70, Eduardo Longo, Fábio Penteado, Décio Tozzi, Pedro PauloSaraiva, Francisco Petracco, Eduardo de Almei<strong>da</strong>, porém a arquitetura produzi<strong>da</strong>mantém-se restrita ao que já havia sido experimentado nos anos 50 e 60. Apesar <strong>da</strong>quali<strong>da</strong>de do que foi produzido não se apresenta como produto de uma nova situaçãourbana.Falta à arquitetura desse período o grau de especulação vanguardista quefomentou as grandes transformações culturais na ci<strong>da</strong>de. Com certeza t<strong>em</strong>osexceções, <strong>em</strong> micro-cosmos, a esse quadro. No grande panorama a mais identificávelé a de Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha, a mais plena mentali<strong>da</strong>de criadora, investigativa equestionadora nos padrões <strong>da</strong> tradição cultural <strong>da</strong> urbe SP.Já nos 70 a arquitetura de Paulo se apresenta como uma grande síntese <strong>da</strong>cultura <strong>da</strong> urbe, ele vai além do discurso de Artigas, a sua poética construtiva é muitomais intensa que a retórica social do mestre, que s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong> o foi. O que Paulo faz éir adiante do mestre como s<strong>em</strong>pre deveria ser. Do projeto para o concurso do CentroPompidou <strong>em</strong> 1971 ao MUBE <strong>em</strong> 1988, Mendes <strong>da</strong> Rocha configurou uma arquiteturaprovi<strong>da</strong> unicamente <strong>da</strong> secura do essencial, puramente SP, a arquitetura que se4. Vilanova Artigas: arquitetos brasileiros – brazilian architects. São Paulo, Inst. Lina Bo e P. M. Bardi /Fun<strong>da</strong>ção Vilanova Artigas, 197. p. 33.


“propõe a”, que nunca é feita por acaso, que é uma uni<strong>da</strong>de plástico-construtivapolítica-filosófica-urbana,s<strong>em</strong> concessões ao simbólico ou propagandístico, sóarquitetura <strong>em</strong> bruto, absolutamente programática.A síntese de Paulo Mendes corresponde àquela dos poetas concretistas dos50 e a antropofagia oswaldiana. Em grande medi<strong>da</strong> ele consegue manter o caráter deuma linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente liga<strong>da</strong> a uma determina<strong>da</strong> cultura urbana, a de SP.Não só a sua cultura, mas a sua geografia, aos seus materiais e suas técnicas.Um fato arquitetônico que merece destaque na déca<strong>da</strong> é o projeto para a novaPraça <strong>da</strong> Sé, de uma equipe coordena<strong>da</strong> pela EMURB (5) não tanto pelo projeto <strong>da</strong>praça <strong>em</strong> si, se b<strong>em</strong> que só ele já se apresenta com uma visão fragmenta<strong>da</strong> e depassag<strong>em</strong> para o espaço público.Mas o que nos chama a atenção é o projeto deocupação <strong>da</strong> praça por esculturas modernas sob a curadoria de Radha Abramo.O resultado desse museu ao ar livre de esculturas é proporcional àoficialização <strong>em</strong> outras artes, <strong>em</strong> condições mais limitadoras ain<strong>da</strong> que a arquitetura.Não existe visão urbana <strong>da</strong>s obras, não é <strong>da</strong>do o direito ao escultor de se integrar aourbano de conversar com ele, mais que um jardim de esculturas, como surgirão nosanos 90 na ci<strong>da</strong>de, na praça <strong>da</strong> Sé t<strong>em</strong>os mais um zoológico de esculturas, não houvenenhum tipo de diálogo entre os espaços que estão sendo oferecidos ao público e àsobras de arte que os povoam e os personalizam, por isso não fru<strong>em</strong>. Contudo, agrande discussão que se inicia nos anos 70, e vai se aprofun<strong>da</strong>r ca<strong>da</strong> vez mais naspróximas déca<strong>da</strong>s é exatamente essa: Arte - Ci<strong>da</strong>de6.4- As relações arteXci<strong>da</strong>de (cultura urbanaXmateriali<strong>da</strong>de urbana)Nos últimos anos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70 os artistas mais jovens, três geraçõesdepois dos concretistas, quer<strong>em</strong> levar sua produção inicial a um público que existediluído nas multidões de São Paulo, como é um público que consome determinado tipode música ou determinado programa de TV. Ele está espalhado pela ci<strong>da</strong>de a esperade novas informações, novas idéias para superar a prostração dos últimos anos,dividido <strong>em</strong> ínfimos guetos e tribos. Como reação a exclusão proporcionado pelosespaços oficiais, eles vão ocupar os espaços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, vão transformar a ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong>suporte, cenário, t<strong>em</strong>a de seus pensamentos artísticos, políticos, culturais. Isto <strong>em</strong>uma atitude underground, às vezes niilista, mas claramente uma atitude deenfrentamento a um oficial sectário e elitista e, também, como postura para seaproximar mais <strong>da</strong> cultura de massa que é produzi<strong>da</strong> e consumi<strong>da</strong> pelos centrosurbanos.Da mesma forma que havia acontecido <strong>em</strong> Nova York no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, osgrafites explod<strong>em</strong> por São Paulo como uma <strong>da</strong>s manifestações resultantes dopanorama brev<strong>em</strong>ente colocado acima. Outro tipo de acontecimento <strong>da</strong> época, e quepara este trabalho é mais atraente, são os grupos que propunham-se a realizar“intervenções urbanas”. Pequenos grupos de diferentes origens formaram-se elançaram-se com este objetivo, intervir no espaço urbano. Nunca nenhum destesgrupos definiu de forma precisa o que seria esta intervenção, mas elas aconteciam,extra-oficialmente, e com um comportamento quase que militante, uma militância s<strong>em</strong>nenhuma vinculação partidária, única exclusivamente a militância <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>“ocupação” do espaço urbano, simbolizando a ocupação do espaço social e culturalpela geração pós-60.No caso dos grafites, guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s as diferenças de épocas, eles ain<strong>da</strong> hojepermanec<strong>em</strong> com algumas destas características, a utilização não permiti<strong>da</strong> dosespaços, o discurso do excluído, o niilismo, e necessitam de análises maisespecíficas, até enquanto uma manifestação de rebeldia normalmente juvenil, queimplica <strong>em</strong> el<strong>em</strong>ento significativo do ambiente urbano, mas não como considerações5. José E. Lefèvre, Domingos de Azevedo Neto, Willian Mumford, Antonio Bergamin, Paulo Del Pichia eVladimir Bartalini.


mais profun<strong>da</strong>s de como reorganizar os ambientes urbanos com sua linguag<strong>em</strong>.Os grupos de “intervenção urbana”, 3nós3, Manga Rosa, Viajou S<strong>em</strong>Passaporte, Centro de Livre Expressão, e outros, tinham como propósito, a discussãodos t<strong>em</strong>as pertinentes ao ambiente urbano, a paisag<strong>em</strong>, o hom<strong>em</strong> urbano e suasensibili<strong>da</strong>de, a informação na ci<strong>da</strong>de. Porém seus trabalhos eram como que resultadoespontâneo de causa-efeito, até pela i<strong>da</strong>de média dos participantes dos grupos e pelapouca informação disponível, proporcionado pelo fechamento político, para que elespudess<strong>em</strong> ter contatos com outras experiências do gênero pelo mundo. Isto setraduzia <strong>em</strong> certa ingenui<strong>da</strong>de ao tratar as questões relativas ao ambiente urbano. Aci<strong>da</strong>de é mais vista como paisag<strong>em</strong> na tradição do landscape do que como ambienteque se movimenta e se multiplica. O pessoal do 3nós3 declara: “O que nosinteressava era a ci<strong>da</strong>de enquanto produto arquitetônico, enquanto forma plástica.” (6) ,parecendo desprezar um pouco as relações que ocorr<strong>em</strong> sob estas formas plásticas, oprocessual do urbano, o usuário urbano.O que não impede o grupo de realizar instigantes trabalhos <strong>em</strong> grandes viaspúblicas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de causando estranhamentos e diferentes leituras dos espaços aospassantes. Da mesma forma que o Grupo Manga Rosa coloca parafraseandoTorquato Neto “T<strong>em</strong> espaço a bessa. Ocupe e se vire” (7) , olhando para o urbano comoespaço principalmente comunicativo, o grande medium. A questão torna-se mais umconfronto com as informações veicula<strong>da</strong>s na ci<strong>da</strong>de do que a ci<strong>da</strong>de como informaçãoe processo social. O grupo faz uma auto-crítica neste sentido na revista “Arte <strong>em</strong> SãoPaulo” com o texto “Manga Rosa ao ar livre” <strong>em</strong> 1982.Os grupos <strong>da</strong> passag<strong>em</strong> dos 70 para os 80 mantém um forte vínculo com ageração concretista, o Manga Rosa está permanent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> contato com MaurícioNogueira Lima e Augusto de Campos, nos anos 80 parte do grupo vai fazer uma sériede instalações a partir dos po<strong>em</strong>as concretistas. O 3nós3 também, e parte deleintegrará o grupo de arte-tecnologia de Júlio Plaza. Dessa forma os gruposenquadram-se no que estamos posicionandos como tradição cultural <strong>da</strong> urbe SP.Os anos 80 traz<strong>em</strong> consigo a exaustão dos regimes totalitários e algumasaberturas tanto políticas quanto culturais, além de uma intensificação <strong>da</strong>s discussões<strong>em</strong> torno <strong>da</strong>s questões ambientais, o hom<strong>em</strong> e seu habitat. Os profissionais dediversas áreas são convi<strong>da</strong>dos e se oferec<strong>em</strong> para discutir os t<strong>em</strong>as relativos aourbano enquanto ambiente, porém sob a capa do neoliberalismo ou conservadorismo.6.5 Morfologia e situação urbanística de SP / O ambiente urbanoFazer qualquer consideração sobre as condições do ambiente físico <strong>da</strong> urbeSP a partir dos anos 70, por mais superficial que fosse consumiria centenas depáginas. Não é o caso. O que pod<strong>em</strong>os fazer é apontar algumas poucas questões arespeito do cenário físico onde se desenrolam os fatos culturais nos anos 70.O ambiente urbano dos anos 70 <strong>em</strong> escala internacional, passa por processosde decadência expressiva, pelos motivos que conhec<strong>em</strong>os. SP não é exceção, é umex<strong>em</strong>plo contundente.A metrópole dos anos 70 é um mega aglomerado formado por 25 municípios e10 milhões de habitantes, sendo 5 milhões só <strong>em</strong> SP. Evident<strong>em</strong>ente n<strong>em</strong> ainfraestrutura básica consegue acompanhar esse crescimento, o que dizer então <strong>da</strong>spreocupações estéticas ou ambientais desse <strong>em</strong>aranhado construído. O que se faz,normalmente mal, é tentar o mínimo de viabili<strong>da</strong>de para esse urbano superlativo <strong>em</strong>matéria e probl<strong>em</strong>as. Essa viabili<strong>da</strong>de <strong>em</strong> via de regra é vista como de ord<strong>em</strong>6. Em entrevista publica<strong>da</strong> na “Arte <strong>em</strong> Revista” n. 8, CEAC/FAPESP, São Paulo, 1984. p. 51.7. “Primeiro passo conquistar espaço. T<strong>em</strong> espaço abessa. Ocupe. Se vire”. extr. de po<strong>em</strong>a deTORQUATO NETO. Grupo MANGA ROSA <strong>em</strong> texto para painel out-door no Av. <strong>da</strong> Consolação, SãoPaulo, 1980.


econômica, logo as resposta serão de ord<strong>em</strong> operacional, um funcionalismo modernodesprovido do racionalismo. A questão fica sendo o circular pela ci<strong>da</strong>de.O papel <strong>da</strong>s vias expressas nas metrópoles modernas foi colocado de formaprecisa por Marshall Berman com “Robert Moses: O mundo <strong>da</strong> via expressa” (8) . Nóstambém tiv<strong>em</strong>os personagens como o prefeito de Nova Iorque, ele mesmo andou poraqui. Nos anos 70 já t<strong>em</strong>os configura<strong>da</strong> a rede de vias expressas <strong>em</strong> projeto desde osanos 30 e redimensiona<strong>da</strong> nos 50 e 70. As marginais, as ligações norte-sul e lesteoeste(com o <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático “minhocão”).Além do espaço de profun<strong>da</strong> aridez que elas <strong>em</strong> si propiciam, os tecidos porelas rasgados sofr<strong>em</strong> com vertiginosa degra<strong>da</strong>ção, resposta do ambiente à hostili<strong>da</strong>dedos novos territórios formados ao longo e sob essas estruturas constituí<strong>da</strong>sexclusivamente de função, s<strong>em</strong> significado ou forma. Esses territórios (de)formadospelas expressas estão <strong>em</strong> todo o tecido metropolitano, inclusive nas áreas centrais. OGlicério violentado pela Radial Leste, o próprio Parque D. Pedro.O centro a essas alturas apresenta sintomas de decadência galopante. OVelho, como já vimos, v<strong>em</strong> decaindo há algum t<strong>em</strong>po, desde a formação do NovoCentro nos anos 50. Este agora também começa a perder seu glamour e d<strong>em</strong>onstraclaramente que seguirá os passos do centro original. As ativi<strong>da</strong>des mais notáveismigram para novas áreas, configurando novos centros.Nos anos 70 ver<strong>em</strong>os essa migração de forma explicita do centro para a zona<strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Paulista, não só escritórios e bancos, mas também cin<strong>em</strong>as, bares,butiques.Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se romp<strong>em</strong> vínculos simbólicos com o territóriocentral, também as novas áreas nobres são projeta<strong>da</strong>s sob orientação ideológicamuito diferente <strong>da</strong>s anteriores na ci<strong>da</strong>de. O programa agora é o espaço <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>priva<strong>da</strong>, o próprio encontro público se dá <strong>em</strong> espaços privatizados.A migração de ativi<strong>da</strong>des que de orig<strong>em</strong> <strong>da</strong>vam-se no Centro prosseguirá nasdéca<strong>da</strong>s seguintes, configurando novos centros do ponto de vista de decisões e podereconômico, o que implica <strong>em</strong> que não estamos falando de polarizações menoresespalha<strong>da</strong>s pela metrópole, esses tipos de sub-centros configuram outro tipo defenômeno. Eles serão s<strong>em</strong>pre periféricos, não só <strong>em</strong> geografia, mas principalmente<strong>em</strong> importância político-econômica. Como também migram as habitações <strong>da</strong>s elites eclasse média para novos bairros mais acessíveis aos novos centros.Ocorre que tecidos configurados e com infra-estrutura monta<strong>da</strong> vão sendoabandonados. As novas populações que se abrigam nessas áreas não dispõ<strong>em</strong> derecursos materiais e culturais para manutenção do ambiente, n<strong>em</strong> o poder público s<strong>em</strong>obiliza para tanto. Portanto, novos focos de degra<strong>da</strong>ção e de marginalização urbanase configurarão <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> área central original.O resultado é a ci<strong>da</strong>de planta<strong>da</strong> pela segregação, as vantagens modernas <strong>da</strong>urbani<strong>da</strong>de concentra<strong>da</strong> <strong>em</strong> focos, ilhas cerca<strong>da</strong>s pelas massas de ci<strong>da</strong>des préindustriais,às vezes pré-civilização.As favelas, um fenômeno típico de ci<strong>da</strong>des como o RJ desde o início doséculo, não eram tão expressivas na ci<strong>da</strong>de até os anos 60. O mais usual comohabitação precária <strong>em</strong> SP eram os cortiços, as favelas começam a surgir na déca<strong>da</strong>de 70 com mais intensi<strong>da</strong>de, o estoque de casarões passíveis de se encortiçar não é osuficiente. A partir <strong>da</strong>í a sua multiplicação é absur<strong>da</strong>, superando o próprio Rio <strong>em</strong>muito.O urbano sofre com a falta de políticas para no mínimo atenuar os grandesdramas que estão se formando.Até na maior obra urbana do período, o metrô, nota-se a falta de profundi<strong>da</strong>dena visão de ci<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s políticas públicas. O eixo norte-sul, primeira linha do tr<strong>em</strong>8. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. São Paulo,Cia. Das letras, 1986. p. 274-297.


subterrâneo, do centro para o sul atravessa a Liber<strong>da</strong>de, Vila Mariana, até oJabaquara, ocasionou cicatrizes, não conseguiu intensificar situações urbanas, <strong>em</strong>suma não houve um projeto urbano acompanhando o projeto <strong>da</strong> infra-estrutura detransporte coletivo. Novamente ficou-se contido na função s<strong>em</strong> significado, nofuncionalismo s<strong>em</strong> racionalismo.6.6 - O fim de séculoO panorama fixado nos anos 70 vai ser aprofun<strong>da</strong>do até o final do século XX: afragmentação dos espaços urbanos, ca<strong>da</strong> vez mais despersonalizados ouguetificados; a imag<strong>em</strong> de ci<strong>da</strong>de subjuga<strong>da</strong> por uma reali<strong>da</strong>de metropolitanaesmagadora <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des integradoras; a ruptura com a geografia e as origenstopológicas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de proporciona esse caráter desprovido de senso comunal.A mesma ruptura será verifica<strong>da</strong> no plano <strong>da</strong> cultura urbana, ain<strong>da</strong> nos anos 70tentou-se (9) reabilitar o sentido urbano cosmopolita com linguag<strong>em</strong> própria verifica<strong>da</strong>na antropofagia oswaldiana e na postura <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s dos anos 50, alguns elosforam mantidos e outros reabilitados, tanto pelas <strong>pesquisa</strong>s no underground <strong>da</strong>ditadura e <strong>da</strong> elite tecnocratiza<strong>da</strong> quanto pelas do meio universitário. Embora, commétodos diferentes o projeto político (o clandestino) quanto o projeto cultural(underground) tinham um sentido coletivo, ain<strong>da</strong> eram propostos como projeto socialamplo.As configurações e expressões a partir dos „80 abandonaram os projetoscoletivos <strong>em</strong> troca de uma individuali<strong>da</strong>de esquizofrênica e estéril. A decadência <strong>da</strong>cultura material e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nela presente esvazia as atitudes artísticas maisprogramáticas, com desejo de inserção transgressora na socie<strong>da</strong>de. A inanição eindiferença se institucionalizam e conduz<strong>em</strong> uma cultura de consumo e de eventos.Em parte é o que acontece com o “Arte-Ci<strong>da</strong>de” de Nelson Brissac, nos anos90, diz<strong>em</strong>os isso porque se apresenta na ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> condições muito maisdomestica<strong>da</strong> que as ações nas ruas na passag<strong>em</strong> 70-80, também porque boa parte<strong>da</strong>s propostas não ultrapassa considerar o espaço <strong>da</strong>s ruínas urbanas como galeria,lugar de exibição. Contudo o projeto de Brissac t<strong>em</strong> muitos méritos, sua organizaçãonos três módulos (Matadouro <strong>da</strong> Vila Mariana, Prédios no Centro -94 e ruínasindustriais na Barra Fun<strong>da</strong> – 97), além de aprofun<strong>da</strong>r <strong>em</strong> muito as discussões sobre aarte na urbe, conferiu aos ritmos de freqüência e freqüentação <strong>da</strong>s expressõesartísticas <strong>em</strong> choque com o urbano <strong>em</strong> uma potência muito maior que as agoraingênuas intervenções de uma déca<strong>da</strong> antes. Também, uma outra parte bastanteexpressiva de artistas participantes é composta por gente liga<strong>da</strong> “aquela essência <strong>da</strong>cultura de SP, artista que tiveram íntimo contato, e prossegue <strong>pesquisa</strong>s, com aslições oswaldianas, ou com a herança concretista, ou estão <strong>em</strong> contato com a fas<strong>em</strong>ais recente do Oficina ou de Augusto de Campos, na maior parte deles tudo issojunto: R. Silveira, T. Jungle, W. Garcia, A. Antunes, G. Lacaz, M. Wisnick, o próprioPaulo m. <strong>da</strong> Rocha, e muitos outros.A presença <strong>da</strong> indústria <strong>da</strong> mídia nos meios culturais dos anos 70 vai tornar-sea própria onipresença nos anos seguintes, seu poder ultrapassa qualquer limite. Asexpressões vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s ruas e <strong>da</strong>s bases do corpo social transformam-seexclusivamente <strong>em</strong> manifestações do e para o gueto. Assim será as ativi<strong>da</strong>des dospixadores ou do RAP, cerca<strong>da</strong> de uma revolta, que por ser ineficaz, gera violência esectarismos.As elites s<strong>em</strong> a provocação <strong>da</strong>s culturas alternativas acomo<strong>da</strong>m-se <strong>em</strong> umstatus quo cultural desprovido de qualquer profundi<strong>da</strong>de filosófica ou formal os9. Em 1979 estávamos trabalhando no Te-ato Oficina, no grupo d edições, tmabém estava por lá EduardoMontagnari (Tatu), ele propunha publicarmos um livro sobre a dáca<strong>da</strong> com o nome de “Setenta setentou”.Nome apropriadíssimo para a situação.


categoria, freqüenta os ambientes in door dessa elite. O ruim e caro é o padrão, adiferenciação <strong>da</strong> elite se dá pelo preço, muito longe <strong>da</strong> sofisticação intelectual. Amodelos mais desqualificados internacionais são definitivamente aceitos. A estética doneoclássico mais imbecilizado, dos shoppings com cara de cassino de segun<strong>da</strong> opçãopela burrice feita pela socie<strong>da</strong>de paulista do pós-golpe está evidencia<strong>da</strong> na totaldesintegração do ensino básico na formação <strong>da</strong>s novas gerações, ele estádesqualificado <strong>em</strong> qualquer patamar que façamos essa avaliação, mesmo para ospaíses mais atrasados do planeta.A arquitetura provavelmente é a que mais t<strong>em</strong> sofrido com estado de coisas. Aci<strong>da</strong>de t<strong>em</strong> sido povoa<strong>da</strong> por uma arquitetura desacultura<strong>da</strong>, longe dos processoscriadores <strong>em</strong> que esteve envolvi<strong>da</strong> <strong>em</strong> grande parte do século. E no lugar <strong>da</strong> <strong>pesquisa</strong>de uma linguag<strong>em</strong> apropria<strong>da</strong> à ci<strong>da</strong>de, uma arquitetura que adota os entulhos <strong>da</strong>estética globaliza<strong>da</strong>, s<strong>em</strong> critérios ou qualquer condição de avaliação de sua vali<strong>da</strong>deou não para a cultura de SP, cafona por princípio, típica dos que não consegu<strong>em</strong>, porfragili<strong>da</strong>de intelectual e artística formular<strong>em</strong> bases lingüísticas próprias.A situação internacional favorece essa desideologização do fato cultural, omedo e a descrença <strong>em</strong> propostas alternativas ficam estampados nos principais fatosdo final do século, a AIDS <strong>em</strong> 81, o fim melancólico <strong>da</strong> URSS <strong>em</strong> 91 desmascarandouma farsa totalitária estatal de privilégios e ineficiência. Mesmo a que<strong>da</strong> do muro deBerlim <strong>em</strong> 89, ao invés de descortinar um mundo aberto às liber<strong>da</strong>des, configura anova on<strong>da</strong> de liberalismo econômico, irracional e desprovido de qualquer senso desoli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.A cultura <strong>em</strong> desintegração na urbe <strong>da</strong> passag<strong>em</strong> de séculos só não éabsolutamente total por conta <strong>da</strong> presença de um espírito urbano de SP que mais oumenos tarde será reabilitado. As novas gerações pod<strong>em</strong> e deverão reatar os elos deuma cultura que mesmo fragmenta<strong>da</strong>, como a própria metrópole, ain<strong>da</strong> é a imag<strong>em</strong> deSP. A urgência dessa reabilitação é a mesma urgência <strong>da</strong> sobrevivência <strong>da</strong> urbe, algomais que um grande amontoado de construções, e sim um território construído providode identi<strong>da</strong>de própria.O caráter pessoal e intransferível de SP continua, ain<strong>da</strong> que <strong>em</strong> amostrareduzi<strong>da</strong>, nas veias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e até <strong>em</strong> personali<strong>da</strong>des de nossa cultura que mesmono ambiente desfavorável de final de século continua produzindo obras radicais, s<strong>em</strong>concessões aos pastiche de segun<strong>da</strong> leitura, s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> contato com novas propostase ambasando-as com a consistência necessária. É o caso de Augusto de Campos,Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha e José Celso Martinez Corrêa, os três continuam <strong>em</strong>ativi<strong>da</strong>de, os dois primeiros desde os anos ‟50, na formulação amadureci<strong>da</strong>, <strong>da</strong>vanguar<strong>da</strong> paulista; Zé Celso, desde o Tropicalismo. Esses três criadoresexponenciais, muito provavelmente se apresentam como a grande síntese <strong>da</strong> culturade SP e, com certeza, os que mais mantém ativo o caráter <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. A maior partedos novos artistas afinados com as linguagens <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de nesse final de século, faz<strong>em</strong>referência a algum deles, mesmo porque é fazer referência à linha que os conduz <strong>da</strong>sexperiências dos modernistas de ‟22, às <strong>pesquisa</strong>s dos anos ‟50 e ‟70.J. <strong>Bassani</strong>

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