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Quando entrei na Sainte-<br />
Chapelle foi a única vez em<br />
minha vida que me lembro de<br />
ter tido uma surpresa tão<br />
agradável que exclamei:<br />
“Ah! Eu não imaginava<br />
tanta beleza!”<br />
Acima, Sainte-Chapelle, Paris. Na página<br />
anterior, Catedral de Notre-Dame de<br />
Paris e Castelo de Saumur, França<br />
do medieval se reduz a esse estado de espírito. Quando algo<br />
não o possui, está em discrepância com a Idade Média.<br />
Então, a armadura do cavaleiro, a coroa de um rei, o<br />
pulchrum de uma aldeia, a estabilidade de uma corporação,<br />
a majestade de um castelo, enfim qualquer coisa<br />
medieval é um dos estados de espírito secundários, derivados<br />
deste grande estado de espírito central.<br />
E julgo que este estado de espírito viveu e se expandiu<br />
a partir de Cluny 4 . E mais remotamente a partir da pessoa<br />
de São Bento.<br />
Peguei nesgas deste estado de espírito no mosteiro de<br />
São Bento em São Paulo. Numa tarde, estando lá com<br />
dois membros de nosso Movimento, tivemos uma impressão<br />
singular de que a Igreja de São Bento revivia inteira.<br />
A impressão que eu tinha era essa: aqui há esse estado<br />
de espírito.<br />
Passeando dentro de um olhar<br />
E no atual Jardim São Bento 5 , todos<br />
ou quase todos os nomes de ruas são ligados<br />
à história beneditina no mundo<br />
ou no Brasil, por exemplo, Rua Dom<br />
Domingos de Silos. Trata-se do velho<br />
abade Dom Domingos que conheci bem<br />
e era um homem respeitável. Esse bairro<br />
era uma antiga chácara, na qual estive<br />
várias vezes. Por cima da vegetação<br />
tropical pairava esse estado de espírito.<br />
Estive neste prédio 6 , no tempo em<br />
que era observatório astronômico. Olhei<br />
o prédio por alto e pensei com meus botões:<br />
“Aqui está mais uma construção<br />
feita com material moderno e que, provavelmente,<br />
polui este ambiente sacral e<br />
antigo que existe aqui.”<br />
Havia também um lago de uma água<br />
estagnada e pensativa, com mil folhinhas as quais vinham<br />
não sei de que raízes do solo e faziam com que o lago parecesse<br />
de esmeralda. Creio já ter falado aos presentes a<br />
respeito do olhar azul de dois beneditinos alemães que<br />
moravam aqui e eram irmãos leigos, muito direitos, sérios,<br />
pensativos. Lembro-me de que, certa vez, dirigindo-<br />
-me a um deles, eu lhe disse qualquer coisa. Ele parou de<br />
trabalhar — eram carpinteiros —, olhou-me como a um<br />
ser vindo não sei de onde, deu uma resposta em duas ou<br />
três palavras amáveis, mas de fim de conversa, e continuou<br />
no trabalho dele. Pensei: “Eu passeei dentro de um<br />
olhar; nunca isso me sairá do espírito.”<br />
Transcorreram os anos. Quando pela primeira vez venho<br />
visitar este prédio, enquanto sendo uma sede nossa, sou tomado<br />
pela mesma impressão que me davam o Mosteiro em<br />
São Paulo, o contato com um ou com outro beneditino,<br />
com coisas beneditinas que tenho conhecido ao longo de<br />
minha vida, as biografias de São Bento e de Santa Escolástica<br />
que eu li. É aquele mesmo estado de espírito. v<br />
(Extraído de conferência de 30/5/1981)<br />
1) Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879). Arquiteto francês, famoso<br />
restaurador de edifícios medievais.<br />
2) Ver “<strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”, n. 53, Agosto/2002, p. 31.<br />
3) Cf. Sl 48, 3.<br />
4) Mosteiro beneditino cuja ação e influência exerceram um<br />
papel fundamental na formação da Cristandade medieval.<br />
5) Bairro nobre da zona norte de São Paulo onde a Ordem Beneditina<br />
possuía propriedades até fins da década de 1940.<br />
6) Uma das sedes do Movimento onde <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> realizou a<br />
presente exposição.<br />
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