Revista Dr Plinio 64
Julho de 2003
Julho de 2003
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PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />
Procuremos colocar diante<br />
de nossos olhos alguns aspectos<br />
do filme que nos tornam<br />
mais presentes a atmosfera, as<br />
particularidades e circunstâncias da<br />
época, refletindo o que considero<br />
“Ambientes, costumes, civilizações” ².<br />
Antes de tudo, chamo a atenção<br />
para o seu lado simbólico, expresso de<br />
maneira muito fina e atraente. Por<br />
exemplo, logo no início, vêem-se alguns<br />
marrecos voando sobre o Rio<br />
Tâmisa, meio dispersos no céu. De repente,<br />
um deles faz movimento mais<br />
intenso numa direção e todos os outros<br />
o seguem. Esta cena — na aparência<br />
um incidente — tem um sentido<br />
simbólico. Ela insinua a versatilidade<br />
dos homens, assinalada pela versatilidade<br />
de certos animais gregários<br />
que vão indo sem rumo e, de súbito,<br />
um ou dois tomam determinado caminho,<br />
acompanhados pelos demais.<br />
É bem este o papel que o rei representa<br />
no filme. Nação católica, a Inglaterra<br />
seguia seu curso. Mas, em<br />
determinado momento, por uma veleidade<br />
qualquer, Henrique VIII muda<br />
de atitude, e com essa transformação,<br />
o país inteiro abandona a Santa<br />
Igreja.<br />
Com efeito, no século XVI a Idade<br />
Média estava acabando de desaparecer,<br />
e com a morte de São Tomás<br />
Morus, a monarquia orgânica também<br />
deixaria de existir. Esta se baseava<br />
no princípio da subsidiariedade, segundo<br />
o qual cada corpo social deve<br />
Com a morte de<br />
São Tomás Morus<br />
a monarquia<br />
orgânica deixaria<br />
de existir<br />
na Inglaterra<br />
O desejo de liquidar as<br />
organicidades<br />
Havia, porém, um sentido mais<br />
profundo para essa mudança.<br />
tirar de si mesmo a solução de seus<br />
respectivos problemas, sendo apoiado<br />
pelo corpo superior apenas na medida<br />
em que não for capaz de resolver<br />
suas dificuldades.<br />
Assim, na Europa medieval cada<br />
região e cada cidade possuía suas leis,<br />
instituições, vida e costumes próprios,<br />
o mesmo se dando com as corporações<br />
de ofício dentro das cidades, assim<br />
como com os pequenos feudos encaixados<br />
em feudos maiores. Os grandes<br />
só intervinham na existência dos<br />
pequenos para remediar as violaçoes<br />
da Lei de Deus e dos princípios da<br />
civilização cristã, ou para sustentá-los<br />
quando por si mesmos não podiam<br />
fazê-lo.<br />
Acima dessa cadeia de subsidiariedades<br />
estava o Rei, que exercia o<br />
mesmo princípio em relação a todos<br />
os seus menores. Ele era o mantenedor<br />
de todas as autonomias e liberdades,<br />
como era também o coordenador<br />
e o estimulador de todas as<br />
atividades gerais de seu reino.<br />
Entre essas autonomias, a maior e<br />
mais notável era a da Igreja. E quando<br />
se trata da Esposa Mística de Cristo<br />
não se poder falar em autonomia,<br />
mas de soberania. A Igreja é uma entidade<br />
soberana tanto quanto o Estado,<br />
e Ela, na sua esfera própria, não pode<br />
absolutamente ser governada pelo rei.<br />
Ora, com a decadência da Idade<br />
Média, os reis começaram a se tornar<br />
absolutos, tomando como modelos<br />
os imperadores<br />
romanos,<br />
verdadeiros<br />
déspotas. E<br />
com a mania<br />
de voltar às<br />
fontes romanas,<br />
passaram<br />
a eliminar todas<br />
as autonomias<br />
inferiores, jogando-se particularmente<br />
contra a soberania da Igreja.<br />
Eles não A queriam como força<br />
superior — na sua esfera própria —<br />
ao poder temporal, e, portanto, independente<br />
do Estado, mas como instrumento<br />
para o governo do país.<br />
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