Revista Dr Plinio 64
Julho de 2003
Julho de 2003
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Seguindo essa tendência, Henrique<br />
VIII declarou a igreja da Inglaterra<br />
separada de Roma, chamando<br />
para si a suprema autoridade também<br />
na esfera eclesiástica. Com isso ele<br />
atingia seu objetivo, ou seja, o domínio<br />
pleno e absoluto sobre todo o país.<br />
Esse foi o fato trágico que se passou<br />
na Inglaterra daquele tempo.<br />
A Cristandade em agonia<br />
simbolizada por São<br />
Tomás Morus<br />
Voltando à análise do filme, percebemos<br />
nele um espetáculo de “ambientes<br />
e costumes” que apresenta<br />
ao pisar inconsideradamente na lama,<br />
olha para eles e solta uma gargalhada.<br />
E todos respondem com gargalhadas.<br />
Eles não estavam achando graça<br />
em nada, mas riam porque o monarca<br />
os fitou com ferocidade, como quem<br />
diz: “Riam, porque eu quero que vocês<br />
riam”. E todos obedecem porque<br />
o Rei lhes dava uma vida alegre, luxuosa,<br />
cômoda, gostosa e brilhante,<br />
em que eles se compraziam.<br />
Nessa cena aparece o aspecto revolucionário<br />
da corte, que começa a<br />
perder o sentido do dever, porque<br />
perdia o sentido da Religião: onde<br />
morre este, aquele desaparece por<br />
completo. E aí se manifesta, também,<br />
Pouco adiante, vê-se a cena dos fidalgos<br />
na casa de Morus, conversando<br />
com a família. Quando o Rei decidiu<br />
sair, eles o seguiram sem se despedir<br />
do anfitrião, porque perceberam<br />
que este tinha brigado com Henrique<br />
VIII. É o modo absolutista, revolucionário,<br />
de viver a instituição da<br />
monarquia. Portanto, algo degradante.<br />
O mesmo se nota na cena precedente,<br />
em que o Rei e Tomás Morus<br />
conversam sozinhos no jardim. Henrique<br />
VIII tenta induzi-lo a aceitar<br />
seu divórcio, tomando atitudes muito<br />
variáveis. Ora procura ameaçá-lo, ora<br />
assume ares de grande intimidade,<br />
como quem o respeita. Depois, com<br />
maneiras de crápula, tenta debochar<br />
do seu interlocutor, querendo colocá-lo<br />
na alternativa de romper com<br />
ele ou acompanhá-lo na aceitação do<br />
pecado.<br />
ainda muitos aspectos<br />
medievais, misturados<br />
a outros de<br />
cunho renascentista.<br />
Donde uns contrastes<br />
chocantes<br />
de lados simpáticos<br />
e antipáticos — digo<br />
mais, revolucionários<br />
e contra-revolucionários³<br />
— que cercam a atmosfera<br />
da coroa inglesa.<br />
Então, na cena da chegada de Henrique<br />
VIII à casa de São Tomás Morus,<br />
aquele tipo do Rei absoluto que<br />
pula como um porco para fora do barco,<br />
metendo os pés no lodo, é um tirano<br />
dos fidalgos que o acompanham.<br />
Depois de ver que fez uma asneira<br />
aquele domínio dos reis sobre os nobres,<br />
simbolizado pelos marrecos do<br />
início do filme.<br />
Modelo de fidalgo<br />
católico, sabia<br />
que devia obedecer<br />
antes à Lei de<br />
Deus que ao seu Rei<br />
E se percebe em Tomás Morus o tipo<br />
do cortesão medieval, sério, digno,<br />
inteligente, composto — ao contrário<br />
dos outros cortesãos, homens sem<br />
compostura nem dignidade — fiel à<br />
tradição católica de respeito para com<br />
o seu rei, mas de respeito também para<br />
com a sua própria consciência. Ele<br />
tem noção da existência da regra divina,<br />
superior à humana, que deve ser<br />
obedecida acima de qualquer coisa.<br />
Ora, no diálogo do jardim abordase<br />
a questão do casamento do Rei. A<br />
Rainha, Catarina de Aragão, tinha<br />
sido esposa do falecido irmão dele.<br />
Então Henrique VIII, usando de um<br />
sofisma barato, diz que não podia ter<br />
se casado validamente com a viúva<br />
do irmão.<br />
A tática de Tómas Morus, por sua<br />
vez, é de uma frieza política e bem cal-<br />
17