17.10.2016 Views

Revista Dr Plinio 64

Julho de 2003

Julho de 2003

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

No julgamento,<br />

São Tomás Morus<br />

aparece como<br />

um homem<br />

completamente só;<br />

todos votaram<br />

a sua morte<br />

distância ainda maior, o réu vai diminuindo<br />

e se apagando.<br />

Poder-se-ia desenvolver toda uma<br />

teoria das distâncias, ligada ao porte,<br />

ao tom da voz, à elevação do que<br />

Morus diz, a convicção com que ele<br />

fala e a dramaticidade do julgamento.<br />

Um conteúdo dramático aumenta<br />

a necessidade de distância. Pelo<br />

contrário, se ele estivesse sendo julgado<br />

por um crime passível de seis<br />

meses de prisão, aquele espaço seria<br />

ridículo. Para um homem prestes a<br />

receber a pena de morte, é uma bela<br />

distância, adequada ao ator, ao contexto<br />

dentro do qual ele falava e ao<br />

tema que estava sendo tratado.<br />

“Bonum” e “verum”<br />

separados do<br />

“pulchrum”<br />

O escritório do Cromwell, por<br />

exemplo, é um pequeno porão onde<br />

se faz a contabilidade do palácio,<br />

sem nada da instalação digna de um<br />

ministro de um grande reino.<br />

Já na cena do processo, a fita decai<br />

bruscamente. Dir-se-ia ter entrado<br />

outro diretor, e todo o ambiente<br />

— que é o objeto de nossa preocupação<br />

— passa a ser sem graça, sem<br />

interesse, enquanto, pelo contrário,<br />

a parte de narração toma importância.<br />

O filme torna-se mais teatro que<br />

cinema, onde os diálogos primam sobre<br />

os cenários e os jogos fisionômicos.<br />

Os personagens são todos melados<br />

e exagerados, como o Cromwell,<br />

que representa de maneira demasiada<br />

a traição e a brutalidade. Há uma<br />

coerência, sim, entre o físico dele e a<br />

sua oratória de acusação. A voz é<br />

vulgarmente sonora, ou melhor, sonoramente<br />

vulgar.<br />

A cadeira de São Tomás Morus<br />

está colocada a uma bonita distância<br />

dos três dignitários, assentados sob<br />

um dossel e um vitral. O problema<br />

distância reveste-se de uma importância<br />

peculiar, porque confere a verdadeira<br />

dimensão à solenidade da<br />

cena. Quanto maior a distância, mais<br />

grave é a situação do réu, maior a imponência,<br />

e tanto mais a cena ganha<br />

em esplendor. Mas, passando-se dessa<br />

medida imponderável — toda ela<br />

dependendo de senso — para uma<br />

Aí nos deparamos com São Tomás<br />

enquanto homem completamente só.<br />

Ele discute com uma lógica tal que encosta<br />

todos os seus acusadores na parede.<br />

Em vários momentos, as pessoas<br />

ficam sem saber o que dizer, e algumas<br />

até começam a dar razão a ele. Porém,<br />

no fim todos votam a sua morte.<br />

Fica-me a lembrança do belo traje<br />

do homem que traiu São Tomás Morus.<br />

Tenho a impressão de que cada<br />

povo possui um talento especial para<br />

manusear determinada cor ou grupo<br />

de cores. O francês, por exemplo, com<br />

o bleu de roi, o ouro sobre azul. Os<br />

ingleses, no meu entender, dominam<br />

o verde. Em primeiro lugar, o dos<br />

seus gramados, simplesmente fenomenais.<br />

Eles plantam esmeraldas! E<br />

tiveram a maestria de fazer jardins<br />

bastante simples, imensos, às vezes<br />

sem flores nem adornos, apenas o<br />

verde. Mas, quem tem aquele verde,<br />

tem também o direito e até o dever<br />

de proceder assim.<br />

E a beleza da vestimenta do traidor<br />

está nos seus vários tons de verde,<br />

combinando com a cor dos olhos dele<br />

e o seu modo de ser. Ele é esbelto,<br />

um pouco elegante de atitudes, vivo<br />

e sabe movimentar-se de maneira a<br />

tirar dos verdes todos os matizes possíveis.<br />

É, de longe, o personagem mais<br />

decorativo da cena inteira.<br />

Agora, esse verde é posto intencionalmente<br />

na roupa do traidor, para<br />

acentuar o conflito entre o verum<br />

e o bonum de um lado, e o pulchrum<br />

de outro. É como um punhal que penetra<br />

na carne para dividi-la. O espí-<br />

19

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!