Revista Dr Plinio 64
Julho de 2003
Julho de 2003
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No julgamento,<br />
São Tomás Morus<br />
aparece como<br />
um homem<br />
completamente só;<br />
todos votaram<br />
a sua morte<br />
distância ainda maior, o réu vai diminuindo<br />
e se apagando.<br />
Poder-se-ia desenvolver toda uma<br />
teoria das distâncias, ligada ao porte,<br />
ao tom da voz, à elevação do que<br />
Morus diz, a convicção com que ele<br />
fala e a dramaticidade do julgamento.<br />
Um conteúdo dramático aumenta<br />
a necessidade de distância. Pelo<br />
contrário, se ele estivesse sendo julgado<br />
por um crime passível de seis<br />
meses de prisão, aquele espaço seria<br />
ridículo. Para um homem prestes a<br />
receber a pena de morte, é uma bela<br />
distância, adequada ao ator, ao contexto<br />
dentro do qual ele falava e ao<br />
tema que estava sendo tratado.<br />
“Bonum” e “verum”<br />
separados do<br />
“pulchrum”<br />
O escritório do Cromwell, por<br />
exemplo, é um pequeno porão onde<br />
se faz a contabilidade do palácio,<br />
sem nada da instalação digna de um<br />
ministro de um grande reino.<br />
Já na cena do processo, a fita decai<br />
bruscamente. Dir-se-ia ter entrado<br />
outro diretor, e todo o ambiente<br />
— que é o objeto de nossa preocupação<br />
— passa a ser sem graça, sem<br />
interesse, enquanto, pelo contrário,<br />
a parte de narração toma importância.<br />
O filme torna-se mais teatro que<br />
cinema, onde os diálogos primam sobre<br />
os cenários e os jogos fisionômicos.<br />
Os personagens são todos melados<br />
e exagerados, como o Cromwell,<br />
que representa de maneira demasiada<br />
a traição e a brutalidade. Há uma<br />
coerência, sim, entre o físico dele e a<br />
sua oratória de acusação. A voz é<br />
vulgarmente sonora, ou melhor, sonoramente<br />
vulgar.<br />
A cadeira de São Tomás Morus<br />
está colocada a uma bonita distância<br />
dos três dignitários, assentados sob<br />
um dossel e um vitral. O problema<br />
distância reveste-se de uma importância<br />
peculiar, porque confere a verdadeira<br />
dimensão à solenidade da<br />
cena. Quanto maior a distância, mais<br />
grave é a situação do réu, maior a imponência,<br />
e tanto mais a cena ganha<br />
em esplendor. Mas, passando-se dessa<br />
medida imponderável — toda ela<br />
dependendo de senso — para uma<br />
Aí nos deparamos com São Tomás<br />
enquanto homem completamente só.<br />
Ele discute com uma lógica tal que encosta<br />
todos os seus acusadores na parede.<br />
Em vários momentos, as pessoas<br />
ficam sem saber o que dizer, e algumas<br />
até começam a dar razão a ele. Porém,<br />
no fim todos votam a sua morte.<br />
Fica-me a lembrança do belo traje<br />
do homem que traiu São Tomás Morus.<br />
Tenho a impressão de que cada<br />
povo possui um talento especial para<br />
manusear determinada cor ou grupo<br />
de cores. O francês, por exemplo, com<br />
o bleu de roi, o ouro sobre azul. Os<br />
ingleses, no meu entender, dominam<br />
o verde. Em primeiro lugar, o dos<br />
seus gramados, simplesmente fenomenais.<br />
Eles plantam esmeraldas! E<br />
tiveram a maestria de fazer jardins<br />
bastante simples, imensos, às vezes<br />
sem flores nem adornos, apenas o<br />
verde. Mas, quem tem aquele verde,<br />
tem também o direito e até o dever<br />
de proceder assim.<br />
E a beleza da vestimenta do traidor<br />
está nos seus vários tons de verde,<br />
combinando com a cor dos olhos dele<br />
e o seu modo de ser. Ele é esbelto,<br />
um pouco elegante de atitudes, vivo<br />
e sabe movimentar-se de maneira a<br />
tirar dos verdes todos os matizes possíveis.<br />
É, de longe, o personagem mais<br />
decorativo da cena inteira.<br />
Agora, esse verde é posto intencionalmente<br />
na roupa do traidor, para<br />
acentuar o conflito entre o verum<br />
e o bonum de um lado, e o pulchrum<br />
de outro. É como um punhal que penetra<br />
na carne para dividi-la. O espí-<br />
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