DR. PLINIO COMENTA... “O Rei David em oração”, iluminura medieval para os Salmos Penitenciais “Cria em mim, ó Deus, um coração puro...” 6
C ontinuamos neste número a publicação da conferência de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sobre o Salmo 50, o Miserere, feita para uma assistência formada, em sua grande maioria, por ouvintes muito jovens. Ao pecar, o homem encontra-se só diante de Deus Pequei contra Ti só, e fiz o mal diante dos teus olhos, para que sejas encontrado justo nas tuas palavras, e venças quando fores julgar. “Pequei só contra Ti”, quer dizer: Vós sois tal que, embora haja uma multidão incontável de homens, o que cada um faz é tão conhecido, pesado, ponderado e julgado por Vós, que a ação de cada um deles é como se estivesse só diante de Vós. Quando pequei, ó Deus — eu louco, desatinado, transviado — pequei como se estivesse só diante de Vós. Entrei na sala dos vossos julgamentos, estáveis no vosso trono, cercado do incenso dos Anjos e da reverência de toda a corte celeste. Não me incomodei: fui diante de Vós e pequei. Preciso me arrepender. Ó Deus, tende pena de mim! Eis que eu fui concebido em iniqüidades, e minha mãe concebeu-me no pecado. O mal que há em mim vem da raiz. É o pecado original de que sou portador. Minha mãe concebeu-me no pecado original. Meu Deus, é verdade, dei consentimento a meus próprios pecados, mas tende pena de mim. Permiti que, envergonhado, acanhado, humilhado, murmure em meu favor uma atenuante que já conheceis: fui gerado nas más tendências, nos defeitos naturais que o pecado original coloca no homem, e, em virtude disso, tenho inclinação para o mal. Cedi a essa inclinação e aqui estou para pedir perdão. Mas lembrai-Vos de que o primeiro impulso me veio de uma coisa da qual não tenho culpa. Eis que Tu amaste a verdade, e me revelaste o segredo e o mistério da tua sabedoria. Com o arrependimento, começa a transparecer, de dentro das trevas do pecado, a alvura da alma perdoada Aqui o Salmista sublinha: “Eis que Tu amaste a verdade”, como quem diz: Fui eu quem não amou a verdade. Fui adúltero, e o adultério vem carregado de mentira. Essa mentira, eu a cometi, não amei a verdade. Que diferença, ó Deus, entre Vós, sentado num trono carregado pelos Querubins e pelos Serafins, e eu mentiroso! “Deus odeia a boca mentirosa”, diz a Escritura. Uma dessas bocas é a minha. Em vez de me servir da palavra que dais a cada homem para dizer a verdade, utilizei-me de meus lábios pecadores, de minha voz prevaricadora, para mentir. É tão nobre comunicar o próprio pensamento, comunicar a verdade a um outro que também diz a verdade! E como é vil os homens se entreterem na mentira, se entreterem no pecado! Que indignidade! Esse indigno sou eu, meu Deus. Fiz isso diante de Vós. O perdão, a purificação e a exultação A esta altura, o pecador já se acusou largamente e vemos começar a transparecer de dentro das trevas do pecado a alvura da alma perdoada: Tu me aspergirás com o hissope, e serei purificado; lavarme-ás, e me tornarei mais branco que a neve. Dizer a Deus: “Vós fareis isso...”, já é um ato de confiança. É dizer-Lhe: “Vós vencereis, com vossa misericórdia, o meu pecado e eu me tornarei mais alvo do que a neve. Aspergir-me-ás com o hissope e ficarei limpo, ficarei de uma alvura cintilante, de uma alvura quase capaz de ferir a vista.” O porco, o nauseabundo, está agora perfumado como uma flor. É o perdão de Deus que baixou sobre ele. 7